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Institucionalização de práticas participativas na administração pública: caminho para democratização do poder local

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

INSTITUCIONALIZAÇÃO DE

PRÁTICAS PARTICIPATIVAS

NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

CAMINHO PARA DEMOCRATIZAÇÃO

DO PODER LOCAL?

(Estudo de caso do Orçamento Participativo de Niterói)

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR

Lessandra da Silva

E

APROVADA EM

PELA COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Prof. Fernando Guilherme Tenório – Doutor em Engenharia de Produção

_______________________________________________________________ Profª. Deborah Moraes Zouain – Doutora em Engenharia de Produção

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RESUMO

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ABSTRACT

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Para todos àqueles que acreditam e contribuem para a construção de um mundo melhor, com valores solidários, democráticos e comprometidos

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AGRADECIMENTOS

Registrarei nessas páginas iniciais – tendo em vista que ao longo da dissertação imprimem-se palavras calculadamente “imaginadas” e escritas pela letra fria e impessoal da designada “acuidade científica” - todo o percurso mais “humanístico” e “acalourado” de sentimentos intensos que contagiaram todo o processo de construção desse trabalho. Gostaria de ratificar a suposta “neutralidade” e a pseudo “impessoalidade” deste “projeto científico”, por meio da publicização de todos convites recusados, por momentos intensamente construídos e vividos e por inúmeras renúncias à momentos outros ... Por pensamentos e sentimentos abortados e estancados durante o processo de “gestação” do produto agora, “totalmente” formado, pronto para informar, formar, formatar.

Nas páginas seguintes não se imprimiram tais sentimentos de recusa e angústias; incipiência e maturação; nem o tanto de desertificação. Horas foram dedicadas à elaboração desse trabalho, exigência suprema do processo de investigação e construção do “conhecimento científico”, conduzido por uma suposta ética “vitoriana”, do fazer uma dissertação. Dos familiares e amigos espera-se a cumplicidade - de um nem tão breve assim – congelamento de conversas e adiamento de encontros, constantemente renovados por mensagens de compartilhamento afetivo e intelectual. Portanto, faz-se necessário registrar aqui, cada lacuna de conversas que não puderam existir e por outras que foram tecidas, construídas e redes de diálogos compartilhados. Ressalta-se cada carinho interrompido, cada gesto abolido, cada ausência em ocasiões importantes e o tempo curto, sempre muito curto, para maximização de interesses outros ... e tão oportunos e desejados!!!

E nesse processo de elaboração de dissertação, constantemente orientado pelo ato de construção-desconstrução, criar e recriar, de dúvidas precedidas por momentos de apreensão e inconstância de sensações, percepções e sentimentos, muitas pessoas queridas estiveram comigo. E essas páginas eu dedico para agradecer aos familiares e amigos sempre tão presentes.

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passeios planejados e imaginados que nunca se concretizaram, mas que garantiram o constante renovar-se de vida, com suas ambigüidades e paixões... E como uma paixão, essa dissertação foi vivenciada por sentimentos contraditórios: ora o êxtase de um constante processar de novas descobertas, ora a veleidade imposta pela rotina impávida e obstacularizadora de ausência de renovações ... Hoje inscreve-se a sensação lúdica, presente e ruidosa do ato desfeito e feito ... mas do ato de construção. E a construção foi coletiva, fruto de um processo de interação social.

Portanto, inúmeros agradecimentos e homenagem rendidas, aqueles muitos que passaram (e ficaram) ao longo de minha história de vida (ou vidas...). Não poderei registrar aqui todos os nomes, que jamais se apagarão da parede de minha memória, sempre renovada por lembranças tão duradouras ... portanto, os nomes aqui citados representam inúmeras personalidades, cultivadas por personas simples e gestos cotidianos tão singelo, decifráveis e perenes ...

À minha amada e querida mãe, Vanilce Pereira da Silva, in memorian, pela presença forte, pela voz que nunca se cala, “pela força que nunca seca”;

Ao meu pai Jahir Rodrigues da Silva, por todo afeto e incansável afago;

Á meus irmãos Giseli, Elber, Everson, e cunhados: Norberto, Cynthia, Elizangela. A meus sobrinhos amados: Juliana, Júnior, Jared, Andrezza e Fillipe e a toda geração ainda por vir, agradeço por todo carinho, alegria e por todo “compartilhamento” ...

À Renata e à família Bloch, uma extensão da minha família, agradeço imensamente por todos momentos de força, ternura e alegria ...

Aos amigos de A e Z (representados por Valéria Rosa Bicudo), para não esquecer ninguém;

À José Luis Abreu Dutra, pelo percurso junto aos longos dos anos, pelos passeios, conversas, trabalhos e histórias compartilhadas;

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Ao meu orientador professor Fernando Guilherme Tenório, sou grata de modo especial. Pelo incentivo e apoio, pelo compartilhamento de valores e crenças. Por sua avidez e compromisso com a gestão social, uma lógica administrativa orientada não para o êxito empresarial mas por um agir comunicativo. Expresso minha profunda admiração. Agradeço a confiança e a oportunidade de desenvolver trabalhos conjuntos.

À professora Deborah Moraes Zouain por ter aceito o convite para integrar a banca.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 9

CAPÍTULO 1 - INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO: CAMINHO PARA “CONSTRUÇÃO” E “FABRICAÇÃO” DO DESIGNADO “CAPITAL SOCIAL”? ... 24

1.1 O Neo-institucionalismo ... 25

1.2 A “Teoria Cultural”: associativismo, relações verticais e horizontais... 29

1.3 Sistemas horizontais e sistemas verticais ... 32

1. 4 Clientelismo: como entender essa categoria?... 34

1.5 Institucionalização da participação: via para concretização da cidadania?... 41

CAPÍTULO 2 – CONHECENDO O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: ESTRUTURA, PROCESSO E MÉTODO DE DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DE INVESTIMENTOS ... 47

2.1 Orçamento Participativo: base para democracia?... 47

2.2 Os bastidores do Orçamento Participativo: as tentativas de aliança entre o Partido Democrático Brasileiro - PDT e o Partido dos Trabalhadores - PT ... 49

2.3 Recursos financeiros ... 56

2.4 A dinâmica do Orçamento Participativo... 61

2.4.1 Plenária Popular ... 61

2.4.2 Fórum de Delegados ... 63

2.4.3 Congresso de Delegados do Orçamento Participativo... 64

2.4.4 II Fórum de Delegados do Orçamento Participativo ... 66

2.4.5 II Plenária Popular ... 66

2.5 As demandas do Orçamento Participativo... 70

CAPÍTULO 3 – AS “REDES SOCIAIS” : OS ATORES E A PARTICIPAÇÃO NO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO ... 76

2.6 O Papel das Secretarias Regionais no Orçamento Participativo... 76

2.7 Secretários Regionais e Vereadores: Conflitos, Interesses, Disputas. Em Cena o Jogo de Poder83 2.8 Atores sociais (em) cena: considerações sobre a “participação” no Orçamento “Participativo”90 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 101

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INTRODUÇÃO

A partir do processo de “redemocratização” vivenciado pela sociedade brasileira em fins da década de 70, a “participação cidadã1’ passou a ser valorizada nos discursos políticos e nas propostas de gestão da administração pública. Um dos aspectos que contribuiu para a valorização da “cidadania” foi a revigoração do poder local promovido por tendências descentralizadoras da nova Constituição Federal de 19882.

