Cidadania, part icipação popular e saúde:
com a palavra, os usuários da Rede Pública
de Serviços
Citize nship , p e o p le ’s p articip atio n, and he alth:
b e ne ficiarie s o f the Pub lic He alth Se rvice s Ne two rk
have the ir say
1 Departam en to de Saú de Com u n itária, Facu ld ad e d e Med icin a, Un iversid ad e Fed eral d o Ceará.
Ru a Prof. Costa Men d es 1608, 5oan d ar, Fortalez a, CE 60431-970, Brasil. m alu bosi@agevir.com .br 2 N ú cleo de Estu dos de Saú d e Coletiva, Hosp ital Un iversitário Clem en tin o Fraga Filh o, Un iversid ad e Fed eral d o Rio d e Jan eiro. Av. Brigad eiro Trom p ow isk y s/no, 5oan dar, Rio de Jan eiro, RJ
21949-900, Brasil.
M aria Lú cia M agalh ães Bosi 1 Kátia d e Carvalh o Affon so 2
Abst ract Th is p ap er d eals w ith issu es of citiz en sh ip an d p eop le’s p articip ation in h ealth ser-vices, based on an an alysis of con cep ts d isp layed by a sp ecific grou p , i.e., u sers of Prim ary Care Clin ics in Program Area 3.1 in th e city of Rio d e Jan eiro, Braz il. Th e p ap er an alyz es h ealth care u sers’ id eas as th e on es m ost h eavily in flu en cin g th e ch ap ter on h ealth in th e Brazilian Con stitu -tion . Th e h istorical con text is th e d iscu ssion u n d erw ay on th e role of p atien ts in th e rela-tion sh ip to p rofession al h ealth care p rov id ers, w h o in tu rn face th e ch allen ge of bu ild in g a “h ealth an d h ygien e m en tality”am on g th e p eop le. Data w ere gath ered th rou gh a field stu d y u sin g a qu alita-tive social research m eth od ology an d id en tify salien t p oin ts am on g th e id eas of p eop le receivin g care. Th ere w as a gap (or d istortion ) in th eir con cep t of citiz en sh ip alon gsid e asp ects w h ich , if an alyzed accord in g to th e su bjective p lan e of th ese social agen ts, sh ow th at th ey exp ect ch an n els t o b e crea t ed by w h ich t h ey ca n ex p ress t h eir op in ion s, p a rt icu la rly a t t h e p ra ct ica l level. Th e an alysis th u s p oin ts to th e strategic role of d ay-to-d ay relation sh ip s in th e social ch an ge p rocess an d th e acqu isition of righ ts, m ean w h ile seek in g to sh ed ligh t on th e feasibility of th is p rocess in view of th e su bjectivity of th e agen ts givin g it life.
Key words Con su m er Particip ation ; Health Services Research ; Pu blic Health
Resumo Este trabalh o abord a a qu estão d a cid ad an ia e d a p articip ação p op u lar em saú d e, ten -d o p or base a an álise -d as con cep ções -d e u m gru p o esp ecífico: os u su ários qu e freqü en tam as Un i-d a i-d es i-d e Cu ii-d a i-d os Bá sicos i-d a Área Progra m á t ica 3.1 i-d o M u n icíp io i-d o Rio i-d e Ja n eiro, Bra sil. An alisa-se su as con cep ções referen tes ao tem a em estu d o, con fron tan d o-as com as qu e orien tam o texto con stitu cion al n o cap ítu lo referen te à saú d e, ao m esm o tem p o em qu e se d iscu te o p ap el d os u su ários em su a relação com os p rofission ais qu e os assistem , em face d o d esafio d a con stru -ção d e u m a ‘con sciên cia san itária’. As in form ações foram obtid as a p artir d a ap lica-ção d e técn i-cas qu alitativas e ap on tam im p ortan tes elem en tos n as con cep ções d os u su ários; se p or u m lad o, con stata-se u m d istan ciam en to d a con d ição d e cid ad ãos, p or ou tro, in d ica-se a existên cia d e as-p ect os qu e, sit u a d os n o as-p la n o su bjet ivo, a gu a rd a m a con st ru çã o d e ca n a is qu e as-p ossibilit em a su a exp ressão, sobretu d o n o n ível d as p ráticas. Neste sen tid o, a an álise ap on ta, ain d a, p ara o p a-p el estratégico d esem a-p en h ad o a-p elas relações cotid ian as n o a-p rocesso d e m u d an ça social e con s-tru ção d os d ireitos, bu scan d o sim u ltan eam en te elu cid ar a viabilid ad e d este p rocesso ten d o em vista a su bjetivid ad e d os agen tes qu e lh e d ão vid a.
Introdução
Este estu d o versa sob re o tem a d a cid ad an ia e d a p a rticip a çã o p o p u la r n o ca m p o d a sa ú d e, en fo ca n d o a s co n cep çõ es d e u m gr u p o so cia l esp ecífico – os u su á rios d a s Un id a d es d e Cu i-d ai-d os Básicos i-d e Saú i-d e i-d a Área Program ática 3.1 d o Mu n icíp io d o Rio d e Ja n eiro –, d a n d o co n tin u id a d e à d iscu ssã o q u e in icia m o s em ou tro n ú m ero d este p eriód ico (Bosi, 1994), em q u e a b o rd a m o s a q u estã o b a sea n d o -n o s n a su bjetividade dos p rofission ais de saú de atu an -tes n essas m esm as Un id ad es.
Retom an d o os p rin cip ais p ressu p ostos qu e fu n d a m en ta m esta in vestiga çã o, p a rtim o s d o p rin cíp io d e q u e a d ecla ra çã o d e d ireito s q u e com p õe a Con stitu ição Brasileira (p rom u lgad a em 1988) ca ra cteriza -a co m o u m d o s texto s con stitu cion ais m ais avan çad os d o m u n d o, em esp ecial n o qu e se refere aos d ireitos n o cam p o d a saú d e.
Co n tu d o, é o p o rtu n o lem b ra rm o s q u e “é fu n ção p rática d a lin gu agem d os d ireitos, a d e em prestar força particu lar às reivin dicações dos m ovim en tos qu e d em an d am p ara si e p ara os ou tros satisfação de n ovas carên cias m ateriais e m orais, ao m esm o tem p o em qu e a torn a en ga-n ad ora e obscu rece a d iferega-n ça ega-n tre o d ireito reivin d icad o e o d ireito recon h ecid o e p rotegi -do” (Bob b io, 1992:10).
No caso b rasileiro, o d esafio qu e se coloca é o d e m aterializar em p ráticas as con qu istas es-ta b elecid a s n o p la n o lega l. To d a reflexã o q u e será a q u i d esen volvid a sob re a q u estã o d o d i-reito à sa ú d e, a exem p lo d o s d em a is d ii-reito s sociais, p ressu p õe qu e su a con ceitu ação d eriva d e “u m processo din âm ico e h istórico on de estes d ireitos em ergem grad u alm en te d e lu tas qu e o h om em trava p or su a p róp ria em an cip ação e d as tran sform ações d as con d ições d e vid a qu e estas lu tas produ zem” (Bob b io, 1992:32).
Den tro d o qu e aqu i d en om in am os processo d e con stru ção d os d ireitos em saú d e, d esta ca -m os d ois a sp ectos co-m o fu n d a -m en ta is: o p ri-m eiro d eles, a con stru ção d e u m a con sciên cia san itáriaen ten d id a n o con texto d este estu d o com o “a tom ad a d e con sciên cia d e qu e a saú d e é u m direito da pessoa” (Berlin gu er, 1978:50); o segu n d o a sp ecto, in trin seca m en te a sso cia d o ao p rim eiro,a p articip ação p op u lar com o m e -can ism o fu n dam en taln o referid o p rocesso.
