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Os usos e funções do ensino de História a partir da disciplina “Cultura do RN” (2007 a 2013)

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Os usos e funções do ensino de História a partir da disciplina “Cultura do

RN” (2007 a 2013).

KATIANE MARTINS BARBOSA DA SILVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Os usos e funções do ensino de História a partir da disciplina “Cultura do

RN” (2007 a 2013).

KATIANE MARTINS BARBOSA DA SILVA

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação em História da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Mestrado em História, linha de pesquisa II: Cultura, Poder e Representações Espaciais, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre.

Orientação:

Professor Dr. Francisco das Chagas Fernandes Santiago Júnior

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AGRADECIMENTOS

Os últimos meses foram árduos e de muita renúncia, mas, ao fim do longo caminho que se mostrou o mestrado, agradeço a Deus e às várias “mãos” que me ajudaram na confecção desse trabalho.

Ao meu amado amigo Thiago Alves Dias, que me incentivou, apoiou, criticou e ajudou do inicio ao fim dessa caminhada. Amigo de palavras duras, mas, por vezes, necessária para me mover da inércia, e de bondade tamanha capaz de mover o mundo para ajudar aqueles a quem ama. Se estou aqui hoje, agradeço especialmente a você, Thiago.

Ao meu amigo/amor Maurício Moinho, quando, em meio aos “aperreios” de sua vida, sempre encontrou tempo para ajudar nos meus escritos e na minha vida. Amigo que exala generosidade e sabedoria em seus poros, assim sendo, impossível não amá-lo. Basta um olhar, um abraço, e parece que toda tormenta é acalmada. Seu espírito libertário e sua garra diante das dificuldades da vida tornam-o ainda mais especial. Sempre quando me refiro a ele afirmo sem pestanejar: ele é um ser humano lindo!

À Elisângela Andrade, que, pacientemente, corrigiu esse trabalho, mesmo não gostando da tarefa, mas realizando-a para me ajudar. Uma amiga/irmã que encontrei nas cadeiras do setor II e que, desde então, a admiro pela inteligência, dedicação, competência e amor com que realiza suas tarefas diárias, inclusive, regando nossa amizade com os mesmos atributos.

À querida professora Margarida, exemplo de profissional. Por vezes, quando estava na difícil tarefa de conclusão deste trabalho, desejava ser a mulher batalhadora, a profissional exemplar, a cidadã engajada, que, para mim, Margarida Dias é. Pensar em falhar nesse momento é, ao mesmo tempo, ter medo de decepcioná-la, pois ela se tornou uma das mulheres que mais admiro na vida. Parte do que sou e do que penso hoje se devem, em grande medida, ao aprendizado do convívio com Margarida Dias, minha eterna e inesquecível professora.

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últimos meses de finalização desse trabalho. Se os dias foram difíceis, sem sua ajuda teriam se tornado impossíveis.

À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela formação profissional e pelas oportunidades de convívio que me possibilitaram ser a cidadã que hoje sou.

Ao PPGH-UFRN, pela oportunidade do aprofundamento dos estudos. Concluir os componentes curriculares, trabalhar com metodologias diversas dos professores, construir os trabalhos de final de curso, terminar essa dissertação, não se mostraram enquanto tarefas fáceis, mas que, ao final, prevaleceu a certeza do aprendizado enquanto historiadora.

À CAPES, pela bolsa concedida. Essa ajuda financeira foi essencial para a realização dos meus estudos na pós-graduação.

Aos professores do departamento que contribuíram para a minha formação, em especial, ao professor Helder Viana, pela preocupação constante de trazer para as aulas materiais que dialogassem com nossas pesquisas, e a eterna generosidade com a qual sempre atende a seus alunos; à professora Juliana Teixeira Souza, pelas contribuições no processo de qualificação, pelas discussões em sala de aula e pelo riso frouxo, que tornava a aula mais leve e prazerosa; ao professor Renato Amado Peixoto, pelas construtivas discussões durante a disciplina de Teoria da História, que foi “suada” demais, mas, ao final, a aprendizagem foi enorme. Gostaria de agradecer também à professora Inês Sucupira Stamatto, pelas contribuições durante as aulas no Departamento de Educação, como também pela constante disponibilidade em sugerir, orientar e ajudar as dificuldades surgidas na pesquisa.

Ao grupo de pesquisa Espaço, Poder e Práticas Sociais, pelas discussões promovidas e, consequentemente, pelas contribuições que forneceram para pensar o meu objeto de pesquisa em relação ao ensino de História, às relações de poder e às questões culturais.

À minha turma do PPGH, companheiros de “aperreios” acadêmicos e também de conversas descontraídas dentro e fora da UFRN. Em especial à Leda, que, além de compartilhar comigo as angústias relacionadas aos nossos objetos de pesquisa, apoiou-me e tranquilizou nos momentos de desespero. A Carlos, Ariane, Adriana Ramos, Diego, Felipe Tavares, Felipe Dantas, Gabriela, Islândia, Mayara, Naldinho, Thyago, Ruzemberg, Tiago Tavares, Rafael, Regina, historiadores dedicados e batalhadores na tarefa de adquirir conhecimento para transformar suas vidas e as do próximo.

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Aos meus avós/pais que me criaram com o maior amor que podiam me oferecer e até hoje, mesmo sem noção nenhuma do que representa o mestrado em minha vida, orgulham-se e me apoiam em todos os momentos.

À minha mãe, mulher guerreira, à “frente do seu tempo”, que, apesar das dores que a vida lhe causou, não perde a determinação e otimismo à espera por dias melhores. À mulher que até hoje abdica de si mesma para se dedicar aos pais, filhos e netos. Ao refúgio de todas as horas e a eterna disposição de me ajudar, cuidando da minha filha como se fosse sua, meu muito e eterno obrigada.

Ao meu pai, que, diante das perdas que sofreu, fez da vida dos filhos a sua própria. Que a cada conquista e perda que sofri, vibrou e chorou junto a mim. Uma pessoa que mal conseguira concluir a ensino básico e, até hoje, sofrendo as consequências que isso traz diante do mercado de trabalho, compreendeu e ensinou aos filhos, a mim, que o estudo era a meta a ser seguida, sempre.