A emergência de formatos administrativos na gestão pública municipal que se organizam e estruturam de modo a incorporar a participação cidadã na formulação e implementação de políticas públicas, vêm sendo amplamente debatidos nos meios político e acadêmico. Nesse sentido, o Programa de Estudos em Gestão Social (PEGS), que surgiu em 1991, na Escola de Brasileira Administração Pública (EBAP), da Fundação Getulio Vargas (FGV), constitui-se como um importante espaço acadêmico que tem como um de seus objetivos investigar experiências em políticas públicas que envolvam a participação cidadã, e se propõe a: elaborar material conceitual e instrumental que auxilie diferentes organizações e atores sociais na gestão de políticas, planos, programas e projetos de natureza social. Esta dissertação integra a linha de pesquisa “Participação Cidadã na Gestão Pública”, desenvolvida pelo PEGS.

Cabe ressaltar que muitos estudos que têm discutido a participação cidadã dentro desse novo “arranjo” institucional tem caráter normativo. A literatura acadêmica tem acentuado que a ocupação por parte da população desses espaços institucionais pode implicar na possibilidade de transformações de práticas sociais relacionadas ao “clientelismo” e ao “fisiologismo”. Nesse sentido, essas pesquisas partem de uma

1 Nesse trabalho não nos propomos a investigar a categoria participação em suas variações teóricas. Em

alguns estudos verifica-se o emprego de diversas terminologias: participação popular, participação cidadã, participação social, etc. Cada termo possui significados diferentes. Em nosso estudo nos referirmos ao termo “participação cidadã” e “cidadania” para nos referirmos à incorporação da participação de diversos atores da sociedade civil em mecanismos criados pela administração pública, como orçamento participativo, conselhos municipais, etc. Uma bibliografia sugerida para a discussão e elucidação teórica desses termos: TENÓRIO, Fernando G. & COSTA, Frederico Lustosa. (Organizadores) Bases conceituais e metodológicas para o estudo da participação cidadã na gestão pública: entre práticas e representações. Rio de Janeiro, CADERNOS EBAP n. 93, 1999.

2 Uma bibliografia que relata e analisa a temática da “participação cidadã” na Constituição Federal de

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premissa segundo a qual o “clientelismo” estaria associado a “sistemas pretéritos”, que não teria condições de sobreviver em uma “sociedade moderna”, orientada por administrações participativas. Um aparente consenso teórico entre vários estudiosos tem sido o de buscar demonstrar, a partir de experiências locais, que os “bons governos” são aqueles que incentivam e propiciam condições para que a participação cidadã na produção de políticas públicas possa ser efetivada (Boschi: 1980). Esse pensamento acompanha o movimento que vem ganhando força e espaço no atual contexto, de que o Estado deve ser o indutor de práticas de gestão descentralizadas que sejam estruturadas por uma tendência de participação do cidadão na definição de políticas públicas, que “bloqueiem ou neutralizem a vigência de práticas predatórias na relação entre agentes públicos e cidadãos” (Boschi, 1999: 655).

Dessa forma, alguns teóricos otimistas dessa corrente de pensamento, discutem a possibilidade da institucionalização de práticas participativas na gestão pública, através de mecanismos de accountability3, conseguir romper com estruturas clientelistas e impulsionar o desenvolvimento do capital social4 em locais nos quais essas experiências fossem bem sucedidas.

Alguns estudiosos apontam que variáveis tais como: “características do contexto urbano, com diferentes graus de complexidade administrativa em função de tamanho e população, e variáveis políticas como as características da plataforma de governo e a orientação partidária das administrações municipais” são fundamentais para determinar o êxito ou o fracasso dessas experiências (Boschi, 1999: 655). Esses teóricos acreditam que a institucionalização de instrumentos participativos na administração pública

3 Accountability é um termo que não tem tradução literal para o português. De acordo com O`Donnell

accountability compreende dois aspectos principais: a) a obrigação do governante e do funcionário de sujeitar seus atos à lei; b) a obrigação do governante de prestar contas dos seus atos, com suficiente transparência para que a cidadania possa avaliar sua gestão e, mediante procedimentos democráticos, ratificá-la ou rechaçá-la (O’DONNELL, 1991: 93).

4 O conceito de capital social inicialmente foi definido por James Coleman (1990) e está baseado em

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“produziria” o estabelecimento de relações sociais horizontais, que “induziria” ao fortalecimento da “sociedade civil” frente ao “Estado”.

Isso explica, em parte, o enaltecimento de práticas descentralizadoras que ganhou força nos discursos de acadêmicos e de administradores públicos nos últimos anos, tendo em vista que o espaço local tem sido considerado um lugar de “excelência” para que a instauração de formatos institucionais capazes de assegurar o acesso da população à produção de políticas sejam bem sucedidos.

O maior problema suscitado pelas matrizes interpretativas das práticas descentralizadoras é sua obsessão em associar descentralização/democratização, já que as premissas que organizam tais matrizes, encontram-se polarizadas entre a valorização da participação como uma forma de negação do clientelismo, e consequentemente, como democratizadoras das relações que ocorrem no âmbito local, e o discurso de patrimonialismo diretamente associado ao clientelismo, e, portanto, identificado como um sistema pretérito que pretensamente seria eliminado pela gestão participativa. Dessa forma, discute-se sobre a impossibilidade de uma convivência entre duas formas de gestão: a patrimonialista e a racional-democrático. Algumas pesquisas que associam automaticamente descentralização com democratização parecem mais “otimistas apostas ideológicas”, do que resultados de análises empíricas. Dessa forma, alguns estudos apontam para uma aparente idéia de que a administração pública deve “promover a participação”. Grande parte de pesquisas realizadas sobre democracia têm se restringido a verificar a formalização de instrumentos democráticos (eleições livres, direitos civis adquiridos, etc.,) e a institucionalização de mecanismos de participação da cidadania na gestão pública. Mas não têm se ocupado em analisar se essa participação formalizada e criada pelos mecanismos do Estado tem conduzido de fato, à promoção da democratização das relações sociais na “prática cotidiana” do espaço local.

A questão

Essa proposta de participação “semi-direta” na gestão pública, ou seja, a “institucionalização da participação5”, tem se manifestado em algumas experiências do

5 Estamos aqui entendendo por institucionalização da participação os mecanismos formalmente criados

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chamado Orçamento Participativo e também por intermédio dos Conselhos Municipais, estes últimos, instituídos por meio de legislação nacional, que condiciona a transferência de recursos para os municípios à criação desses conselhos, que se constituem como uma forma de “controle social”. Já o Orçamento Participativo é uma proposta de governabilidade que depende da proposta de gestão da plataforma política partidária de cada administração pública, seja estadual ou municipal. Esses mecanismos tem sido entendidos e estudados como uma “estratégia para instituição da cidadania no Brasil6.”

Portanto, busquei investigar nesse estudo, como essa “institucionalidade democrática” se insere na prática cotidiana dos atores sociais. Entretanto, devo ressaltar que não procurei estabelecer possíveis fórmulas para a implementação de políticas públicas ou modelos administrativos capazes de serem mais “eficientes” e “eficazes” na incorporação da participação da “cidadania” na gestão municipal. A análise tem seu foco direcionado para a prática, ou seja, preocupei-me em verificar as ações e representações políticas inseridas num contexto de redes sociais que conformam o espaço político em Niterói, onde disputa-se poder e a construção da representação do mundo social. Considero que uma reflexão sistemática sobre a incorporação dessa “institucionalidade democrática e participativa” nas ações dos atores sociais, contribui firmemente para a possibilidade de aperfeiçoamento das práticas e de modelos administrativos capazes de possibilitar um melhor “desempenho” das instituições políticas7.

Buscou-se perceber nesse estudo, se a institucionalização de instrumentos participativos, deflagrados pelo poder público administrativo, está relacionada com a prática e a percepção dos diversos atores sociais acerca da participação e do seu papel enquanto promotor de uma “cultura democrática”. Buscou-se analisar se está ocorrendo a democratização das relações sociais, através de mecanismos de participação

estudo, o Orçamento Participativo é analisado como um dos instrumentos desenvolvidos pela administração municipal para incorporar a participação popular na gestão pública.

