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As considerações teóricas do capítulo anterior permitem-nos, agora, lançar um olhar sobre a formação e a consolidação do ciclo político liderado por Tasso Jereissati na política cearense, a partir de sua vitória na eleição estadual de 1986. Para tanto, será nosso intuito partir de uma contextualização do cenário sócio-político do Ceará, no final da década de 70 e em meados da década de 80, destacando a atuação política do Centro Industrial do Ceará (CIC), de onde Tasso emergirá como importante liderança política e de quem far-se-á representante de um projeto político coletivo, aos moldes do que Patrick Charaudeau (2006) nomeia de “Eu Coletivo”, uma identidade que emana na relação do sujeito com um grupo.

Entendemos, assim, que tal vitória eleitoral não pode ser pensada ou analisada como um fenômeno meramente circunstancial, posto proporcionar uma compreensão mais elucidativa da política cearense nas últimas três décadas, inaugurando um ciclo de hegemonia bastante complexo.

O cenário em que a vitória de Tasso Jereissati ao Governo do Estado do Ceará acontece evidencia as inúmeras mudanças que estavam ocorrendo nas elites políticas, inclusive as do Ceará, com a intensificação da luta pela redemocratização do Brasil, o que significou por toda parte movimentos que poriam fim ao ciclo dos “coronéis” (Cesar Cals, Adauto Bezerra e Virgilio tavora) e preparavam um novo ciclo de hegemonia política a ser protagonizado por novos segmentos do empresariado cearense que, neste cenário, expressavam suas demandas e interesses.

Logo, para compreendermos os processos políticos ocorridos no Ceará na década de 80, devemos proceder com uma apresentação, ainda que sucinta, do projeto político de “modernização conservadora” (NOBRE, 2008) capitaneado pela nova formação do CIC, que toma posse em 1978, e que vai distinguindo-se

de outros setores do empresariado cearense, caminhando numa contínua e aberta discordância com as lideranças políticas de então, em especial com o grupo que estava no poder estadual.

Há, portanto, um papel significativo ocupado pelo CIC no contexto das mudanças políticas e econômicas que viabilizaram a formação de um ciclo político duradouro a partir da acolhida de seu projeto por parte da população cearense.

2.1- A emergência do CIC no cenário estadual: um projeto com ares de coletividade/modernidade

O contexto de redemocratização iniciado em meados da década de 80 criou a possibilidade do aparecimento de novos sujeitos políticos que engendravam novas lutas, assim como a expressão legítima de interesses os mais diversos na sociedade. Isso porque a maior pressão por mudanças sociais refletiu diretamente nos processos eleitorais, ao mesmo tempo em que a crise do regime militar, bem como sua derrocada, provocou inúmeros desgastes dentro dos setores das elites locais que sustentavam-no, identificadas e beneficiadas que eram com o projeto político-autoritário iniciado em 1964.

Aqueles, portanto, que se alinhavam às lutas por mudanças sociais e pela redemocratização ganharam reconhecimento por parte da sociedade (“capital social”, aos moldes de Bourdieu) por postarem-se ao lado da democracia e da renovação, o que faria com que tal reconhecimento, no caso do Ceará, logo convertesse-se em “capital político”, em “crédito”.

Assim é que, por seu engajamento no processo de redemocratização, os empresários do CIC aglutinaram força política junto aos movimentos sociais, aos setores da intelectualidade cearense, aos extratos urbanos das classes médias e aos espectros da política mais à esquerda.

Representando uma novidade em meio a um cenário ávido por mudanças estruturais profundas, o grupo de empresários do CIC mostrava-se sintonizado com os processos eleitorais que se voltavam para as grandes massas urbanas, o que fazia com que as lideranças políticas com bases rurais fragilizassem-se,

perdendo o controle do eleitorado até então posto sob o seu comando; isso exigia novas estratégias políticas para a obtenção do apoio eleitoral, o que seria muito bem levado a cabo pelos empresários do CIC. Mas, como o CIC constituiu-se enquanto ator político? Quais os passos seguidos na constituição de seu papel inovador na cena política cearense?