Den tro d o tem a Cid ad an ia e Saú d e, a qu es-tão d a p articip ação p op u lar n ão p od e ser, p or-ta n to, n egligen cia d a , d a í seu d esor-ta q u e d en tro d este estu d o, esp ecia lm en te p o r se co n stitu ir tam b ém em d ireito garan tid o n o texto con sti-tu cio n a l, co m p o n d o u m a d a s p rin cip a is d ire-trizes d o atu al sistem a d e saú d e.
Por ou tro lad o, p ara q u e a relação d ialética co n scien tiza çã o / p a rticip a çã o se d esen vo lva , p arece-n os estratégico, n o caso d o setor saú d e, o esp a ço m icro d a p a rticip a çã o rep resen ta d o p o r rela çõ es co tid ia n a s, co m o a s q u e se estab elecem n os serviços d e saú d e. O cotid ian o en q u a n to exp eriên cia d e vid a to rn a se fu n d a -m en tal à localização d e ele-m en tos através d os qu ais os atores sociais con stroem su as p ercep -ções, ao m esm o tem p o em q u e rep resen ta u m esp a ço d e lu ta , d e exercício d e p o d er, p o d er a q u i en ten d id o “n ão com o u m objeto n atu ral, u m a coisa”(Ma ch a d o, 1981:XII), m a s co m o p rática social e com o tal con stitu íd a h istoricm en te p od en d o-se (n ele) d istin gu ir u istoricm a situ a-ção cen tral e (ou tra) p eriférica, u m n ível m acro e (u m ) m icro d e exercício (Fou cau lt, 1981).
A co n stru çã o gra d u a l d e u m a co n sciên cia sa n itá ria a lim en ta -se d e p rá tica s viven cia d a s n a realid ad e cotid ian a e, n este p lan o, as exp li-cações voltad as ao p lan o m acroestru tu ral n ão p a recem d a r con ta d a com p lexid a d e d a s rela-ções (sob retu d o n a esfera d a su b jetivid ad e) aí p resen tes. Falar em con stru ção d a cid ad an ia e em p articip ação p op u lar n o cam p o d a saú d e – p ortan to, em exercício d e d ireitos – p ed e u m a reflexã o so b re esta s n o çõ es ta l co m o se a p re-sen tam n a su b jetivid ad e qu e se associa à p ráti-ca d os u su ários d o setor.
O p a p el d o s u su á rio s d e sa ú d e n a rela çã o cotid ian a qu e estab elecem com a red e d os ser-viço s e co m o s p ro fissio n a is q u e n ela a tu a m , lon ge d e sign ificar a m era b u sca d e assistên cia, in screve-se n u m a p rá tica p lu rid im en sio n a l, d en tre a s q u a is se p o d e d esta ca r a d im en sã o p olítica.
Co n trib u ir p a ra o d esven d a m en to d a su b -jetivid a d e d este gru p o fo i o q u e o b jetiva m o s valen d o-n os d a an álise d a q u estão d a cid ad a-n ia , p a rticip a çã o p o p u la r e sa ú d e a-n o ia-n terio r d este esp aço.
Percurso met odológico
Nosso estu d o d esen volveu -se ju n to a os u su á-rios qu e freqü en tam as Un id ad es d e Saú d e p er-ten cen tes à Área Progra m á tica 3.1 (AP-3.1) d o Mu n icíp io d o Rio d e Jan eiro. Esta área en volve a regiã o d a Ilh a d o Govern a d o r e Leo p o ld in a , ab ran gen d o, à ép oca d o estu d o, u m total d e 38 b airros e 84 favelas – p op u lação qu e rep resen ta 14,5% d a p op u lação total d o Mu n icíp io d o Rio d e Jan eiro, sen d o a terceira área em d en sid ad e d em ográfica n o m u n icíp io (Carvalh o, 1991).
da p op u lação favelada do Rio de Jan eiro (Ip lan -rio, 1990).
No sso e sp a ço d e o b se r va çã o co rre sp o n -d eu , p o rta n to, à s u n i-d a -d es p ú b lica s -d e ser vi-ços b á sicos, loca liza d a s n a á rea p rogra m á tica e m q u e se in se re a Un ive rsid a d e Fe d e ra l d o Rio d e Ja n e iro (AP-3.1), o q u e sign ifica d ize r q u e t ra b a lh a m o s co m u m u n ive rso d e cin co u n id a d e s: a lgu m a s liga d a s a in stitu içõ e s fo r -m a d o ra s – Ge r-m a n o Sin va l Fa ria (En sp ), Vila d o João (UFRJ) –, e as n ão vin cu lad as – cen tros m u n icip a is d e sa ú d e d e Ra m o s, Pe n h a e Ilh a d o Govern a d o r. Sen d o, fu n d a m en ta lm en te, a d im e n sã o su b je t iva o p la n o n o q u a l se sit u a n o sso o b je t o, o m a t e r ia l b á sico co m q u e t ra b a lh a m o s fo i o d iscu rso d o s a ge n te s. A n a tu -reza d o ob jeto im p ôs a m etod ologia q u alitati-va com o con cep ção teórica d e ab ord agem , n a m e d id a e m q u e se a p re se n t a co m o “a q u ela cap az d e in corp orar a qu estão d o sign ificad o e d a in ten cion alid ad e com o in eren tes aos atos, à s relações e às est ru t u ra s socia is”(Min a yo, 1992:10).
Ba kh tin (1986), ap u d Min a yo (1992:110), con sid era a p alavra “o fen ôm en o ideológico por excelên cia” e d efin e o “caráter h istórico e social da fala com o cam po de expressão das relações e d as lu tas sociais qu e ao m esm o tem p o sofre os efeitos da lu ta e serve de in stru m en to e de m ate-rial p ara a su a com u n icação”. É a p artir d a p ala vra q u e se p o d e, p o rta n to, a p ren d er o co n -teú d o sim b ólico d as p ráticas.
As ciên cia s so cia is em p rega m o term o Re-p re se n ta çõ e s So cia is Re-p a ra n o m e a r a s ca te go-ria s d e p e n sa m e n to, d e a çã o e d e se n tim e n to qu e exp ressa a realid ad e, n o sen tid o d e afirm á-la ou n egá-á-la (Min ayo, 1992). Deste m od o, d es-ven d ar u m d ad o asp ecto d a realid ad e im p õe o co n h ecim en to n ã o só d o fa to o b jetivo, co m o ta m b ém d a su a rep resen ta çã o. Qu a lq u er co n h ecim en to q u e p reten d a in fo rm a r u m fen ô -m en o social, exata-m en te p or ser social n eces-sita con sid erar estas d u as d im en sões.
No caso esp ecífico d este trab alh o, falar em d ireito, cid a d a n ia e co n tro le so cia l em sa ú d e, co n ceito s fo rtem en te vin cu la d o s a o p ro cesso d e con scien tização d a saú d e com o u m d ireito, im p lica o con h ecim en to d a d im en são su b jeti-va – rep resen tações, id éias, p en sam en tos – d os su jeitos en volvid os. O resgate d essa su b jetivi-d ajetivi-d e vem con stitu in jetivi-d o u m alvo jetivi-d e reflexão ca-d a vez m a is ressa lta ca-d o n a litera tu ra recen te (Min a yo & Co im b ra Jr., 1993; Alves & Min a yo, 1994).
No q u e se refere à co n sciên cia sa n itá ria , e con sid eran d o estratégico o esp aço d a assistên -cia , n o sso p o n to d e p a rtid a fo i o estu d o d a s m an ifestações d esta con sciên cia exp ressas sob
form a d a lin gu agem e, d este m od o, ap reen sível n o d iscu rso d os u su ários d o setor.