6 Ver FEDOZZI, Luciano. Esfera Pública e Cidadania: a experiência do Orçamento Participativo de Porto

Alegre. Pg. 3. Mímeo.

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cidadã criados dentro da administração pública, no caso específico, por meio de análise do Orçamento Participativo (OP) do município de Niterói8.

Nesse sentido, é importante destacar que esse trabalho está organizado de modo a buscar uma interação constante entre teoria e prática. Essa introdução é um indicativo da estrutura proposta para este estudo. Nela já constam algumas análises preliminares acerca do percurso metodológico, as investigações conceituais e de campo. Fiz a opção em trabalhar buscando descrever o processo sobre os procedimentos utilizados para reunir e analisar o material que constitui o fundamento para a construção do objeto em estudo. Isso decorre para demonstrar que essas informações são parte essencial da pesquisa, pois fornecem elementos para clarificar as condições sociais de produção dos dados examinados.

Nesse sentido, cabe-me esclarecer que os capítulos não foram estruturados de forma clássica, ou seja, uma parte onde consta o referencial teórico e a outra onde situa-se o referencial prático. Busquei atrelar as referências teórico-conceituais ao que foi observado em campo em todo o percurso dessa dissertação. Dessa forma, o Capítulo 1 traz uma breve apresentação sobre algumas teorias que discutem a questão do “capital social”, a partir de duas perspectivas: a neo-institucionalista e a designada “culturalista”, além de discutir o conceito de clientelismo, partindo de uma perspectiva que vai além do entendimento dessa categoria envolvendo apenas trocas materiais entre patrão-cliente. Como disse anteriormente, os estudos sobre a institucionalização da participação cidadã geralmente tem se constituído como discursos que demonstram um certo otimismo com a introdução de mecanismos de participação cidadã na gestão pública, argumentando que isso possibilita “eliminar” práticas de sistemas considerados pretéritos, como o patrimonialismo e o clientelismo. Portanto, ao trazer esse tipo de debate para o espaço dessa dissertação, tive mais a intenção de fazer uma reflexão sobre o que pôde ser observado em campo, do que esgotar teoricamente as perspectivas que discutem densamente a questão da institucionalização. Desse modo, o tratamento dessas questões conceituais possibilitou-me refletir sobre o cotidiano das relações sociais que

8 Devo ressaltar que, inicialmente, me propus a estudar, além do Orçamento Participativo (OP) de Niterói,

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se desenvolvem no Orçamento Participativo de Niterói. O Capítulo 2 apresenta a metodologia do Orçamento Participativo de Niterói, descrevendo os atores envolvidos nesse processo e suas funções, onde também buscamos relacionar à algumas categorias sociológicas e ao que foi observado em campo. O Capítulo 3 é reservado à uma reflexão acerca da forma de participação e dos conflitos e observados no processo do Orçamento Participativo de Niterói.

Sobre o material analisado e o trabalho de campo

Foram utilizados material documental e sobretudo entrevistas com diferentes agentes envolvidos com o Orçamento Participativo de Niterói, onde busquei demonstrar o espaço das forças políticas em Niterói – em seus conflitos, interesses e arranjos – no interior do qual ocorre a implantação do Orçamento Participativo.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com representantes dos grupos sociais que integram a vida social e política do município: vereadores; representantes do executivo: secretários e assessores técnicos; lideranças de organizações da sociedade civil (associações de moradores), e delegados do OP. Pretendeu-se com essas entrevistas conhecer as redes pessoais que se estabelecem entre os vários grupos que participam e também daqueles que não integram o Orçamento Participativo (OP) de Niterói.

Os dados e informações necessários ao desenvolvimento da pesquisa foram coletados de acordo com os seguintes procedimentos: coletas de informações gerais pertinentes ao tema em livros e revistas especializadas; além disto, foram analisados documentos internos, tais como: relatórios e manuais distribuídos à população sobre o Orçamento Participativo de Niterói; também foram realizadas entrevistas; acompanhamento das atividades ligadas ao OP e observações de campo.

Nesse sentido, devemos ressaltar que o estudo privilegiou a ênfase na perspectiva etnográfica9 (entrevistas, observações e acompanhamento de algumas atividades, como

9 “É comum e justificável que leitores de relatórios de pesquisa qualitativa se queixem de que pouco ou

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as reuniões do OP, observações de ações e demandas do OP que chegam às secretarias regionais, por exemplo), que permite analisar o cotidiano no qual se desenvolvem as práticas do Orçamento Participativo. Dessa forma, nos utilizamos da observação participante, atividade fundamental na abordagem da pesquisa qualitativa, segundo Maria Cecília Minayo. A observação participante pode ser entendida, de acordo com Schwartz & Schwartz , como: “um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto(In: Minayo, 1998: 135). A observação de campo foi registrada num instrumento convencionalmente chamado de diário de campo. Nesse caderno constam todas as informações que não sejam o registro das entrevistas formais. ”Ou seja, observações sobre conversas informais, comportamentos, hábitos, usos, costumes, celebrações e instituições compõem o quadro das representações sociais” (Minayo, 1998: 100).

Dessa forma, os costumes, os comportamentos, os gestos também foram analisados para verificar como é incorporada no cotidiano desses agentes a “institucionalidade democrática”. Portanto, a observação participante possibilita a compreensão de um problema substantivo, em vez de “demonstrar relações entre variáveis abstratamente definidas” (Becker, 1994, 48). Bezerra aponta que “as práticas sociais, como bem lembrou F. Weber, não possuem o mesmo grau de visibilidade, reconhecimento social ou legitimidade. Nesse sentido, elas não são igualmente apreendidas pelos diferentes métodos de pesquisa (por exemplo, estatística, entrevista por questionário ou pesquisa de campo) (1999:27)”. Da mesma forma, Malinowski ressaltou que existem uma série de fenômenos que não podem ser registrados “através de perguntas, ou em documentos

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quantitativos, mas devem ser observados em sua plena realidade. Denominemo-los os imponderáveis da vida real” (1980:55). Entre estes imponderáveis da vida real situam-se tons de conversas, rotinas do trabalho, a existência de grandes amizades ou hostilidades entre as pessoas, as reações emocionais a certas questões. Tudo isso pôde ser observado a partir do campo e foi registrado.

O fenômeno relativo à participação propriamente política, pode ser estudado por meio de instrumentos objetivos para “medi-la”, tais como partido, eleições, conselhos municipais existentes e mesmo instrumentos de gestão participativos, como o próprio orçamento participativo. Entretanto, considerei nesse estudo, não esses indicadores como demonstrativos de democracia, mas busquei analisar a prática cotidiana dos atores sociais locais a partir da institucionalização desses “indicadores de democracia”. Nesse sentido, esses indicadores isoladamente, não demonstram se está havendo ou não a democratização das relações sociais na prática cotidiana. Dessa forma, após a visita a campo buscamos construir nosso objeto conformando-o a partir do resgate das conexões ativas entre os atores envolvidos no OP de Niterói e suas redes internas através de procedimentos como a observação participante, o exame de documentos primários, a análise de discurso e entrevistas com atores relevantes.

Assim, a complexidade do campo fez com que primássemos por uma análise não orientada por dados estatísticos, ou seja, categorias e indicadores que pudessem ser mensurados por dados numéricos. Privilegiou-se a recorrência à variáveis complexas, apreendidas num processo entre teoria/prática, ou seja, nossa análise do campo foi feita à luz de instrumentos teóricos e categorias formuladas por um conjunto de autores, enfatizando categorias, tais como: clientelismo, capital social e democracia. Isso foi “construído” a partir da observação dos conflitos existentes no processo do OP em Niterói, e de um conjunto de variáveis, como: a associação de interesses divergentes; relação entre diferentes atores; protelações, disputas, os vereadores e a relação com suas bases, e as secretarias regionais.

