HIPOXIA APÓS TRAUMATISMOS CRÂNIO-ENCEFÁLICOS GRAVES
Apesar de todos os modernos métodos de tratamento, a mortalidade após traumatismos crânio-encefálicos graves ainda é da ordem de 50 a 70% dos casos ( F r o w e i n1 1
) . Para modificar estes resultados as possibilidades clíni-cas parecem ser muito limitadas porém ainda não esgotadas. A hipoxia é um dos fatôres mais importantes a considerar.
Na fase aguda de traumatismos encefálicos há diminuição do afluxo
de 02 ao cérebro, consecutiva a distúrbios respiratórios e circulatórios. Daí
resulta, inicialmente, uma alteração na atividade dos neurônios e, ulterior-mente, tôda uma cadeia de distúrbios funcionais do tecido encefálico (Opitz e Schneider 2 5
, Schneider 3 0
, Gänshirt1 6
, F r o w e i n9
) .
A terapêutica dos distúrbios circulatórios após severos traumatismos ce-rebrais ainda não está inteiramente solucionada apesar do emprêgo precoce de infusões e de ganglioplégicos ( F r o w e i n1 4
, Schürmann3 2
).
Melhoras são proporcionadas pelas medidas que atuam corrigindo os dis-distúrbios respiratórios periféricos e também pela desobstrução das vias res-piratórias. Contudo, ainda são insuficientes os estudos sôbre os distúrbios respiratórios centrais que ocorrem na fase aguda dos traumatismos crânio-encefálicos. É muito difundida a opinião de que nos traumatismos graves há sempre uma respiração insuficiente; aparentemente esta hipoventilação ocorre apenas nos casos em que há hipotonia muscular generalizada e nos quais o espirograma mostra que são pequenas as incursões respiratórias e que o volume-minuto é insuficiente. Entretanto, em muitos traumatizados, especialmente nos casos com intensa excitação motora e aumento do tono muscular (convulsões e contraturas) também ocorre hipoventilação (Fro-w e i n1 5
) , idénticamente ao que sucede em outras lesões cerebrais agudas
como, por exemplo, nas hemorragias cerebrais (Heyman e col.1 9
, Plum e Swanson 2 7
, Brown e Plum 7
) .
Resta verificar se em tais distúrbios da respiração o suprimento de oxigênio do encéfalo é normal, ou não. Para isto pode-se medir a
quanti-dade de 02 do sangue e a saturação arterial.
A figura 2 mostra os valôres de 118 medições do teor percentual de 02
em diferentes dias após traumatismos crânio-encefálicos graves. Em alguns casos encontraram-se valôres acentuadamente reduzidos (abaixo de 85%) devido a sérios distúrbios respiratórios motivados por obstrução das vias aéreas periféricas e consecutivo edema pulmonar e broncopneumonia.
Me-diante administração de 02 e, às vêzes, após traqueostomia, os valôres de
saturação arterial melhoraram nitidamente, como também tinha sido
de-monstrado por Schnedorf e col. em 19402 8
.
Na maioria dos casos em fase aguda a saturação de oxigênio permanece
entre os níveis percentuais de 90 a 99% (Bartels e col.3
, Anthony e Ven-r a t h1
te-cido cerebral. Por isso as pesquisas subseqüentes visam confrontar a satu-ração arterial de oxigênio com o teor do afluxo sangüíneo ao encéfalo, com
as alterações do pH arterial e da tensão de CO2, com as modificações do
teor hemoglobínico do sangue.
O afluxo sangüíneo ao tecido cerebral depende da relação entre a
pres-são arterial média e a prespres-são intracraniana (Kety e col.2 1
, Noell e Schnei-der 2 4
, Opitz e Schneider2 5
, Bernsmeier e Siemons4
, Gänshirt e T ö n n i s1 7
, G ã n s h i r t1 6
) . A circulação cerebral é diminuída pelo aumento da pressão intracraniana como o demonstra o retardamento circulatório verificado
du-rante a prática de angiografias seriadas (Tõnnis e Schiefer3 6
, F r o w e i n1 0
) . Mas mesmo que não ocorram modificações do afluxo sangüíneo é de se temer que surjam sérias alterações no suprimento de oxigênio ao cérebro graças a modificações da composição do sangue e do equilíbrio ácido-básico.
mm3
e queda da hemoglobina abaixo de 10 g% ocorrem sobretudo em fe-ridos graves com prolongado estado de inconsciência e evolução fatal (fig. 3 ) . A diminuição concomitante do hematócrito demonstra a diluição do
sangue que já havia sido verificada por Pampus 2 6
.
