R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c i n a T r o p i c a l 2 3 ( 4 ) : 2 0 9 - 2 1 1 , o u t - d e z , 1 9 9 0
T R AT A M E NT O D A FO R M A IN D E T E R M IN A D A D A D O E N Ç A
D E C H A G A S COM N IF U R T IM O X E B E N Z O N ID A Z O L
Humberto de Oliveira Ferreira
C e m p o r t a d o r e s d a f o r m a i n d e t e r m i n a d a d a d o e n ç a d e C h a g a s , c o m x e n o d i a g n ó s t i c o e s o r o l o g i a p o s i t i v o s , f o r a m t r a t a d o s n o p e r í o d o d e 1 9 6 5 a 1 9 8 5 . D e s t e s , m e t a d e , c o m n i f u r t i m o x ( B a y e r ) e o s o u t r o s c i n q ü e n ta , c o m b e n z o n i d a z o l ( R o c h e ) . A p ó s 2 4 m e s e s d e a c o m p a n h a m e n t o , d o s t r a t a d o s c o m n if u r ti m o x , o x e n o d i a g n ó s t i c o m o s t r o u - s e n e g a t i v o e m 2 5 ( 5 0 % ) e a s r e a ç õ e s s o r o l ó g i c a s t o m a r a m - s e n ã o r e a g e n te s e m 3 ( 6 % ) p a c i e n t e s . E n t r e o s m e d i c a d o s c o m b e n z o n i d a z o l , n o m e s m o e s p a ç o d e te m p o , o x e n o d i a g n ó s t i c o e a s o r o l o g i a n e g a t i v a r a m - s e , r e s p e c t i v a m e n t e , e m 3 5 ( 7 0 % ) e e m 5 ( 1 0 % ) c a s o s . O s 8 p a c i e n t e s c o m x e n o d i a g n ó s t i c o n e g a t i v o t a m b é m a p r e s e n t a r a m r e a ç õ e s s o r o l ó g i c a s n ã o r e a g e n te s . O s t r a t a d o s c o m n i f u r t i m o x f o r a m a c o m p a n h a d o s p o r t e m p o m é d i o d e 1 7 , 3 a n o s e o s m e d i c a d o s c o m b e n z o n i d a z o l , e m m é d i a , p o r 7 a n o s , e c o n s i d e r a d o s c u r a d o s .
P a l a v r a s - c h a v e s : D o e n ç a d e C h a g a s . F o r m a i n d e t e r m i n a d a . Q u i m i o t e r a p i a . B e n z o n i d a z o l . N i f u r t i m o x .
A eficácia da terapêutica específica da doença de Chagas parece estabelecida na fase aguda123457910 Entretanto, na fase crônica os resultados são pouco animadores16 7.
Trabalhando há muitos anos em área endêmica da tripanosomíase cruzi, pudemos empregar a tera pêutica específica da doença, na forma indeterminada, e acompanhar os tratados por vários anos. Por esta razão, parece-nos justificada a apresentação dos resul tados obtidos, os quais poderão contribuir para o melhor conhecimento da terapêutica e da evolução na forma em questão da doença.
M ATERIAL E M ÉTODOS
Foram acompanhados 100 pacientes, porta dores da forma indeterminada da doença de Chagas, em sua maioria crianças e adolescentes, preenchendo os parâmetros referendados na I Reunião de Pesquisa Aplicada em Doença de Chagas8. Todos tinham xenodiagnóstico positivo e as reações sorológicas de fixação de complemento, imunofluorescência e he- maglutinação, reagentes.
Os ensaios terapêuticos foram realizados entre 1965 e 1985 tendo sido metade dos pacientes tratada com nifurtimox (Bayer) e os outros cinqüenta pelo benzonidazol (Roche). Vinte destes pacientes eram do Município de Agua Comprida onde o Prof. Edmundo Chapadeiro havia realizado inquérito epidemiológico sobre a doença de Chagas.
O nifurtimox foi empregado na dose de 15 mg/kg peso em crianças e de 1 0 mg/kg de peso em
P ro fe sso r T itula r de P ed ia tr ia d a F a cu ld a d e de M ed ic in a d o T riân gulo M in eiro , U b era b a , M G .
E n d er e ço para correspon dência: P rof. H u m b erto de O liv eira F erreira, R. M a n o e lB o r g e s 7 8 ,3 8 0 1 0 U b erab a , M G , Brasil.
R e c e b id o para p u b lica ç ã o em 1 4 /0 2 /9 0 .
adolescentes e adultos, em três tomadas diárias, durante 60, 90 e 120 dias, na dependência da tole rância.
O benzonidazol foi utilizado na dose de 5 a 8
mg/kg em duas tomadas diárias, durante 6 0 dias.