À minha irmã, que foi a primeira na família a obter um diploma de nível superior, servindo-me como um espelho, mostrando-me que eu também seria capaz. Por Cecília, sobrinha linda e dedicada que amo como filha. Pelo amor que oferece à minha filha e a mim, meu muito obrigada.

Ao meu irmão caçula, um eterno menino que, de coração bondoso e teimoso, está sempre disposto a ajudar. À Anita, minha sobrinha e filha de coração, que transformou tristeza em alegria no 02 de fevereiro... À Micaely, a “menina mulher” que me ofereceu ajuda fundamental nos primeiros meses de vida da minha pequena. Meu muito obrigada pela família que são para mim.

Ao meu maior amigo, Companheiro, esposo e amor, que por tantas vezes trouxe de volta minha felicidade. Assim, agradeço a maior e eterna felicidade que me ofereceu: a pequena Clarice, que ao mundo chegou apressada para me mostrar o sentimento mais puro e grandioso que pode ser experimentado. Agradeço também pelo apoio, mesmo que, por vezes, impaciente no último mês de finalização desse trabalho, sendo a mãe que não consegui ser. Amo-te, Rafa.

À minha pequena... À Clarice, a melhor parte de mim.

Aos meus familiares que se foram e agora partilham a vida comigo através das lembranças. À minha avó Iolanda e meu avô Arcênio, muito obrigada pela infância, pelas eternas memórias debaixo do “pé de azeitona”; e aos meus tios, que foram cedo demais.

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nos momentos mais difíceis. Com Aline, a nossa pernambucana, a “menina de engenho” mais doce e amável que conheci, que nos encanta com a sua fala mansa e sempre pronta para nos fazer feliz quando compartilha sua experiência de saber que o Egito é pobre em ouro e rico em prata. Ao encontro com Margô, mulher de gênio difícil, mas impossível de não ser amada à “segunda vista”. Ao encontro presencial com Myrica, porque, pelas coincidências e semelhanças que se fazem presentes, nossas almas e vidas parecem ter se encontrado em alguma espécie de plano espiritual. Agradeço também ao encontro mais rápido e marcante com a inesquecível Tássia. Nossa estrelinha. Nossa menina doce. Lutadora. Que sem muito tempo para se despedir, deixou-nos a lição de que a vida, mesmo que passageira, vale a pena ser vivida; também nos ensinou muito “sobre sinos e as borboletas”... Meu muito obrigada a vocês, a família que amo e escolhi ter.

Aos eternos amigos, Aline, Dany, Enio, Kibson, Moni, Paulo (Chico), Rodrigo, Rodrigo Rodrigues, Thiago César, que há anos compartilham momentos de felicidade e tristeza, e se alegram a cada conquista minha.

Aos meus pequenos/grandes alunos das aulas particulares, que me faziam perceber como é bom ensinar/aprender História. Saudades imensas de Carolzinha, Gabi e Daniel...

Por fim, agradeço à História... O curso que me transformou. Tenho alguns marcos em minha vida e um deles com certeza é a História.

 

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Quem acreditamos que somos depende de quem acreditamos que fomos, e não é à toa que o ensino de História – escolar ou extraescolar, formal ou informal – é uma arena de combate em que lutam os diversos agentes sociais da atualidade.

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RESUMO

A presente pesquisa busca problematizar o ensino de História em relação a sua utilização para “comunicar” determinada ideia do que seja a cultura do Rio Grande do Norte e, consequentemente, de como esse ensino está sendo utilizado a fim de construir e/ou definir uma identidade local. Para tanto, utilizaremos a institucionalização da disciplina “Cultura do RN” percebendo-a enquanto uma política de Estado que objetiva levar ao conhecimento dos agentes escolares expressões culturais que estão ligadas a uma identidade potiguar. Analisaremos as narrativas que foram selecionadas, organizadas e produzidas diante do processo de desenvolvimento da disciplina no ano de 2007, a qual modificou a Estrutura Curricular do Ensino Fundamental das escolas públicas estaduais do Rio Grande do Norte, objetivando identificar e compreender concepções de cultura mobilizadas e as possibilidades de desdobramentos no ensino de História.

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ABSTRACT

This research attempts to problematize the history teaching, regarding its use to "communicate" certain idea of what the Rio Grande do Norte culture and, consequently, how this teaching is being used to build and/or set a local identity. To this end, we will use the institutionalization of the "RN Culture" discipline, perceiving it as a state policy that aims to bring to the attention of school subjects the cultural expressions that are connected to the RN identity. We will analyze the narratives that were selected, organized and produced before the discipline development process in 2007, which modified the Curriculum Structure of Basic Education of the public schools of Rio Grande do Norte, in order to identify and understand conceptions of mobilized culture and possibilities for developments in the history teaching.

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ÍNDICE

FIGURAS

Figura 01. Barco de papel. Festa dos Santos Reis . ... 57

Figura 02. Galo de cerâmica de Santo Antônio, localidade do município de São Gonçalo do Amarante, símbolo do folclore potiguar ... 57

Figura 03. Boneco de mamulengueiro “Queixo de Aço” ... 58

Figura 04. Rei do Rosário, Caicó/RN ... 59

Figura 05. Nau Catarineta – Fandango de Canguaretama ... 59

Figura 06. Boi de Bocas, Município de Pedro Velho ... 59

Figura 07. Araruna – I semana de cultura nordestina na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal ... 66

Figura 08. Apresentação do grupo Araruna em sua sede ... 66

Figura 09. Luís da Câmara Cascudo ... 70

Figura 10. Mário de Andrade ... 70

Figura 11. Chico Daniel, um grande calungueiro ... 70

Figura 12. Manoel de Santana, narrador já falecido ... 70

Figura 13. Cascudo jovem e elegante vendo-se, ao fundo, (2º a contar da esquerda) o poeta Jorge Fernandes) . ... 71

Figura 14. Mamulengueiros Potiguares, IV Encontro de João Redondo ... 71

Figura 15. Imagem sem legenda ... 71

Figura 16. Sebastião Fabiano, poeta ... 71

Figura 17. Trabalho de João Natal em que se distinguem vários elementos da cultura potiguar: o bastidor da bordadeira, espécies de fauna, a dança do Araruna e o papel recortado . ... 77