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realidade, eles são socialmente produzidos. Cabe ao pesquisador dar inteligibilidade ao material reunido. A pesquisa baseada na observação produz uma imensidão de descrições detalhadas. Nesse sentido, esse relato acerca da análise e reunião desse material, se constitui como um recurso metodológico10 e faz parte da pesquisa, possibilitando a explicitação das condições sociais de produção dos dados examinados.

Dessa forma, as dificuldades encontradas para a inserção no campo e para acesso às informações, nos dá indícios de que a descentralização, por si, não democratiza as relações no âmbito local11. Os argumentos em torno da descentralização, pautam-se em sua grande maioria, na apologia de que isso possibilitaria a “desburocratização” (Capistrano, 1995) além de se constituir como “o primeiro passo para conceder mais poder a atores políticos locais, antes submissos e dependentes do poder central” (Motta, 1994). Entretanto, a observação em campo, revelou que a “desburocratização” não é necessariamente, um dado da descentralização e que se esses “atores locais” antes “dependiam”, pretensamente, do “poder central”, nessa experiência em análise, existem formas de dependência mútua entre “patrões e clientes” que explicitam as relações sociais que permeiam todo o processo dos designados “instrumentos participativos da gestão pública”, nesse caso, por meio específico da análise do OP .

O material que analisei no OP é constituído por entrevistas com delegados do OP, presidentes de associações de moradores que não participaram do OP, coordenador do OP e por gestores públicos e secretários diretamente envolvidos com a implementação do Orçamento Participativo. Além disso, foram analisados documentos oficiais e recortes de jornais que relataram o caso. Uma ausência importante acerca dos entrevistados, diz respeito a impossibilidade de entrevistar dois vereadores que estão diretamente envolvidos com os conflitos verificados no OP. Procurei agendar, insistentemente, essas duas entrevistas, por considerá-las de fundamental importância para a pesquisa. Em um dos casos, liguei várias vezes, durante o período de cerca de 11

10 No campo das ciências denominadas como sociais, a compreensão da especificidade do método leva à

discussão do conceito de metodologia (Minayo,1996). Dessa forma, metodologia é, aqui, entendida como o “caminho e o instrumental próprios de abordagem da realidade” (Minayo,1996:p.22), em oposição à compreensão de que seja um “conjunto de técnicas a serem usadas para se abordar o social” (Minayo,1996:22).

11 Em uma ocasião, pedi a um secretário regional alguns contatos para poder chegar aos delegados do OP

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meses, sem obter sucesso em minhas tentativas. Foram várias “desculpas”: o vereador ficou doente, o vereador está numa reunião, deixe-me seu número que vou retornar sua ligação. A secretária do vereador, inclusive, quis saber se eu morava em Niterói, e se votava no município, etc. Em minha última tentativa, após as eleições municipais em 2.000, um assessor me disse que o vereador dificilmente me daria a entrevista, pois estava muito decepcionado, tendo em vista que havia perdido a eleição (ele estava há mais de quinze anos como vereador...). Isso também reforça a dificuldade que se tem no acesso aos vereadores. Nesse caso, a instituição na qual eu estava vinculada não tinha nenhum peso para que a entrevista fosse concedida. Informei da importância da

entrevista e que se tratava de utilidade pública, mas mesmo assim não obtive êxito.

Esse relato nos revela alguns vestígios que apontam para uma demonstração de que o acesso às informações no âmbito local não é tão fácil quanto supõem algumas teorias, e que as relações são baseadas na “pessoalidade”, portanto, não caracterizam-se por uma suposta impessoalidade, universalização e transparência das decisões dos gestores públicos.

Nesse trabalho não busquei defender (ou não), a descentralização das estruturas administrativas. Trata-se de verificar empiricamente, através do objeto investigado nesse estudo, o que de fato esta ocorrendo. Nesse sentido, considero que confinar o estudo da democratização no âmbito local, apenas à investigação da esfera institucional, observando somente os mecanismos formais que foram criados para inserir a cidadania na gestão pública, parece-me partir de uma referência teórica que considera a participação cidadã como um dado. Dessa forma, a experiência empírica possibilita a realização de um exame das práticas cotidianas das instituições oficiais.

No entanto, cabe ressaltar que, por ser um estudo de caso, esse trabalho possui a limitação de não possibilitar uma generalização, sendo sua análise e considerações específicas para o caso do Orçamento Participativo de Niterói.

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Descentralização, participação e cidadania

Os Conselhos Municipais e o Orçamento Participativo estão circunscritos à formas de participação da população na administração pública, impulsionados a partir do processo de descentralização instituído pela Constituição Federal de 1988. Um dos principais argumentos utilizados por teóricos e políticos defensores da descentralização e da introdução de mecanismos participativos na administração pública municipal assenta-se na hipótese de que eles garantiriam mais “eficiência, eficácia e efetividade” nas políticas públicas. Além disso, possibilitariam romper com o “clientelismo” e o “patrimonialismo”.

Nesse sentido, a experiência de regime autoritário vivida pelo Brasil, fez com que, na defesa da democratização, a questão da descentralização fosse automaticamente incorporada. Dessa forma, os processos de democratização política e de descentralização do Estado revalorizaram, ao longo da década passada, o papel dos governos locais, dando-lhes maior legitimidade12.

A literatura acadêmica tem abordado o tema da participação atrelado à questão da cidadania. E essas experiências municipais que adotam modelos gerenciais com propostas participativas também discursam sobre a associação entre esses dois conceitos. A questão da cidadania acaba sendo pensada a partir da perspectiva da emergência dos atores sociais e a descentralização do Estado para os municípios. Nesse sentido, alguns analistas consideram que a descentralização constitui-se num importante instrumento político-institucional capaz de contribuir para a democracia. Portanto, são clássicos os argumentos em favor da descentralização, de modo a demonstrar sua aplicabilidade para o fortalecimento da democracia, pois permite, hipoteticamente, a inclusão de uma pluralidade de atores sociais no âmbito local, participando do processo de tomada de decisão das políticas públicas.

Um levantamento de algumas elaborações teóricas parece apontar nesse sentido, indicando uma associação quase automática entre descentralização, democratização do poder local e eficiência nas políticas públicas. Nesse sentido, alguns autores (Motta,

12 A transferência de recursos federais para o municípios, as legislações locais e a criação de vários

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1994; Capistrano, 1995 ) argumentam que é na esfera municipal que o povo pode participar e interferir mais concretamente nas decisões. Segundo Capistrano (1995), é necessário que os municípios recebam cada vez mais recursos e autonomia administrativa, pois isto viabilizaria a co-gestão e aumentaria o poder de vigilância da população sobre os recursos públicos. A prática estaria demonstrando que os municípios fortalecidos a partir da descentralização, implicam numa política de desenvolvimento mais racional e com participação ativa dos atores sociais. “A proximidade geográfica, a desburocratização dos procedimentos e a possibilidade de uma efetiva fiscalização das políticas públicas são atrativos que encorajam a iniciativa privada e as organizações civis a tomar parte no processo de retomada do crescimento” (Capistrano, 1995: 86/87).

Para Paulo Motta, a descentralização constituiria “o primeiro passo para conceder mais poder a atores políticos locais, antes submissos e dependentes do poder central. Além do mais, a descentralização facilitaria novas formas de participação democrática por permitir a articulação e agregação de interesses comunitários antes desconsiderados pelo sistema político” (Motta, 1994: 174).

A bibliografia acadêmica até aqui revisitada parece conduzir à proposições que sugerem pensar que a descentralização leva, desde que sejam tomados alguns cuidados, a maior democratização do âmbito local e a maior eficiência das políticas públicas. Esse quase absoluto consenso sobre as virtudes da descentralização permeou o debate acadêmico principalmente nos anos 80.