A avaliação do efeito terapêutico foi realizada por meio de xenodiagnóstico e das três sorologias convencionais (fixação de complemento, hemagluti- nação e imunofluorescência), feitos mensalmente, durante dois anos, em todos os cem casos. Os pacien tes que apresentaram o xenodiagnóstico e a sorologia persistentemente negativos, nos 24 meses, tiveram estes exames repetidos, semestralmente, durante o número de anos em que foi possível sua realização.
Para cada xenodiagnóstico foram utilizados 40 triatomíneos.
Considerou-se curado o chagásico tratado, que após pelo menos 5 anos de terapêutica, apresentou testes sorológicos e xenodiagnósticos persistente mente negativos.
RESULTADOS
Foram observados em alguns casos efeitos colaterais, todos reversíveis, tanto em pacientes tra tados com nifurtimox como naqueles medicados com benzonidazol. Com o nifurtimox ocorreram inapetên cia, perda de peso, náuseas e neuropatia periférica. Este último efeito bem como dermopatia alérgica foram observados nos tratados com benzonidazol.
Após 24 meses iniciais de acompanhamento observou-se que, nos 50 pacientes tratados com nifurtimox, houve negativação do xenodiagnóstico em 25 (50%) e testes sorológicos não reagentes em 3
(6%). Nos 50 pacientes tratados com benzonidazol, o
xenodiagnóstico mostrou-se negativo em 35 (70%) e a sorologia, não reagente, em 5 (10%).
A análise conjunta dos resultados, do xeno diagnóstico e dos exames sorológicos, demonstrou que em 92 dos chagásicos, ao final dos primeiros 24 meses
F e r r e ir a H O . T r a ta m e n to d a f o r m a in d e te r m in a d a d a d o e n ç a d e C h a g a s c o m n ifu r tim o x e b e n z o n id a z o l. R e v is ta d a S o c ie d a d e B r a s ile ir a d e M e d ic in a T r o p ic a l 2 3 : 2 0 9 -2 1 1 , o u t-d e z, 1 9 9 0 .
de acompanhamento, havia positívidade de pelo me- variável de 5 a 18 anos (Tabelas 1 e 2), atualmente não
nos um tipo de exame, indicando o insucesso terapêu- apresentam anormalidades clínicas e têm exames
tlco- radiológicos (área cardíaca, esôfago e cólon),
eletro-Nos oito pacientes restantes, tanto os resultados cardiogramas e ecocardiogramas normais,
sorológicos como os xenodiagnósticos, mostraram-se O teste exato de Fischer mostrou não haver
negativos, nos primeiros 24 meses, e assim, perma- diferença estatística significativa entre a eficácia das neceram por um tempo médio de acompanhamento duas drogas empregadas (p = 0,7150).
DISCUSSÃO
O índice de cura de 8% por nós encontrado, na forma indeterminada da doença de Chagas, é bastante inferior ao de até 70% que obtivemos na fase aguda da endemia^.
Em relação a estes estudos devemos frisar que em nossa experiência, no tratamento da fase aguda, a aparente diferença da eficácia do benzonidazol (70% de cura) em relação ao nifurtimox (46,6%) não se observou na forma indeterminada (10% e 6% respec tivamente). Apesar de termos empregado seguimento de pelo menos 5 anos, para considerar um chagásico curado, nos parece, que para efeitos práticos, é suficiente o acompanhamento por 24 meses. Isto porque, em nossa experiência, se um chagásico tratado mantém exames sorológicos e xenodiagnóstico, rea lizados mensalmente, negativos durante 2 anos, estes testes não mais se modificarão.
Diante dos nossos resultados e de outros au tores1 6 7 que realizaram ensaios terapêuticos na fase crônica da doença de Chagas, cremos serem necessá rias novas pesquisas com o objetivo de obter-se medicamentos mais ativos e com menores efeitos
colaterais. Dentre outras razões, pelo fato de admitir- se11 a existência nas Américas do Sul e Central de 10 a 20 milhões de pessoas infectadas pelo T. c r u z i e, de
65 milhões de indivíduos expostos ao risco de contágio.
S U M M A R Y
O n e h u n d r e d p a t ie n t s w ith th e i n d e te r m in a te f o r m o f h u m a n c h ro n ic C h a g a s d is e a s e w ere s u b m itte d to c h e m o th e ra p y , 5 0 w ith n ifu r tim o x ( B a y e r ) a n d 5 0 w ith b e n z n id a z o le (R o c h e ) f r o m 1 9 6 5 u p to 1 9 8 5 . A f t e r tw o y e a r f o l lo w -u p th e re w a s n e g a tiv a tio n o f x e n o d ia g n o s is in 2 5 ( 5 0 % ) a n d n e g a tiv a tio n o f s e r o lo g ic a l te s ts in 3 ( 6 % ) o f th e p a t ie n t s t r e a te d w ith n ifu r tim o x . A s f o r b e n z n id a z o le th e re w a s 3 5 ( 7 0 % ) o f x e n o d ia g n o s is n e g a tiv a tio n a n d 5 ( 1 0 % ) o f s e r o lo g ic a l n e g a tiv a tio n . I n 9 2 p a t ie n t s a f te r a p e r i o d o f 2 4 m o n th f o llo w - u p th e r e w a s a t l e a s t o n e k i n d o f p o s itiv e test, in d ic a tin g th e r a p e u tic f a ilu r e . E i g h t p a t ie n t s w ith n e g a tiv e x e n o d ia g n o s is a n d s e r o lo g ic a l te s ts w e re c o n s id e r e d cured. T h e a v e r a g e f o llo w - u p in p a t ie n t s tr e a te d w ith n ifu r tim o x a n d b e n z n id a z o le w e re r e s p e c tiv e ly 1 7 ,3 a n d 7 y e a r s .