Figura 18. Mapa das danças folclóricas do Estado ... 100

Figura 19. Luís da Câmara Cascudo ... 121

Figura 20. Dança do Araruna ... 122

TABELAS Tabela 01. Grupos Folclóricos em Atividade ... 100

Tabela 02. Grupos Folclóricos Desativados ... 101

Tabela 03. Eventos Religiosos ... 101

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1. Espaço escolar e ensino de História: uma discussão necessária ... 21

1.1. Espaço escolar: discussões necessárias ao desenvolvimento dessa categoria de análise.. 21

1.2. Michael Foucault e Pierre Bourdieu: contribuições e limites ... 25

1.3. Recentes contribuições sobre o espaço escolar ... 33

2. As narrativas que mobilizam uma ideia de cultura norte-rio-grandense, seus autores e perspectivas ... 41

2.1. A cultura que diz o norte-riograndense ... 48

2.2. Quando a cultura se propõe estanque ... 50

2.3. Patrimonializar para preservar ... 54

2.4. “Folcloriar” para não morrer ... 62

2.5. Tradição como a guardiã do passado contra a globalização ... 73

2.6. Quem define a cultura “do” Rio Grande do Norte? ... 82

2.7. Dos IHGB’s à universidade: o deslocamento das questões identitárias ... 93

3. Os usos e funções do ensino de História na disciplina ”Cultura do RN’’ ... 105

3.1. Para que serve o ensino de História? ... 105

3.2. Currículo, relações de poder e identidades ... 110

3.3. O livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte e seu caráter didático ... 113

3.4. Experiência histórica e narrativa histórica: uma diferenciação necessária ... 119

3.5. O livro didático regional e alguns parâmetros norteadores do PNLD ... 119

3.6. Noções de aprendizagem do ensino de História em relação à “Cultura do RN” ... 126

3.7. Mobilizar narrativas na perspectiva de Rüsen ... 131

3.8. Identidade norte-rio-grandense e a ausência de diálogos ... 136

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 140

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INTRODUÇÃO

Apresentação de danças folclóricas; preparação de comidas consideradas como “típicas” do Estado; trabalhos com poemas de Auta de Souza, Zila Mamede e Henrique Castriciano; visitas ao Forte dos Reis Magos, ao chamado “corredor cultural de Natal” e ao Museu Câmara Cascudo constituem ações – além de outras de mesma natureza – empreendidas, cotidianamente, no intuito de ensinar aspectos e manifestações da cultura potiguar no ensino básico. A exposição e discussão de elementos culturais, tidos como manifestações locais, costumam ter o objetivo de levar os alunos a conhecer e valorizar aspectos da cultura nativa, enquanto dimensão do conhecimento histórico1.

Caminhando no sentido de atender às demandas colocadas socialmente, a estrutura curricular do Ensino Fundamental do Estado do Rio Grande do Norte, durante o Governo de Vilma de Faria, no ano de 2007, passou por uma modificação significativa: a institucionalização da disciplina “Cultura do Rio Grande do Norte”. Tal medida visava a organizar e sistematizar os conteúdos que deveriam ser trabalhados em “[...] todos os anos da escolaridade do Ensino Fundamental” (RIO GRANDE DO NORTE, 2007a.) para o conhecimento e divulgação de valores e expressões culturais locais relativos à identidade do norte-rio-grandense2.

É importante ressaltar que a decisão do Estado3, em formular essas políticas, também advém de demandas colocadas socialmente por grupos que sentem “carências de orientação” (RÜSEN, 2010) e procuram suplantá-las de alguma forma. No caso específico da disciplina em questão, observamos que esses grupos ligam-se a herança cultural e histórica de antigas oligarquias locais do Rio Grande do Norte. Neste sentido, tentaremos evitar uma leitura maniqueísta da instituição da dita disciplina. Sua “criação” não advém apenas de uma possível coerção ou decisão verticalizada do Estado, visto que busca atender também a anseios expostos por determinados grupos sociais. Contudo, observamos que a presente pesquisa concentra-se na análise das ações do poder público estadual, particularmente, no

      

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Ainda que esteja em constante litígio, em disputa, parte das elites cultural e política do Estado do Rio Grande do Norte parece ter formado um consenso mínimo do que seja a “cultura nativa” ou “local”, a qual, pelo que se pode apreender desse discurso, distinguiria um aquém de um além, definindo e particularizando esse potiguar. Ver: GOMES NETO, 2011.

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O “Conhecer” e o “divulgar” a cultura do Rio Grande do Norte, para a formação da identidade potiguar, referem-se a um dos objetivos principais tanto para o Projeto de desenvolvimento do componente curricular Cultura do RN quanto também das Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino de Cultura do RN.

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estabelecimento da disciplina “Cultura do RN” para perceber como algumas dessas demandas são postas por segmentos sociais diversos.

Sendo assim, pretendemos investigar o que o Estado vem entendendo como cultura do Rio Grande do Norte e quais as demandas sócio-políticas que estão ligadas a essa necessidade de instituir-se uma disciplina específica para se trabalhar “cultura do RN”. A análise dos documentos oficiais, que institucionalizaram a disciplina – o “Projeto para o desenvolvimento do componente curricular Cultura do RN”4 e as “Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino de Cultura do RN”5 –, e do livro – Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte –, produzidos e relacionados a ela, possibilitará problematizar os elementos simbólicos que foram, e/ou estão sendo, selecionados e/ou apresentados como constituintes de uma concepção de cultura local. Neste processo, é imprescindível investigar também que intelectuais estão inseridos nesse campo de produção (BOURDIEU, 1998), pensando esse debate como um espaço no qual lutas simbólicas são travadas, levando determinados grupos sociais a se sobreporem a outros de forma a se legitimarem.

A nova disciplina passou, então, a compor a estrutura curricular estadual em 2007, ocupando parte da carga horária da disciplina de História e também, geralmente, ministrada pelo profissional da área. Anterior à mudança curricular, o conteúdo disciplinar, referente à parte diversificada, deveria ser trabalhado de forma interdisciplinar, como prevê o Artigo 137 da Constituição potiguar (RIO GRANDE DO NORTE, 1989):

as escolas públicas, de primeiro e segundo graus, incluem entre as disciplinas oferecidas o estudo de cultura norte-rio-grandense, envolvendo noções básicas da literatura, artes plásticas e folclore do Estado.