Partin d o d essas p rem issas, realizam os n os-so estu d o ju n to à p o p u la çã o u su á ria d a s u n i-d ai-d es i-d e saú i-d e já citai-d as. Op tam os p or en trevista r p esso a s q u e h á m a is tem p o freq ü en ta -va m a s u n id a d es e q u e m a n tin h a m u m a certa regu larid ad e d en tro d esta p rática. Bu scávam os com isto u su ários qu e já tivessem estab elecid o u m vín cu lo com as in stitu ições e, con seq ü en -tem en te, co m seu s p ro fissio n a is. Ou tro crité-rio, este d e o rd em m a is p rá tica , fo i o d e esco-lh er o s en trevista d o s d en tre o s u su á rio s q u e agu ard avam aten d im en to n o in terior d as u n i-d a i-d es e, p o rta n to, i-d isp u n h a m i-d e tem p o p a ra n os oferecer seu s d ep oim en tos.
Já q u e p artim os d e u m a p ersp ectiva q u ali-ta tiva , n o q u e se refere à a m o stra gem , n ã o se co lo ca ra m p a ra n ó s q u estõ es co m o rep resen -ta tivid a d e, verifica b ilid a d e o u gen era liza çã o n os term os em q u e estas q u estões, d en tre ou -tras, im p õem -se à trad ição q u an titativa. Aq u i, n ossa p reocu p ação foi “m en os com a gen eraliz ação e m ais com o ap rofu n d am en to e abran -gên cia d a com p reen são”....Um critério n ão n u -m érico, p ortan to a a-m ostra id eal sen d o “aqu e -la cap az de refletir a totalidade n as su as m ú lti-plas dim en sões” (Min ayo, 1992:102).
A qu estão d a valid ad e d essa am ostra foi p or n ós assu m id a p ela su a cap acid ad e d e resp on -d er às qu estões qu e n os colocávam os, con si-d e-ran d o-se su ficien te o n ú m ero d e en trevistas n o m om en to em qu e ob servávam os a reiteração e esgotam en to d as categorias n os d iscu rsos d os en trevistad os.
Den tre a s técn ica s d isp o n íveis, o p ta m o s p ela en trevista, elegen d o, n a m ed id a d o p ossí-vel, o p roced im en to n ão d iretivo, p or en ten d ê-lo co m o u m m eio q u e p o ssib ilita ria a o en tre-vistad o d iscorrer sob re o tem a em qu estão, sob u m a lógica p róp ria. En tretan to, op tar p or esta técn ica n ão im p lica d estitu í-la d e p rob lem as, a com eçar p elo q u e se en ten d e p or n ão d iretivi-d airetivi-d e (Mich elat, 1975; Th iollen t, 1987).
Cidadania, participação popular e saúde: a visão dos usuários
• A an álise d o m aterial ob tid o d as en trevistas leva n to u u m gra n d e vo lu m e d e in fo rm a çõ es q u e, a p ó s su cessiva s leitu ra s e cla ssifica çõ es, foram organ izad as em torn o d o qu e se p od eria con siderar qu atro gran des tem as, p or m eio dos q u a is p ro cu ra m o s a p reen d er n o sso o b jeto : o co n ceito d e sa ú d e, a co n sciên cia sa n itá ria , o cotid ian o d o aten d im en to, a tran sform ação d o qu adro atu al.
O Conceit o de Saúde
No d iscu rso d a p op u lação, a saú d e ap arece co-m o u co-m co n ceito p lu rid ico-m en sio n a l, u ltra p a s-san d o, em m u ito, a d im en são b iológica.
Nosso estu d o reforça as con clu sões d e ou tros au tores q u e, trab alh an d o com a visão p o -p u lar referen te à saú d e, a-p on tam d iferen tes n í-veis qu e se in tegram n a con cep ção d o gru p o.
Ngo kwey (1988) ap u dMin a yo (1988:357), p esq u isan d o o sistem a etiológico p op u lar b a -sead o em u m estu d o com fam ílias n a região d e Feira d e Sa n ta n a , n a Ba h ia , a p o n ta vá rio s d o m ín ios qu e se in tegram n as exp licações form u -lad as p elos en trevistad os:
a) n atu ral; b ) p sicossocial; c) sócio-econ ôm ico; d ) sob ren atu ral.
No m od elo acim a, a cau sação n atu ral refe-re-se à relação en tre a saú d e e os fen ôm en os d a n atu reza; a sócioecon ôm ica, às con d ições m a -teria is d e existên cia (sa lá rio, a lim en ta çã o, a s rela çõ es n o tra b a lh o etc.); a p sico sso cia l, a o s sen tim en tos e em oções e, fin alm en te, a sob re-n atu ral ao d om íre-n io m etafísico, esp iritu al (Mi-n ayo, 1988).
Estas m esm as d im en sões foram id en tifica-d as n a fala tifica-d os u su ários tifica-d a retifica-d e p ú b lica tifica-d e ser-viços p or n ós estu d ad os. A p lu rid im en sion ali-d aali-d e ali-d o fen ôm en o saú ali-d e em ergiu n o ali-d iscu rso, a p artir d as referên cias feitas ora à etiologia d as d oen ças, ora à con ceitu ação m ais d ireta d aqu i-lo q u e o gru p o en ten d e p o r sa ú d e. Na s tra n s-crições ab aixo, p od em os con statar, resp ectiva-m en te, a s q u a tro d iectiva-m en sõ es a p o n ta d a s p o r Ngokwey (1988) apu dMin ayo (1988).
“Em p rim eiro lu gar, p ra ter saú d e é p reciso ter u m a boa alim en tação, n é?”
“ Eu ach o qu e o qu e d eix a as p essoas m ais doen tes h oje em dia é o cu sto de vida. Tem gen te qu e às vezes n ão tem alim en tação direito porqu e gan h a só o salário; m u ito desem prego tam bém ...” “Porqu e eu qu an d o, assim , m e aborreço, u m a das prim eiras coisas qu e m e dá é dor de
ca-beça. Eu fico assim xôxo, en cabu lad o. Eu p erco até o ap etite... Aí m u d a o fu n cion am en to d o corpo todo.”
“Pra qu e é qu e eu vou tom ar isto? Se eu tiver qu e pegar, qu em sabe é Deu s.”
Para este gru p o, saú d e é u m estad o qu e d e-p en d e d a n atu reza, d as relações sociais, d as re-la çõ es a fetiva s e d e Deu s (o u o u tro s ‘seres su p eriores’, en tid ad es d o d om ín io esp iritu al).É p ortan to, u m a con cep ção qu e, ap esar d e in cor-p orar o d iscu rso m éd ico (b iológico), u ltracor-p as-sa-o revelan d o (e, em certos m om en tos, colo-can d o em qu estão), p or m eio d a an álise d a gê-n ese d a d oegê-n ça, a p róp ria ord em social (Herz-lich , 1991).
Assim , p or m eio d os d iscu rsos em itid os so-b re a d oen ça, evid en ciam -se as vivên cias, o co-tid ia n o d a s p esso a s – a sp ecto q u e, em vá rio s p on tos, in sin u a-se n a fala d os u su ários.
“Um a pessoa sau dável é igu al eu , ten h o saú -d e, graças a Deu s. Disp osição qu e Deu s m e -d á prá trabalh ar.”
“Estar d oen te é n ão d ar p ra fazer n ad a, m e dá u m a m oleza, aí eu falo pra m im : Eu tô doen -te.”
“Qu an d o eu estou bem ? Qu an d o estou sem -pre trabalh an do.”
Por ou tro lad o, a m an ifestação fu n d am en -tal d a d oen ça é a d or.
“Ah ! Qu an d o eu n ão estou sen tin d o n en h u -m a dor, n é? Aí estou be-m , co-m saú de.”
