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Constituição, consolidação e ocaso do capital político: uma compreensão sociológica da "Era Tasso" no Ceará

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

EMANUEL FREITAS DA SILVA

CONSTITUIÇÃO, CONSOLIDAÇÃO E OCASO DO CAPITAL POLÍTICO: UMA COMPREENSÃO SOCIOLÓGICA DA “ERA TASSO” NO CEARÁ

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EMANUEL FREITAS DA SILVA

CONSTITUIÇÃO, CONSOLIDAÇÃO E OCASO DO CAPITAL POLÍTICO: UMA COMPREENSÃO SOCIOLÓGICA DA “ERA TASSO” NO CEARÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Homero de Oliveira Costa

Natal-RN

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CONSTITUIÇÃO, CONSOLIDAÇÃO E OCASO DO CAPITAL POLÍTICO: UMA COMPREENSÃO SOCIOLÓGICA DA “ERA TASSO” NO CEARÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, com Banca Examinadora formada pelos seguintes professores:

Dr. Homero de Oliveira Costa (Orientador)

Dr. José Antonio Spinelli Landozo (Membro interno)

Dra. Danyelle Nilin Gonçalves (Membro externo- UFC)

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A Sociologia é uma Ciência de combate

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RESUMO:

A presente pesquisa compreende um estudo sobre a temporalidade política denominada “Era Tasso”. Para tanto, procurou-se compreender os mecanismos de formação e constituição de sua notoriedade política a partir do protagonismo do Centro Industrial do Ceará, no final dos anos 70, na cena política estadual e de como tal notoriedade foi constituindo-se e aglutinando-se em torno de seu nome. Para a pesquisa, foi central a tomada da Sociologia Política de Pierre Bourdieu, em especial a sua noção de “campo político” e, por isso mesmo, a de “capital político”. Apresentamos as características da referida temporalidade na política cearense e damos ênfase aos momentos eleitorais para verificarmos, aí, a constituição desse capital político, sua consolidação e incorporação (numa série de eleições estaduais não-competitivas) e seu ocaso (cujos primeiros sinais deram-se ainda em 2002), com a surpreendente derrota na eleição de 2010.

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ABSTRACT:

This research includes a study of the temporal policy named "Tasso was." Therefore, we sought to understand the mechanisms of formation and constitution of his notoriety from the political leadership of the Industrial Center of Ceará, in the late '70s, the political scene of the state and as such notoriety was forming up and coalescing around his name. For the research, was central to making the Political Sociology of Pierre Bourdieu, particularly his notion of "the political" and, therefore, of the "political capital". Here the characteristics of that temporality in politics Ceará and give emphasis to election periods to verify, then, the constitution of political capital, consolidation and merger (a series of state elections non-competitive) and its setting (whose first signs gave up even in 2002), with the surprising election defeat in 2010.

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SUMÀRIO

Introdução: ... pag 09 Capitulo I:

A compreensão sociológica da política como um campo: a contribuição de Pierre Bourdieu... pág 16 1.1- A sociologia de Pierre Bourdieu: o mundo social como um campo e seus

agentes... pág 16

1.2- A política como um campo: habitus, capital, agentes e lutas... pág 24

1.3- A temporalidade da política: a formação de ciclos sob a denominação de “Era”... pág 35

Capítulo II:

A construção e a delegação do capital político: o CIC no cenário político estadual e a vitória eleitoral de Tasso Jereissati ao governo do Ceará em 1986... pág 38 2.1- A emergência do CIC no cenário estadual: um projeto com ares de coletividade/modernidade... pág 39

2.2- O capital político delegado: a construção da candidatura na campanha eleitoral de 1986... pág 52 2.3- A modernidade contra as forças do atraso: a campanha eleitoral e a vitória de Tasso Jereissati... pág 64

2.3.1- Os instrumentos da campanha: jingles e imagens do HGPE... pág 66

2.3.2- A disputa aberta com as “forças do atraso”... pág 70

2.3.3- Os resultados eleitorais... pág 74

Capítulo III:

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3.1-A disputa pela Prefeitura de Fortaleza: o “Cambeba” saindo-se vitorioso em meio às primeiras críticas... pág 81

3.2 “Ciro Gomes é Tasso”: a vitória de Ciro Gomes ao governo estadual nas eleições de 1990... pág 84

3.3-A consolidação do capital político de Tasso: a recondução ao governo estadual (1994) e sua reeleição (1998)... pág 89

Capítulo IV:

O capital político em ocaso: as eleições estaduais de 2002 e de 2006 e disputa senatorial de 2010... pág 96 4.1- Contextualizando a disputa eleitoral de 2002: a quem delegar o capital político de Tasso Jereissati?... pág 97

4.1.1- Algumas cenas da disputa eleitoral de 2002... pág 111

4.1.2- Os resultados eleitorais: o inicio do ocaso em números... pág 117

4.2- A eleição estadual de 2006: o capital político em ocaso pode derrotar um candidato?... pág 120

4.2.1- O confronto Tasso-Lúcio durante a campanha eleitoral... pág 129

4.2.2- Os resultados eleitorais: a vitória de Cid e a composição da Assembleia Legislativa dão mostras mais evidentes do ocaso?... pág 136

4.3- O rompimento com Cid Gomes: a inevitabilidade do ocaso em 2010 ... pág 138

4.3.1- A campanha para o Senado Federal: o vencedor inconteste transforma-se

no grande perdedor... pág145

4.3.2- Os resultados eleitorais: a derrota do “meu senador” assegura o ocaso do ciclo político... pág 151

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INTRODUÇÃO

A eleição de Tasso Jereissati ao Governo do Estado do Ceará, em 1986, deu inicio a um ciclo político que lhe garantiria dar as cartas na política estadual durante duas décadas. Tal hegemonia caracterizou-se, sobremaneira, pela centralidade em torno de sua persona, pelo reconhecimento inconteste do capital político ligado ao seu nome e por um crescente aumento de vitórias eleitorais àqueles que foram aproximando-se do seu legado, constituindo um longo período de eleições não-competitivas ao Governo Estadual, ao Senado e à Assembleia Legislativa do Ceará. Inclua-se como devedora de seu capital político a eleição de Ciro Gomes à Prefeitura Municipal de Fortaleza, na eleição de 1988.

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Na medida em que destacava-se como empresário e consolidava-se no poder estatal, Tasso Jereissati se qualificava como a maior liderança da elite empresarial, projetando-se assim, também, no cenário político nacional, chegando a presidir o partido pelo qual exerceria a maior parte de seus mandatos, o PSDB, por duas vezes (1993-1994, 2006-2008). Sua atuação no partido, desde os momentos de constituição inicial do mesmo, conferiu ao PSDB uma maior visibilidade no Congresso Nacional, projetando políticos cearenses não somente no Estado mas a nível nacional. Além disso, sua atuação partidária e o capital político conquistado ao longo de seus governos proporcionou-lhe ter seu nome lembrado, várias vezes, como opção de escolha do partido para concorrer à Presidência da República, embora nunca tenha conseguido sacralizar-se como tal, saindo duramente ferido na última delas (em 2001), quando disputou a indicação com o paulista José Serra. Quando deixou pela última vez o Governo do Ceará, em 2002, elegeu-se senador e cumpriu papel de destaque na oposição ao governo Lula, acumulando legitimidade junto aos setores de oposição e á elite empresarial, mas colocando-se em oposição a um projeto político hegemônico a nível nacional – o de Luis Inácio Lula da Silva – e viu sua ferrenha atuação opositora ser invocada, durante a eleição de 2010 (em que disputava a reeleição para o cargo de senador) como o principal motivo para negar-se o seu pedido, ao eleitor cearense, de ter seu nome como um dos dois escolhidos para mais 8 anos de atuação no Senado Federal.