Apesar dessas apostas otimistas em relação a descentralização, outros estudos tem enfatizado a fragilidade de tais argumentos, demonstrando que uma análise concreta das experiências municipais revela ser problemática a associação automática entre descentralização, gestão local e cidadania (Arretche, 1996, Nunes, 1990, Ugá, 1991).

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considera a hipótese de que a descentralização implica necessariamente democratização possui algumas deficiências básicas:

- “o pressuposto de que no nível local as instituições são necessariamente representativas da comunidade sob sua alçada;

- o pressuposto de que a participação a nível local é um dado;

- o pressuposto de que a descentralização e desburocratização estão diretamente associadas “ (Ugá, 1991: 99).

Ugá procura mostrar que estes pressupostos necessariamente não se verificam. Assim, conclui que o autoritarismo implica necessariamente a centralização, mas isto não significa que o não-autoritarismo implique necessariamente a descentralização e vice-versa. Desse modo, para que a descentralização signifique de fato maior democratização, contando com a participação da população local na condução das políticas públicas, Ugá lista algumas precondições, assim formuladas:

- “garantia do acesso universal às informações necessárias para gestão, tão dificultado pela burocracia por ser o seu monopólio sobre elas um dos seus principais instrumentos de poder;

- composição de conselhos de direção representativo, no sentido de garantir assento aos segmentos menos poderosos da sociedade;

- transparência dos processos de gestão e tomadas de decisão. É necessário que os atores sociais ganhem poder, garantindo o assento de seus representantes nas instituições estatais “ (Ugá, 1991: 99).

(22)

Para Fedozzi, “a descentralização do Estado deixa de ser portadora de um fim democrático em si mesmo, uma vez que a ela corresponde uma igual descentralização das relações de poder e dos conflitos que transformam os municípios em territórios de disputa e incerteza quanto as condições criadas para a emergência da cidadania. Nessa lógica, (...) tanto pode criar condições para agregar (...) novos padrões institucionais de gestão pública efetivamente modernizadores em termos democráticos, como pode representar a persistência de práticas políticas patrimonialistas que, ao mitigarem os feitos de descentralização, reproduzem as formas tradicionais de dominação, que, por sua vez impedem historicamente o surgimento, a promoção e a consolidação da democracia” (pg.5). Segundo Fedozzi, são raras as abordagens na literatura brasileira que “adotam o estudo da cidadania a partir da análise do modelo de gestão sócio-estatal como condição estrutural para a instituição da cidadania” (pg.5).

Partindo desse ponto de vista, teríamos a questão do Estado como um importante “indutor” de “cidadania”. O modelo de gestão seria uma forma de impulsionar e “criar” a “cidadania”. A institucionalização da participação seria um importante elemento capaz de criar o designado “capital social” a partir dessa “indução estatal”. Mas será que essas experiências participativas representam de fato uma mudança estrutural na gestão dos assuntos públicos, e a institucionalização13 da participação representa alteração de práticas sociais estruturadas no “patrimonialismo” e “clientelismo”?

Devemos enfatizar que Marta Arretche (1996) ressalta que a consolidação da democracia depende mais da “natureza das instituições” que processará as decisões no nível do governo, do que necessariamente o nível de governo encarregado da gestão das políticas. Fedozzi destaca a importância da “gestão-estatal” como “institucionalizadora” da “cidadania” no Brasil. Estamos aqui diante de uma importante discussão: a questão da institucionalização da participação e o papel da administração pública. Os argumentos desses autores nos indicam uma direção à caminho das correntes teóricas institucionalistas. Dessa forma, as instituições parecem ter a “capacidade” e o “poder” para “institucionalizarem” práticas democráticas. Nesse

13 Entendida como “ modelo político-administrativo de gestão sócio-estatal que incorpora a participação

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sentido, seriam vistas como importantes instrumentos para romper com o “clientelismo” e “práticas autoritárias”. Nessa hipótese, as práticas sociais que conformam as redes e relações sociais poderiam ser totalmente “revertidas” a partir da ação do Estado.

(24)

CAPÍTULO 1 - INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO: CAMINHO

PARA “CONSTRUÇÃO” E “FABRICAÇÃO” DO DESIGNADO “CAPITAL

SOCIAL”?

“Assim como uma cultura política liberal não pode ser sacada, magicamente, da cartola, uma sociedade ativa com uma rede de organizações voluntárias não pode ser simplesmente produzida. (...) O poder administrativo não é o meio apropriado para o surgimento ou até para a produção de formas de vidas emancipadas.(Sérgio Costa, citando J. Habermans)

(25)

solidariedade, de “comunidade cívica14”, de relações horizontais e de confiança entre os atores sociais - os teóricos dessas duas correntes buscam demonstrar as condições sobre as quais as instituições políticas conseguem mobilizar os recursos sociais para alcançar um grau elevado de “bem estar coletivo”.

1.1 O Neo-institucionalismo

Representando a primeira perspectiva, costumeiramente designados por “neo-institucionalistas” teóricos como Peter Evans (1995) e Dietrich Ruerchemeyer, entendem que o Estado deve atuar fortemente como instância promotora do desenvolvimento, acentuando que seu poder de intervenção seria fortalecido na medida em que o Estado se tornasse cada vez mais autônomo em relação a grupos de interesses. Essa autonomia é conquistada principalmente de duas maneiras: existência de uma burocracia coesa, coerente e disciplinada e tecnicamente preparada e o enraizamento de um “esprit de corps”. Nesse sentido, o centro dos debates da teoria do capital social, a partir de uma abordagem neo-institucionalista, passa a ser o entendimento do papel do Estado no processo de desenvolvimento e promoção do capital social (entendendo que esse pode ser “construído” pelo Estado a partir da indução de movimentos de ação coletiva).

Para os neo-institucionalistas, portanto, o Estado aparece como o principal indutor da ação coletiva e impulsionador do capital social15. As instituições públicas podem forjar os rumos da ação coletiva, valorizando seu potencial ou aniquilando sua capacidade de ação16. Os teóricos neo-institucionalistas buscam demonstrar que a continuidade da presença das instituições públicas para beneficiar a auto-organização econômica

14 Os sistemas horizontais acabam contribuindo para o desenvolvimento de uma comunidade cívica,

entendida como os estoques de capital social, como confiança, normas e sistemas de participação, tendem a ser cumulativos e reforçar-se mutuamente. “Os círculos virtuosos redundam em equilíbrio sociais com elevados níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar-coletivo. Nesse sentido, os cidadãos das comunidades cívicas querem um bom governo (e em parte pelos seus próprios esforços) conseguem tê-lo. Eles exigem serviços públicos mais eficazes e estão dispostos a agir coletivamente para alcançar seus objetivos comuns. Já os cidadãos das regiões menos cívicas costumam assumir o papel de suplicantes cínicos e alienados” (Putnam, 1997:141) .

15 A inclinação neo-institucional de Evans dá primazia ao Estado como fonte principal da dinâmica social. 16Evans e Fox assumem o pressuposto básico de que as instituições públicas têm, além do monopólio da

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fortalece o capital social.17 Nesse sentido, as instituições tem um papel central na valorização das ações e das iniciativas coletivas. Um típico argumento dos “partidários” do neo-institucionalismo é que a intervenção institucional se torna determinante da aglutinação ou da dispersão em torno do capital social. Nessa perspectiva, portanto, as instituições é que moldam a interação social e determinam o espaço público.

Peter Evans18 ressalta que o ativismo institucional “incentiva as redes cívicas adormecidas – ou historicamente reprimidas – a ganharem uma vida autônoma” (EL-HAY, 1999: 72). Nesse sentido, Evans como um defensor da autonomia do Estado, amplia essa noção, não mais apenas restrita a coesão burocrática, mas sim englobando a extensão da intervenção à própria provocação da ação coletiva.

