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O acervo que os museus escondem

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Academic year: 2017

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60 G E T U L I O Janeiro 2008

A R T E S P L Á S T I C A S

A R T E S P L Á S T I C A S

Janeiro 2008 G E T U L I O 61

NO ESCURINHO

DOS MUSEUS

Ter uma obra de arte no acervo não significa que ela

estará exposta ao público. Veja onde você terá que apurar

bem o olhar para encontrá-la

Por Ana Paula de Deus

S

omando apenas o acervo dos quatro maiores museus de São Paulo – Masp, MAC, MAM e Pinacoteca –, a cidade abriga mais de 30 mil obras artísticas, incluindo pinturas, esculturas, gravuras, mobiliário, louça, prataria e tapeçaria. O número, que pode encher de orgulho qualquer paulistano, não significa que haja necessariamente 30 mil obras expostas ao olhar de visitantes e apreciadores de arte. Isso porque ter uma peça no acervo não significa que ela está exposta: há muitas obras que passam anos na reserva técnica, o relicário dos museus. “Algumas pessoas dizem que a reserva é o porão, mas ela é o cofre do museu porque é o lugar mais valioso”, conta Eunice Sophia, coordenadora do Acervo e Desenvolvi-mento Cultural do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

“Ele é o cofre do Tio Patinhas”, brinca o chefe da Divisão Técnico-Cien-tífica do Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), Paulo Roberto Amaral Barbosa, ao se referir à sala da reserva técnica, cuja porta de aço com meio metro de largura é encontrada depois de transpormos um portão e dois seguranças e passarmos por um labi-rinto de corredores estreitos. Aliás, não chegamos à porta da reserva, mas sim à ante-sala do relicário. “Tudo isso não se dá por segurança necessariamente, mas por conservação”, explica Barbosa.

Unidade Tripartida, de Max Bill:

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no 3° subsolo do prédio: uma longa exposição compro-meteria o jérsei de seda do vestido.

No MAC há o caso similar e curioso de uma doação que chegou fechada numa caixa, estado em que ficou por algum tempo. Era uma peça, sem título, do paulista Nuno Ramos, formada por um tipo de resina que se “derrete”, solta pedaços da tinta e precisa passar, quase que freqüentemente, por um trabalho de recuperação.

O número de exemplares de um mesmo artista tam-bém pode compro-meter a exposição de suas obras, como os 573 trabalhos de Emiliano Di Caval-canti da coleção do MAC. Dificilmente

todas as peças serão mostradas em uma mesma exposi-ção. Uma saída elaborada pelo museu foi a montagem de exposições itinerantes pelo Brasil.

Aliás, o empréstimo de obras para outros locais é um dos motivos que levam as peças para longe das paredes dos museus. Eunice Sophia, do MASP, conta que algu-mas pessoas vêm do exterior para ver determinadas obras que às vezes não estão expostas. “Elas sabem que em todo museu do mundo não é sempre que você chegará lá e as

obras estarão à mostra, a não ser no caso de museus tradi-cionais como o do Vaticano e o Louvre”, explica.

O lado B dos museus

Na contramão dos grandes museus da cidade, fi-cam os acervos que, apesar de pequenos, são gigan-tes pelas obras que abrigam. Um exemplo é o acervo do palácio do governo de São Paulo, formado pelas obras expostas nas paredes do Palácio dos Bandeirantes e do Horto Flores-tal, na capiFlores-tal, e do Palácio da Boa Vista, em Campos do Jordão. A cole-ção é formada por 3.500 peças adqui-ridas no início da década de 1970, quando o então secretário da Fazenda, Luís Arrobas Martins, realizou um garimpo das obras dos períodos barroco e moder-no brasileiros disponíveis moder-no mercado. “O acervo foi constituído com a intenção de montar um patrimônio público, aberto à visitação, para que essas obras pu-dessem ser apreciadas, não foi apenas a preocupação de decorar os palácios”, explica a diretora do acervo, Ana Cristina Carvalho.

A R T E S P L Á S T I C A S

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Se estão nos museus, mas o pú-blico não as pode ver, essas obras poderiam ser encaradas como es-condidas? “Escondida não”, res-ponde Eunice. “Às vezes a gente tem uma obra que, até por suas características, é difícil ser inseri-da em algum contexto”.

Um exemplo do que explica Eunice é uma escultura atribuída a Aleijadinho, São Francisco de Paula,datada de 1760-80. Atual-mente, o MASP tem salas de ex-posição de obras brasileiras, sob o nome de Brasil Moderno, ao que Eunice questiona: “Como é que eu posso colocar um Aleijadinho dentro desse contexto?”

Outro caso curioso da coleção do MASP são as dezoito cadeiras venezianas do século XVIII. Para serem mostradas ao público, considera Eunice, teria de haver

ou uma exposição de mobiliário e arte veneziana, e aí entrariam apenas esses dois ou três exemplares da co-leção, ou uma mostra com todas as cadeiras, o que não é possível devido ao tamanho das peças: cada cadeira tem 2 metros de altura. “O museu é pequeno para o tamanho e a importância da coleção”, reflete a guardiã do acervo.

Um lugar ao sol

Assim como as cadeiras do MASP, algumas obras do MAC passam pelo

mesmo contratem-po: a relação do ta-manho da obra com o espaço do museu por vezes dificulta a exposição de peças. A Unidade Triparti-da, do artista plásti-co Max Bill, é uma

delas: “Ela pesa 500 quilos, é necessária uma operação e estratégia para transportá-la”, diz Barbosa.

No Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) não é diferente: apenas 1.300 metros quadrados para uma coleção de 5 mil obras – composta em sua maioria por exemplares de arte contemporânea. “Tem coisas

im-portantes no acervo que poderiam estar em exposição permanente, mas não há espaço para mostrar”, conta Felipe Chaimovich, cura-dor do museu.

No MAM são realizadas de sete a oito exposições por ano. Destas, três são feitas com a co-leção própria, o que equivale a mostrar cerca de 200 obras do acervo por ano. Se levarmos em conta o número de doações que o museu recebeu em 2007, algo como 500 peças, e a quantida-de média quantida-de peças exibidas por mostra (200/ano), haveria um crédito só este ano de 300 obras que chegaram e ainda não foram expostas. Essa matemática artís-tica, no entanto, só vale para as exposições realizadas no espaço físico do próprio museu. Segun-do Chaimovich, em 2006 16% Segun-do acervo foi mostrado em uma única exposição na OCA. “Foi a maior quantidade de obras já colocadas em ex-posição”, diz o curador.

O MAC, devido à falta de espaço, ganhou o famoso “prédio de Detran”, local onde funcionou o Departa-mento de Trânsito do Estado de São Paulo, no Ibirapue-ra, do outro lado do prédio da Bienal. O local está sendo readequado para receber parte do acervo do museu, que manterá as atividades na Cidade Universitária da USP. A abertura do novo espaço acontecerá em 2009.

A insustentável beleza da arte

Os materiais usa-dos nas obras às ve-zes tornam a peça frágil: papel que se desbota e precisa fi-car ao abrigo da luz, tinta que se derrete ou craqueja (solta lascas de resina), tecidos finos e ou-tras delicadezas que exigem a permanência da obra na reserva técnica. É a situação do vestido desenhado por Salvador Dalí entre 1949 e 1950. Costume do Ano 2045

não pode ficar muito tempo longe do ar climatizado e da umidade controlada do “cofre” do MASP, localizado

Obras de arte expostas nos corredores do Palácio dos Bandeirantes Meninos e Piões, de Portinari: atração no Oscar Americano

O número de exemplares de um

mesmo artista pode comprometer

a exposição de suas obras, como

ocorre com os 573 trabalhos de

Di Cavalcanti da coleção do MAC

O “prédio de Detran”, no Ibirapuera,

está sendo readequado para

receber parte do acervo do MAM.

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Dependendo da época do ano – porque as obras cir-culam pelos três palácios –, nos corredores do Palácio dos Bandeirantes, por exemplo, podem ser encontradas peças como Maternidade, de Vicente Rego Monteiro, Operários,

de Tarsila do Amaral, um São José de Botas, do Aleijadi-nho, e a Bailarina, de Victor Brecheret. O peculiar desse acervo é que a reserva técnica não é um salinha escondida na casamata de um prédio. Elas estão ali, entre os passan-tes, para contemplação de quem apenas tem tempo para olhá-las. “Os palácios, que tem as funções residenciais e administrativas, têm

essa característica diferente do tradi-cional museu de arte. Aqui os espaços não são neutros”, diz Ana Cristina.

Outra relíquia desse acervo é um conjunto de 64

pinturas cusquenhas do século XVIII, a segunda maior coleção fora do Peru. “Entre os anos 1960 e 1980 houve um resgate e um mergulho no nosso passado colonial, as famílias ricas consumiam tanto o mobiliário artístico brasi-leiro quanto pinturas cusquenhas, já que naquele período [século XVIII] não nos destacamos na pintura e, sim, na escultura”, explica a diretora. A coleção já foi exposta no país de origem e é reconhecida pelo governo peruano.

No ano passado o número de visitantes quase dobrou em relação a 2006, chegando a 14.500 passantes por mês. De acordo com Ana Cristina, o aumento é resultado das

exposições temáticas realizadas no ano passado: “Hoje a função museológica das obras é bastante mais reforçada”.

Em frente ao Palácio dos Bandeirantes, em um parque de 75 mil metros quadrados, no bairro do Morumbi, zona sul de São Paulo, fica a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, que possui em torno de 1.600 obras de arte. Segundo Claudia Vada Souza Ferreira, coordenadora do acervo, 98% da coleção está em exposição permanente. O conjunto foi montado inicialmente com peças da família Americano, em 1974, e mais tarde ganhou obras compradas em dois leilões de arte ocorridos na Suíça. Foi nessa leva que chegou a coleção de oito pinturas do ho-landês Frans Post, que esteve em Per-nambuco durante a ocupação de Maurício de Nassau no século XVII. Além dessas telas, pode-se ver ali Meninos e Piões, de Portinari, e obras de Lasar Segall, Di Cavalcanti e a

Pietá e Crucifixo, de Brecheret.

Seja nos grandes museus ou garimpando preciosidades em acervos fora do circuito, o encontro com a arte é saudá-vel, como afirma Ana Cristina Carvalho: “As obras de arte são como um bálsamo nessa vida agitada de São Paulo”. Eunice Sophia acrescenta: “Algumas obras podem ficar guardadas, mas pode ter certeza de que eu gostaria de pôr tudo em exposição”. Tudo bem, o que vale é a intenção.

Por suas funções residenciais

e administrativas, os espaços dos

palácios não são neutros, o que os

diferencia dos museus tradicionais,

diz Ana Cristina Carvalho

Os escondidinhos: São Francisco de Paula, Aleijadinho, no MASP; Bailarina, Victor Brecheret, no Palácio; Costume do ano 2045, de Salvador Dalí, no MASP

Referências

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