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quais passou o capital político de Tasso Jereissati, no que se refere às eleições estaduais no Ceará. Como compreender as diversas fases, ou os diversos movimentos, de seu capital político? Como ele constituiu-se, a partir de uma coletividade: o CIC? Como esta coletividade delegou-lhe o capital por ela acumulado? Como Tasso separa-se dessa coletividade, incorpora o capital e desautoriza (elimina) outras lideranças que poderiam, igualmente, serem delgadas pela coletividade? Como consegue delegar seu capital a Ciro Gomes em duas eleições consecutivas? Como constrói uma sólida base de sustentação na Assembleia Legislativa? Como se dão os primeiros sinais de ocaso desse capital? E, finalmente: é possível tratarmos os resultados de sua derrota eleitoral, em 2010, como o ocaso de seu capital?

Chegar a essas perguntas, e à formulação da pesquisa com esses objetivos, não foi um caminho dado de pronto. Uma senda longa desenhou-se. Inicialmente nosso interesse consistia em compreender como, ao longo da “era Tasso”, outras lideranças que guardavam uma forte identificação política a nível estadual (Amarilio Macedo, Sergio Machado, Lucio Alcântara dentre outras) haviam sido, sistematicamente, desautorizadas pelo grupo político de Tasso Jereissati no exato instante em que colocavam suas pretensões eleitorais às claras, pondo-se em franca oposição aos desígnios tassistas. Fomos verificando, contudo, que o projeto exigia demais para o calendário acadêmico disponível. Mas, só percebemos isso depois de leituras, muitas leituras, realizadas, algumas entrevistas, cópias de material filmíco etc. Até que chegamos à qualificação e vimos, junto com a banca, que o projeto era, sim, salutar, mas que exigia um tempo maior de pesquisa e maturação, ou seja, era um projeto a ser desenvolvido num doutorado. Necessitava-se, portanto, dar um foco mais preciso. E este foi dado: decidimos, então, pelo recorte que aqui consta. Não trataríamos dos vários personagens dentro do ciclo tassista (o que requeria, além de tratar dos personagens selecionados, tratar do próprio Tasso), mas apenas do personagem maior, do ator, daquele que, dada sua importância, havia nomeado uma era: “Era Tasso” (CARVALHO, 2008).

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estadual do Ceará de 1986, 1990 (quando, à revelia do projeto coletivo do “Pró-mudanças”, Tasso escolhe o deputado estadual Ciro Gomes como seu candidato ao governo estadual), 1994 (quando elege-se novamente governador e atua para afastar do espectro político estadual as duas principais lideranças políticas, Lúcio Alcântara e Sergio Machado, mobilizando o grupo para a vitoriosa campanha ao Senado Federal dos dois e sendo reconduzido ao poder estadual), 1998 (quando consagra-se novamente governador do em primeiro turno e elege Luis Pontes, primo de sua esposa, para o Senado) e em candidatar-se à sua sucessão), 2002 (quando são dados os primeiros sinais de ocaso de seu capital político com a escolha de um sucessor bastante distinto de si), 2006 (quando a esquerda partidária, sua ferrenha opositora, chega ao poder com Cid Gomes, criando assim as bases para sua vindoura derrota) e 2010 (quando é derrota em sua campanha de reeleição ao Senado); b) observar o número de eleitos para os cargos estaduais que foram auxiliados pela aproximação a seu capital; c) compreender os embates engendrados com outras lideranças que sinalizavam como portadoras de capital político em ascensão na cena política estadual.

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Os procedimentos tomados para a realização da mesma foram os seguintes:

Pesquisa Bibliográfica sobre a “era Tasso”, fortemente produzido nos quadros da Universidade Federal do Ceará, por docentes e discentes a ela ligados. Tais estudos esclarecem muito sobre alguns aspectos desse ciclo de poder, contribuindo para uma melhor caracterização do capital político de Tasso Jereissati: a constituição de seu capital na esteira do declínio e substituição dos coronéis; a ascensão da elite empresarial à cena política estadual; a utilização de padrões midiáticos nas campanhas eleitorais; e os recursos simbólicos utilizados para acionar a consolidação do seu poder. Além do resgate da produção acadêmica sobre a “era Tasso”, também procedemos com um resgate da teoria política de Pierre Bourdieu, em especial suas noções de campo, campo político e capital político.

Pesquisa documental, junto aos acervos de jornais locais (O Povo e Diário do Nordeste), onde colhemos matérias e que foram nos apresentando fatos importantes que necessitavam de uma elucidação por parte dos atores envolvidos no campo; nos acervos do Laboratório de Estudos de Processo Eleitorais e Mídia (LEPEM) da Universidade Federal do Ceará, onde copiamos alguns programas eleitorais do HGPE das eleições consideradas e onde conversamos várias vezes com alguns dos seus pesquisadores; aos dados eleitorais do TRE/CE, sistematizando as informações ora em tabelas ora em textos que permitem visualizar a consolidação e o ocaso do capital político de Tasso Jereissati ao longo dos anos considerados.

Das entrevistas realizadas ainda quando os interesses da pesquisa eram outros, conforme salientamos mais acima, aquelas que continuaram de grande valia foram as seguintes: Lúcio Alcântara, Adahil Barreto (ex-deputado estadual e líder do governo na gestão de Lúcio Alcântara), Raimundo Vianna (ex´presidente do PSDB), Beto Almeida e um secretário de governo que pediu para não ser identificado. Várias foram as tentativas de entrevistas com Tasso Jereissati, Sérgio Machado, Luis Pontes dentre outros, sem obtenção de êxito.

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expectativa de surgirem novas vias de estudo. A exposição dos dados da pesquisa seguiu uma estruturação em quatro capítulos:

No capítulo I, “A compreensão sociológica da política como um campo: a contribuição de Pierre Bourdieu”, apresentamos as principais idéias do sociólogo francês, destacando seus conceitos-chaves (campo, habitus, capital, espaço social), com ênfase nos conceitos mais pertinentes à análise da política (jogo, investimento, estratégias, capital político). Também nesse capítulo apresentamos o conceito de “ciclo político”, trabalhado pela professora da UFC, Dra, Rejane Carvalho, a nosso ver a mais importante referência sobre a “era Tasso”.

No capitulo II, “A construção e a delegação do capital político: o CIC no cenário político estadual e a vitória eleitoral de Tasso Jereissati ao governo do Ceará em 1986”, recuperamos a história do Centro Industrial do Ceara (CIC) e sua inserção na cena política estadual, a partir de 1978, e os desdobramentos desse fato para a política cearense. Tomamos como fio condutor a delegação do capital político do CIC a Tasso para a compreensão dos desdobramentos que acarretaram sua vitória na eleição estadual de 1986.

No capítulo III, “O capital político incorporado e personificado: as vitórias eleitorais de Ciro Gomes (1988 e 1990) e as reconduções de Tasso Jereissati ao governo estadual (1994 e 1998), partimos da noção de “capital político incorporado” para compreendermos os primeiros rompimentos políticos de Tasso no interior do grupo do CIC e os passos iniciais da personalização de sua liderança: a escolha de Ciro Gomes como candidato à Prefeitura de Fortaleza (1988) e ao Governo do Ceará (1990), à revelia dos desejos de outras lideranças. Também veremos como Tasso vai detendo o capital político em eleições facilmente vencida por ele e por seus apoiados na cena política estadual.

No capítulo IV, “O capital político em ocaso: as eleições estaduais de 2002 e de 2006 e disputa senatorial de 2010”, analisamos o ocaso de seu capital político, que observou-se durante a eleição de 2002 (quando obriga-se a escolher um candidato à sua sucessão que fosse o mesmo possível identificado a si e vê a primeira eleição estadual a ser decidida em segundo turno e vencida por seu candidato por uma pequena diferença) e claramente constatado com sua derrota na campanha pela reeleição ao Senado Federal em 2010, que implicou em diversas enunciações suas a decretar o fim de sua carreira política.