“Qu an d o n ão estou sen tin d o n ad a... n ão sen tin do n ada, n ão tem problem a.”
“Um a p essoa sau d ável é u m a p essoa qu e n ão sen te n ada.”
Em u m estu d o d esen volvid o ju n to aos p ro-fissio n a is d e sa ú d e (Bo si, 1994), verifica m o s q u e, d e m o d o u n â n im e, eles in d ica ra m q u e, p ara a p op u lação, a saú d e se red u z à au sên cia d e d o r, fa to q u e, segu n d o estes p ro fissio n a is, liga-se à au sên cia d e u m a ‘p ostu ra p reven tiva’ p or p arte d os u su ários.
En treta n to, tom a n d o com o b a se os d ep oi-m en to s a n terio res, p o d eoi-m o s rela tiviza r esta co n sta ta çã o se co n sid era rm o s a lgu n s o u tro s â n gu lo s, a p a rtir d o s q u a is se p o d e p en sa r a qu estão. In evitavelm en te n os vem à lem b ran ça o p en sam en to d e Lèrich e (1936) ap u dCan gu i-lh em (1990:73) q u e “ao d efin ir a d oen ça n ão ach ou ou tro m eio de defin i-la a n ão ser por seu s efeitos”.Do p on to d e vista d o d oen te, a sa ú d e, afirm a Lèrich e, “é a vida n o silên cio dos órgãos” e “a doen ça (...) aqu ilo qu e p ertu rba os h om en s n o exercício d a su a vid a e em su as ocu p ações” (Lèrich e, 1936 apu dCan gu ilh em , 1990:68).
-tro m od o “qu iserm os defin ir a doen ça será pre-ciso d esu m an izá-la” (Lèrich e, 1936 ap u dCan -gu ilh em , 1990:22-23).
Um fato b astan te recorren te n a literatu ra e n as d iscu ssões n o cam p o d a saú d e coletiva é a red u ção qu e o con ceito d e saú d e sofre qu an d o se igu a la à a u sên cia d e d o r (in d ica tivo d a a u -sên cia d e d oen ça ). Se esta m os d e a cord o com o fa to d e q u e sa ú d e é m u ito m a is d o q u e isto, n ã o p o d em o s d isco rd a r d e q u e ta m b ém seja fu n d a m en ta lm en te isto. E a í retom a m os Lèri-ch e, q u an d o n os fala q u e a d or é “u m fen ôm e-n o ie-n d ivid u al m oe-n stru oso e e-n ão u m a lei d a es-p écie”. Se esse au tor n ão tom a a d or p or d oen -ça, n ão n ega qu e a d or seja u m fato d a d oen ça. Po r o u tro la d o, lem b ra -n o s Ca n gu ilh em (1990:69): “...é u n icam en te p or serem h erd eiros de u m a cu ltu ra m édica tran sm itida pelos clín i-cos do passado qu e os m édii-cos de h oje podem se ad ian tar em p ersp icácia clín ica seu s clien tes h abitu ais ou ocasion ais”.
Deste m o d o, in d a ga m o s-n o s: n a a u sên cia d a m ed ia çã o d e u m sa b er cien tífico a b stra to, com o u m in d ivíd u o, ou u m gru p o, p od erá en -co n tra r o u tro critério p a ra d efin ir sa ú d e q u e n ã o a exp eriên cia co n creta exp ressa p ela a u -sên cia d e d or ou ou tro d escon forto?
Assim , a ch am ad a “con sciên cia p reven tiva”, n ã o d everia ser tã o esp era d a p elo s p ro fissio -n a is d e sa ú d e, já q u e esta p o stu ra d eco rre d e u m a exp eriên cia m ed ia tiza d a p ela teo r ia , o q u e n ão corresp on d e à exp eriên cia existen cial d a m aioria d a n ossa p op u lação.
Lem b rem o s, a q u i, a s d im en sõ es tã o b em d elim itad as p or Berlin gu er (1984:44) referen tes ao estar d oen te, sen tir-se d oen te, id en tificar a d oen ça e p od er estar d oen te, resp ectiva m en te ca ra cteriza n d o a s a ltera çõ es estru tu ra is o u fu n cion ais, as p ercep ções orgân icas, a id en tifi-cação d o q u ad ro e a p ossib ilid ad e m aterial d e a ssu m ir a d o en ça . A co n sid era çã o d essa s d is-tin tas d im en sões aju d a-n os a elu cid ar a gên ese d o s o b stá cu lo s à co n fo rm a çã o d e u m a co n sciên cia p reven tivista en tre a p op u la çã o u su á -ria d a red e p ú b lica.
Obviam en te qu e estas qu estões qu e alin h a -va m os b revem en te a p resen ta m m u ita s im p lica çõ es, p o d en d o leva r a vá rio s o u tro s d esd o -b ra m en to s. En treta n to, n ã o sen d o p o ssível ap rofu n d ar a tem ática n os lim ites q u e aq u i se im p õ em , p ro cu ra m o s, a o m en o s, n ã o fu gir à su a in d icação, p or en ten d ê-la com o u m asp ec-to im p ortan te a ser con sid erad o n o âm b iec-to d as ações p reven tivas.
Com o ú ltim a ob servação d en tro d este p ri-m eiro teri-m a , ca b e d esta ca r a a u to rid a d e d ele-ga d a a o m éd ico p a ra d efin ir o q u e é esta r o u n ão d oen te.
“Os ou tros fica assim : ‘Ah ! tá m u ito m agra’, aí eu fico assim ! ‘Pôx a’. Aí eu m e olh o n o esp e-lh o... Ah ! Eu vou lá n o m édico”.
“Eu ten h o qu e ir n o m éd ico p ra ver o qu e é.” “Mas assim m esm o com saú de é sem pre bom a gen te vir ao m éd ico, p ara ver se realm en te a gen te está com saú de, n é?
As fa la s a cim a tra n scrita s refo rça m , em p a rte, a lgu m a s d a s co n seq ü ên cia s a trib u íd a s p or au tores, d en tre eles, Cap ra, ao m od elo d o-m in a n te d a ciên cia: “De acord o com o m od elo biom éd ico, som en te o m éd ico sabe o qu e é im -portan te para a saú de do in divídu o, e só ele po-d e fazer qu alqu er coisa a resp eito po-d isso, p orqu e tod o o con h ecim en to acerca d a saú d e é racio-n al, cieracio-n tífico, basead o racio-n a observação objetiva d e d ad os clín icos(...) a ten d ên cia p ara m an ter-se sau dável n ão é com u n icada, n ão sen do valo-rizada a con fian ça do in divídu o n o seu próprio organ ism o” (Cap ra, 1986:150).
De fato, a p op u lação con fere au toridade aos p rofission ais (p articu larm en te ao m éd ico) p ara d efin ir, em garan d e p arte, seu estad o d e saú d e, o q u e exp ressa o ca rá ter d e cla sse d a rela -ção. Con form e assin ala Boltan ski (1984:29;37), “os m em bros d as classes p op u lares, con scien tes de su a ign orân cia, n ão são livres para desen volver u m discu rso sobre a doen ça, sen do su as ten -tativas d e exp licação freqü en tem en te segu id as d e u m a con statação d e ign orân cia ou d o ap elo ao ú n ico esp ecialista au toriz ad o a falar d a d oen ça: o m éd ico (...) ao m esm o tem p o, o p rin -cip al agen te d e d ifu são d os con h ecim en tos m é-dicos e aqu ele qu e lim ita su a rep rodu ção”.
Por ou tro lad o, n ossos d ad os d iscord am d a rad icalid ad e com q u e Cap ra (1986:154) afirm a qu e “...o m odelo biom édico é geralm en te aceito, estan do seu s prin cípios tão en raizados n a n ossa cu ltu ra qu e ele se torn ou até o m od elo p op u lar dom in an te da doen ça”.