No ano de alteração curricular em questão, “Cultura do RN” foi de fato transformada em componente curricular obrigatório nas escolas, sendo prevista nas Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental a seguinte determinação:

incluir na Parte Diversificada da Estrutura Curricular do Ensino Fundamental do 1o ao 9o ano a disciplina de Cultura do RN, considerando que às questões Sociais e Culturais do Estado devem sempre ser pautadas em estudos e reflexões, de modo a

      

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O Projeto, para o desenvolvimento do componente curricular Cultura do RN, constitui-se em um documento de 13 (treze) páginas, não numeradas, que apresenta e desenvolve os seguintes tópicos: Apresentação, Objetivos, Objetivos, Metodologia, Plano de ação, Cronograma de execução, Informações técnicas para cálculos do plano de ação e Memória de cálculos.

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fortalecer o entendimento das relações sócio-político e culturais. (RIO GRANDE DO NORTE, 2007).

Assim, o novo componente curricular foi orientado a ser incluído na Parte Diversificada6 do currículo das escolas públicas estaduais. Faz-se necessário ressaltar que nos documentos bases, que estabeleceram como deveria se dar o desenvolvimento da disciplina – o Projeto e as Diretrizes –, não apareceram expressamente que o componente curricular ocuparia parte do que antes se constituía a carga horária da disciplina de História. Contudo, no quadro esquemático da estrutura curricular, fornecido pela Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEEC), consta que, depois da reforma, a disciplina de História ficaria com duas aulas semanais e a de “Cultura do RN” com uma aula semanal. Anterior à reforma, a carga horária da disciplina de História para o Ensino Fundamental era constituída de três aulas semanais.

Quanto ao profissional responsável por ministrar o componente curricular, nenhum dos documentos mencionados carregam essa informação. Os textos, tanto do Projeto quanto das Diretrizes, quando se referem ao profissional encarregado pela disciplina, não o especificam como constatamos nos seguintes trechos: “capacitação de professores da rede estadual, ministrantes do componente curricular Cultura do RN”, mais ainda, o “público alvo [Plano de Ação]: todos os professores ministrantes do componente curricular Cultura do RN do Ensino Fundamental da Rede Estadual de Ensino", conforme o Projeto para o desenvolvimento do componente curricular Cultura do RN (RIO GRANDE DO NORTE, 2007a.); já as Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino de Cultura do RN ressaltam que “estes documentos estão indicados como referenciais teóricos e metodológicos para os professores que ministram Cultura do RN” (RIO GRANDE DO NORTE, 2007b).

Ao realizarmos uma pesquisa de campo na SEEC, também não obtivemos nenhuma informação sobre de que área específica deveria ser o professor que desenvolveria a disciplina. Na realidade, não conseguimos muitas informações sobre o planejamento e discussões referentes ao novo componente curricular. A Secretaria se justificou afirmando que a seção responsável por tais informações havia sido extinta: a Comissão de Currículo que fazia parte do órgão.

      

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Uma pesquisa de campo também foi realizada em 05 (cinco)7 escolas públicas da rede estadual de Ensino Fundamental e em todas constatamos que a grade curricular estava em consonância com a fornecida pela Secretaria. Ou seja, depois da reforma, a disciplina de História ficou apenas com duas aulas semanais, assim, passando uma ao novo componente curricular. Quanto aos professores encarregados por ministrar “Cultura do RN”, em todas as escolas, a direção se posicionou no sentido de afirmar que geralmente era o professor de História quem se incumbia pela disciplina. A exceção dava-se apenas quando este professor já tinha sua carga horária preenchida ou quando faltava. Nestes casos, as aulas poderiam ser direcionadas a outros professores da área de humanas, como os de sociologia, filosofia, artes e geografia.

A partir dessas informações preliminares, sugerimos, então, que o direcionamento do desenvolvimento do componente curricular “Cultura do RN” ao ensino de História fez parte de um “movimento natural”, no qual a disciplina de História foi tomada enquanto um espaço ligado às questões culturais de uma sociedade e, por isso, relacionada à formação da identidade de um povo. Nesse sentido, o deslocamento e, consequentemente, o encontro da disciplina “Cultura do RN” com o ensino de História, na perspectiva deste trabalho, é possível devido a uma tendência deste último a ser compreendido enquanto um espaço que exerce uma funcionalidade de trabalhar as questões ditas culturais para a construção um sentimento identitário entre os indivíduos.

Em outros termos, podemos dizer que parece haver um consenso na intelectualidade local que ao ensino de História é reservado a tarefa de mobilizar a dimensão cultural e, sobretudo, de despertar e/ou construir um sentimento de pertencimento entre os indivíduos de uma comunidade. Assim sendo, existe um pressuposto de que a vinculação entre cultura e ensino de História está inserida na própria concepção deste último, isto é, o ensino de História enquanto espaço de práticas formadoras de identidades (CERTEAU, 1999). Nesse ponto reside um dos objetivos dessa pesquisa: pensar os usos e funções do ensino de História em relação à construção de identidades.

Partindo do pressuposto de que as identidades, antes de pré-existir, são frutos de relações sociais distintas e, por isso, construídas de acordo com os desejos e necessidades dos indivíduos. Para tanto, investigaremos a disciplina “Cultura do RN” – inserida no ensino de

      

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História – caracterizada enquanto uma política de Estado que relaciona determinada concepção de cultura a uma identidade local.

Pensando este cenário, uma das ações para o desenvolvimento do novo componente curricular chama uma especial atenção: a aquisição e distribuição do livro intitulado

Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte, com autoria conjunta de Tarcísio Gurgel, Vicente Vitoriano e Deífilo Gurgel, a fim de servir como fonte para o ensino de “Cultura do RN”. Esta obra foi adquirida pelo governo estadual, impressa numa gráfica comercial e, de acordo com o Projeto, amplamente distribuída nas escolas da rede estadual de ensino.