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estadual, dependendo, isso sim, do prestígio e da notoriedade de outros sujeitos políticos. Mais do que isso, encerramos com declarações do próprio Tasso atestando o “fim” de sua carreira política ou, ao menos, eleitoral.

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CAPÍTULO I

A COMPREENSÃO SOCIOLÓGICA DA POLÍTICA COMO UM CAMPO: A CONTRIBUIÇÃO DE PIERRE BOURDIEU

À medida em que as sociedades vão se complexificando, as atividades do corpo social assumem uma importância maior na vida das pessoas, o que acarreta uma maior dedicação de estudos e pesquisas por parte dos cientistas sociais. Nesse sentido, podemos compreender o exercício da política como uma das atividades que vão acompanhando as mudanças sociais, que vão mais e mais tecendo o cotidiano das pessoas e, por isso mesmo, interessando aos sociólogos como objeto de estudo.

Seja como ciência, seja como arte, ou mesmo como prática do social sobre o social, é no terreno da política que se desenrolam os debates e os projetos que cada vez mais vão permitindo, ou não, aos homens sua inserção na vida social de uma maneira mais atuante, protagonizando, em certa medida, seus próprios destinos.

Estar no mundo com outros homens é o que torna possível falar-se de uma existência de indivíduos enquanto homens, partilhando com outros espaços físicos, territórios, crenças, valores, cooperações e concorrências. O homem, então, inscrito na ordem social, vai perseguindo objetivos que, com outros, passam a concorrer e/ou cooperar, fazendo assim com que o mundo social transforme-se num espaço político, um espaço de encontro, de debate, discussão e de mediação de interesses conflitantes. Por isso mesmo, podemos falar da política como uma gestão comum daquilo que é tido por coletivo, aquilo que diz respeito ao mundo da polis, do espaço público, da decisão pública e coletiva.

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a explicação do social pelo social, a sua não redução à explicações individuais e psicologizantes (na busca de uma compreensão menos reducionista possível daquilo que não se pode reduzir, o social); ou mesmo quando o próprio Marx já havia afirmado que a sociedade, objeto por excelência da ciência sociológica, deve ser encarada como “uma soma de relações, condições, etc” em que os indivíduos estão envolvidos, por sua pertença ao corpo social, e que envolve uma série de “trocas orgânicas” que independem das suas vontades particulares; como escolher uma corrente de pensamento e de elaborações teóricas para analisar o universo político proposto nessa dissertação? A sociologia pretende explicar o social pelo social. A nós pareceu mais justificável tomar a posição teórica de Pierre Bourdieu numa perspectiva da política como um campo. Ao considerarmos, nesse espaço, a pertinência do referido autor para auxiliar-nos em nossa argumentação, sabemos ser indispensável uma breve consideração sobre suas conceituações teóricas, com ênfase naquelas que dizem respeito diretamente ao universo de pesquisa aqui considerado.

1.1- A Sociologia de Pierre Bourdieu: o mundo social como um campo e seus agentes

No conjunto de sua obra, a posição intelectual tomada por Bourdieu é a de considerar a ciência enquanto prática social, fugindo à compreensões desse universo como um mero espetáculo (onde inexistem as ações dos sujeitos) ou como uma mera experiência limitada pela existência individual. Sua proposta de ciência é, pois, permeada pela insistência no “pensar relacionalmente”, apresentando mesmo essa forma de pensar por ele proposta como “a marca distintiva da ciência moderna”. No mundo social considerado pelo autor, portanto, o que existe é uma teia de relações objetivas, muito mais do que interações ou laços entre indivíduos. Assim,

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Mas essa “realidade social” a qual Bourdieu refere-se, segundo ele mesmo, não pode vir a ser compreendida em si mesma, como algo sui generis (num rompimento frontal com parte da sociologia durhkheimiana que sustentava a afirmação da sociedade como um organismo com vida própria, independente dos indivíduos, a quem Bourdieu vai tratar como “agentes”), independente da realidade considerada pelo estudo sociológico levado a cabo pelo pesquisador; se importa ao pesquisador “pensar relacionalmente” é porque o espaço social exige, em sua compreensão, uma pesquisa inseparavelmente “teórica e empírica”, em que os usos dos instrumentos metodológicos e dos conceitos acumulados pelo saber sociológico respondam a um “controle prático” (BOURDIEU, 2011, p.57), a uma devida ação de situar-se o universo considerado pela pesquisa posta em prática. O próprio autor expõe assim sua metodologia:

De fato, todo o meu empreendimento científico se inspira na convicção de que não podemos capturar a lógica mais profunda do mundo social a não ser submergindo na particularidade de uma realidade empírica, historicamente situada e datada, para construí-la, porém, como “caso particular do possível”, conforme a expressão de Gaston Bachelard, isto é, como uma figura em um universo de configurações possíveis. (IDEM, 1988, p.15).

Essa “realidade social” a que a ciência sociológica deve devotar sua prática organiza-se, segundo o autor, como um “campo” a partir de três dimensões principais: os agentes são distribuídos de acordo com o “volume global do capital possuído” (capital cultural, capital simbólico, capital social, capital econômico); o peso relativo do capital possuído pelo agente dentro do espaço considerado; e a evolução do “volume e da estrutura do capital”. O espaço em consideração, assim, passa a ser compreendido como uma estrutura de posições distintas, diferenciadas e diferenciadoras dos agentes, auxiliando na definição do espaço social como um campo, ou seja, como um conjunto de

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O campo pode ser entendido como uma série de relações objetivas entre posições ocupadas por alguns agentes, posições estas que não são definidas por seus ocupantes, mas por determinações impostas pelo próprio campo.

Através da situação atual de um determinado agente ou instituição frente ao capital que comanda o acesso aos benefícios do campo em questão é que os agentes serão definidos em posições de dominado, dominante ou de homologia. Pensar a sociedade como um conjunto de campos significa que as relações têm uma primazia sobre os indivíduos, que é o campo quem deve constar como o objeto das investigações e não os sujeitos.

Estes devem ser considerados somente enquanto agentes do campo, importando a posição por eles aí ocupada. Outra coisa a se destacar é que a noção de campo nos incita a observar as diferentes forças que atuam no campo, pondo-se em luta na constituição dinâmica que o define. Uma vez compreendendo a sociedade como um espaço de relações, o objeto da sociologia não será nem o indivíduo tomado isoladamente nem grupos compreendidos como conjuntos de indivíduos concretos, mas sim o campo. Em sua obra, os homens não são considerados enquanto indivíduos particulares, mas sim enquanto pertencentes a um determinado espaço.

O conceito de campo seria empregado por Bourdieu para representar o modo de pensamento relacional. A noção de campo implicaria em uma técnica relacional de análise dos dados, que é uma técnica que pensa em termos de relações. Seria possível afirmar que existem homologias estruturais e funcionais entre todos os campos, leis de funcionamento invariantes, e a comprovação desta hipótese deveria ser realizada por aplicações práticas repetidas desse método.

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campo seria definido a partir da definição dos objetos de disputa e dos interesses específicos a esse campo (que são sempre irredutíveis aos objetos de disputa e aos interesses dos outros campos).

A ação do campo não se faz sentir para além de seus limites, obedecendo a uma regra que faz com que todos os diferentes campos tenham uma tendência para o fechamento, uma vez que a competência ou o capital específico exercido num determinado campo fecha-se em seus limites, configurando, desse modo, sua autonomia. Tais limites, segundo o autor, são exatamente o que nos fazem perceber, enquanto estudiosos, os próprios limites dos efeitos das tomadas de posição em seu interior, qual o tamanho dos efeitos do referido campo na vida social em seu conjunto, qual o simbolismo da existência desse espaço na sociedade.