Co m efeito, a p o p u la çã o u su á r ia p a rece a d o ta r m u ito s d o s elem en to s d o m o d elo b io -m éd ico, en tretan to n ão afir-m aría-m os q u e este m od elo se torn ou o m od elo p op u la r d a d oen -ça. Isto se evid en cia n o m od o m esm o com o as ca tegoria s d o d iscu rso m éd ico se a p resen ta m n a fa la d o s u su á rio s. Reto m a n d o Bo lta n ski (1984:30), co n sta ta -se q u e “a u tiliz ação p elos m em bros das classes popu lares de term os m édi-cos tom ad os ao d iscu rso d o m éd ico n u n ca está livre d e su ben ten d id os ou d e reticên cias. O ter-m o toter-m ad o d a lin gu ageter-m ter-m éd ica p erter-m an ece en tão u m a p alavra estran h a qu e n ão se in tegra n a fala vu lgar”e, acrescen tam os, ao seu sistem a d e rep resen tações, d e sistem od o an álogo ao lu -gar d essas categorias n o d iscu rso m éd ico.
ici-n a Mod erici-n a, a d oeici-n ça(e a sa ú d e, d iría m o s) é u m fen ôm en o qu e a u ltrap assa e qu e a rep re -sen tação n ão é ap en as esforço d e form u lação m ais ou m en os coeren te de u m saber, m as tam -bém qu estão d e sen tid o”.Con form e vim os, p elo m en os p a ra a p op u la çã o u su á ria in vestiga -d a (e se m q u e re r ge n e ra liza r o s a ch a -d o s), h á ou tras d im en sões q u e se ap resen tam n o estar d o en te. Esta s, a u sen tes d o d iscu rso m éd ico, sã o p ro cu ra d a s e m o u t ra s ra cio n a lid a d e s t e-rap êu ticas.
É fato am p lam en te recon h ecid o p or aq u e -les q u e a tu a m n o co tid ia n o d e a ssistên cia a q u estã o d a a u to m ed ica çã o, d a b u sca d e tera -p ias fora d o es-p aço oficial (a exem -p lo d as, as-sim ch am ad as, terap ias altern ativas – fen ôm e-n o q u e gae-n h a relevo e-n a e-n ossa socied ad e). Não seriam estes in d ícios d e u m a resistên cia às im -p osições d o m od elo b iom éd ico?
Ain d a a ssim , n ã o p o d em o s d esm erecer o p o d er m éd ico em n o ssa so cied a d e e o m o n o -p ólio d e com -p etên cia d esta cor-p oração n o qu e ta n ge à d eterm in a çã o d o q u e é esta r o u n ã o d oen te (Freid son , 1978).
A consciência sanit ária
Em in ú m ero s trech o s d o s d ep o im en to s reco lh id os, fica clara a fragilid ad e d esta con sciên -cia , n o q u e ta n ge ta n to a o s d ireito s co m o u m to d o, q u a n to a o d ireito à sa ú d e. En treta n to, o in teressa n te é p erceb er q u e m a is d o q u e p r o -p ria m e n te a a u sê n cia d e u m a co n sciê n cia d e d ireito s, n o ta -se a p ercep çã o n ítid a d e q u e o s d ireito s n ã o existem p a ra a m a ssa d a p o p u la -çã o. A fa lta d a co n cretiza -çã o d o s d ireito s q u e n ão saem d o p ap el fica clara n a fala d os u su á-rios, assim com o a p ercep ção d a m arcan te d i-visão d e p od er p resen te n a socied ad e:
“In felizm en te a vid a é essa aí. Tem qu e ser o qu e eles qu erem , n ão o qu e a gen te qu er. É ou n ão é? Qu erer n ão é poder.”
“...a gen te é m ais baixo, a gen te tem qu e fi-car p or baixo m esm o. As classes baixas n ão têm m u ito poder qu e n em o alto.”
“A gen te n ão p od e fazer n ad a. A gen te é bai-xo... Qu em pode fazer é os gran de lá...”
Portan to, m ais d o qu e u m d escon h ecim en -to d o s d irei-to s, a p o p u la çã o a p resen ta u m a sen sação d e resign ação, d e su b m issão, em b ora se p ossa id en tificar n a su a fala a p ercep ção d e qu e a realid ad e d everia ser d iferen te, ten d o em vista algu n s d ireitos:
“Falei assim : – ‘Dou tor, eu sin to m u ito, m as esse rem éd io eu n ão vou com p rar’. Afin al, ele n ão tin h a n em m e ex am in ad o. Ele d isse: – Por qu e é qu e você n ão vai com p rar? N in gu ém tem obrigação d e d ar rem éd io aqu i n ão’. ‘– Tem ! Se
tiver o rem éd io n a farm ácia, vocês têm obriga-ção de dar. Acon tece qu e m esm o qu e tivesse o re-m édio eu n ão qu eria’. Aí ele pergu n tou por qu e é qu e eu n ão qu eria. – Porqu e o sen h or n ão m e exam in ou”.
“Eles n ão escu tam . Se for p ed ir ao m éd ico o d ia, ele n ão escu ta a gen te. – ‘ Ah ! n ão p osso fz er n ad a!...’ A gen te p aga IN PS, a gen te tá p a-gan do pra eles... .”
“(...) saber o m otivo p or qu e o m éd ico n ão veio... às vezes a gen te p od e en ten d er. Aqu i n ão d á satisfação n ão e eu ach o qu e eles d ev eriam d ar sim . Você ach a isto ju sto? Um d esgraçad o qu e vem lá d a Paraíba com a fam ília m orar n a favela. Vê se você ach a isto ju sto... con strói u m prédio e gan h a m eio salário!”
E qu an to à p articip ação? O qu e é p articip ar p ara o gru p o?
Pelas várias alu sões à qu estão d a p articip a-ção d a p op u laa-ção n o en fren tam en to d as q u es-tõ es rela tiva s à sa ú d e, d en tre o u tra s esfera s, torn a-se claro qu e p articip ar tem com o p rin ci-p al ob jetivo ser aju d ad o. Nos d eci-p oim en tos em qu e a qu estão d a p articip ação m erece u m d es-taq u e, este é u m m ecan ism o ú til p ara exp or os p rob lem as a fim qu e ob ter aju d a d os qu e ‘estão lá em cim a’, ou en tão, u m m étod o d e resolu ção d e p ro b lem a s q u e p a ssa m a ser resp o n sa b ili-d aili-d e ili-d a p op u lação.
“Se a gen te n ão se reu n ir p ra ex p or os p ro-blem as qu e n ós tem os, as p essoas qu e p od em n os aju dar n u n ca sabem .”
“Se tem u m a pessoa qu e te orien ta, já é tu do. Já tá participan do. Já tá aju dan do.”
“Particip ar n o sin d icato é bom ... você tem advogado de graça.”
“Por exem plo, se m ora n u m prédio, reu n ir os m orad ores tod os p ra lim p ez a, con sertar algo, con servar.”
Pelo q u e in d ica m estes trech o s q u e d esta -cam os d en tre os vários exem p los q u e p od ería-m o s cita r, a co n cep çã o d e p a rticip a çã o q u e orien ta o gru p o, lon ge d e sign ifica r u m m eca-n ism o fu eca-n d a m eeca-n ta l eca-n o p ro cesso d e tra eca-n sfo r-m a çã o so cia l, é p o r ele co n ceb id a fo ra d e su a d im en sã o p o lítica , co n figu ra n d o u m a p rá tica p erp etu ad ora d as atu ais relações.
Den tro d esta m esm a lin h a , a p o p u la çã o n ã o p a rticip a d e a sso cia çõ es o u m ovim en to s p op u lares. Mas p or qu e n ão p articip a?