As narrativas do livro supracitado serão as principais fontes para observarmos quais os elementos culturais foram e/ou estão sendo selecionados como pertencentes a uma ideia de cultura do RN. Além disso, investigaremos quais as potencialidades dessa concepção de cultura para a formação da identidade do norte-rio-grandense e para o processo de ensino e aprendizagem regular de História.

Se a disciplina “Cultura do RN” tem por objetivo o conhecimento e a divulgação de valores relativos à identidade de um povo, questiona-se: ela já existe? Que identidade é essa? Ou essa política pública empreendida pelo Estado do Rio Grande do Norte visa exatamente à construção dessa identidade a partir de determinadas expressões culturais? Será que existe uma operação para se constituir uma comunidade imaginada (ANDERSON, 2008)? Se assim for, como esse processo está se dando?

Sabemos que um processo de construção identitária é envolto por conflitos e contradições que tendem a ser negadas em prol de uma homogeneização (ANDERSON, 2008). Nas leituras iniciais dos documentos que estabeleceram a disciplina e do livro que foi distribuído para o seu desenvolvimento, a ideia de uma cultura do Rio Grande do Norte liga-se às fronteiras administrativas que limitam e distanciam o Rio Grande do Norte de outras espacialidades. Isto é, o norte-rio-grandense constitui-se enquanto tal devido à territorialidade que ocupa.

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Vemos então que, ao trabalhar uma concepção de cultura em um espaço didático, o Estado a partir da seleção, indicação e produção de vários documentos, vem definindo uma ideia de cultura que faz parte da identidade potiguar. Dessa forma, consideramos de extrema importância investigar quais as proposições apresentadas para o desenvolvimento da disciplina, observando os parâmetros que estão sendo utilizados para definir uma cultura potiguar, estabelecendo o que faz e, em contrapartida, o que não faz parte da mesma. Sabendo disso, algumas questões vêm à tona: 1 – o que o Estado do Rio Grande do Norte está “entendendo” como uma cultura do RN? 2 – quais as motivações que levaram o Estado a instituir uma ideia de cultura do RN? 3 – quais as práticas efetivadas no sentido de se elaborar uma cultura do RN a ser ensinada? 4 – a partir de uma concepção de cultura, que o Estado encarna, como a identidade norte-rio-grandense está sendo pensada a partir da produção de um livro específico para ser trabalhado na disciplina? 5 – e ainda, o questionamento central dessa pesquisa, de que forma as narrativas de uma ideia de cultura do RN foram construídas e mobilizadas em relação aos usos e funções do ensino de História?

Para responder estes questionamentos, desenvolvemos essa pesquisa em três capítulos que visam discutir respectivamente: 1) o espaço escolar enquanto um constructo social, formado por relações e práticas sociais distintas, bem como, seus usos e funções, inclusive, no que diz respeito ao ensino de História; 2) as narrativas que foram construídas para serem trabalhadas no ensino da disciplina “Cultura do RN”, analisando seus autores e perspectivas; 3) pensar como se deram os usos e funções do ensino de História em relação a uma concepção de cultura veiculada na disciplina “Cultura do RN” e quais suas potencialidades em relação ao processo de ensino e aprendizagem histórica.

No capítulo 01 desta pesquisa, denominado Espaço escolar e ensino de História: algumas discussões necessárias, apresentaremos, por meio de um balanço historiográfico, uma breve discussão sobre o espaço escolar, uma vez que essa categoria de análise é extremamente significativa para pensarmos algumas questões que estão envolvidas no ensino de História e, consequentemente, na disciplina “Cultura do RN”. A escola, nesse sentido, será tomada enquanto um construto social e cultural (FRAGO; ESCOLANO, 2001), que está para além de questões meramente cognitivas e educacionais.

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ampliarmos as perspectivas de compreensão do espaço escolar, entendendo que as relações por ele vividas extrapolam os mecanismos de dominação, ao passo que os instrumentos de dominação não são meramente impostos, mas sim disputados/negociados a partir da ação dos agentes escolares, contamos com as contribuições de autores como Maurice Tardif, Claude Lessard, Agustín Escolano, Jörn Rüsen e Michel de Certeau, Margarida Maria Dias de Oliveira, Luís Fernando Cerri e Flávia Eloísa Caimi8.

Além disso, pensar o espaço escolar oferece contribuições para a própria área de concentração na qual esta pesquisa se insere, haja vista que o espaço é a categoria central do Programa de Pós-Graduação em História e Espaços da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – PPGH/UFRN. Sobretudo, porque evita-se incorrer pensar o ensino segundo a ideia de que a escola é um espaço de aplicação de regras e metodologias, e, nessa perspectiva, tomada na qualidade de mero espaço físico. Assim, almeja-se tomar o ensino escolar enquanto uma construção que, antes de existir a priori, é formado a partir de signos e significados que lhes são atribuídos pelos sujeitos que o compõem.

O capítulo 02, intitulado As narrativas que mobilizam uma ideia de cultura norte-rio-grandense, seus autores e perspectivas, foi construído a partir de discussões e análises de determinada concepção de cultura que está sendo mobilizada na disciplina “Cultura do RN”, sobretudo, no que tange às narrativas do livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte. Pensando, inclusive, o lugar social dos autores do livro e suas perspectivas culturais que, no caso desse objeto de pesquisa, se vinculam a um projeto de identidade local, a do norte-rio-grandense.

Inicialmente, apresentaremos os documentos base que institucionalizaram a disciplina “Cultura do RN” e os materiais produzidos, indicados e distribuídos para o desenvolvimento do novo componente curricular, da mesma maneira que buscamos refletir o deslocamento da disciplina “Cultura do RN” em relação ao ensino de História, compreendendo os pressupostos e processos que ligam as questões culturais apresentadas ao conhecimento histórico.

É importante ressalvar que o termo cultura assume, em termos e espaços distintos, concepções bastante variadas. Por isso, nos diagnósticos realizados durante essa pesquisa, não objetivamos a tarefa de posicionar-se entre uma ou outra noção de cultura, senão o objetivo de analisar e compreender quais concepções de cultura foram projetadas para serem mobilizadas, exclusivamente, na disciplina “Cultura do RN”.