Pacientes traumatizados com evolução não complicada apresentaram va-lôres normais ou quase normais da série vermelha; vava-lôres acima do normal foram apenas observados em casos isolados, sendo a hemoconcentração fácil de combater com o uso de infusões salinas.
Nossas observações de que as anemias são mais freqüentes após os traumatismos cranianos graves concordam com os achados de Smolik e col.3 3 , 3 4
, obtidos também em casos de traumatismos crânio-encefálicos, e com os de G e l i n1 8
, obtidos em outros traumatismos graves e em casos de quei-maduras extensas.
Deve-se assinalar que quando ocorre diminuição de hemoglobina para 10%, mesmo que a saturação arterial de oxigênio seja da ordem de 95%, o conteúdo real de oxigênio corresponde a apenas 63% de um sangue com o conteúdo normal de 15% de hemoglobina.
Estas alterações não seriam tão importantes se a redução do conteúdo de oxigênio do sangue pudesse ser equilibrado por um aumento correspon-dente da circulação cerebral. Nos traumatizados em que há hipotonia e hipoventilação tal equilíbrio é impossível porque há, em geral, hipotensão arterial concomitante. Nos traumatismos crânio-encefálicos graves com au-mento do tono muscular e hiperventilação aparecem também distúrbios no equilíbrio ácido-básico que determinam diminuição do afluxo sangüíneo ao encéfalo; estes distúrbios podem ser encontrados quando se determina o pH
e a tensão do C 02 nos sangues arterial ou capilar. As figuras 4 e 5
mos-tram os valôres de 276 determinações feitas durante as primeiras 3 semanas após o acidente, em 69 traumatizados crânio-encefálicos.
As determinações do pH e da tensão do C 02 no sangue foram feitas
com o micro-analisador de Astrup2
. Os valôres no sangue capilar puderam ser justapostos aos do sangue arterial porque, colhendo simultâneamente, a diferença que encontramos entre o sangue arterial e capilar foi de até 0,02 unidades de pH (o pH normal pode ter variação de até 0,08 unidades). A diferença arterial/capilar em pessoas normais, segundo Maas e H e i j s t2 2
, pode ser de 0,0023 até 0,0075; as diferenças maiores encontradas nos nossos casos puderam ser consideradas como devidas a distúrbios circulatórios de origem central.
Nos dias subseqüentes ao trauma, quando há tendência para evolução satisfatória (fig. 3 ) , em cêrca de 50% dos casos os valôres do pH permane-ceram nos limites da normalidade; nos casos restantes o pH estava
aumen-tado e a tensão de C 02 diminuída, sobretudo nos pacientes inconscientes;
Em traumatizados que faleceram ulteriormente (fig. 4) verificou-se que quando havia persistência do estado de inconsciência não ocorria esta nor-malização; os valôres do pH permaneciam muito aumentados e os valôres
da tensão do C 02 no sangue permaneciam diminuídos.
A medição da reserva alcalina mostrou que ocorre alcalose respiratória e mista nos casos em que há aumento da respiração conseqüente à excita-bilidade exagerada dos centros respiratórios (Frowein 12, 1 3
) .
Em alguns casos de traumatismos graves os valôres do pH durante os primeiros dias após o trauma ou na fase final apresentaram-se nitidamente diminuídos, principalmente como conseqüência de acidose metabólica
des-compensada ou mista. Ao contrário das nossas observações, Cook e col.8
encefálicos com acidose a evolução é quase sempre fatal; também em outros traumatismos graves e nos estados de choque sem traumatismo cerebral a acidose é achado fundamental ( W i g g e r s3 7
, B l a n d6
) para o prognóstico.
Os desvios do pH e do p C 02 na evolução dos traumatismos
respira-ção; em segundo lugar, a redução da tensão do C 02 arterial determina
dis-túrbios da circulação periférica e, sobretudo, diminuição do afluxo sangüíneo
ao cérebro (Kety e col.2 1
, F r o w e i n1 3
) . A hiperventilação provoca também uma agregação eritrocitária nos capilares determinando estase ( N i e l s e n2 3
)
e hipoxia dos tecidos (Schneider3 0
, Bischof5
). Daí decorre que, mesmo nos traumatizados que clinicamente apresentam uma respiração satisfatória para a saturação arterial de oxigênio, o suprimento de oxigênio do encéfalo pode estar comprometido. Deve-se assinalar que nos traumatizados graves pode-se
regular adequadamente a tensão de 02 do sangue arterial, mas, devido à
anemia ou à deficiência da circulação cerebral, nem sempre é possível um
aporte adequado de 02 para o cérebro.