Mas sabe-se que em cada campo se encontrará uma luta, da qual se deve, cada vez, procurar as formas específicas, entre o novo que está entrando e que tenta forçar o direito de entrada e o dominante que tenta defender o monopólio e excluir a concorrência. Um campo se define, dentre outras coisas, através da definição dos objetos de disputas e dos interesses específicos que são irredutíveis aos objetos de disputa e aos interesses próprios de outros campos (não se poderia motivar um filósofo com questões próprias do geógrafo) e que não são percebidas por quem não foi formado para entrar nesse campo. (BOURDIEU, op.cit., p.90).

Os limites do campo, logo, são dados pelo próprio campo. Seja o campo artístico, literário, religioso ou econômico, seus limites são inscritos pelos próprios limites do capital em reconhecimento no interior de cada um deles. Um campo é compreendido, então, como um espaço social em que é exercido um efeito de campo, (ou seja, o campo religioso, por exemplo, é um espaço no qual se tem um feito de campo religioso, de discursos e práticas religiosas, em que o em disputa é o capital religioso, fazendo-nos concluir, então, que os limites do campo são dados no ponto em que os efeitos daquilo que é produzido nele cessam).

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raio de sua ação. Um agente, pois, faz parte de um campo na medida em que, e somente na medida em que, sofre ou produz efeitos naquele campo. A existência de um campo, assim, configura-se como a existência de uma disputa, uma luta, uma vez que todo e qualquer campo é um espaço de lutas.

Em cada campo observa-se uma luta porque é próprio do campo portar a existência de objetos em disputa (o capital que lhe é específico) e pessoas disponíveis a disputá-los segundo algumas regras que fazem o campo funcionar como um “jogo”. Todo capital se define em função de um campo, sobre os instrumentos materiais ou incorporados de produção e de reprodução cuja distribuição constitui a própria estrutura do campo e sobre as regularidades e disposições que vão definindo o seu funcionamento ordinário. Como tal, possui regras às quais os agentes devem obedecer se quiserem dele participar.

A estrutura do campo é um estado de relação de força entre os agentes ou as instituições engajadas na luta ou, se preferirmos, da distribuição do capital específico que, acumulado no curso das lutas anteriores, orienta as estratégias ulteriores. (BOURDIEU, op. cit., p. 86).

De acordo com Bourdieu, as relações objetivas características dos campos são relações entre posições que impõem aos seus ocupantes determinações relativas ao seu lugar na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (capital). A posse desses “poderes” (os capitais) comandaria, por sua vez, o acesso aos benefícios que estão em jogo no campo e os tipos de relações objetivas entre as diferentes posições: dominação, subordinação etc. Na tentativa de esclarecer a definição desse conceito, Bourdieu faz uma comparação entre o campo e um jogo.

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estado da relação de força entre os jogadores. As estratégias de um “jogador” e o que define seu “jogo” dependem não só do volume e da estrutura do capital no momento considerado, mas também da evolução no tempo do volume e da estrutura desse seu capital.

Os indivíduos que participam do campo podem jogar para aumentar ou conservar o seu capital, de acordo com as regras do jogo, ou podem trabalhar para transformar, parcial ou totalmente, as regras imanentes do jogo, para mudar, por exemplo, o valor relativo das diferentes espécies de capital, por estratégias que visam desvalorizar a subespécie de capital que fundamenta a força de seus adversários e a valorizar a espécie de capital que eles detêm particularmente.

Os participantes de um campo trabalhariam para se diferenciar de seus rivais mais próximos (a fim de reduzir a concorrência) e para excluir do campo uma parte dos participantes atuais ou potenciais, dificultando a entrada ou impondo um certo critério para definição da competência específica ao campo.

O campo é o lugar de relações de força e de lutas para transformá-las e é, portanto, o lugar de transformação permanente. Isso porque existe nele uma constante contestação e resistência dos dominados. A luta primordial desenrolada em seu interior se dá entre aqueles que “monopolizam (mais ou menos completamente) o capital específico, fundamento ou poder da autoridade específica característica de um campo”, que exatamente pelo fato de monopolizarem o capital em questão tendem a encetar ações que conservem seu monopólio, e entre os que “possuem menos capital”, que encetam ações que visam à subversão.

Tais ações são definidas a partir das posições ocupadas pelos agentes ou pelas instituições, fazendo com que os campos nunca sejam alvos de transformações radicais, permitindo ao pesquisador observar apenas mudanças parciais no seu interior, mas não nas regras do jogo que o constitui.

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ininterrupta opera uma constante reestruturação do mesmo e define sua dinâmica, elucidando ao pesquisador o sistema de relações nele presente. Essas lutas, longe de configurarem-se como elementos de possíveis destruições do campo, vão legitimando sua existência enquanto campo de disputa. Isso porque “os que participam da luta contribuem para a reprodução do jogo contribuindo para reproduzir a crença no valor do que está sendo disputado” (BOURDIEU, op. cit., p. 88). Aqui faz-se necessário considerar uma outra idéia do autor sobre a lógica dos campos.

A forma constitutiva por excelência que transforma um indivíduo em um agente de um determinado campo é a crença, o interesse, que o autor traduz em termos de illusio. Com essa expressão, Bourdieu refere-se a um “investimento” no jogo que é próprio ao campo considerado. Em vez de utilizar o termo “interesse”, que traria elementos do campo da economia, Bourdieu fala de illusio, que traduz-se como interesses que são produzidos no funcionamento do campo, e somente nele, sendo esses interesses historicamente delimitados. O próprio autor adverte sobre as possibilidades de confusão metodológica que uma sua utilização do termo “interesse” em vez de illusio poderia acarretar:

A palavra interesse, que empreguei muitas vezes, também é muito perigosa porque se arrisca a evocar um utilitarismo que é o grau zero da sociologia. Dito isso, a sociologia não pode ignorar o axioma do interesse, entendido como investimento específico nos processos de luta (illusio), que é ao mesmo tempo a condição e o produto da vinculação a um campo. (BOURDIEU, 2010, p. 93).

Cada campo, dessa forma, “convoca e ativa uma forma específica de illusio”, configurando-se essa como um “reconhecimento tácito do valor dos enjeux empenhados no jogo” (IDEM, 1989, p.68).

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sociais que foram formando uma trajetória específica, mas que guarda sua especificidade no campo e não no indivíduo.

O habitus aparece como o produto da pertença a um determinado campo, como produto da incorporação das necessidades e dos valores desse campo, contribuindo “para constituir o campo como mundo significante, dotado de sentido e de valor, no qual vale a pena investir sua energia” (IDEM, op. cit., p.60).

Para o autor, as estruturas constitutivas de um tipo particular de ambiente socialmente estruturado (o campo) produziriam habitus, ou seja, “sistemas de disposições duradouras” (no sentido de uma propensão, de uma predisposição).

O habitus pode ser entendido como estrutura estruturada, no sentido de que é formado a partir da interiorização das estruturas do ambiente, que estaria predisposta a funcionar como princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações dos indivíduos.

É nesse sentido que Bourdieu define o habitus como interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade, como estrutura estruturada e estrutura estruturante. É na dinâmica entre aquilo que é externo, regular, estrutural e o indivíduo com suas práticas, suas decisões, que se constitui o elemento fundamental da noção de habitus.

Ainda que o mundo seja estruturado e constante, ele é atualizado no indivíduo que é responsável pela manutenção dessa ordem. Este incorporaria as estruturas sociais sob a forma de estruturas de disposições e, por isso, adquiriria um conhecimento prático do espaço social no qual ele está inscrito e implicado.

