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Transferência: amor ao saber.

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Academic year: 2017

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RESUMO: Procura-se evidenciar um novo direcionam ento para a

questão do am or de transferência com o ensino de Jacques Lacan. Trata-se, antes de m ais nada, do questionam ento do lugar do ana-lista para responder a esse am or. A tese de Lacan é de que esse am or é endereçado ao saber: o analisando coloca o analista na posição de sujeito suposto saber, de um saber consistente, de um saber que sabe. Entretanto, da perspectiva do analista o saber não sabe. O analista deve conduzir a análise visando esse não saber com o ver-d aver-d e.

Palavras - c h ave: transferência, saber, verdade, am or, sujeito

supos-to saber.

ABSTRACT: Transference: the love to know. The article tries to m ake

evident a new direction in the question of transference love ac-cording to Lacan’s teaching. At first, it deals w ith the question of the analyst’s position in order to answer to this love. Lacan’s thesis relies on the fact that this love is addressed to know ledge. Based on that, the analyzand puts the analyst in the position of a subject su pposed to kn ow, su pposed to h ave a con sisten t kn ow ledge, a know ledge that know s. However, from the analyst’s point of view, know ledge does not know. Having this in m ind as the truth, the analyst m ust analyze his patient.

Ke yw o rds: transference, know ledge, truth, love, subject supposed

to kn ow.

O AMOR DE TRANSFERÊNCIA: UMA QUESTÃO FREUDIANA

Não é contingência se o conceito de transferência em psica-nálise está atrelado à expressão “am or de transferência”; tra-ta-se de um a transcrição da observação clínica, em que o am or enquanto repetição significante fixa-se na figura do ana-lista, e este serve-se deste ocorrido com o instrum ento m otor da direção da análise. Um a vez que a transferência im plica indubitavelm ente o analista, a questão é saber de que m aneira Professor da

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e com o este responde ao apelo do dito am or. Entretanto, a expressão “am or de transferência” não significa apenas a presença do afeto am or em relação ao analista, trata-se da m anifestação de um conjunto de fenôm enos produzidos pela tarefa do analisando, pelo trabalho do analisando em associação livre, que, juntam ente com o silêncio do analista, determ inarão um a estrutura para a trans-ferência.

Freud considera o am or de transferência o inconsciente em ação. O recalque na sua infinita repetição pega o analista fixando-lhe um significante desconhe-cido do sujeito, fazendo desse analista um parceiro, um cúm plice, do seu in-consciente. Caberia ao analista, através da interpretação da transferência, desfa-zer o equívoco: revelar ao paciente que ele se engana, que existe um logro, que a parceria é um a ilusão e que o m aterial depositado no analista, ou suposto ao analista, não lhe pertence. Para Freud, a representação traum ática, im pedida pelo recalcam ento de se m anifestar, utiliza-se de um a m anobra astuta: procura se transferir, ligar-se às representações anódinas. Tal processo, ao se repetir indefinidam ente, perm ite ao recalque respirar, m ostrar o seu nariz.

O analista com o alvo da transferência acaba sendo suporte das representa-ções inconscientes, ou seja, suporte da repetição do recalque. A interpretação da transferência, indicando ao analisando essas falsas conexões, visa deslocar a repetição, dando lugar à rem em oração. Em conseqüência, tem -se o retorno do recalcado.

Lacan considera que tom ar a interpretação sim plesm ente com o repetição de significantes na figura do analista é um equívoco. Ele considera que a transfe-rência é autom atism o de repetição, pois ela está inscrita no registro pulsional com o um a necessidade de repetição e não-repetição da necessidade. Nesse sen-tido, ele vai na contram ão de Freud quando este acredita que Dora tom a sua figura com o repetição do am or destinado ao Senhor K. Freud acredita que Dora esteja repetindo na sua figura o am or dedicado às figuras m asculinas de sua história, notadam ente seu pai e o Sr. K. Interpretar os significantes m estres do sujeito que ele supõe inscritos pela transferência na sua figura de analista, cer-tam ente libera o analista desta falsa conexão, libera o analista com o suporte destes significantes. Ocorre, portanto, a quebra do im aginário do sujeito, deslo-cando-o de sua identificação com o analista. Entretanto, tal m anobra tem a possibilidade de fortalecer o efeito sim bólico, consolidando a subordinação do sujeito aos seus significantes m estres. O risco dessa m anobra de interpretar a transferência está, portanto, em m anter a análise na prevalência do sim bólico subordinada ao discurso do m estre.