Uma importante apresentação do CIC é feito por MARTIN (1993). Segundo a autora, um dos fatores que proporcionaram a criação do Centro Industrial do Ceará foi o surto industrial que espalhou-se pelo Brasil nos anos que se seguiram à I Guerra Mundial (1914-1918). Certo é que, desde o século XIX, o Ceará havia assistido a várias tentativas de junção dos industriais em entidades representativas da classe.

De sua fundação até 1978 o CIC foi presidido por empresários dos mais diversos ramos (comércio, salinas, madeireiro, tecelagem, fiação), o que levou a entidade a colocar-se, pouco a pouco, sob o comando da Federação das Indústrias do Ceará (FIEC), em especial a partir da presidência de Luís Gonzaga Flávio da Silva, em 1959. Sob sua direção, o CIC passou a ser, administrativa e gerencialmente, tutelado pela FIEC, uma vez que o presidente desta também ocupava, automaticamente, a presidência daquele.

As coisas começam a mudar com a eleição de Benedito Clayton Veras Alcântara, o Beni Veras (como é conhecido no Ceará) em 1978. Esse ano é considerado por muitos como o grande “divisor de águas” do CIC, em especial por ser a partir daí que o Ceará ganharia alguns espaços na imprensa nacional ao constar como um Estado vanguardista nas discussões e nos debates sobre a democracia e a necessária melhoria na distribuição de renda à população mais pobre, como veremos mais adiante. Segundo a autora,

Quando Benedito Clayton Veras Alcântara, o mais velho entre os jovens empresários, teve seu nome consensualmente apontado para assumir a presidência do CIC, em 1978 [...] diz-se do CIC que ele transformou-se em um fórum de debates sobre temas do setor sócio-econômico no contexto regional e acabou como uma entidade essencialmente política, a despeito de ter sido criado como órgão técnico para resolver questões como o surgimento de matéria-prima e a comercialização.

Através do Centro Industrial, uma elite empresarial jovem com propostas visando à mudança dos indicadores socioeconômicos e da estrutura política do Ceará foi projetada aqui e fora do Estado. Os jovens empresários – patrocinados inicialmente pela FIEC – mentalizaram um projeto que antes de meados da década de 1980 foi tornando mais claramente o formato de um projeto político-adminsitrativo para gerenciar o Estado a partir do poder institucional (MARTIN, op.cit., p.36).

Convém destacar a importância de José Flávio Costa Lima, presidente da entidade entre os anos de 1977-1980, para o momento de renovação e soerguimento do CIC. Sua gestão pautou-se pela busca de debates, dentro da entidade, sobre os problemas nacionais, o que fez com que o CIC incorporasse em seus quadros a intelligentsia representada por empresários que, apesar de constarem nessa condição por serem herdeiros de famílias consideravelmente ricas, haviam sido formados em cursos de nível superior, fazendo deles portadores de considerável capital cultural a contrapor-se ao baixo nível intelectual dos velhos empresários. Mas, quem eram esses “jovens empresários”?

Antes de tudo, eram “jovens” por contarem, à época em que assumiram a presidência do CIC, com idades entre 35 e 45 anos e por não alinharem-se a um certo tradicionalismo da velha elite empresarial do Ceará. A composição da diretoria eleita em 1978 ficou assim dividida:

Presidência: Benedito Clayton Veras Alcântara (grupo Guararapes); vice- presidência: Álvaro de Castro (Mercesa), Airton José Vidal de Queiroz (Grupo Edson Queiroz), Assis Machado (Construtora Mota Machado), Pedro Philomeno Ferreira Gomes (Redes Philomeno), Byron Costa de Quieroz (Grupo Ivan Bezerra), Hermane de Holanda Farias (DISCON), José Airton Argelim (Junta Comercial), Álber Garcia Quinderé (Cimaipinto automóveis), José Sérgio de Oliveira Machado (Vilejack), Édson Queiroz Filho (Grupo Edson Queiroz), Tasso Ribeiro Jereissati (Grupo Jereissati), Amarílio Macedo (Grupo J. Macedo). Empossada a nova diretoria, o relacionamento cordial entre o novo grupo dirigente do CIC e a FIEC começa a desfazer-se exatamente pela reinvindicação do “novo” pelos então recém-empossados.