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relativa que ocupa em relação a outros lugares e pela distância que o separa deles. Logo, a relação entre campo e habitus é uma relação de conhecimento e de condicionamento, configurando-se este último como o “social feito corpo”.

O habitus como sistema de disposições de ser e de fazer constitui uma potencialidade, um desejo de ser que, de certo modo, busca criar as condições de sua realização, portanto, impor as condições mais favoráveis ao que ele é. O agente faz o que está em seu alcance para tornar possível a atualização das potencialidades inscritas em seu corpo sob a forma de capacidades e de disposições moldadas por condições de existência.

Segundo Bourdieu, somente existe ação, história, conservação ou transformação de estruturas porque existem agentes irredutíveis à noção de indivíduo, e que, enquanto corpos socializados, são dotados de um conjunto de disposições contendo ao mesmo tempo a propensão e a aptidão para entrar no jogo e a jogá-lo com maior ou menor êxito.

1.2- A política como um campo: habitus, capital, agentes e lutas

Antes de mais nada, é preciso considerar que o campo político, em Bourdieu, é considerado como um domínio específico da realidade social e que, por isso mesmo, dever ser diferenciado de três elementos com os quais corremos o risco de confundi-lo: o campo político não se iguala ao campo de poder, nem ao campo social e nem ao Estado.

Ao diferenciar o campo político do campo de poder, Bourdieu define este último como aquele campo em que “as relações de força entre as posições sociais que asseguram aos seus ocupantes um quantum suficiente de força social” que os coloca em grande probabilidade de entrarem na luta pelo monopólio do poder (BOURDIEU, 1988, p.112).

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poder, o campo do poder diz respeito às diferentes espécies de capital existentes na sociedade.

Mas, o campo político também não pode ser confundido com o campo social. Em Bourdieu, o espaço social é o espaço caracterizado como o lugar dos modos de vida, onde os agentes estão em ações “relacionais”, ocupando “posições relativas num espaço de relações” (IDEM, 1988, p. 54). Mas, o que vem a ser um espaço social? Nada mais do que a estrutura de distribuição dos diferentes capitais no universo social considerado, sendo, portanto, uma definição que recobre o espaço das diferenciações sociais: uma rede de relações, de conhecimentos e de reconhecimentos, de somas de capitais e de poderes em que as lutas simbólicas vão sendo travadas na busca de vantagens legítimas, buscando sempre, ao final de tudo, um capital de reconhecimento, sendo este bastante amplo e que excede em muito o campo da política.

Mas, também não se deve confundir a política com o Estado. Sabendo que o poder está “em toda parte”, e não só no Estado, Bourdieu não desconsidera que este funciona como um lugar central de seu exercício, mas em meio a tantos outros “locais centrais” espalhados pelo mundo social.

Assim é que o autor não deixa de considerar que grande parte das lutas travadas no campo do poder “visam apoderar-se de um poder sobre o Estado”, uma vez que esse, como detentor “do monopólio da violência simbólica legítima” (parafraseando Max Weber), exerce um poder sobre todos os jogos de lutas que fazem funcionar os mais diversos campos.

O Estado regula a existência dos campos, não só do campo político, mas de todos os que existem, exercendo um poder sobre todas as espécies de capital. Dados os seus recursos, o Estado tem a possibilidade real de regular o funcionamento de todos os campos, através seja de uma intervenção econômica ou de intervenções jurídicas e legitimadoras.

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[...] permite construir de maneira rigorosa essa realidade que é a política ou o jogo político. Ela permite, em seguida, comparar essa realidade construída com outras realidades como o campo religioso, o campo artístico... e, como todos sabem, nas ciências sociais, a comparação é um dos instrumentos mais eficazes, ao mesmo tempo de construção e de análise. (BOURDIEU, 2010, p.194).

Metodologicamente, tratar a política como um campo permite uma compreensão desta tendo em vista outras realidades que, assim como esta, funcionam em termos de campo, mobilizando capital, agentes, lutas, conservação, mudanças e habitus. É o método par excellence da sociologia, o comparativo, quem entra em ação. Assim acontece porque

Falar de campo político é dizer que o campo político é um microcosmo, isto é, um pequeno mundo social relativamente autônomo no interior do grande mundo social. Nele se encontrará um grande número de propriedades, relações, ações e processos que se encontram no mundo global, mas esses processos, esse fenômenos, se revestem aí de uma forma particular. É isso o que está contido na noção de autonomia: um campo é um microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social. (IDEM, op.cit., p.195).

A realidade social, o mundo social, é um universo macro formado a partir de universos micros, o que nos permite concluir que a política, como um dos elementos constituintes da realidade social, apresenta-se em uma relação de colaboração com os outros campos, mas resguardando, como estes, sua autonomia, revestindo os elementos que dentro de si reúnem-se com propriedades que lhe são próprias enquanto campo.

A política, pois, tem suas leis, seu nomos, seus princípios geradores e seu funcionamento, suas próprias formas de avaliação, tudo isso servindo apenas dentro de seus limites. Assim, faz-se necessário que os agentes, uma vez adentrando ao campo da política, passem por uma “conversão” às suas regras estruturais, sob o risco de, transgredindo-as, sofrerem sanções e até mesmo exclusão.

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campos. O que define esse campo, ou seja, o que lhe é específico, é sua relação com o mundo externo a ele.

Assim, ainda que o campo político seja um microcosmo, um mundo separado e fechado em si mesmo, ele jamais pode ser totalmente fechado, pois isso tornaria a vida política impossível. Como os políticos são periodicamente julgados pelos eleitores e como seu poder, de certa maneira, é um poder que foi a eles delegado por um grupo, é preciso ter esse fato sempre em conta. O campo político seria definido também como

[...] o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher, com probabilidades de mal-entendidos tanto maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção. (IDEM, op.cit., p.164).

Funcionando como um campo, a política repousa sobre uma separação entre os profissionais e os profanos. Os meios de acesso à participação política estão desigualmente distribuídos na vida social, fazendo com que existam condições para a constituição da competência política, para a competência de participação e deliberações nesse campo.

Assim como nos demais campos (econômico, religioso, intelectual etc), a concentração de capital (aqui, no caso, o político) nas mãos de um pequeno grupo (os profissionais), que têm a legitimidade de produção daquilo que será “consumido” pelos despossuídos de capital, vai exercendo uma censura ao “universo do discurso político”, definindo o que pode ou não ser “pensável politicamente”, estabelecendo assim os limites da “problemática política”. O que é legitimamente atuante torna-se um monopólio dos profissionais da política, constituindo estes os modos de pensar e de agir como os únicos politicamente corretos.

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“profanos”, é preciso ter como fundamento, em toda a análise de luta política, os determinantes sociais e econômicos da “divisão do trabalho político”.

Mostra, assim, a necessidade de não naturalizar os mecanismos sociais que produzem e reproduzem a separação entre “agentes politicamente ativos” e “agentes politicamente passivos”. Existiriam para ele obstáculos “objetivos” para o governo direto como, por exemplo, o número de cidadãos. Mas Bourdieu aponta que esses obstáculos são agravados com o desapossamento cultural e econômico, pois a concentração de capital político na mão de alguns seria tanto menos contestada quanto menos instrumentos culturais e materiais para a participação ativa na política tem a maioria dos governados.

É importante ressaltar ainda que, apesar do campo político ter como especificidade o fato de ser constantemente influenciado pelas forças externas a ele (em especial na democracia), a exclusão dos profanos é uma característica constitutiva desse campo.

Mostra-se um pressuposto tácito da ordem política o fato dos profanos estarem excluídos dela: os políticos veriam com maus olhos a intrusão dos profanos no seu círculo. A afirmação de que somente os políticos têm a competência para falar de política e que essa lhes pertence, é um pressuposto fundamental, é um dos “consensos” do campo político. Assim, ainda que esse seja um campo muito influenciado pelos que estão fora dele, essa separação é fundante do campo. Sem a separação entre profissionais e profanos o campo não existiria.