A tensão do 02 no sangue venoso é de maior importância para a
oxige-nação celular. A tensão normal de oxigênio no sangue venoso cerebral é de 34-36 mm Hg e quando esta tensão é menor, deixa de ser normal a tensão média do oxigênio no tecido encefálico. A t é uma tensão venosa de
28 mm Hg ainda existe, segundo Opitz e Schneider2 5
, uma zona indiferente; valôres mais baixos determinam alterações reversíveis no sistema nervoso central, como sejam, por exemplo, alterações no EEG. Quando a tensão do
02 baixa para menos de 19 mm de H g começa a zona crítica com distúrbios
da consciência (Opitz e Schneider2 5
, Gänshirt1 6
, Hirsch e c o l .2 0
) .
Pudemos fazer até agora determinações da tensão do oxigênio no sangue venoso do encéfalo em 4 pacientes inconscientes, sendo três em conseqüência de graves traumatismos crânio-encefálicos e um após intervenção cirúrgica
(fig. 5) : em 3 casos o valor da tensão do 02 venoso cerebral estava situado
indife-rente, e êstes 3 pacientes sobreviveram; no caso restante, de evolução fatal,
a tensão do 02 no sangue venoso encefálico estava acentuadamente
redu-zida, transitòriamente até mesmo nos limites da zona crítica, embora tudo tenha sido feito para a desobstrução das vias aéreas e manutenção de uma circulação cerebral satisfatória (traqueostomia, aspiração de secreções,
ad-ministração de 02, infusões, transfusões de sangue).
R E S U M O
Após traumatismos crânio-encefálicos graves ocorre hipoxia cerebral, não apenas nas primeiras horas mas também durante vários dias da fase aguda.
A saturação arterial de 02 é muitas vêzes normal, mas, com mais
freqüên-cia do que se supõe, existe anemia; como conseqüênfreqüên-cia do aumento da pressão intracraniana, da hipotensão arterial ou da alcalose respiratória, diminui o
afluxo sangüíneo ao encéfalo, baixando a tensão do 02 celular, o que é
de-monstrado pela diminuição da tensão de 02 no sangue venoso provindo do
encéfalo. Por isso, no tratamento da fase aguda pós-traumática deve-se, ao lado da normalização da pressão intracraniana, manter a pressão arterial, evitar a hiperventilação pulmonar mediante a administração de neuroplégi-cos e impedir a anemia mediante transfusões de sangue.
S U M M A R Y
Hypoxia after severe skull-brain injuries.
After severe skull-brain injuries hypoxia occurs not only during the first hours but even for several days during the acute stage. Though the arterial oxygen saturation is mostly normal, cerebral anemia is present more often than it could be expected: owing to the rise of intracranial pres-sure, the fall of blood pressure and/or respiratory alkalosis, the cerebral circulation is reduced and the oxygen pressure for the brain cells
conse-quently falls; this was proved by measuring the O2 tension of the venous
blood of the brain. Therefore after severe brain injury, besides the nor-malization of the intracranial pressure and maintenance of the blood pres-sure, it is necessary to prevent hyperventilation by administration of neuro-plegic drugs and avoid anemia by means of blood transfusion.
R E F E R Ê N C I A S
H . W . ; P L U M , F . — A m e r . J. M e d . , 30:849, 1961. 8. C O O K , A . W . ; B R O W D E R , E. J.; L Y O N S , H . A . — J. N e u r o s u r g . , 18:366, 1961. 9. F R O W E I N , R . A . — H e f t e U n -f a l l h k . , 5 5 : 1 1 1 , 1956. 10. F R O W E I N , R . A . — C o n s c i e n c e e t c i r c u l a t i o n d a n s les d é p l a c e m e n t s en m a s s e du c e r v e a u . IXe