Ao perceberem que Costa Lima, apesar de ter sido o grande incentivador da renovação dos quadros dirigentes do CIC, pretendia que a entidade

continuasse submissa à FIEC, os jovens empresários começam a distanciarem- se desta, reivindicando para si o papel de “desobedientes” e “inconformados”, papéis esses que logo circulariam na imprensa nacional:

[...] um grupo de jovens empresários cearenses assumiu a direção do sexagenário e inexpressivo Centro Industrial do Ceará (CIC) e transformou o que não passava de um agradável local de encontros vespertinos, fortemente submisso à Federação da Indústria do Estado do Ceará (FIEC) em um fórum

de debates. (ISTO É, 10 de setembro de 1980, grifos nossos).

Observe-se que desde o início a nova direção do CIC conta com a enunciação da mídia a qualificá-la como novidade: são os “jovens empresários” que contrapõem-se a uma elite “sexagenária”, que ocupa-se somente de “encontros vespertinos”. A utilização, pois, da expressão “jovens empresários” operaria, também, uma divisão simbólica da elite empresarial que colocaria estes na vanguarda triunfante e modernizante do Ceará e do Brasil, conforme pode ser visto na seguintes manchetes:

“Empresários jovens se dispõem a soerguer o Centro Industrial” (O Povo, 21/01/1978).

“Industriais jovens têm encontro para esta noite” (IDEM, ibidem). “Centro Industrial do Ceará empossa nova diretoria – sabe-se que pelo menos todos os executivos da ala jovem foram convidados” (Jornal do Brasil, 08/03/1978).

O uso da expressão “jovens empresários” opera a linha de demarcação e de diferenciação entres estes e os antigos dirigentes, e isso por meio de quem, a nosso ver, naquele momento portava as condições de operar tais distinções, uma vez constituir-se como importante instrumento de expressão legitimada da “fala política” ou da “fala competente”, a imprensa – Bourdieu analisa bem essa questão ao falar de como as “condições sociais de acesso à política” estão cada vez mais delimitadas e limitadas por órgãos que creem-se como exclusivamente competentes para tal ação, dos quais destaca a mídia, que vai portando-se como detentora da “competência específica” por excelência” (BOURDIEU, 2010, p. 197). Também podemos observar que

A juventude, no caso, não designa uma etapa da evolução biológica, mas a seiva viva de uma nova mentalidade política que se consubstancia em uma entidade de classe: o CIC.

Termos como “renascimento”, “revitalização”, são assim associados à história da posse que assume o estatuto de rito de iniciação na vida pública [...] o ato de posse do CIC é assim semantizado como recusa de um legado tradicional, ruptura com o passado, abandono da casa paterna. (CARVALHO, 1999, p. 180, grifos da autora).

A renovação e a juventude dos novos dirigentes expressava-se, além disso, por uma ação “transformadora” contraposta à ações “inexpressivas” de uma elite “fortemente” submissa, fazendo com que a entidade agora passasse a ter um movimento próprio e ininterrupto, transformando-se em um “fórum de debates”.

Promovendo grandes eventos, com presenças de grandes nomes da intelectualidade e do empresariado brasileiro (Maria da Conceição Tavares, José Mindlin, Bresser Pereira, Celso Furtado, Abílio Diniz, Leonel Brizola dentre outros), os jovens empresários foram atraindo uma numerosa quantidade de pessoas que lhes demonstravam simpatia e que compartilhavam suas idéias, o que acabou por colaborar com as crises entre a entidade e a FIEC, sendo a maior delas a recusa em aceitar a incorporação do CIC à FIEC, tal como sugerida por Costa Lima. É o que sugere a afirmação de Amarílio Macedo:

As nossas pretensões no processo de discussão eram tão destemidas, que aí a gente saiu para transformar rapidamente o CIC num fórum de debates, não de Fortaleza e não de assunto do Ceará, mas de assunto do Brasil no Ceará. Então, foi aí que a gente desencandeou um processo de atrair cabeças de ponta daquela época do cenário nacional que eram um dos maiores questionadores do governo e questionadores sobre múltiplos aspectos: tanto econômico, como político, cultural, como filosófico. (IDEM, op.cit., p.182)

Almejando autonomia, o CIC lançou-se numa campanha, logo legitimada pela sociedade, de crítica ao “casamento incestuoso” de empresários com o Governo Federal, que produzia miséria, colocando-se assim, de uma vez por todas, do lado contrário ao da FIEC, que via-se como anti-ethos primordial do discurso levado a efeito pelo CIC. Iniciava-se, assim uma “guerrilha retórica” (MARTIN, op. cit., 46), ou uma luta pelo monopólio da competência legítima, que levava os jovens empresários a colocarem-se como “heréticos” primeiramente no campo econômico e, depois e sobretudo, no campo político.