“As p essoas n ão vão à Associação d e Mora-d ores p orqu e n ão acreMora-d itam . Aqu ela gen te?... É aqu ele n egócio... vai fazer e n ão faz.”
“Tá p or fora esta Associação d aqu i. Isso aí é tu do safado... Todo m u n do qu er tirar o dele.”
“A gen te perde tem po, sabe? Fica lá esse tem -p o tod in h o, m as você n ão vê n ad a... É -p or isso qu e n ão m e in teresso.”
Po d em o s d izer q u e, a o la d o d e p ro b lem a s rela cio n a d o s a o co tid ia n o d a s p esso a s en tre-vistad as (can saço, falta d e tem p o etc.), h á u m a forte d escren ça n os seu s rep resen tan tes. A b ai-xa rep resen tativid ad e d as lid eran ças revela-se, p o rta n to, u m elem en to essen cia l p a ra a co m -p re e n sã o d a fra gilid a d e d e ce rta s in stâ n cia s. No en tan to, cab eria exp lorar o p ap el qu e a p ar-ticip a çã o n esses, d en tre o u tro s m eca n ism o s, p o d e d esem p en h a r n o p ro cesso d e ca p a cita -çã o d esses a to res p a ra a n ego cia -çã o, ju n to a ou tros (p a rticu la rm en te, geren tes e p rofissio-n a is d a s u rofissio-n id a d es), d o a terofissio-n d im erofissio-n to d e su a s d em an d as.
Além d isso, cab e d estacar o crescim en to d a violên cia e d e n ovas form as d e d om in ação p re-sen tes n o s cen tro s u rb a n o s, d esta ca n d o -se, d en tre esta s, o n a rco trá fico, co m seu s d esd o -b ram en tos n o n ível d a organ ização p op u lar.
No s rela to s, p u d em o s p erceb er o m ed o d e u m en vo lvim en to efetivo co m a s a sso cia çõ es n as alu sões a tu m u ltos, b rigas, m ed o d e sair d e ca sa etc. Este elem en to en co n tra resp a ld o n a o p in iã o d e Du a rte et a l. (1992): “Na p eriferia d as gran d es cid ad es – aparen tem en te, de m odo acen tu ado n o Rio de Jan eiro – veio crescen do ao lon go d a ú ltim a d écad a o p od er d e qu ad rilh as in icialm en te ligad as aos jogos e loterias ilegais e agora, cad a vez m ais, à red e d o n arcotráfico”. O au tor acrescen ta, ain d a, q u e: “O p od er ju ris-d icion al ris-d o crim e organ iz aris-d o é con h eciris-d o em diversas p artes do m u n do m etrop olitan o m as o qu e distin gu e su a ação n os con textos periféricos com o o brasileiro, é o grau de p en etrabilidade e a cap acidade de obten ção de legitim idade p ara certos efeitos e n íveis – con stran gen do as form as e lim ites m u ito sin gu lares as p ossibilid ad es d e con solid ação d a cid ad an ia n esses m eios p op u -lares”.
Vem os assim q u e a afirm ação d a cid ad an ia é u m p ro cesso q u e en co n tra d ificu ld a d es n ã o só n o p la n o d a su b jetivid a d e, co m o ta m b ém , o u m a is, n o n ível d a s p rá tica s n a s q u a is se con strói. Ao qu e p arece, p ara os u su ários d a red e p ú b lica red e serviço s, o p ro cesso red e a firm a -ção d os d ireitos terá q u e p assar p elo seu reco-n h ecim ereco-n to e co reco-n sciereco-n tiza çã o, tereco-n d o a ireco-n d a q u e u ltrap assar b arreiras seja n o p lan o d as re-la çõ es q u e se esta b elecem n a so cied a d e m a is am p la, seja d en tro d o p róp rio m od elo assisten -cial. E en tão, cab e in d agar: o qu e se p assa n es-te esp aço?
O cot idiano do at endiment o
Um a afirm ação b astan te com u m , ratificad a in -clu sive p elo estu d o qu e realizam os ju n to a p ro-fission ais d e saú d e (Bosi, 1994), é q u e, p ara os u su ários, sem d ú vid a, o im p ortan te é ser aten -d i-d o.
Com efeito, p od em os d izer q u e esta exp ectativa esteve p resen te em tod os os d ep oim en to s o b tid o s. A p o p u la çã o n ã o su p o rta a n ega -ção d o aten d im en to, ap esar d e d em on strar até u m a b o a d o se d e to lerâ n cia co m o s ser viço s, con form e verem os ad ian te.
“Assim , certas coisas eu n ão aceito, com o por exem plo, eu vir pra cá porqu e a m in h a filh a ta-va m u ito d oen te, ch egu ei aqu i às sete e m eia ... n ão tin h a m ais n ú m ero. Ch egou u m a m oça, pegou n ú m ero. En tão, tem certas coisas qu e a gen -te n ão con segu e en -ten der.”
“A dou tora m an dou eu trazer ela qu in ta-fei-ra. Eu trou xe. Ch egu ei aqu i seis h oras, n ão tin h a m ais n ú m ero.”
“Agora, se eu n ão con segu i pegar n ú m ero e a ou tra con segu iu , eu n ão en ten do.”
“Se a gen te ch egar aqu i às seis h oras, já n ão p ega n ú m ero, tem qu e tá aqu i às cin co h oras? Sair d e casa às qu atro e m eia, ou an tes, é ced o dem ais, está escu ro.”
“Devia ter m ais n ú m ero p orqu e, p or exem -plo, para a gen te trazer u m a crian ça... cin co h o-ras d a m an h ã, com a fila... e ser aten d id a às 10 da m an h ã... Pôxa! Desgasta a crian ça... .”
“Tá com u m an o m arcan do a con su lta. Ain -da n ão con segu i. Um an o!”
“A p essoa en tra com u m caso gravíssim o e n ão é aten dida. E ou tra qu e n ão tem problem a é aten dida. Eu n ão en ten do.”
Pod eríam os con tin u ar d estacan d o d ezen as de trech os n os qu ais se torn a p aten te qu e a p o-p u lação sen te com o u m a violên cia a lógica d o aten dim en to. Distan te do cotidian o de trabalh o d os p rofission ais d e saú d e, p ara q u em , m u itas vezes, esta ló gica rep resen ta u m a im p o rta n te ca rga d e tra b a lh o (Bosi, 1994), os u su á rios in -terp retam com o u m a in ju stiça os critérios u tili-zad os n a organ ização d a assistên cia e, em p ar-ticu lar, n a d istrib u ição d os n ú m eros.
m esm o ao qu e se p assa n a organ ização in tern a d o serviço. Qu e d irá ao con h ecim en to m éd ico ap on tad o com o b ase p ara os critérios técn icos! Ao lad o d isto, p rob lem as com o o acesso aos ser viço s, a d em o ra d o s exa m es, m u ita s vezes su p eran d o a p ossib ilid ad e d e o u su ário su p or-tar o in côm od o, além d a in cap acid ad e d o setor em resp on d er a u m a série d e ou tras d em an d as, acarretam con seq ü ên cias im p ortan tes n a saú -d e -d a p o p u la çã o, cu ja resp o sta é a a u to m e-d i-ca çã o, a b a n d o n o d o tra ta m en to, en tre o u tra s m ed id as:
“Tirei u m a fich a p ara a clín ica m éd ica e aí ex p liqu ei o m eu caso p ara ele (o m éd ico) e ele d isse: – ‘Vai p ara o Hosp ital d o Fu n d ão.’ E eu lá sei on de é esse Fu n dão... .”
“Os ex am es... o qu e eu ach o ru im é isso. Os exam es, d em oram m u ito p ra vir. Eu tô com u m ex am e, sem p od er tom ar rem éd io... esp eran d o h á dois m eses!”