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livre. Do lado da resistência, Freud observa que sem pre que ocorre um a parada das associações livres, portanto um a resistência à analise, surge a transferência. Algo do analista surge nessas lacunas da fala, nesses pontos de descontinuidade da cadeia significante, da m etoním ia significante, surge o analista com o resis-tência, obstáculo. A interpretação da transferência visa esclarecer ao analisando a falsa transferência de significantes e assim recolocá-lo no trilho da cadeia significante, fazendo-o retom ar a rem em oração. Interpretar a transferência é vencer tanto a resistência, im posta pela figura do analista, com o o recalcam ento, restabelecendo um a ponte entre os significantes e garantindo assim a associa-ção livre. Neste sentido, pensava-se que o esgotam ento da tarefa do analista — lim par constantem ente sua tela das projeções do sujeito — teria com o ponto final o retorno do recalque. A im possibilidade do analista de realizar esta tarefa consistia no que foi denom inado de contratransferência: o analista não com -preende o que o sujeito lhe projeta e esta falta de com preensão incorre na im possibilidade de retornar o objeto projetado pelo analisando, ocorre a incor-poração do objeto.

Lacan, denunciando a interpretação da transferência, reconhece que “não há outra resistência à análise que a do analista” ( LACAN, 1958/ 1966, p. 595) , pois é bem verdade que o analista funciona com o obstáculo ao sim bólico, à associa-ção livre. Lacan considera que nesses m om entos de silêncio, de interrupassocia-ção da cadeia significante, não nos devem os preocupar com os significantes do sujeito depositados na figura do analista em busca de significação. Nada há, nesse intervalo, que m ereça interpretação. O que se m anifesta ali é da ordem do objeto, tom ado não com o atributo significante, m as enquanto aquele que cons-titui a fantasia do sujeito; trata-se do objeto que causa o desejo do sujeito, do objeto pelo qual o analisando inicia um a análise. O analisando deposita esse objeto no lugar do analista com o aquele que tem um saber sobre tal objeto.

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sem pre soube, m as prefere ignorar. O reencontro com o vazio causa sideração e silêncio.

O sujeito endereça-se ao analista para que este lhe nom eie o objeto causa do seu desejo. O saber do analista é cham ado para nom ear esse objeto absoluto que com pletaria a falta no Outro. O analista fazendo-se sem blante do objeto causa do desejo do analisando responde, com o seu desejo, na radicalidade da contra-transferência. O desejo do analista, enquanto egresso da causa do seu desejo, faz resistên cia à asso ciação livre p o is recu sa-se à p arceria co m o gozo in scr ito n a repetição. Aqui, o silêncio do analista tem valor de m ostração do seu desejo, pois só o desejo do analista pode fazer eco ao silêncio da cadeia significante. O desejo do analista através do seu silêncio indica ao sujeito que, se há algo transferido a ele analista nesse lugar, este algo não é outra coisa que puro silêncio sideral, qu e pu ro vazio. Essa coisa su posta ao an alista é in elu -tável, in dizível, n ão h á palavra para design á-la sim plesm en te porqu e n ão h á o qu e design ar.

É com o seu silêncio que o analista indica ao sujeito a irredutível subordina-ção do seu desejo ao desejo do Outro. O analista indica que se há algum a consistência im aginária ( pleonasm o) a fornecer ao desejo, essa seria equiva-lente ao peso do silêncio da palavra. O analisando realiza que nesse lugar onde seu enigm a se m anifesta, onde sua questão grita por um saber, por um a respos-ta, só há o silêncio da m orte. Nesse ponto de estagnação da associação livre, onde ocorre o fecham ento do inconsciente e com ele a estagnação da dialética do desejo, o sujeito encontra-se no coração de sua falta-a-ser, lugar onde ele coloca a questão: quem sou eu? Nesse ponto onde a m etoním ia significante paralisa-se surge o am or com o um a significação ao vazio, o am or endereça-se ao analista não sim plesm ente e ingenuam ente com o objeto am ado, m as sobre-tudo com o um “eu te am o pelo saber que você possui sobre m im ”, ou “eu te am o porque eu sei que você é depositário do objeto que procuro”. O am or destinado ao analista não é algo a ser interpretado, pois ele já é um a interpre-tação do sujeito, interpreinterpre-tação onde ele atrela o vazio ( não-saber, questão, enig-m a, etc.) , o aenig-m or e o saber. Ninguéenig-m veenig-m eenig-m análise porque está apaixonado pelo analista, m esm o que tal caricatura possa ocorrer. Dem anda-se um a análise porque o significante psicanalista circula há m ais de um século, com portando no im aginário do sujeito um saber: o analista com o o cientista do inconsciente, aquele que investiga e sabe sobre as profundezas da alm a.