      

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Assim, caminhando nas veredas do que se definiu como uma cultura potiguar, a partir das proposições do projeto de desenvolvimento da disciplina, procuramos discutir como as questões culturais relacionadas a uma territorialidade potiguar estão ligadas ao processo de patrimonialização e folclorização das chamadas expressões culturais, com base, sobretudo, nas contribuições teóricas de Cecília Londres, Néstor Garcia Canclini, Michel de Certeau e Durval Muniz de Albuquerque Júnior9. Detectamos como, neste processo, a “tradição” é chamada enquanto elemento fundamental das políticas públicas que versam sobre cultura e patrimônio.

Também no segundo capítulo, após analisarmos as concepções de cultura mobilizadas na disciplina “Cultura do RN”, sobretudo a partir do livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte, investigaremos o seu campo de produção (BOURDIEU, 1998), ou seja, os autores Tarcísio Gurgel, Vicente Vitoriano e Deífilo Gurgel, identificando as referências intelectuais destes, a fim de apontar quais memórias foram colocadas em movimento no componente curricular. Deste modo, toma-se a disciplina de História, no que tange ao desenvolvimento de “Cultura do RN”, enquanto espaço de disputas, envolto por estratégias de dominação (BOURDIEU, 1996) por parte de diferentes grupos que tentam legitimar valores e práticas. Observamos na institucionalização discutida uma perspectiva reprodutivista para a escola. O espaço escolar, em geral, e o ensino de História, em específico, é “alvo” de disputas de grupos que tentam “comunicar” determinadas concepções da realidade.

Compreendendo que a definição de determinada ideia de cultura do Rio Grande do Norte foi mobilizada a partir de uma demanda social direcionada à escola, com o terceiro e último capítulo, denominado Os usos e funções do ensino de História na disciplina “Cultura do RN”, buscaremos relacionar os usos e funções sociais do ensino de História em relação à disciplina “Cultura do RN”, problematizando como o conhecimento histórico é utilizado como espaço de lutas e interesses sociais diversos.

Essa utilidade social do saber historicamente construído busca um sentido de orientação temporal e espacial, de acordo com o historiador e filósofo Jörn Rüsen. Dessa forma, inicialmente, refletiremos sobre a função social da história (RÜSEN, 2010) referente à construção de um sentimento identitário, no caso específico dessa pesquisa, dos indivíduos que estão circunscritos no Estado do Rio Grande do Norte. De acordo com o historiador, a movimentação do conhecimento histórico estaria vinculada exatamente a esse sentido de

      

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continuidade que as narrativas históricas possibilitam. Assim, compreendendo o ensino como necessidades sociais e políticas e, por isso, constituindo-se enquanto uma esfera de disputas.

De tal forma que a institucionalização da disciplina em questão nos fornece elementos significativos para pensar os usos e funções sociais que do ensino de História em relação à construção de identidades. Fazer conhecer e “reconhecer” a identidade do “ser potiguar” pode ajudar a compreender quais as relações sociais e de poder estão inseridas nessa política pública educacional.

Para promover uma reflexão nesse sentido, utilizaremos, sobretudo, das contribuições teóricas de Jörn Rüsen e, especialmente, Pierre Bourdieu, tendo em vista que suas análises superaram a ideia da neutralidade das instituições escolares, contribuindo para perceber as estratégias de utilização do sistema escolar pelos diferentes grupos sociais, com o intuito de legitimar seus valores e práticas. Assim, compreendendo como as disciplinas, currículos, materiais didáticos, entre outros, podem servir de instrumento de dominação a determinados grupos sociais.

Sabendo disso, no último capítulo, analisaremos aspectos do livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte, que não “nasceu” como livro didático, mas que, a partir de uma análise prévia, em sua organização, formatação e objetivos assemelha-se aos seus usos e funções. Dessa forma, visamos identificar quais as definições de um livro didático e suas potencialidades em sala de aula, inclusive relacionando-o aos parâmetros hoje estabelecidos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para realizarmos comparações com o livro em questão. Para tanto, utilizaremos, ainda que de forma resumida, não apenas documentos referentes a este programa como também dois livros didáticos regionais10 submetidos à avaliação – e exclusão – do PNLD nos anos de 2007 e 2010, objetivando pensar essas obras como norteadoras do entendimento do que está sendo aceito e/ou negado no que tange ao ensino de História, de modo a fazer um paralelo com as concepções de história, memória e cultura que foram mobilizadas no livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte.

Analisar um livro, nesse caso, não diz respeito apenas a identificar ausências e erros relacionados aos conteúdos, mas sim compreender seu processo de produção, distribuição e possibilidades de uso e funções no espaço escolar. Inclusive, problematizando como o livro didático tem se tornado o currículo escolar e quais as possíveis implicações nesse processo.

      

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Chegando a um dos pontos fundamentais que motivou este trabalho: quais as noções de aprendizagem e ensino de História que estão sendo perspectivadas/projetadas para a disciplina “Cultura do RN”.

CAPÍTULO 01: Espaço escolar e ensino de História: uma discussão necessária.

1.1 Espaço escolar: discussões necessárias ao desenvolvimento dessa categoria de análise.

A escola no Brasil, atualmente, vem sendo concebida enquanto um espaço de resolução de vários problemas sociais. Cabe a ela a “missão”, em seu sentido metafórico, de conduzir e desenvolver nos alunos as mais diversas habilidades, desde a formação para o mundo do trabalho até a atuação cidadã num sistema democrático de direito. Assim a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/06), que disciplina o sistema educacional no país, prescreveu em seu artigo 2o:

a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996, p. 07)

Não é de hoje que a escola é compreendida como uma instância capaz de resolver e pensar os problemas sociais. Sua criação nos mais diversos tempos e espaços veio a responder diferentes anseios da sociedade. Nas sociedades modernas, principalmente, devido à complexificação dos processos científicos, preparar os indivíduos para atuarem nos processos práticos destas sociedades constituiu-se numa tarefa fundamental e estratégica para a sustentação das organizações sociais.