“Eu n ão con cord o com esta d em ora, d evia ter u m m édico às 7:00h , ou tro às 11:00h ...”
“Ach o qu e d evia ter m ais esp ecialistas aqu i, n o p osto, assim : m éd ico d e colu n a, ortop ed is-ta...”
Ao lo n go d o s d ep o im en to s, p o d e-se n o ta r u m to ta l d esco n h ecim en to, p o r p a rte d o s u su ários, d o alcan ce e d os lim ites d os serviços a q u e recorrem . Para eles, os p ostos são estru tu ra s in co m p leta s q u e p recisa m ser co m p le m en ta d a s co m u n id a d es d e em ergên cia , a m -b u la tó rio s p a ra d iversa s esp ecia lid a d es, co m m éd ico s em n ú m ero su ficien te, la b o ra tó rio s eq u ip a d o s p a ra fo rn ecer d ia gn ó stico s a cu rto p razo e tam b ém p recisam d isp or d e am b u lân -cia.
A p o p u la çã o n ã o d istin gu e u n id a d es d e cu id ad os b ásicos d e h osp itais, ou ou tras estru tu ra s m a is co m p lexa s. Esta to ta l d esin fo rm a -çã o leva a s p essoa s a u m a verd a d eira p eregri-n a çã o em b u sca d o a teeregri-n d im eeregri-n to ca u sa eregri-n d o, p or ou tro la d o, u m verd a d eiro ca os n os serviços cu jos p rofission ais, a todo m om en to, vêem se n a ob rigação d e referir os u su ários p ara ou -tros locais, fato p erceb id o p or estes ú ltim os co-m o n egação d o aten d ico-m en to.
No con texto d este estu d o, con statam os qu e a atu al organ ização d os serviços, cu ja lógica se m o stra b a sta n te ra cio n a l p a ra b o a p a rte d o s p rofission ais e p lan ejad ores d o setor, en con tra im p a sses d e vá ria s n a tu reza s em seu fu n cio -n a m e-n to. Im p a sses q u e, co m o -n o s d iz Va lla (1993:91) d ecorrem , em p arte, “d e su as form a-ções u n iversitárias (qu e) revelam lacu n as ju sta-m en te n as áreas qu e se relacion asta-m costa-m os p ro-blem as agu dos da popu lação trabalh adora (...). Nesse sen tido, a ótica elitista dos cu rrícu los u n i-versitários faz com qu e assu n tos tratad os n as
u n iversidades, freqü en tem en te, passem ao largo d e qu estões d e ed u cação e saú d e ligad as às n e-cessidades da popu lação”. Tom an d o, a títu lo d e exem p lo, a q u estã o d a p roxim id a d e d a m o ra -d ia co m o critério -d e esco lh a -d o ser viço o u a n ecessid ad e d e em ergên cia e am b u lân cias n as u n id a d e s – t a n t a s ve ze s cit a d a s p e lo s u s u á r io s –, lon ge d e serem irracion alid ad es d a p o -p u la çã o, resu lta m d e su a s -p ró-p ria s con d ições m a teria is q u e lh es im p o ssib ilita m o d eslo ca -m en to e-m b u sca d e a u xílio n o s ca so s e-m q u e n ecessitem d e aten d im en to im ed iato.
Para os qu e já viven ciaram trab alh o d e p arto n o p eríod o d a m ad ru gad a, con vu lsões e ou -tros qu ad ros qu e a p op u lação relata, p assan d o p or estas situ ações n u m a região on d e a violên -cia alcan ça n íveis assu stad ores e sem qu alqu er p ossib ilid a d e d e ob ter tra n sp orte (p ú b lico ou p articu lar), sem acesso a telefon es e ou tros re-cu rsos p ara b u scar aju d a, p arece-n os m ais d o q u e ra cion a l d eseja r/ esp era r q u e a s u n id a d es locais p ossam resp on d er a qu alqu er p rob lem a. Se estes asp ectos d e n atu reza m ais ob jetiva co n fo rm a m n ecessid a d es verb a liza d a s p elo s u su ários, a qu alid ad e d o aten d im en to tam b ém foi b astan te d estacad a.
Coeren tem en te com a con cep ção d e saú d e qu e, con form e vim os, en glob a a d im en são p si-co a fetiva , o s u su á rio s esp era m d o s ser viço s m u ito m a is d o q u e u m co n ju n to d e cu id a d o s d irigid os a u m corp o b iológico. Os serviços d e saú d e p arecem cu m p rir m u itas fu n ções, e a re-la çã o m éd ico -p a cien te so b ressa i co m o o ele-m en to ele-m ais d estacad o n o ju lgaele-m en to d a qu ali-d aali-d e ali-d o aten ali-d im en to, su p eran ali-d o, até m esm o, critério s tra d icio n a lm en te va lo riza d o s co m o, p or exem p lo, a com p etên cia d os p rofission ais: “Aqu i eu , graças a Deu s en con trei aqu ilo qu e estava procu ran do. Aqu ela aten ção...”
“Lá é u m a bu rocracia in crível. Aqu i, n ão. Aqu i a gen te já tem u m con h ecim en to.”
“O d e lá seria m ais p erto p ara m im , m as eu p refiro o daqu i. Eu ten h o con h ecim en to, en ten -deu ? Eu ach o o pessoal daqu i legal.”
“Os m éd icos d aqu i são bon s, as p essoas tra-tam a gen te com o gen te... aten ção... aten ção, sa-be?”
“Os m éd icos aqu i n ão são assim igu ais aos ou tros h ospitais... Eles tran qü ilizam a gen te.”
“O m éd ico con versa com a gen te... exp lica... Isso m e an im ou bastan te e m e aju dou m u ito.”
certe-za , era fá cil d etecta r se fo ra m b em a ten d id a s, se receb eram afeto.
Ap en as secu n d ariam en te ap areceram alu -sões à com p etên cia técn ica:
“Ele é u m bom m éd ico. Pelo m en os n u n ca errou em n ada.”
“Um m édico bom vê o problem a da gen te as-sim de cara.”
Ao lad o d a im p ortân cia d a d im en são afeti-va, h á q u e ressaltar q u e a p op u lação, n ão p os-su in d o critérios técn icos p ara avaliar a com p etên cia d o m éd ico, la n ça m ã o d e o u tro s p a râ -m etros u sad os “cotid ian am en te n a ap reciação de ou trem : am abilidade, a boa von tade, a com -placên cia”(Boltan ski, 1984:38).
É im p o rta n te d esta ca r o q u a n to a p o p u la-ção reveren cia as op in iões d os m éd icos con si-d erasi-d os “b on s”. A figu ra si-d o m ési-d ico – e n ão a si-d e ou tros p rofission ais d a equ ip e – e a relação qu e m an tém com os u su ários é u m elem en to cen -tral e d e gran d e valor estratégico n o esp aço d o aten d im en to; su a op in ião tem gran d e in flu ên -cia a té m esm o n a esfera p riva d a d a vid a d a s p essoas:
“Qu alqu er p roblem a qu e eu sin to, até fam i-liar, eu con verso com ele. Além d e m éd ico, ele é u m am igo.”
“Sabe, ele n ão vê esse n egócio de pacien te, ele vê o qu e é m elh or p ara m im . O qu e vai acon te-cer de bom (...) pra m im , ele é assim , ‘su per pai’.”
“É o segu in te: ele sabe con versar com a gen -te, dizer pra gen te o qu e deve fazer, o qu e n ão de-ve fazer.”
“Porqu e a gen te, qu an do ch ega perto do m édico pra con versar, a gen te n u n ca diz aqu ilo tu -d o qu e sen te. Sem p re fica faltan -d o algu m a coi-sa. En tão ele m e deixou bem à von tade. Eu pu de falar boa parte dos problem as.”