Em que consistia essa “heresia”? Qual era o status quo a ser denunciado e combatido, na economia e, depois, na política?

Antes de mais nada, a bandeira da justiça social foi a primeira a ser levantada e a formular o discurso “herético” dos novos dirigentes do CIC, que enfatizavam o fosso existente na distribuição de riquezas entre os mais pobres e os mais favorecidos. É sobretudo na gestão de Amarílio Macedo (1980-1981), em especial por ocasião do seminário “O Nordeste no Brasil: avaliação e perspectivas”, que as divergências se afunilam e os discursos vão tornando-se cada vez mais combativos.

Já no discurso de posse, conforme assinala MARTIN (op.cit., p.46), Amarílio deixa clara a intenção de formular, a partir do CIC, um “pacto contra a pobreza” como a “meta” por excelência de sua gestão, pacto esse que fazia com que os empresários do CIC sentissem-se “diretamente responsáveis pelas políticas vigentes”; caso contrário, sem sua atuação, seriam “tragados pela miséria”.

Uma das causas dessa má distribuição de riqueza e, portanto, um dos empecilhos para a efetivação da justiça social, era exatamente a má remuneração dos empregados da iniciativa privada, o que exigia, como já salientado, uma mudança de mentalidade por parte do empresariado. Em artigo publicado no Jornal O Povo, em 9 de março de 1978, Amarílio Macedo é enfático:

Em qualquer de nossas empresas a diferença entre a base e o topo da pirâmide vai de 40 vezes ou mais. Não que uns ganhem demais, mas sim que a grande massa, por razões diversas, não foi capaz de influir adequadamente em nossa política econômica. Claro estava, portanto, o rumo a ser apontado e perseguido pelo novo empresariado: a ênfase na participação coletiva nas decisões, inclusive no âmbito da esfera privada da economia. Isso, conforme veremos mais adiante, será o norte da campanha de Tasso Jereissati ao governo estadual em 1986 e a razão de sua ruptura com Amarílio Macedo.

Conferindo grau de importância indispensável à participação coletiva, os novos dirigentes do CIC entravam em conflito com as instituições que estavam

acomodadas sob a tutela do Estado, o que fazia com que o quadro de má distribuição de renda no âmbito da iniciativa privada aparecesse como reflexo do quadro de miséria e exclusão produzida pelo Governo.

O papel do CIC passava a ser, assim, questionar a maneira como os recursos públicos eram geridos pelos chefes políticos, direcionando-os de forma clientelista para dar suporte aos empresários comprometidos com o Governo e causando sérios prejuízos a um Estado permanentemente em crise, ocasionando a formação de um empresariado constantemente convidado a “ser maneiroso, conservador e oportunista” (CARVALHO, op.cit., p. 182).

De uma vez só buscava-se “profanar” duas vozes autorizadas: a classe empresarial e o Governo, ambos responsáveis pelo quadro de concentração de renda então vigentes. Havia, de um lado, um setor privado que deixara-se tutelar, proteger e regulamentar-se pelo Governo em troca de créditos, concessões e informações ´privilegiadas; de outro, um Governo com apoio incondicional de empresários, que hauriam lucros volumosos com os créditos assegurados pelo Governo.

O questionamento dessa relação custou aos novos dirigentes o adjetivo de “comunistas” (MARTIN, op.cit., p.48), uma vez que denunciavam os exorbitantes lucros das empresas como produtores da concentração de renda e do enorme déficit social por parte do Governo.

Na política tradicional predominava uma posição, por parte do empresariado, de defesa individual de seus próprios interesses, o que será questionado pela nova elite empresarial empossada no CIC. Buscando construir uma nova visão, mais prospectiva, da relação do empresariado com o Governo, por meio das políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento econômico do Ceará, os “jovens empresários” contrariavam os interesses daqueles que permaneciam como favorecidos pelas práticas então denunciadas como excludentes e produtoras de injustiças sociais.