Contudo, de acordo com novas relações sociais, tempos e espaços vivenciados pelas sociedades modernas, as concepções de ensino e aprendizagem alteraram-se no sentido de responder às novas demandas. Assim, se há algumas décadas, no Brasil especificamente, buscava-se na escola a função de “transmissão” e “assimilação” do conhecimento nas diversas áreas de ensino, atualmente, o ensino escolar pauta-se pela necessidade de diálogo entre os agentes escolares e as instâncias sociais no sentido de construir um pensamento crítico e reflexivo.

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emergiram nas várias instâncias sociais questionamentos em relação à escola e seu processo educativo. De acordo com Caimi (2001, p. 16),

[...] inúmeros setores da comunidade educacional, organizados em associações científicas e sindicais, passaram a questionar o processo educativo acadêmico e escolar; os movimentos sociais ganharam espaços públicos; as associações de classes e entidades representativas conquistaram o reconhecimento de amplos setores educacionais. Nesse contexto, também os professores, articulados por meio dessas associações, passaram a promover encontros, congressos e seminários, cujo propósito era a reflexão sobre os pressupostos teóricos, metodológicos e historiográficos da ação pedagógica e o redimensionamento de suas práticas educativas e sociais.

Diante desse quadro, a escola constitui-se como um espaço garantidor dos desejos e direitos que a sociedade considera como fundamentais. No exercício com a cidadania e o mundo de trabalho, várias demandas foram direcionadas ao espaço escolar a fim de serem atendidas. Estado, família, movimentos sociais e a sociedade como o todo formam grupos e instituições que buscam responder suas necessidades no tempo por meio da escola, tornando-se, assim, um espaço de práticas e lutas que são travadas pelos diferentes grupos, isto é,

podemos perceber a importância da escola e de seu funcionamento na conformação e no alcance de finalidades sociais mais amplas provenientes de diferentes grupos sociais que disputam o poder político de uma dada sociedade. [...] A escola, como as demais instituições sociais, abriga indivíduos que estão vinculados a grupos sociais que lutam por suas ideias e crenças e que, por vezes, utilizam-se do espaço escolar para disseminar seus pontos de vista em relação à forma de viver em sociedade (GATTI JUNIOR apud POTIER, 2014, p. 21).

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nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. [...] § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil (BRASIL, 1996)11.

Verifica-se, portanto, que a escola é um elemento em constante disputa de interesses por vários grupos e categorias que tentam suprir suas carências sociais. Nesse sentido, compreende-se que a institucionalização da disciplina “Cultura do RN” – objeto em questão desse estudo –, visando ao conhecimento dos elementos culturais que fazem parte da identidade do norte-rio-grandense, inserida no ensino de História, faz parte de mais uma demanda social, na qual grupos voltam-se para a escola, a partir de uma política de Estado, a fim de que este possa dar respostas a suas necessidades sociais.

Sendo assim, se faz necessário compreender qual a função da escola e, especificamente, do ensino de História na vida dos sujeitos. Para tanto, a análise das formas como os currículos escolares foram pensados nos últimos anos auxilia na reflexão sobre as diversas relações que estão envolvidas no ensino de História e, mais amplamente, no espaço escolar, uma vez que tal categoria é fundamental para entender o objeto em questão. Por isso, antes de especificamente desenvolver nosso objeto de estudo – a criação da disciplina “Cultura do RN” –, promoveremos uma discussão das distintas relações sociais que se processam na escola, enfocando-as a partir da disciplina de História.

O ensino escolar é uma criação moderna que se desenvolveu há acerca de quatro séculos, passando no final desse período a configurar-se enquanto dimensão importante na sociedade contemporânea. O espaço escolar deve ser pensado e analisado de maneira que possamos compreender melhor sua formação. Quando refletimos sobre a dicotomia, existente até hoje no Brasil, entre pesquisa e ensino, este último é muitas vezes concebido apenas na qualidade de um espaço de aplicação do conhecimento acadêmico de forma simplificada, e não como um espaço construído pelas mais diversas relações sociais.

No tocante ao ensino de História, existe uma concepção que o concebe como uma espécie de “miniaturização” do que ocorre nas academias. Isto é, o “pensar historicamente” em sala de aula daria-se a partir de um processo de simplificação dos estudos desenvolvidos

      

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no ambiente acadêmico. Tal concepção pode comprometer negativamente as formas como os pressupostos da Ciência da História devem ser trabalhados numa situação didática, na qual o trabalho com fontes e a produção do conhecimento histórico, reservadas as devidas diferenças, dão-se em igual importância ao trabalho acadêmico.

Além de tentar ultrapassar esse descompasso entre o “pensar historicamente” na academia e no ensino escolar – tomar a escola e, em específico, o ensino de História como espaços socialmente construídos –, a presente pesquisa pode contribuir de forma significativa para a área de concentração do Programa de Pós-graduação em História, que tem como categoria central o espaço, na qual esta dissertação desenvolve-se. Mais do que um constructo físico, é preciso entender que o espaço escolar é uma construção social e, por isso, envolto em processos de significações, disputas, estratégias de dominação, apropriações, etc. De acordo com Maurice Tardif e Claude Lessard (2007, p. 7),

[...] pode-se afirmar que o ensino em ambiente escolar representa, em igual título com a pesquisa científica, o trabalho industrial, a tecnologia, a criação artística e a prática política, uma das esferas fundamentais de ação nas sociedades modernas, ou seja, uma das esferas em que o social, através de seus atores, seus movimentos sociais, suas políticas e suas organizações, volta-se reflexivamente a si mesmo para assumir-se como objeto de atividades, projeções de ação e, finalmente, de transformações.

Sabendo disso, mesmo que de forma limitada, as mais diversas áreas científicas vêm ocupando-se em discutir a escola e seus agentes, desde as ciências sociais, a filosofia, a história e, sobretudo, a educação. No Brasil, ocorreu a predominância de estudos sobre a escola naquele último campo, o que, muita vezes, impediu que essa instituição fosse vista em suas múltiplas relações, entendendo que cada área tem sua contribuição específica dentro de uma situação pedagógica. Em outras palavras, podemos dizer que não devemos reservar apenas aos estudos pedagógicos a tarefa de compreender o espaço escolar em sua totalidade, uma vez que cada disciplina deve pensar os seus usos e funções numa situação didática que excede o campo consagrado da pedagogia em suas dimensões sociais e históricas. Assim, o historiador e filósofo Jörn Rüsen, por exemplo, desenvolveu para o ensino de História, ou seja, o saber construído pela ciência da História em uma situação de aprendizagem histórica, o que ele chamou de uma Didática da História:

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funcionamento das escolas, mas também – e infelizmente – de não poucos professores de 1º e 2º graus) organizar a disciplina ‘história’, nas escolas, como uma miniatura da especialidade científica (RÜSEN, 2010a, p. 49-50).