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-brar que Lacan considera o Real com o aquilo que é da ordem do im possível. Com essa precisão entende-se que o am or de transferência visa um lugar de im possível, onde situa-se o saber do analista. Por conseqüência, tem -se o saber com o im possível. Isto significa que existe um ponto onde não se pode saber, onde o saber não sabe. Esse desenvolvim ento indica-nos o conceito de saber visado por Lacan: trata-se de um saber que não tem objeto. Evidentem ente que da perspectiva do analisando o saber tem objeto, o saber sabe sobre tudo. Indi-cando o vetor no sentido do Real ( do im possível) , Lacan espera elim inar a infinita repetição do sim bólico com o barreira ao desejo. Dar o sentido do Real significa indicar ao analisando que o am or dito transferencial, endereçado ao saber do analista, engana-se. Esse logro do am or transferencial é o responsável pela instituição, pelo analisando, do analista com o um sujeito suposto saber, o analista com o detentor do saber derradeiro.

Com esse deslocam ento o lugar do analista, m esm o que ele saiba algum as coisas, situa-se no saber sem objeto, no vazio, lugar da causa do desejo, lugar de onde, ele, analista, fez o encontro com o desejo do analista. Conduzir um a análise vetorizada no sentido do Real significa levar o analisando ao encontro do saber que não sabe, lugar vazio, lugar da falta-a-ser. Em outras palavras, aí onde o analisando busca o saber da ciência, o analista aponta que para o sujeito do inconsciente o saber não é o m esm o saber da ciência, trata-se dum saber que não sabe, um saber em cujo núcleo há o não-saber. O saber do sujeito estruturado a partir da linguagem produz com o significação um a verdade, m as esta tam -bém não é epistêm ica, ela é am putada do todo, ela é m ordida. O reencontro com esse ponto lógico de não saber é a porta para que o sujeito questione o analista com o sujeito suposto saber. Nesse m om ento o véu cai, e por traz não há nada. Para a psicanálise a verdade com o significação do saber é um a m eia verdade, um saber que não tem nada para saber, um saber que não pode produ-zir outra significação que esta da m eia verdade.

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lugar do objeto causa do desejo do analisando, não com o objeto im aginaria-m ente consistente que lhe atribui o analisando, aginaria-m as coaginaria-m o aquilo que ele é fundam entalm ente: nada. Encontro com a castração, diria Freud, onde o Pai não pode significar m ais nada para o sujeito, onde o pai revela-se tão castrado quanto o próprio sujeito. Nesse m om ento o gozo cede lugar ao desejo, este m anifesta-se por aquilo que ele é: um buraco sem fundo, um descom passo, um a infinita defasagem com o m undo objetal. O sujeito se dá conta de quanto o sintom a, o sofrim ento que o levou a procurar análise, era m ais fácil de suportar que o saber do qual ele agora é possuidor: saber que aniquila a fantasia e a consistência do Outro.

VAMOS AO BANQUETE DE PLATÃOCOM LACAN

Lacan tenta com o Sem inário sobre a transferência ( LACAN, 1960-61/ 1991) resolver algum as questões, a saber: Com o traduzir o am or vigente na célula analítica, na “cam a analítica”? Com o o analista deve m anejar com este afeto? Ou ainda, com o o analista deve responder a esta dem anda do sujeito, pelo fato de que só a presença do analista já é um sinal, já é um a resposta, um estou aqui? A questão do am or ocupa grande parte do Sem inário; Lacan não está preocu-pado com a natureza do am or, m as com o este pode estruturar o fenôm eno da transferência. O Banquete ( PLATÃO, 1950) consiste num a reunião de elite, de intelectuais, um a espécie de jogo de sociedade que se especifica em um discur-so regrado discur-sobre um assunto. No cadiscur-so presente, Fedra propôs o tem a do am or. Entretanto, esses encontros de discursos são subm etidos a um a lei, que orienta a conduta dos participantes: todo aquele que se m anifestar deverá fazê-lo só-brio, não se deve beber em dem asia. A reunião do Banquete ocorre na casa de Agaton, onde só se apresentam convidados, exceção feita a Aristodem o, que vem a convite de Sócrates, e Alcebíades e seu grupo, que não vêm a convite de ninguém e usurpam um espaço na reunião. O texto daí egresso é resultado de transm issão oral: Aristodem o passou a Apolodoro que passou a Platão, e este faz dizer cada um dos convidados: Fedra, Pusanias, Aristodem o, Sócrates, Eryxim aque, Agaton, Aristofano, Diotim a e Alcebíades.