Para lançar mão dessa concepção ampliada de autonomia do Estado, Evans baseia-se na hipótese de que o poder de auto-organização coletiva é essencialmente desigual. A instância com potencial para mobilizar ou desmobilizar as iniciativas coletivas é o Estado. Para ser bem sucedido nessa questão, o Estado dependeria de uma “síntese contraditória “ entre sua autonomia e sua exposição cotidiana aos interesses organizados da sociedade.

No entendimento de Evans, a mudança social ocorre a partir do momento em que o Estado passa da regulamentação para ação. Evans defende o Estado como indutor no desenvolvimento econômico; mas o sucesso de ações desenvolvimentistas dependeria da existência de instituições sólidas e, ao mesmo tempo, inseridas no cotidiano da

17 Esse entendimento leva a uma idéia de desenvolvimento que privilegia o crescimento econômico como

impulsionador do desenvolvimento social.

18 Evans criou uma tipologia de Estado, com três classificações: O Estado predatório é “dominado por

intervenções arbitrárias e puramente coercitivas. Suas políticas servem, sem subterfúgios, aos interesses pessoais das elites de poder e a seus aliados nas burocracias públicas” (EL-HAY, 1999: 72). Nesse caso, por explorarem os recursos econômicos e por sua coerção, acabam minando, desmantelando expressão autônoma, obstroem a ação coletiva. Ao invés de estimular a solidariedade, acabam por destruí-la. O

(27)

sociedade. Instituições disciplinadas e qualificadas, mas desconectadas das demandas cotidianas sociais, teriam pouca efetividade no desenho e implementação de políticas públicas. A exposição do Estado às demandas sociais, sem solidez disciplinar nem preparo técnico, causaria a desorganização de ações e a vulnerabilidade desse Estado às pressão de grupos organizados.

Portanto, Evans parte de uma primazia das instituições na mobilização e valorização do capital social. Em situações em que predominam instituições frágeis, o capital social se esfacela, impedindo um desempenho positivo. Assim como Evans, adeptos dessa corrente teórica (Tendler e Freedhein, 199419) defendem que a recuperação da credibilidade das instituições públicas, a partir de uma atuação forte do Estado na condução de políticas públicas, facilitou o clima de confiança entre as instituições públicas e a sociedade, além de generalizar o sentimento cooperativo. As conclusões desses estudos buscam demonstrar que o ambiente favorável à mudança social somente foi possível graças a uma ação vigorosa do Estado. Portanto, para os neo-institucionalistas a ausência de horizontalidade social pode ser interpretada como fruto de ações políticas preteridas por governos autoritários. Nesse sentido, o capital social pode ser “recuperado” ou “produzido” em virtude da ação das instituições públicas de iniciativas coletivas baseadas na cooperação e na confiança que fora reprimido durante décadas de “clientelismo20“.

Para os neo-institucionalistas a ausência de horizontalidade social, na grande maioria dos países em desenvolvimento, é fruto de ações políticas preteridas pelos regimes autoritários. Jonatan Fox (1994, 1995 e 1996), descobriu uma riqueza associativista horizontal. Observou a repressão dessas iniciativas por instituições públicas, coercitivas e corruptas. Concluiu que sociedades dominadas por poderes públicos clientelistas, autoritários e coercitivos não só impedem a mobilização coletiva local, mas também bloqueiam a generalização de experiências bem sucedidas. Como resultado da destruição instrumental da horizontalização pelas instituições públicas, a confiança e a solidariedade são abaladas, destituindo a mobilização coletiva e esvaziando o capital

19 As autoras fizeram um estudo a respeito do Programa Estadual de Agentes de Saúde do Ceará.

20Esse entendimento parece conduzir por uma linha teórica que tenderia a considerar a possibilidade da

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social. Para Fox (1996) a chave do sucesso são instituições políticas com associações de grande capacidade de mobilização de capital social.

Podemos considerar que os teóricos neo-institucionalistas buscam “inferir” uma possível demonstração de que a incerteza do mercado leva a uma luta pela sobrevivência econômica que acaba abalando as relações de confiança entre os envolvidos, desmantelando suas capacidades de ação coletiva21. O Estado é um importante agente capaz de dar equilíbrio e garantir as relações de confiança. Novamente, a questão econômica parece reforçar a tese orientadora desses teóricos. O Estado, ao garantir a base econômica, contribui para o capital social, ou seja, relações de confiança, horizontalidade, solidariedade e “reciprocidade” .

Portanto, para esses teóricos neo-institucionalistas a chave do sucesso são instituições políticas fortes com grande capacidade de mobilização de capital social. A solidez institucional do Estado é fundamental, pois através de um movimento “sinérgico”, consegue materializar iniciativas sociais que sem esta intervenção ficam dispersas e desiguais, sendo desperdiçadas em políticas públicas incoerentes e ineficazes22. Portanto, nessa perspectiva, o Estado, as instituições políticas são fundamentais para deflagrar e consolidar o capital social23.

21Evans indica o esgotamento dos dois principais eixos paradigmáticos da intervenção pública: o

desenvolvimentismo clássico e o neoliberalismo, também conhecido como neo-utilitarismo, que objetivou o desmantelamento das instituições públicas, priorizando a iniciativa privada. (...) Esta última não faz investimentos de risco... Logo, relegar o desenvolvimento econômico ao mercado seria sinônimo de obstrução passiva às mudanças sociais (Hay, 1999).

22Crítica de Putnam ao neo-institucionalismo: ” (...) o neo-institucionalismo, tendo em vista sua obsessão

pelo desempenho institucional, obscurece as condições políticas subjacentes à institucionalização. Que condições políticas levaram alguns países a dispor de instituições sólidas, enquanto outros países não tiveram essas sorte? Isso ignora as forças políticas que de fato determinam os rumos da intervenção institucional. Essa abordagem omite um fator fundamental subjacente ao ativismo institucional: a natureza das elites políticas e seu projeto de poder. A transição do papel regulador do ativismo desenvolvimentista assinala a polinização da intervenção pública. Logo, forma-se uma causalidade ente o caráter da intervenção e a tomada de decisões políticas. Uma elite legitimada pelo voto direto possui o privilégio de bloquear ou facilitar a complementação entre determinados interesses sociais coletivos e as instituições públicas. Nesse sentido, as burocracias governamentais, por mais efetivas e preparadas que sejam, autonomamente não teriam o poder político necessário para conduzir isoladamente as políticas públicas. Esse fato não fere o princípio da coesão burocrática como condição imprescindível da defesa da autonomia do Estado no momento de sua exposição à sociedade” (Putnam,1995).

23 Para estabilidade política, para a boa governança e mesmo para o desenvolvimento econômico, o

(29)

Veremos que Putnam, expoente de uma outra perspectiva teórica, caminhará mais no sentido de analisar os aspectos sócio-culturais na identificação de fontes de ação coletiva.

1.2 A “Teoria Cultural”: associativismo, relações verticais e horizontais.

Robert Putnam, criticado por alguns por suas conclusões que tenderiam para um certo “determinismo cultural24”, a partir de sua obra “Comunidade e Democracia a Experiência da Itália Moderna”, é o principal teórico moderno dessa corrente designada “teoria culturalista”. Putnam considera que o capital social existente numa região, cujo conceito pressupõe a existência de movimentos auto-organizados da sociedade fundamentados em relações horizontais e que geram solidariedade e confiança, é um fator que explica diferenças na qualidade do governo e nos níveis de desenvolvimento econômico.

De acordo com Putnam, capital social pode ser definido comocaracterísticas da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas( :177) é também produtivo, visto que através da confiança, um grupo pode tornar seus objetivos mais alcançáveis.

24 “Na sua última pesquisa sobre o declínio do capital social americano, Putnam aparentemente recuou de

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Facilita a cooperação espontânea. Nessa perspectiva, o capital social seria um atributo da estrutura social25.