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nele atuam numa luta para o controle da política e, assim, para terem garantido o acesso ao controle da máquina estatal.

Se “existem condições de acesso à política” (BOURDIEU, 2010, p.195), uma delas assenta-se na aceitação tácita de que aqueles que nela ingressam ocupam posições distintas a partir do volume de capital possuído. A exclusão, portanto, como nos referimos acima, é algo próprio à lógica do campo.

É importante saber que o universo político repousa sobre uma exclusão, um desapossamento. Quanto mais o campo político se constitui, mais ele se autonomiza, mais se profissionaliza, mais os profissionais tendem a ver os profanos com uma espécie de comiseração. (IDEM, ibidem).

Essa constatação de capacidade desigual ao acesso do campo político é extremamente importante para evitar naturalizar as desigualdades políticas (uma das grandes tarefas permanentes da sociologia é a de recolocar a história no princípio de diferenças que, espontaneamente, são tratados como diferenças naturais). (IDEM, op.cit., p.193)

[...] dizer que há um campo político é lembrar que as pessoas que ai se encontram podem dizer ou fazer coisas que são determinadas não pela relação direta com os eleitores, mas pela relação com os outros membros do campo. Ele diz o que diz – por exemplo, uma tomada de posição a propósito da segurança ou da delinqüência... – não para responder às expectativas da população em geral, ou mesmo da categoria que lhe deu voz, que o designou como mandatário, mas por referência ao que outros no campo dizem ou não dizem, fazem ou não fazem, para diferenciar-se ou, ao contrário, apropriar-se de posições que possam ameaçar a aparência de representação que ele possa ter. (IDEM, op.cit., p. 199).

A exclusão do campo político alimenta e alimenta-se de alguns elementos elencados pelo autor, tais como o monopólio da produção, os constrangimentos frente às opções de escolha dos profanos, a fidelidade indiscutida aos representantes e a competência social para a política advinda dos discursos e atos políticos; tudo isso fazendo o autor concluir que “o mercado da política, sem dúvida, é um dos menos livres” (IDEM, 1999, p.166).

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É, em primeiro lugar, toda a aprendizagem necessária para adquirir o corpus de saberes específicos (teorias, problemáticas, conceitos, tradições históricas, dados econômicos, etc) produzidos e acumulados pelo trabalho político dos profissionais do presente e do passado ou das capacidades mais gerais tais como o domínio de uma certa linguagem e de uma certa retórica política, a do tribuno, indispensável nas relações como os profanos, ou a do debater, necessária nas relações entre profissionais. Mas é também e sobretudo esta espécie de iniciação, com as suas provas e os seus ritos de passagem, que tendem a inculcar o domínio prático da lógica imanente do campo político e a impor uma submissão de fato aos valores, às hierarquias e às censuras inerentes a este campo [...] (BOURDIEU, 1989, pp.169-170, grifos do autor).

Ao considerar o campo político como um lugar que requer uma “preparação especial”, uma vez ser ele o espaço de uma necessária “competência específica” que gerará o habitus que lhe é próprio, Bourdieu analisa-o a partir da aquisição de saberes (posto haver nesse campo uma importância destacada do papel da crença e das “verdades anunciadas” pelos profissionais) que foram acumulados por agentes predecessores do momento considerado, o que faz com que os profissionais localizem-se nessa “linhagem” portadora de uma certa legitimidade; aquisição, também, de uma linguagem própria do campo político, que exige do profissional uma habilidade em conhecer os “problemas políticos” (ou politizáveis) bem mais do que os “problemas sociais”, e conhecê-los na exata medida em que conseguem apresentá-los aos profanos por meio da exposição em uma plataforma discursiva (daí a capacidade de tribuno) e aos concorrentes políticos a partir de uma defesa de suas idéias, que expressa-se na capacidade de debater.

Assim, o agente político deve mostrar a legitimidade e o volume de seu capital num movimento duplo: para dentro, frente aos demais agentes do campo, e para fora, frente aos eleitores, aos despossuídos de capital político, aos “consumidores”, uma vez que o que está “em disputa no campo político é o monopólio da capacidade de fazer ver e de fazer crer de uma maneira ou de outra” (IDEM, 2010, p. 200).

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de uma parte da totalidade dos profanos” (BOURDIEU, 1989, p.185). Ao falar em nome destes, o agente busca mobilizar, por suas palavras, idéias e valores que sejam reconhecidos pelo grupo (que lhes dá força) e que não possam ser desmentidas pelos adversários no campo.

A política, então, será um espaço onde “dizer é fazer”, em que a palavra “empenha totalmente o autor”, por ser ela enunciada a partir de um “responsável político”, seja o agente, o partido político ou o grupo.

A promessa ou o diagnóstico apresentado serão tidos como verdadeiros dependendo da “autoridade daquele que os pronuncia”, o que significa também dizer que depende de uma “capacidade de fazer crer na sua veracidade e na sua autoridade”. Submetendo-se aos valores do campo, os agentes vão dando continuidade a ele, fazendo da luta, do envolvimento, da adesão a própria conditio sine qua non de existência do campo.

Nada há que seja exigido de modo mais absoluto pelo jogo político do que esta adesão fundamental ao próprio jogo, illusio,

involvement, commitment, investimento no jogo que é produto do jogo ao mesmo tempo que é a condição do funcionamento do jogo: todos os que têm o privilégio de investir no jogo (em vez de serem reduzidos à indiferença e à apatia do apolitismo), para não correrem o risco de se verem excluídos do jogo e dos ganhos que nele se adquirem, quer se trate do simples prazer de jogar, quer se trate de todas as vantagens materiais ou simbólicas associadas à posse de um capital simbólico, aceitam o contrato tácito que está implicado no fato de participar do jogo, de o reconhecer deste modo como valendo a pena ser jogado, e que os une a todos os outros participantes por uma espécie de

conluio originário bem mais poderoso do que todos os acordos abertos ou secretos. (IDEM, op.cit.,, pp.172-173, grifos do autor).

Assim, na perspectiva de Bourdieu, nada é exigido de modo mais absoluto pelo jogo político do que esta adesão fundamental ao próprio jogo (ao mesmo tempo produto e condição do funcionamento do jogo), para os participantes não se verem excluídos deste e dos ganhos que nele se adquirem.

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acúmulo e utilização do capital político, “crédito firmado na crença e no reconhecimento”, ou mesmo nas “inúmeras operações de crédito” pelas quais os agentes (em sua maioria, os profanos) concedem a uma pessoa ou a um grupo.

O homem político, diz-nos Bourdieu, “retira a sua força política da confiança que um grupo põe nele”, funcionando como uma construção social, respondendo a uma estrutura determinada e confiada socialmente. Por isso mesmo, é um “capital detido e controlado pela instituição e só por ela”. O grupo dá um “crédito”, um carisma, uma delegação. Por isso mesmo o autor considera o capital político como algo em termos de “investidura” do grupo sobre o agente.

A investidura é compreendia por Bourdieu como um “ato propriamente mágico de instituição” pelo qual o grupo “consagra oficialmente” o agente para uma eleição, como um candidato.

A lei que rege as permutas entre os agentes e as instituições pode enunciar-se assim: a instituição dá tudo, a começar pelo poder sobre a instituição, àqueles que tudo deram à instituição, mas porque fora da instituição e sem a instituição eles nada seriam, e porque não podem negar a instituição sem se negarem a si mesmos pura e simplesmente privando-se de tudo o que eles são pela instituição e para a instituição à qual tudo devem. Em resumo, a instituição investe aqueles que investiram na instituição. (BOURDIEU, op. cit., p.192, grifo do autor).