R é u n i o n E u r o p . d ' I n f o r m a t . E l e c t r o e n c é p h a -l o g r a p h . , M a r s e i -l -l e , 12-10-1960. 11. F R O W E I N , R . A . — A c t a n e u r o c h i r . , 9:468, 1961. 12. F R O W E I N , R . A . — A c t a n e u r o c h i r . , Supl. 6, 1961. 13. F R O W E I N , R . A . — K l i n . M e d . , 17:336, 1962. 14. F R O W E I N , R . A . — K r e i s l a u f s t ö r u n g e n bei a k u t e n t r a u m a t i s c h e n H i r n s c h ä d i g u n g e n . S y m p o s i u m " K l i n i k und T h e r a p i e d e r K o l l a p s z u -s t ä n d e " , M a i n z 2-2-1962. 15. F R O W E I N , R . A . — Z e n t r a l e A t e m -s t ä r u n g e n bei S c h a d e l - H i r n - V e r l e t z u n g e n und bei H i r n t u m o r e n . M o n o g r a p h . G e s . G e b . N e u r o l , u. P s y c h i a t r . , V o l . 101. S p r i n g e r V e r l a g , B e r l i n G õ t t i n g e n H e i d e l b e r g , 1962. 16. G À N S H I R T , H . — D i e S a u e r s t o f f v e r s o r g u n g des G e h i r n s und i h r e S t ö r u n g bei der L i q u o r -d r u c k s t e i g e r u n g un-d b e i m H i r n ö -d e m . M o n o g r a p h . G e s . G e b . N e u r o l , u. P s y c h i a t r . , V o l . 81. S p r i n g e r V e r l a g , B e r l i n - G ö t t i n g e n - H e i d e l b e r g , 1957. 17. G Ã N S H I R T , H . ; T ö N N I S , W . — Z. N e r v e n h k . , 174:305, 1956. 18. G E L I N , E. — F l ü s s i g k e i t s e r s a t z i m S c h o c k . IN v . E u l e r , U . S.; B o c k , K . D . — S c h o c k . C i b a S y m p o s i u m , S t o c k h o l m , 1961. S p r i n g e r V e r l a g , B e r l i n G ö t t i n g e n H e i d e l b e r g , 1962. 19. H E Y M A N , A . ; B I R C H -F I E L D , R . ; S I E K E R , H . — N e u r o l o g y 8:694, 1958. 20. H I R S C H , H . ; G L E I C H M A N N , U . ; K R I S T E N , H . ; M A G A Z I N O V I C , V . — P f l ü g e r s A r c h . g e s . P h y s i o l . , 273:213, 1961. 21. K E T Y , S. S.; S H E N K I N , H . A . ; S C H M I D T , C. F . — J. C l i n . I n v e s t . , 27:493, 1948. 22. M A A S , A . H . J.; v a n H E I J S T , A . N . P . — C l i n . C h i m . A c t a 6:31-33 e 34-37, 1961. 23. N I E L S E N , K . C. — A c t a M e d . Scand., 170:770, 1961. 24. N O E L L , W . ; S C H N E I D E R , M . — A r c h . P s y c h i a t . u. N e u r o l . , 180:713, 1948. 25. O P I T Z , E.; S C H N E I D E R , M . — E r g . P h y s i o l . , 46:126, 1950. 26. P A M P U S , F . — V e r á n d e r u n g e n des B l u t v o l u m e n s und der B l u t z u s a m m e n s e t z u n g n a c h a k u t e n s c h w e r e n K o p f v e r l e t -z u n g e n . B e i t r ä g e -z. N e u r o c h i r . , 1:89, 1959. 27. P L U M , F . ; S W A M S O N , A . G. — A r c h . N e u r o l , a. P s y c h i a t . , 81:535, 1959. 28. S C H N E D O R F , J. G . ; M U N S L O W , R . A . ; C R A W F O R D , A . S.; M c C L U R E , R . D . — S u r g . G y n . Obstet., 70:628, 1940. 29. S C H N E I D E R , M . — Z u r P a t h o p h y s i o l o g i e der v e r s c h i e d e n e n S c h o c k f o r m e n . B l u t ( e m i m p r e s s ã o ) . 30. S C H N E I D E R , M . — V e r h . D t s c h . G e s . K r e i s l a u f f . , 1 9 : 1 , 1953. 31. S C H N E I D E R , M . — A c t a n e u r o c h i r . , S u p l . 7, 1960. 32. S C H Ü R M A N N , K . — B e s o n d e r e K r e i s l a u f r e a k t i o n i m a k u t e n S t a d i u m d e r g e d e c k t e n S c h á d e l H i r n s c h ä d i g u n -g e n . N e u r o c h i r u r -g e n k o n -g r e s s B a d I s c h l , 3-9-1962. 33. S M O L I K , E. A . ; M U E T H E R , R . O . ; N A S H , F . P . ; K O N N E K E R , W . — S u r g . G y n . Obstet., 102:263, 1956. 34. S M O L I K , E . A . ; N A S H , F . P . — J. N e u r o s u r g . , 17:669, 1960. 35. S T R U G H O L D , H . — K l i n . W s c h r . , 23:221, 1944. 36. T O N N I S , W . ; S C H I E F E R , W . — Z i r k u l a t i o n s s t ö r u n g e n des G e h i r n s i m S e r i e a n g i o g r a m m . S p r i n g e r V e r l a g , B e r l i n G ö t t i n g e n H e i -d e l b e r g , 1959. 37. W I G G E R S , C. J. — P h y s i o l o g y o f S h o c k . C a m b r i -d g e , Mass., 1950.