A escolha do Banquete por Lacan para abordar a questão do am or não se situa no desfile dos discursos, m esm o que ele os utilize; o que cham a particularm en-te a aen-tenção de Lacan é a chegada inesperada de Alcebíades com seu discurso declarando am or a Sócrates e a resposta desse últim o a Alcebíades. Nesta cena, Alcebíades coloca Sócrates num a posição particular, com o portador de um se-gredo: no “segredo de Sócrates que estará atrás de tudo o que direm os este ano sobre a transferência” ( LACAN, 1960-61/ 1991, p.16) . O segredo de Sócrates é saber o que é o am or.

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am ante. Sócrates, tal um a caixa de jóias, é para Alcebíades portador do objeto do seu desejo, do objeto que visa o desejo. Contudo, Sócrates recusa tanto o am or de Alcebíades com o sua posição de objeto am ado.

O segredo de Sócrates é recusar ser o depositário do Agalm a que lhe confere Alcebíades. A leitura que Sócrates faz do discurso de Alcebíades é de que este, na verdade, destina-se a Agaton. Sócrates sabe que ele não tem nada, que o lugar onde Alcebíades diz ver o Agalm a é um lugar vazio; Sócrates é vazio, por isso ele não abre m ão da posição de am ante. Se Sócrates aceitasse a posição de am ado estaria consum ada a m etáfora do am or, visto que em Alcebíades houve m udan-ça de posição, de am ado a am ante. Sócrates instaura a ignorância, o não-saber com o vazio no centro do saber, aí onde Alcebíades am a o suposto saber de Sócrates sobre o Agalm a, Sócrates responde com o seu vazio, com um “eu não tenho o objeto que você supõe”. Sócrates indica a Alcebíades que a suposição deste é im aginária. Aí onde Alcebíades pede um sinal do desejo de Sócrates, este se recusando à m etáfora, indica que o desejo não tem sinal, que o desejo só pode se m anifestar com o falta, pois ele não tem objeto, não tem significante. É certo que Sócrates sabe não-saber sobre o objeto, entretanto, tudo leva a crer que alguém é portador do Agalm a, no caso Agaton. Sócrates diz que Alcebíades está identificado a ele Sócrates am ando Agaton, portanto Alcebíades está identi-ficado à im agem de Sócrates enquanto am ante. Sócrates aponta o engano de Alcebíades, ao m esm o tem po que lhe indica a subordinação do seu desejo ao Outro. Lacan afirm a que “a interpretação de Sócrates é um ato” ( LACAN, 1960-61/ 1991, p. 211) . Entretanto, pode-se perguntar se Sócrates sabe o que faz, pergunta cuja resposta aparentem ente nunca obterem os.

Na dialética analisando/ analista, para se m anter em consonância com a dialética am ante/ am ado, o sujeito da falta, a função am ante, situa-se na função analisando, aquele que sofre dos efeitos da falta e encontra na significação do am or endereçado ao objeto am ado — função am ado — um a possível solução para aquilo que lhe faz enigm a. O objeto am ado pode, com algum as especifica-ções, encontrar na função analista seu suporte. O analista é e não é Sócrates: o analista está em consonância com Sócrates na m edida em que ele sabe não possuir o objeto que lhe supõe o analisando, e ele não é Sócrates, pois o analista sabe que tal objeto não se encontra em lugar nenhum , contrário a Sócrates que, aparentem ente, o atribui a Agaton. Digo aparentem ente, pois não tem os com o saber se Sócrates é analista ou não, isto é, se ele é advertido sobre a não-existência do objeto. É certo que Sócrates fornece todos os indícios de que ele não tem o objeto, contudo, isto não significa que ele acredite na não-existência de tal objeto.

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trans-ferência ao Sr. K., não aponta à Dora que o objeto de seu desejo estava deposi-tado na Sra. K. Freud falhou em indicar à Dora que esta estava identificada ao Sr.K. enquanto am ando a Sra. K. Prova disso é que quando o Sr. K. diz a Dora que sua m ulher não significa nada para ele, Dora lhe dá um a bofetada e rom pe com a ligação. Ora, diria Dora, do que m e serve identificar-m e a você se você não visa m ais o que o m eu desejo deseja.