O capital social se baseia numa “cadeia” de rede ou relações sociais baseadas na confiança e organizações horizontais. Uma característica específica do capital social - confiança, normas e cadeias de relações sociais - é o fato de que ele geralmente constitui um bem público, ao contrário do capital convencional, que normalmente é um bem privado. ”Por ser um atributo da estrutura social em que se insere o indivíduo, o capital social não é propriedade particular de nenhuma das pessoas que dele se beneficiam. “(:180)

Segundo Jawdat Abu-El-Hay, a teoria de Putnam adota uma “vertente cultural” na explanação das fontes de confiança. De acordo com a interpretação da obra de Putnam por Abu-El-Hay, a cultura política e a história particular determinam a existência ou inexistência do associativismo horizontal, base do engajamento cívico. Desse modo, Putnam acredita que “o sistema político é um reflexo da lógica da hierarquia, coesão e autoridade das particularidades locais” (Hay, 1999).

Para Putnam, condições mais suscetíveis à mobilização coletiva de uma sociedade, como a confiança, a cooperação e a solidariedade brotam sob condições de relativa igualdade e de ausência de hierarquias impostas. A reconciliação da ação coletiva com interesses individuais, num quadro de horizontalidade, encoraja e generaliza a confiança, permitindo a multiplicação das redes cívicas e a valorização do capital social.

Putnam observou que a complementação entre as ações institucionais públicas e as ações coletivas fortalece o engajamento cívico. Por um lado, as experiências de mobilização e atuação coletiva acumulam um capital social derivado dos laços de confiança mútua entre os cidadãos, que intensifica o engajamento cívico coletivo. Por outro lado, um Estado liderado por elites políticas reformistas e determinadas a firmar normas transparentes que regulem a interação entre os interesses organizados facilita a

25 Nos parece que entendido dessa forma, o capital social seria induzido por ações racionais maximizadas

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propagação de uma vida pública ativa e dinâmica. Essa relação entre Estado e sociedade cria uma sinergia que amplia a confiança e a transparência26.

Putnam considera que os sistemas de participação cívica27 são uma forma essencial de capital social; quanto mais desenvolvidos forem esses sistemas numa comunidade, maior será a probabilidade de que seus cidadãos sejam capazes de cooperar em benefício mútuo. O contrato social que sustenta essa colaboração, na comunidade cívica não é de cunho legal, e sim moral. A sanção para quem transgride não é penal, mas a exclusão da rede de solidariedade e cooperação. A participação da comunidade promove sólidas regras de reciprocidade, que facilitam a comunicação e melhoram fluxo de informação e confiabilidade.28

26 Segundo Jawdat Abu-El-Hay, a segunda generalização de Putnam diz respeito ao papel das instituições

públicas na indução do associativismo horizontal. Putnam indica que a evidência observada no Sul italiano – região menos cívica do país – reforça a idéia de que a ação política governamental poderia influenciar o tipo e a qualidade da reação coletiva. A ocupação das instituições públicas por elites reformistas na região anticívica do Sul melhorou a qualidade das políticas públicas e o desempenho institucional. O autor reafirma, entretanto, a ausência de fatos conclusivos que documentem a efetividade da ação institucional na erradicação das relações de desconfiança. Em seu livro, Putnam tirou algumas “lições” da experiência regional italiana: por exemplo, nas regiões menos cívicas, a participação política e social organizava-se verticalmente, e não horizontalmente. A desconfiança mútua e a corrupção eram consideradas normais. Havia pouca participação em associações cívicas. A ilegalidade era previsível. Esses contextos sociais contrastantes influenciaram visivelmente o funcionamento dessas novas instituições. No final do século XX, assim como no início do século XII, as instituições coletivas funcionavam melhor nas comunidades cívicas. Nesse sentido, Putnam concluiu que o contexto social e a história condicionam profundamente o desempenho das instituições (Hay, 1999).

27 “Os sistemas de participação cívica têm mais possibilidades de abranger amplos segmentos da

sociedade, fortalecendo assim a colaboração no plano comunitário. Por ironia, como observou Granoveetter, os vínculos interpessoais “fortes”(como parentesco e íntima amizade) são menos importantes do que os vínculos “fracos” (conhecimentos e afiliação e associações secundárias) para sustentar a coesão comunitária e a ação coletiva. Sistemas horizontais extensos, porém, isolados sustentam a cooperação dentro de cada grupo, mas os sistemas de participação cívica, que englobam diferentes categorias sociais, promovem uma cooperação mais ampla. Essa é também uma das razões pelas quais os sistemas de participação cívica são parte tão importante do estoque de capital social de uma comunidade. (...)” (Putnam, 1995: 181).

28 “Se os sistemas horizontais de participação cívica ajudam os participantes a solucionar os dilemas da

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Existe, portanto, toda uma lógica que estrutura as relações que se estabelecem numa sociedade. Alguns participantes não dispõem de bens materiais para ofertar, mas trocam, interagem a partir de bens simbólicos, empenhando suas relações sociais. Não dispondo de bens físicos para dar em garantia, os participantes empenham suas relações sociais. São criados mecanismos não-formalizados para garantir uma sociabilidade, que se pudermos assumir com finalística, busca o fortalecimento e coesão a partir da solidariedade comunitária. Esses mecanismos funcionam paralelamente com instituições que garantem a consolidação do que se pactuou pelo contrato legitimado socialmente.

Para Putnam, em comunidades em que o nível educacional das pessoas e os recursos materiais oferecidos são constantes, o que distingue o desempenho de seus membros é a confiança estabelecida, que permite a mobilização coletiva e maximização dos recursos individuais existentes. A capacidade de ação é ampliada em situações em que a confiança permeia uma coletividade (ou associação), facilitando a otimização do uso de recursos sócio-econômicos e humanos disponíveis29.

De acordo com Putnam muitas formas de capital social existentes - confiança, por exemplo- são o que Albert Hirschman denominou “recursos morais”, isto é, recursos cuja oferta aumenta com o uso, em vez de diminuir, e que se esgotam se não forem utilizados. Para Putnam, outras formas de capital social, como as normas e as cadeias de relações sociais, multiplicam-se com o uso e minguam com o desuso. Assim, cabe esperar que a criação e dilapidação do capital social se caracterizem por círculos virtuosos e círculos viciosos30.

1.3 Sistemas horizontais e sistemas verticais

Segundo Jawdat Abu-El-Hay, a hipótese principal de Putnam vincula o nível de engajamento cívico à natureza do associativismo. Portanto, em relação a associação,

29 Considero que a análise de Putnam, apesar de buscar fugir de uma explicação orientada pela teoria das

escolhas racionais, continua utilizando uma lógica explicativa que converge para esse modelo teórico. O próprio uso da palavra “otimização” reforça que se trata desse tipo de análise que privilegia o paradigma dos interesses, pois essa é uma categoria estrutural dentro da racionalidade instrumental.

30Nesse sentido, a participação tenderia a multiplicar-se a partir do “uso”. Mas será que a participação é

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Putnam as define a partir de dois tipos: horizontal – que aglutina membros de igual status e poder - e vertical - que reúne sujeitos desiguais numa relação assimétrica de hierarquia e dependência31. De acordo com essas definições poderíamos inserir a questão do clientelismo como uma relação vertical, tendo em vista a assimetria que se estabelece na intercambialidade das trocas simbólicas e materiais.