Key-words: Chagas disease. Indeterminate form. Chemotherapy. Benznidazole. Nifurtimox.
F e r r e i r a F IO . T r a t a m e n t o d a f o r m a i n d e t e r m i n a d a d a d o e n ç a d e C h a g a s c o m n i f u r t i m o x e b e n z o n i d a z o l . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c i n a T r o p i c a l 2 3 : 2 0 9 - 2 1 1 , o u t - d e z , 1 9 9 0 .
AGRADECIM ENTO
Ao Professor Euclides Ayres Castilho pelo estudo estatístico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. C a n ça d o J R T ra tam en to e sp e c ifico d a d o e n ç a d e C h a gas. In: C a n ça d o JR , C h u ster M (e d ) C ardiopatia ch a g ásica. 1 ? e d içã o , E d ito ra F u n d a çã o C a r lo s C h a ga s, B e lo H o riz o n te p. 3 2 7 - 5 5 , 1 9 8 5 .
2 . C e riso la J Q . O e sta d o atual d a terap êu tica d a d o e n ç a de C h agas. X I I I C o n g re sso d a S oc ied a d e B rasileira de M ed ic in a T rop ical, B rasília, 1 9 7 7 .
3 . F erreira H O . T ratam en to d a d o e n ç a d e C h a g as (fa se aguda) c om B a y e r 2 5 0 2 . R e v ista d o In stituto d e M ed i cin a T ro p ical d e S ã o P a u lo 9: 3 4 3 - 3 4 5 , 1 9 6 7 . 4 . F erreira H O . E n s a io tera p êu tico -clin ico c o m b e n zo n i
d a z o l n a d o e n ç a d e C h a g as. R e v ista d o In stituto de M ed ic in a T ro p ica l d e S ã o P a u lo 18: 3 5 7 - 3 6 4 , 1 9 7 6 . 5 . F erreira H O . T ra ta m en to e sp e c ífic o n a fa se agu d a da
d o e n ç a d e C h a ga s. J o rn a l-d e P ed ia tria 64: 1 2 6 -1 2 8 , 1 9 8 8 .
6 . R a ssi A . T rata m en to e tio ló g ic o d a d o e n ç a de C h ag a s. A r q u iv o s B ra sile iros de C a r d iolog ia 3 9 : 2 7 7 - 2 8 1 ,1 9 8 2 . 7. R a s si A , F erreira H O . T e n ta tiv a s d e tratam ento e sp e c i fic o d a fa se agud a d a d o e n ç a d e C h ag a s c o m nifurtim ox em esq u em a d e du ra ção prolongad a. R e v ista d a S o c ie dad e B rasileira de M ed ic in a T rop ica l 5: 2 3 5 - 2 6 2 ,1 9 7 1 . 8. I R e u n iã o d e P e sq u isa A p lic a d a em d o e n ç a d e C h agas. V a lid a d e d o c o n c e ito d a form a in d eterm in ad a d a d o e n ç a de C h a g a s. R e v ista d a S o c ie d a d e B rasileira d e M ed ic in a T ro p ica l 18: 4 6 , 1 9 8 5 .
9 . R ic h ie R C h em o th era p y o f exp erim en tal acu te C h a g a s d ise a se in m ice: b en eficia l e ffe c t o f R o 7 -1 0 5 1 o n p a rasitem ia and tissu e parasitism . X I I th C o n g ress In tern ation al T h erap eu tic, G en ev a , Sw itzerland L e P ro gres M e d ic a le 10 1: 2 8 2 , 1 9 7 3 .
10 . R ic h ie R. C h em o th era p y o f experim en tal acute C h ag a s d ise a se in m ice. P a ra sito lo g ica l cure b y R o 7 -1 0 5 1 . P ro c eed in g s Th ird In ternational C o n g ress P a ra sito lo g y.
M un ich . G er m a n y p. 1 2 9 6 - 1 2 9 7 , 1 9 7 4 .
11 . S itu a ció n de la E n ferm id ad de C h ag a s en las A m érica s. B o letin de L a O ficin a S an itaria P a n a m erica n a 97:
1 5 9 - 1 6 5 , 1 9 8 4 .