Como “heréticos”, postavam-se como “vanguarda” a combater o ranço “tradicional” que pautava as práticas do empresariado cearense. Era comum, no contexto político regional, a intermediação dos governos locais para a aprovação

de projetos econômicos, via fundo públicos, para a expansão da indústria por meio de políticas clientelistas (LEMENHE, 1997, p.66), o que fazia com que a luta do novo empresariado fosse exatamente de encontro a essas políticas que, dentre outras coisas, ocasionavam escassez aos cofres públicos, inclusive para o combate às desigualdades sociais. “Se havia uma reinvindicação na sua empresa”, relata Sergio Machado (um dos diretores do CIC, como mostrado mais acima, e um importante quadro político do “Era Tasso”), “recorria-se ao Governo” (MARTIN, op. cit., p. 107). A continuação de sua fala é elucidativa:

A visão que os empresários tinham era corporativa. Você tinha que ter o Governo como aliado para resolver os seus problemas. Você não podia ter problema com o Governo. Nós precisávamos enfrentar o Governo, para poder mudar a relação maior. Porque se não mudasse a relação maior, nós não tínhamos futuro. Não adiantava ter um governo amigo. Adiantava ter um governo com compromisso social.

Assim, a modernização industrial, iniciada nos anos 70 com o apoio estatal, precisava agora abrir-se em ouras direções, o que logo levaria o CIC à tecer severas críticas à condução da política econômica por parte do Governo Federal, em grande medida sem transparência e impermeável a questionamentos.

Na medida em que o grupo de jovens empresários passou a militar no CIC, constituiu-se nele a busca por um novo modus operandi do Estado no que diz respeito à sua intervenção nos negócios econômicos, ou seja, nas relações deste com a iniciativa privada representada pelo CIC e pela FIEC. E será exatamente por portar-se como crítica do Governo Federal (o que queria dizer que também portava-se como crítica do regime militar, já então em desgaste) que a nova formação do CIC constaria como irmanada aos posicionamentos dos industriais das regiões mais desenvolvidas do país (que mostravam-se também descontentes com os rumos da economia) e daqueles que lutavam por uma profunda mudança política ou, em outros termos, que lutavam pela redemocratização, uma vez que defendiam o retorno do Brasil ao sistema democrático e a construção de uma nova forma de governar que, antes de tudo, afinava-se mais à racionalidade empresarial.

Isso posto, encontramos precisamente aí elementos importantíssimos para a compreensão do acúmulo de capital político no cenário estadual e, em alguns momentos, servindo mesmo de exemplo para o quadro nacional, uma vez que, como nos referimos anteriormente, os empresários do CIC chegaram mesmo a constar entre a “vanguarda” nacional.

Importa ressaltar que, segundo Patrick Charaudeau, as relações entre política, economia e modernidade (ou vanguarda), dá-se por meio de relações intrínsecas que fazem com que a economia desgarre-se do simples economicismo, fazendo com que passe a constituir-se como “o modo de uma sociedade representa para si a legitimidade das maneiras de gerir a vida coletiva”, tanto do ponto de vista da produção, como do ponto de vista da distribuição de riquezas (CHARAUDEAU, 2006, p.218).

Ao questionar, pois, as relações entre o Governo do Ceará e os empresários, não era somente à essas relações que os jovens empresários direcionavam suas críticas, mas às formas legitimadas de gerir-se os negócios públicos que o CIC pretendia denunciar e combater, promovendo a partir de suas enunciações as mudanças almejadas.

Nesse sentido é que o CIC forma os primeiros comitês de apoio às lutas pelas eleições diretas e à candidatura de Tancredo Neves para a Presidência da República, que opunha-se à Paulo Maluf, candidato do regime militar e, também, dos coronéis que hegemonizavam o controle da política cearense (Adauto Bezerra, Cesar Cals e Virgilio Távora) e, assim fazendo, também contrapunham- se à FIEC, entidade da qual despontaram para a cena política estadual. Beni Veras assim resume a entrada definitiva do CIC na política:

Eu reuni o grupo, não era mais nem presidente [...] Vou formar um grupo empresarial para se portar contra o Maluf [...] fizemos