Desse modo, o associativismo horizontal, fruto de confiança, normas e redes de solidariedade, produziria relações cívicas virtuosas, ao passo que a verticalidade – associativismo dominado por desconfiança, ausência de normas transparentes, faccionismo, isolamento – causa a obstrução da ação coletiva. Dessa forma, ações coletivas horizontais promovem engajamento cívico intenso, produzindo prosperidade econômica e estabilidade política, resultados ausentes das regiões dominadas pelo associativismo vertical. Ele demonstra que um elemento facilitador das iniciativas coletivas e do engajamento cívico seria o associativismo horizontal. As redes de cooperação e de confiança, as fontes principais do engajamento cívico, encontram solo mais fértil sob condições horizontais do que sob a égide de hierarquias impostas e do dirigismo político. Nessa concepção, consideraríamos que sistemas que contam com a participação da comunidade, caracterizados pela ausência de hierarquias impostas, onde subsistam condições de relativa igualdade, consolidam valores tais como: confiança, cooperação e solidariedade. Para Putnam, a reconciliação da ação coletiva com interesses individuais, num quadro de horizontalidade, encoraja e generaliza a confiança, permitindo a multiplicação das redes cívicas e a valorização do capital social.

Putnam considera que um sistema vertical, por mais ramificado e por mais importante que seja para seus membros, é “incapaz de sustentar a confiança e a cooperação sociais”, tendo em vista que os fluxos de informação verticais costumam ser menos confiáveis que os fluxos horizontais. Nesse sentido, procura demonstrar uma possível correlação entre pouca participação cívica em associações, desconfiança mútua, corrupção, verticalização e onde a ilegalidade é previsível.

31 Putnam considera que toda sociedade - moderna ou tradicional, autoritária ou democrática, feudal ou

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Reforça-se a idéia do clientelismo entendido como relação vertical, pois envolve troca interpessoal e obrigações recíprocas, mas a “permuta é vertical e as obrigações assimétricas”. Bezerra (1999), citando Pitt Rivers, diz que o clientelismo é amizade desequilibrada, além disso, os vínculos verticais do clientelismo “parecem minar a organização grupal e a solidariedade horizontais tanto dos clientes quanto dos patronos, mas sobretudo dos clientes. Na relação vertical entre patrono e cliente, caracterizada pela dependência e não pela reciprocidade, é mais provável haver oportunismo, seja por parte do patrono (exploração), seja por parte do cliente (omissão) (Bezerra, 1999: ).

Para analisar essas questões, é relevante discutir a categoria “clientelismo”, buscando sua elucidação teórica que poderá servir como fonte capaz de fornecer subsídios importantes para empreender a análise.

1. 4 Clientelismo: como entender essa categoria?

(35)

Outros estudos, geralmente desenvolvidos por antropólogos, ressaltam que outros aspectos além do econômico (Mauss, 1974, Elias (1987), Bezerra (1999) - podem integrar as relações de troca. O clientelismo, portanto, não deve ser analisado apenas enquanto uma troca envolvendo recursos materiais - uma relação de toma-lá-da-cá - mas sim combinando outros aspectos simbólicos que também transparecem quando se trata de trocas, como o prestígio, poder, gentileza. Nesse sentido, Bezerra discorda das teorias que postulam o clientelismo pressupondo somente a troca de benefícios materiais e privados (Bezerra, 1999:14). Portanto, na análise de patronagem e clientelismo é preciso atentar, como cita Bezerra retomando J. Waterbury, para o conteúdo moral da relação, as diferenças de poder, a natureza das trocas, a durabilidade da relação e a afetividade entre os parceiros são elementos que sofrem variações dependendo do contexto social analisado. Portanto, os antropólogos têm analisado clientelismo e patronagem a partir de uma orientação diferente dos cientistas políticos. Consideram o estudo da patronagem uma “análise de como pessoas de autoridade desigual, mas ligadas através de laços de interesse e amizade, manipulam suas relações a fim de alcançar seus fins” (Bezerra,1999:15). Segundo Bezerra, os termos clientelismo e patronagem tem sido utilizados menos como categorias analíticas e mais em sentido pejorativo. Servem para categorizar práticas como “oligárquicas”, “conservadoras” ou “atrasadas”.

Segundo Avelino Filho, a análise sobre clientelismo deve buscar uma compreensão que não esteja limitada a uma explicação orientada por uma visão dicotômica. Desse modo, busca demonstrar que a dicotomia particularismo x universalismo pode ser entendida mais como um continuum do que como oposição.

(36)

a fim de entender melhor as práticas sociais que permeiam esse fato32. Entretanto, isso não responde a questão: como passar de uma institucionalidade clientelista para uma outra, universalista e representativa? Para ele, a superação dessa lógica bipolar necessita que se considerem os pontos de interseção, principalmente porque se existe um continuum, não se deve procurar apenas o ponto específico de ruptura entre os dois tipos de institucionalidade, mas verificar o grau de interpenetração entre eles33.

Nesse sentido, quando existem relações clientelísticas em jogo, é necessário que se ofereça um mínimo de continuidade de maneira a gerar um grau de certeza, que possa manter a demanda. “Se o clientelismo fosse dotado apenas de uma lógica desagregadora e particularista, e essa lógica fosse levada até o fim, ele deixaria de existir” (Avelino Filho,1994: 228). Assim, muitas vezes não se garante um favor imediato. O mais importante é a antecipação de possíveis favores. O autor considera também que, quando aumenta o número de patronos, a relação se torna mais competitiva, pois acaba desestabilizando relações anteriores, uma vez que patronos alternativos dão aos clientes a possibilidade de comparar benefícios recebidos. Assim, as trocas têm que ser constantemente renegociadas, pois o cliente tem a opção de trocar de protetor. Isso pode ser analisado no OP de Niterói, pois os conflitos em torno do processo, os designados “boicotes” de algumas lideranças importantes, renovam esse aspecto, já que o espaço do OP dá visibilidade a alguns atores e isso acirra a competitividade pela “autoria” de obras na localidade.

Dessa forma, existe uma certa dificuldade quanto à definição do termo. Mas existe certo consenso de que a idéia de clientelismo fundamenta-se em uma relação que

32 “O clientelismo exerceria uma “função manifesta” – troca de benefícios – e uma “função latente”

estabelecer solidariedade em sociedades onde é rara a confiança entre os atores. Ele é necessário tanto para clientes como para patronos, pois permite “introduzir uma medida de segurança e previsibilidade no que seria, de outra forma, um mundo mais ou menos hobbesiano” (Avelino Filho, citando Graziano (1983), 1994: 277/278).

33 Considerando todas essas questões, faz-se necessário ressaltar que o clientelismo não deve ser

(37)

ocorre tendo por base uma assimetria entre seus “pares”, isto é, são estabelecidas entre pessoas (patrão, cliente) que não possuem o mesmo poder (econômico, político) prestígio e status. ”Além disso, ela se distingue por ser uma relação de tipo pessoal (em que predominam os contatos face a face), pela troca de serviços e bens materiais e imateriais (gentilezas, deferência, lealdade e proteção) entre os seus parceiros e pelo seu conteúdo moral (que remete freqüentemente à honra dos parceiros” (Bezerra, 1999:14).

No OP de Niterói, as relações assimétricas e pessoais manifestaram-se com freqüência num locus onde prevalecem os conflitos, os interesses “divergentes”, trocas, manifestações de carinho, gentileza e lealdade. Um trecho da entrevista com o presidente da associação de moradores da Ilha da Conceição reforça a proposição conceitual do clientelismo, enquanto uma categoria sociológica, conforme definida acima por Bezerra, na referência à importância do contato face a face nas relações entre patrão e cliente. Esse entrevistado tem relevância no contexto do OP, pois ele preside a associação de moradores da Ilha da Conceição – um bairro onde o OP teve “problemas políticos34” – que não participou das assembléias do Orçamento Participativo. O entrevistado atua há muitos anos na Ilha da Conceição, como líder comunitário e desde então é aliado político de um vereador que tem sua base eleitoral na Ilha da Conceição, e que não estaria satisfeito com o OP, tendo em vista que poderia dar visibilidade ao seu adversário político, o “vereador-secretário-regional” do Barreto, responsável pela execução dos trabalhos na Ilha35. O entrevistado respondia a uma questão formulada

34 Expressão muito utilizada pelos secretários regionais e pelo coordenador do OP.

Referências

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