Mas a notoriedade do capital depende, consideravelmente, do peso político do partido político ou do grupo em questão, configurando-se como algo no campo da “reputação”, como algo intrinsecamente ligado à forma como se é conhecido. Esse capital de notoriedade, “firmado no fato de ser conhecido e reconhecido”, apresenta-se como “produto de uma acumulação lenta e contínua” que leva uma vida inteira para estruturar-se.

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Opera-se, assim, incessantemente, uma ação por parte dos agentes no sentido de “acumular o crédito” e também de “evitar o descrédito”, ação essa que requer “todos os silêncios, todas as dissimulações” que são impostas àqueles que pautam sua ação pelas regras do jogo do campo, aderindo a elas pelo envolvimento. Este é, pois, o espaço em que se operam as disputas pelas mais legítimas formas de notoriedade dentro do campo político.

Bourdieu chama a atenção para a dimensão das tomadas de posição em concorrência propostas no campo, ou seja, o que define as disputas do campo, o que distingue os jogadores. O autor afirma que o político avisado é aquele que tem o conhecimento prático sobre as tomadas de posição atuais e potenciais e o princípio destas tomadas de posição, ou seja, sobre o espaço das posições objetivas e a atitude de seus ocupantes no campo.

Este sentido do jogo político é que permite que os políticos prevejam as tomadas de posição dos outros políticos, e também o que os torna previsíveis para os outros políticos.

Previsíveis, portanto, responsáveis, no sentido do inglês

responsible, quer dizer, competentes, sérios, dignos de confiança, em suma, prontos para desempenhar com constância e sem surpresas nem traições o papel que lhes cabe na estrutura do espaço do jogo. (BOURDIEU, 1989, p.172).

Uma última questão interessante sobre campo político discutida por Bourdieu é a da objetivação do capital político, apresentada por eles nos seguintes termos:

A delegação do capital político pressupõe a objetivação desta espécie de capital em instituições permanentes, a sua materialização em “máquinas” políticas, em postos e instrumentos de mobilização e a sua reprodução contínua por mecanismos e estratégias [...] quanto mais avançado é o processo de institucionalização do capital político, tanto mais tende a conquista do “espírito” a subordinar-se à conquista dos postos [...]. (IDEM, op.cit., pp. 194-195).

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comando do Estado. Ele aponta ainda que a delegação do capital político pressupõe a objetivação desse capital em instituições permanente ou, mais especificamente, em postos e instrumentos de mobilização e a sua reprodução contínua.

A objetivação do capital político permitiria uma independência relativa perante a sanção eleitoral, pois é possível se manter nos postos (no partido principalmente). Quanto mais avançado é o processo de institucionalização do capital político (burocratização) formando postos, maiores são as vantagens de entrar no aparelho. Bourdieu aponta com isso que com a profissionalização da política a conquista dos cargos institucionais na política passa a ser um fim em si mesmo. Por isso é que

[...] os interesses políticos específicos tornam-se cada vez mais ligados ao pertencimento a um partido e, ao mesmo tempo, á reprodução de um partido e á reprodução assegurada pelo partido. Uma grande parte das ações realizadas pelos políticos não têm outra função que a de reproduzir o aparelho e de reproduzir os políticos ao reproduzir o aparelho que lhes assegura a reprodução. [...] uma parte importante das condutas políticas é inspirada por uma preocupação com a reprodução do aparelho que garante a existência política de seus membros. (BOURDIEU, 2010, p.206).

Ao tomarmos a teoria sociológica de Pierre Bourdieu como referencial teórico para a compreensão da política enquanto campo, em que se mobilizam as estruturas, os agentes, o habitus próprio, o capital, as lutas pela conservação ou pela manutenção das posições e das disposições duráveis nele atuantes, escolhemos também um autor que, na mesma linha de pensamento compreende o objeto de estudo das ciências humanas como um “campo simbólico”, apresentando sua proposta metodológica, um referencial mais apropriado aos estudo das ações dos homens enquanto inseridos que estão no mundo social.

1.3- A temporalidade da política: a formação de ciclos sob a denominação de “Era

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democráticos, tem sido considerada digna de reflexão por parte de alguns estudiosos da cena política contemporânea. Ora, se a permanência temporal alongada no poder ( e nos seus aparelhos) poderia servir como caracterização de regimes não-democráticos e autoritários, como conceituar essas mesmas permanências em contextos de democracia e de eleições diretas e periódicas? Como consultas temporárias ao eleitorado acabam por legitimar a permanência de lideranças nos aparelhos de poder? Para ajudar-nos na reflexão sobre essa temática e na realização de nossa pesquisa, lançamos mão do conceito de “ciclos políticos” tal como definido por Rejane Carvalho, destacada pesquisadora do campo político cearense.

Segundo a autora, a redemocratização do Brasil (1985 em diante) trouxe como conseqüência imprevista a “tendência de ciclos políticos relativamente longos” (CARVALHO, 2008, p.22), algo até então pensado somente quando se fazia referência aos períodos não-democráticos, e que, em tempos redemocratizados, mesmo com eleições permanentes, grandes eram as chances de pessoas, partidos ou grupos manterem-se a frente do poder executivo (municipal, estadual ou federal) por mais de um mandato. Esta tendência, segundo a autora, teria sido intensificada com a aprovação do estatuto da reeleição, em 1998, que já anunciava a existência de “reeleições virtuais”, ocorridas em pleitos em que, por impedimentos legais, não se podia votar num gestor bem avaliado mas votava-se em seus candidatos como se nele estivessem votando. É a essa possibilidade de longevidade, e à sua efetivação, que a autora nomeia de “ciclo político”. Em sua definição, configuram-se como novas formas de poder

[...] em que a possibilidade de continuidade é determinada pelo poder de sedução de uma “persona” política (indivíduo, grupo ou partido), capaz de fundar-se no imaginário político popular, instaurando uma temporalidade simbólica que a mídia consagra como “Era”. A hegemonia inconteste em um território estadual ou nacional é afirmada em ciclos de campanhas não competitivas. Uma temporalidade política que exige uma mística simbólica forte que a sustente. (IDEM, op. cit., p. 23).

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de fazer ver e de fazer crer (como Bourdieu já nos havia pontuado), o ciclo político é formatado e sustentado pelo “poder de sedução”. Diríamos nós, por uma argumentação bem sucedida de forma bastante longeva, com um capital de notoriedade bastante estendido, vigoroso, firmado numa crença bem estruturada pela lógica do campo político em que se exerce o monopólio.

Esse espaço simbólico de sedução é alicerçado nas qualidades, no capital institucionalizado em pessoas, grupos ou partidos políticos, que investem aqueles dignos de crédito como portadores da sedução que lhes é própria, na verdade, investem-nos da notoriedade que portam.

Mas, uma vez que o ambiente democrático contemporâneo é, em muito, devedor do poder midiático, a sedução da “persona” política depende, em grande parte, do trabalho de exposição da mídia, pois é esta, na definição da autora, quem consagra essa temporalidade em termos de “Era”, dentre as quais podemos destacar: “Era FHC”, “Era Lula”, “Era Tasso”.

A hegemonia do ciclo político, assim, também seria caracterizada por uma outra problemática: a existência de uma série de campanhas, para o cargo dominado pelo “ciclo”, pouco competitivas, uma vez que os imaginários sócio-discursivos que alimentariam essa “Era” (as retóricas das quais falamos mais acima) circulariam com mais vigor nos momentos de disputa pelos cargos públicos.