No fundo, para o que nos interessa pouco im porta no que crê Sócrates, o fato é que com sua interpretação ele indica a Alcebíades um engano no saber que se reveste com a m anta do am or. Justam ente, é porque o analista sabe da inexistência do objeto de desejo do analisando que ele pode sustentar o lugar de se fazer sem blante deste objeto, com o único m eio de conduzir a análise a um term o possível. É im portante ressaltar a diferença entre o analista não é

sem blante, m as ele se faz de sem blante. O analista faz de conta que se deixa enganar, de m aneira a dirigir a análise no sentido de fazer que neste lugar do am or com o significação revele-se o desejo.

Num a célula analítica o que já existe desde sem pre é o am or do sujeito ao saber no Outro, o analista vem ocupar este lugar do Outro que sabe. Nesse ponto pode-se fazer um a outra leitura do am or de transferência, o am or surge com o um a significação no lugar do Outro onde o saber não vem , m as que o sujeito acredita estar, desde sem pre, lá. É a crença na consistência do saber que leva o sujeito a procurar um analista: diga-m e o que o Outro não quis m e revelar. O sujeito recusa-se a que o Outro não saiba, em outras palavras, que falte ao Outro. Prova disso é a presença obstinada do sintom a e da fantasia em fazer do Outro inteiro, tal Alcebíades endereçando seu am or ao saber, suposto consistente, de Sócrates. O desejo do analista estruturalm ente capaz de suportar este sem blante de saber, este sem blante de objeto m aterial, tem o propósito de levar o sujeito, am ante do saber, à sua revelação derradeira: furar o seu saber com o não-saber. Tal é a produção da verdade em psicanálise: ela não é inteira, ela se apresenta m ordida pelo não-saber. A direção da análise leva o sujeito a encontrar a falta no lugar do sujeito suposto saber, aí onde ele supunha o sábio cientista do inconsciente, encontra silêncio. O encontro desse silêncio com o falta na sua relação com o Outro nada m ais é que o encontro do desejo por aquilo que ele é, isto é, o desejo é falta.

A ESTRUTURA DA TRANSFERÊNCIA E A CASTRAÇÃO

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deve ser feito o analista, e qual o lugar que ele deve ocupar para responder à transferência.

Só é castrado o hom em habitado pela linguagem , isto é, a linguagem o constitui desde sem pre castrado. O sujeito que em erge desse inconsciente é um sujeito que não existe, ele é pura divisão, Spaltung, ele é evanescente justam ente porque só pode se m anifestar por procuração. Não existe um eu sou inerente à estrutura, existe um significante que representa um sujeito para um outro sig-nificante. Conseqüentem ente, um significante só não faz verão, quando um su-jeito enuncia um significante é porque no Outro existe um outro significante que sustenta o emitido. O sujeito, portanto, só pode ser apreendido como represen-tação, pois do contrário ele não é nada. É nesse sujeito nada que se manifesta o que se pode cham ar do seu ser. O ser do sujeito não se encontra nos significantes que o representam, mas nos intervalos entre eles, isto é, o sujeito é onde falta, o sujeito é falta a ser. O eu sou é a vestimenta significante da falta a ser. É como falta que o sujeito apreende seu ser, e não existe saber que possa nomear esta falta a ser. O ser co m o algo d e ab so lu to , d aq u ilo q u e d efin iria o su jeito n a su a com pletude, é apenas um efeito im aginário. O sujeito da linguagem é separado indefinidam ente desse ser absoluto. Este ser absoluto é o desejo da pulsão, é o que Lacan cham ou de gozo. A pulsão quer gozar, isto significa reencontrar o ser com o objeto m ítico. Entretanto, a experiência analítica, aquela realizada pelo sujeito da linguagem , m ostra indubitavelm ente que o gozo é interditado a quem fala. Ser falante é estar do lado do desejo, portanto da falta-a-ser, em oposição ao gozo do ser. A questão para o hum ano é com o recuperar o gozo interditado e evidentem ente fazer calar o desejo, aniquilá-lo, o que significa obturar, res-taurar, a falta.

Nesse ponto de puro nada surge o m ito com o um a prom essa de recuperação de gozo. O m ito de Édipo que fundam enta tanto o com plexo de Édipo com o o com plexo de castração, nada m ais é que um recurso da linguagem em dar respostas onde estruturalm ente ela falha. A linguagem falha não porque ela não saiba ou não conheça a resposta, m as porque não existe resposta. Os m itos fazem bem , acalm am , servem para colm atar estes pontos de Real, estes pontos de im possível que provocam o saber com o consistente. Sabe-se que o com plexo de Édipo determ ina as posições sexuais, onde o sujeito é hom em ou m ulher com o resposta no Outro ao seu discurso, ou seja, o com plexo de Édipo ordena as representações do sujeito de m aneira que ele possa ter um a m arca, um a posição na cultura.