Co m o se vê, a rela çã o m éd ico -p a cien te se b a seia n o d u o a feto / co n fia n ça , o q u e co n fere ao m éd ico u m a gran d e p arcela d e p od er exer-cid o n o co tid ia n o d e ta l rela çã o, a in d a q u e o s d o is p ó lo s n em sem p re ten h a m co n sciên cia d isto. Pod er q u e p od erá in flu en cia r n ã o só n a co n d u ta d a s p esso a s d ia n te d a s a çõ es d esen vo lvid a s p elo s ser viço s, co m o ta m b ém n a fa -m ília, n o trab alh o, n a co-m u n id ad e.
E a í ta m b ém se reco lo ca a ten sã o m u ita s vezes verb a liza d a p ela p a rcela d o s p ro fissio -n a is d e sa ú d e q u e reco -n h ecem a im p o rtâ -n cia cen tra l d o s a sp ecto s q u a lita tivo s d o a ten d i-m en to. Po d ei-m o s p erceb er a d ificu ld a d e q u e en co n tra m p a ra co n cilia r a co n tin u id a d e d e u m a ten d im en to q u e seja b om p a ra o u su á rio com o crescim en to acelerad o d a d em an d a.
A ten são qu an titativo/ qu alitativo vivid a p e-lo s p ro fissio n a is p a rece en co n tra r su p o rte q u a n d o se a n a lisa a su b jetivid a d e d o s u su á
-rios. Tam b ém retorn a aqu i a fala d e u m a p arcela d os p rofission ais d as u n id ad es p or n ós estu -d a-d as, qu an -d o ap on tavam o p oten cial estraté-gico d a relação q u e estab elecem com os u su á-rios (Bosi, 1994). Cien tes d a d im en são p olítica p resen te n a su a p rática, q u e p ara o gru p o n ão é só u m fazer técn ico, estes p rofission ais se d ão con ta d e qu e o “in cên d io qu e tod os os d ias lh es é d a d o a p a ga r”, im p o ssib ilita -lh es co n trib u ir p ara o p rocesso d e con scien tização n o sen tid o d e u m a tra n sfo rm a çã o p a ra m elh o r d a situ a -ção atu al.
En q u a n to isto, o q u e p en sa m o s u su á rio s so b re a p o ssib ilid a d e d e a ltera çã o d este q u a-d ro?
A t ransformação do quadro at ual
Aq u i, o sen tim en to p red om in a n te q u e em a n a d o s d ep o im en to s é a sen sa çã o d e d esâ n im o e d esa m p a ro ; d e n ã o ter co m o recla m a r e n em p ara qu em :
“A gen te vai reclam ar com qu em ? Vai falar com qu em ? E com qu em a gen te reclam a, será qu e vai tom ar algu m a atitu de?”
“Porqu e m u ita gen te já reclam ou e n ão adian tou n ada. Con tin u a a m esm a coisa...”
“A gen te n ão pode fazer n ada. A gen te vai re-clam ar com qu em ? Ach o qu e n ão tem n in gu ém pra gen te ch egar e falar.”
Estes d ep o im en to s (e, p a rticu la rm en te, o estad o d e ân im o p erceb id o n os relatos) ap on -ta m p a ra u m a reflexã o, a n o sso ver, d ign a d e d estaq u e n o q u e se refere ao tem a em an álise: os elem en tos q u e p ossib ilitam a su p eração d a situ ação atu al.
Se u m a reivin d ica çã o tem sem p re p o r trá s algo q u e está faltan d o, n ão b asta, com o d esta-ca m Co h n & Ja co b (1991), a p resen ça d e u m a carên cia p ara q u e se ten h a u m a reivin d icação. Segu n d o a firm a m esses a u to res, to rn a -se n ecessário q u e a socied ad e tam b ém ten h a se co -locad o claram en te a p ossib ilid ad e d e solu cio-n a r o p ro b lem a e q u e, p o r su a vez, a so lu çã o seja eticam en te aceitável.
Pelo q u e verifica m o s, m u ito m a is d o q u e u m d iagn óstico d o qu e lh e é d evid o, falta à p op u la çã o a cren ça d e q u e a situ a çã o op o d e m u -d a r. Os u su á rio s a cre-d ita m q u e a rea li-d a -d e só p od e ser tran sform ad a p or ou tros segm en tos; se a lgu ém p o d e tra n sfo rm a r esta rea lid a d e, certa m en te n ã o sã o eles, já q u e se p erceb em claram en te exclu íd os d o p od er. Mais d o qu e is-to: n ão p erceb em em si qu alqu er p ossib ilid ad e d e exercer p od er.
-tin u a d o d o s d ir igen tes co m a sa ú d e, to rn a -se com p reen sível, assim , qu e esta seja a visão d os u su ários.
Po r o u tro la d o, n a a u sên cia d e ca n a is d e p a rticip a çã o efetiva , m esm o q u e a p op u la çã o q u eira , to rn a se m u ito d ifícil reivin d ica r, so -b retu d o n u m co n texto em q u e m esm o seg-m en to s so cia is seg-m a is fo rteseg-m en te o rga n iza d o s d efron tam -se com ob stácu los excep cion ais p a-ra leva r à fren te su a d em a n d a s. Desta fo rm a , sim p les recla m a çõ es sã o, m u ita s vezes, evita -d as e su b stitu í-d as p or ou tras form as -d e exp res-sã o d esta in sa tisfa çã o, co m o, p o r exem p lo, o ab an d on o aos serviços. Os trech os ab aixo reti-rad os d as falas d os u su ários são claros:
“Eu n ão reclam o. Eu vou em bora. A gen te é m ais baixo...”
“Eu sou do tipo de pessoa qu e tem vergon h a, n ão reclam o, eu procu ro m e calar.”
Conclusão
Por m eio d este estu d o, con statam os, m ais u m a vez, a falta d e corresp on d ên cia en tre o d iscu r-so legal e a realid ad e con creta a qu e se referem . No caso esp ecífico d o setor saú d e, h á ain d a u m lon go cam in h o a ser p ercorrid o até qu e se con
q u iste a eq ü id ad e. A d esp eito d os avan ços ob -tid o s n o p la n o lega l, a rea lid a d e d o s ser viço s oferecid os à p op u lação em m u ito se d istan cia d a garan tia d o d ireito à saú d e, tão alm ejad a em n osso País.
Para tan to, h á qu e se con sid erar o p ap el d os u su ários em su a relação com os p rofission ais e ser viço s, d ia n te d o d esa fio d e co n str u çã o d e u m a con sciên cia san itária; p or ou tro lad o, reafirm ase aq u i a n ecessid ad e d e estu d os fu n d a -m en ta d o s n a a b o rd a ge-m q u a lita tiva , a fi-m d e in serir a su b jetivid ad e d os atores – d im en são, em geral, esq u ecid a – n os p lan os e p rogram as d o setor.
Em rela çã o à s co n cep çõ es d o s u su á rio s, a p resen te in vestiga çã o a p o n to u im p o rta n tes elem en tos, os qu ais se, p or u m lado, con statam o d istan ciam en to d o gru p o d a con d ição d e ci-d aci-d ãos, p or ou tro, ici-d en tificam asp ectos fu n ci-d m en tais qu e, em b ora p resen tes n a su b jetivid a-d e a-d o gru p o, n ão en con tram can ais a-d e exp res-são, p rin cip alm en te n o p lan o con creto das p rá-ticas.
Por ú ltim o, cab e ressaltar o p ap el estratégi-co d as relações estab elecid as n o estratégi-cotid ian o d os serviço s p a ra o p ro cesso d e m u d a n ça so cia l e con stru ção d os d ireitos, em esp ecial, n o cam -p o d a saú d e.
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