Para constatar-se essa hegemonia política no Ceará, campo de nossa pesquisa, basta apresentar os seguintes dados: o campo político liderado por Tasso Jereissati tem sua origem na eleição por este vencida para o Governo do Ceará no ano de 1986, apoiado em sua campanha eleitoral por uma ampla coligação de partidos – inclusive os partidos de esquerda, como o PCdoB – e por amplos setores da sociedade civil organizada, com destaque para o Centro Industrial do Ceará (CIC), capitaneando as mudanças esperadas na cena política nos que se seguiam aos desgastes do Regime Militar (1964-1985).

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Lúcio Alcântara disputa sua sucessão; em todas as eleições que se seguiram a de 1986, Tasso Jereissati saiu-se vencedor em primeiro turno (1994 e 1998); segundo, por conseguir eleger seu sucessor, nas duas ocasiões em que não poderia mais disputar a reeleição (Ciro Gomes em 1990 e Lucio em 2002), conseguindo emplacar Ciro Gomes como seu candidato em desarmonia com os candidatos postos pelo grupo, mostrando a centralidade das decisões política em torno de si; terceiro, por sempre eleger senadores que consigo estavam coligados e que recebiam seu apoio (Mauro Benevides e Cid Carvalho em 1986, Beni Veras em 1990, Lúcio e Sérgio Machado em 1994, Luis Pontes em 1998, Patrícia Sabóia e ele mesmo, em 2002).

Assim, “a liderança de Tasso Jereissati constitui um outro ciclo de poder político no Estado do Ceará, onde existe uma base ideológica forte de legitimação e que se configura politicamente forte” (PARENTE, 1999:179).

Para ilustrar sua definição, Carvalho vale-se do caso do Ceará, em particular da “Era” constituída a partir da vitória eleitoral de Tasso Jereissati ao governo estadual, e que transcrevemos por completo abaixo por ser exatamente o objeto de nosso estudo aqui apresentado:

No Ceará, a ascensão de Tasso Jereissati ao governo do Estado, em 1986, deu início à nomeada “Era das Mudanças”, contraposta ao que foi consagrado como “Era dos Coronéis”. A simbólica da modernização da política cearense, efetivada por um personagem jovem, assentava-se em um imaginário político de racionalidade da gestão empresarial, que tinha como contraponto a “política clientelista” dos coronéis. O ciclo político inaugurado em 1986 ganhou nomeações que não deixam dúvida sobre a centralidade atribuída ao seu “fundador” (“tassismo”, “era Tasso”).

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CAPÍTULO II

A CONSTRUÇÃO E A DELEGAÇÃO DO CAPITAL POLÍTICO: O CIC NO CENÁRIO POLÍTICO ESTADUAL E A VITÓRIA ELEITORAL DE TASSO

JEREISSATI AO GOVERNO DO CEARÁ EM 1986

As considerações teóricas do capítulo anterior permitem-nos, agora, lançar um olhar sobre a formação e a consolidação do ciclo político liderado por Tasso Jereissati na política cearense, a partir de sua vitória na eleição estadual de 1986. Para tanto, será nosso intuito partir de uma contextualização do cenário sócio-político do Ceará, no final da década de 70 e em meados da década de 80, destacando a atuação política do Centro Industrial do Ceará (CIC), de onde Tasso emergirá como importante liderança política e de quem far-se-á representante de um projeto político coletivo, aos moldes do que Patrick Charaudeau (2006) nomeia de “Eu Coletivo”, uma identidade que emana na relação do sujeito com um grupo.

Entendemos, assim, que tal vitória eleitoral não pode ser pensada ou analisada como um fenômeno meramente circunstancial, posto proporcionar uma compreensão mais elucidativa da política cearense nas últimas três décadas, inaugurando um ciclo de hegemonia bastante complexo.

O cenário em que a vitória de Tasso Jereissati ao Governo do Estado do Ceará acontece evidencia as inúmeras mudanças que estavam ocorrendo nas elites políticas, inclusive as do Ceará, com a intensificação da luta pela redemocratização do Brasil, o que significou por toda parte movimentos que poriam fim ao ciclo dos “coronéis” (Cesar Cals, Adauto Bezerra e Virgilio tavora) e preparavam um novo ciclo de hegemonia política a ser protagonizado por novos segmentos do empresariado cearense que, neste cenário, expressavam suas demandas e interesses.

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de outros setores do empresariado cearense, caminhando numa contínua e aberta discordância com as lideranças políticas de então, em especial com o grupo que estava no poder estadual.

Há, portanto, um papel significativo ocupado pelo CIC no contexto das mudanças políticas e econômicas que viabilizaram a formação de um ciclo político duradouro a partir da acolhida de seu projeto por parte da população cearense.

2.1- A emergência do CIC no cenário estadual: um projeto com ares de coletividade/modernidade

O contexto de redemocratização iniciado em meados da década de 80 criou a possibilidade do aparecimento de novos sujeitos políticos que engendravam novas lutas, assim como a expressão legítima de interesses os mais diversos na sociedade. Isso porque a maior pressão por mudanças sociais refletiu diretamente nos processos eleitorais, ao mesmo tempo em que a crise do regime militar, bem como sua derrocada, provocou inúmeros desgastes dentro dos setores das elites locais que sustentavam-no, identificadas e beneficiadas que eram com o projeto político-autoritário iniciado em 1964.

Aqueles, portanto, que se alinhavam às lutas por mudanças sociais e pela redemocratização ganharam reconhecimento por parte da sociedade (“capital social”, aos moldes de Bourdieu) por postarem-se ao lado da democracia e da renovação, o que faria com que tal reconhecimento, no caso do Ceará, logo convertesse-se em “capital político”, em “crédito”.

Assim é que, por seu engajamento no processo de redemocratização, os empresários do CIC aglutinaram força política junto aos movimentos sociais, aos setores da intelectualidade cearense, aos extratos urbanos das classes médias e aos espectros da política mais à esquerda.

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perdendo o controle do eleitorado até então posto sob o seu comando; isso exigia novas estratégias políticas para a obtenção do apoio eleitoral, o que seria muito bem levado a cabo pelos empresários do CIC. Mas, como o CIC constituiu-se enquanto ator político? Quais os passos seguidos na constituição de seu papel inovador na cena política cearense?

Uma importante apresentação do CIC é feito por MARTIN (1993). Segundo a autora, um dos fatores que proporcionaram a criação do Centro Industrial do Ceará foi o surto industrial que espalhou-se pelo Brasil nos anos que se seguiram à I Guerra Mundial (1914-1918). Certo é que, desde o século XIX, o Ceará havia assistido a várias tentativas de junção dos industriais em entidades representativas da classe.

De sua fundação até 1978 o CIC foi presidido por empresários dos mais diversos ramos (comércio, salinas, madeireiro, tecelagem, fiação), o que levou a entidade a colocar-se, pouco a pouco, sob o comando da Federação das Indústrias do Ceará (FIEC), em especial a partir da presidência de Luís Gonzaga Flávio da Silva, em 1959. Sob sua direção, o CIC passou a ser, administrativa e gerencialmente, tutelado pela FIEC, uma vez que o presidente desta também ocupava, automaticamente, a presidência daquele.

As coisas começam a mudar com a eleição de Benedito Clayton Veras Alcântara, o Beni Veras (como é conhecido no Ceará) em 1978. Esse ano é considerado por muitos como o grande “divisor de águas” do CIC, em especial por ser a partir daí que o Ceará ganharia alguns espaços na imprensa nacional ao constar como um Estado vanguardista nas discussões e nos debates sobre a democracia e a necessária melhoria na distribuição de renda à população mais pobre, como veremos mais adiante. Segundo a autora,

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TABELA 01: COLIGAÇÕES E CANDIDATOS ELEIÇÕES 1986
Tabela 02:  Eleições para o Governo do Ceará – 1986
TABELA 03: COLIGAÇÕES ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE FORTALEZA 1988
Tabela 04: Eleição para a Prefeitura de Fortaleza 1988
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