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atributo qualquer, o essencial situa-se na castração com o sim bólica, decorrente do sujeito ser falante, inscrito na linguagem e portanto apartado para sem pre do gozo de ser absoluto. É insuportável ao sujeito reconhecer-se indefinida-m ente alienado no Outro da linguageindefinida-m , sentir-se acuado na sua devoção eindefinida-m ser o objeto que falta ao Outro, objeto do Outro, e buscar infinitam ente o quem eu sou para o Ou tro. Na verdade tal posição diz da recu sa da falta n o Ou tro. A m anifestação desta falta Freud cham ou de desejo — O que o Outro quer de m im ? Essa questão m arca o aparecim ento da falta do significante, “um recuo do sujeito em relação ao significante, incapacidade de apreender porque existem as palavras, porque falam os” ( LACAN, 1960-61/ 1991, p. 281) .

Já se falou o suficiente que este desejo não tem objeto, o que não im pede ao sujeito aluciná-lo, com o num a ficção a fantasia evidencia isto. O sujeito vem em análise pedir ao analista um saber sobre seu ser que ele não consegue nom ear, dem anda inerente à questão quem eu sou? Dem anda inerente ao com -plexo de castração: o que falta ao Outro? Este pedido de recuperação de gozo na falta-a-ser inscreve-se na fantasia com o um m odo do sujeito elim inar sua divi-são subjetiva. Procedendo assim , o sujeito obteria o seu ser com o equivalente ao sujeito enquanto com pleto, inteiro. No am or endereçado ao saber na trans-ferência, o analista com o sujeito suposto saber é depositário do próprio ser do sujeito. Entretanto, o desejo do analista por ter testem unhado do seu próprio não-ser — desêtre — conduz o sujeito a renunciar ao seu ser ( gozo) e ficar com a castração ( desejo) . Mom ento de angústia, sinal de que o sujeito está em relação com seu desejo, m om ento em que o obsessivo deixa de anular o desejo do Outro, e a histérica deixa de castrar o Outro para manter o desejo insatisfeito.

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transferên-cia trata do am or endereçado ao saber, isto significa que o sujeito dem anda ao analista um saber sobre a falta no Outro, portanto sobre sua própria falta. A dem anda do analisando coloca o analista no lugar do significante falo, na esperança de que o analista irá nom ear esse significante da falta. Ora, nom ear o significante da falta, significa nom ear o significante do desejo, o que resultaria num objeto para o desejo e com o conseqüência a m orte do desejo. Lacan en-contrará, m ais tarde no seu ensino, a saída para este im passe. Esse lugar que ocupa o falo com o significante da falta, dará lugar definitivam ente ao que Lacan denom inará, no Sem inário A angústia, de 1962/ 63, com o sua única descoberta em psicanálise: o objeto causa do desejo. Doravante, onde Lacan situava o falo com o significante da ausência advém o vazio estrutural da ausência com o a causa do desejo. Isto é, não há desejo sem vazio.

O analista na posição de sujeito suposto saber, ou na posição de significante da au sên cia ( falo) , ocu pará fin alm en te o lu gar do objeto cau sa do desejo. O desejo do analista, enquanto, ele próprio egresso do seu objeto causa do desejo, constituir-se-á com o suporte para a transferência, suporte para o am or endereçado ao saber. Qual não é a surpresa do sujeito ao desvelar-se que não há nada, apenas vazio, no lugar onde ele endereça o dom do seu am or. Revela-se ao sujeito o seu equívoco, o engano que sustentou até então um a suposta rela-ção analista/ analisando, deixando cair o analista com o sujeito suposto saber e em ergindo no seu lugar o que ele sem pre foi: nada.

Recebido em 22/ 4/ 2001. Aceito em 30/ 5/ 2001.

BIBLIOGRAFIA

LACAN, J. “ La direction de la cure et les principes de son pouvoir” , in Écrit s, Paris, Seuil, 1958/ 1966.

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v. I, 1950.

Gilberto Gênova Gobbato

Rua Peixoto Gom ide 462/ 61 Cerqueira César 01409-000 São Paulo SP

Tel.: ( 11) 3266-4705

Referências

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