Relegar a compreensão do espaço escolar exclusivamente à ciência da educação tem, muitas vezes, incorrido na compreensão da escola apenas como um espaço de execução de técnicas e metodologias que facilitam a aprendizagem. Não estamos, com isso, desconsiderando as contribuições da ciência da educação, mas, sim, pensando no papel que cada ciência específica deve desempenhar na construção do conhecimento num espaço didático. Como afirmou a historiadora Margarida Maria Dias de Oliveira (2011, p. 169),

sem desmerecer as enormes contribuições das ideias pedagógicas stricto sensu, é possível afirmar que o debate por elas homogeneizado não contribui para o desenvolvimento da discussão sobre o ensino em cada área dentro da própria área. Pelo contrário, ajudou no deslocamento das questões do ensino para o âmbito restrito da Pedagogia, institucionalizando a dicotomia sobre a produção do conhecimento e seu ensino.

Pretendemos, neste primeiro momento, fazer uma discussão historiográfica, principalmente, a partir da ciência histórica, de modo a contribuir para os estudos sobre o ensino de História ou, mais amplamente, sobre o espaço escolar, tomando-o enquanto um espaço “vivo”, construtor e não apenas simplificador do conhecimento erudito.

Inicialmente, discutiremos algumas contribuições de estudos de Michel Foucault e Pierre Bourdieu no que tange às instituições escolares, mesmo que atualmente já se encontrem, de certa forma, superadas e/ou limitadas em relação às recentes produções historiográficas. Em um segundo momento, promoveremos um debate entre produções mais recentes que nos permitirão pensar de maneira mais abrangente esse espaço escolar.

Michael Foucault e Pierre Bourdieu: contribuições e limites

As relações de poder, que estão envolvidas na organização da educação, foram problematizadas nas teorias de Michel Foucault e Pierre Bourdieu, autores que contribuíram de forma significativa para pensar como o espaço escolar é alvo de demandas e disputas sociais.

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Assim, várias instituições foram alvo de desenvolvimento do poder disciplinar. Em sua obra

Vigiar e Punir, ele elencou instituições como quartéis, hospitais, escolas e manicômios como espaços que passaram a ser pensados minuciosamente em sua estrutura e regras de convivência, de modo a permitir um controle eficaz sobre os sujeitos que nelas se encontravam.

Em Vigiar e Punir, trabalhou a teoria de que a escola desempenhava a função de instituição disciplinadora, utilizada para “docilizar” os corpos, isto é, “[...] um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT, 1986, p. 126). Nessa perspectiva, a instituição escolar serviria ao fim disciplinar, levando os sujeitos a caminharem de acordo com regras pré-estabelecidas. Referente ao espaço escolar, Foucault (1986, p. 134) exemplifica as classes e as fileiras como mecanismos disciplinadores, uma vez que

[...] pouco a pouco – mas principalmente depois de 1762 – o espaço escolar se desdobra; a classe torna-se homogênea, ela agora só se compõe de elementos individuais que vêm se colocar uns ao lado dos outros sob os olhares do mestre. A ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e a cada prova; colocação que ele obtém de semana em semana; de mês em mês; de ano em ano; a das classes de idade uma depois da outra; sucessão dos assuntos ensinados, das questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente. E nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios, cada aluno, segundo sua idade, seus desempenhos, seus comportamentos, ocupa ora uma fila, ora outra; ele se desloca o tempo todo numa série de casas; umas ideais, que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo traduzir materialmente no espaço da classe ou do colégio essa repartição de valores ou dos méritos.

Dessa maneira, percebemos que a organização da escola não era de forma alguma natural, tanto no passado como hoje em dia. Existe uma racionalidade que envolve sua estrutura arquitetônica, currículo, regras, rotina, tornando-se, assim, alvo de interesses de grupos que buscam controlar disciplinarmente seus valores e práticas. Para Foucault, tanto a estruturação física do espaço na escola (distribuição dos lugares como salas e pátios para fins específicos) como o estabelecimento de ordens em rotinas (horários, afazeres), aprendizado (currículo), compunham a instituição como disciplina. Uma vez que os elementos desta escola do século XVIII persistem no século XX, a ideia de escola como domesticadora de corpos e saberes continha, no fundo, uma crítica de Foucault ao mundo que lhe era contemporâneo.

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devido, sobretudo, ao processo conhecido por Revolução Industrial. Sabendo disso, os mecanismos de controle fizeram-se fundamentais para um maior disciplinamento da sociedade e suas instituições. À escola moderna coube a função de formar indivíduos com perfis adequados para as novas mudanças que se processam na sociedade. Perfis estes que estavam ligados a interesses ideológicos e políticos e que levaram a escola, nesse momento, a ser uma instituição fundamental no processo de disciplinamento dos indivíduos. Refletindo numa constituição histórica do que atualmente entendemos como espaço escolar, podemos pensar que a teoria Foucault lançou as bases inovadoras para entender as distintas relações que se operam no que hoje compreendemos como espaço escolar, indo além de questões meramente pedagógicas e investigando os mecanismos de controle que, até os dias atuais, são operacionalizados para vigilância e “docilização” dos corpos. Dessa forma, Foucault percebeu a escola para além de sua forma física e os investimentos sociais que a ela foram, e são, direcionados.

Caminhando no mesmo sentido, os estudos teóricos de Pierre Bourdieu foram extremamente importantes para superar a ideia de neutralidade das instituições escolares, significando uma abertura para se pensar o currículo por meio de uma teoria crítica12. Currículo este que se constitui enquanto um “corpus formal” construído a partir de símbolos e significados previamente estruturados e, por isso, envolvidos por relações de poder. Bourdieu definiu este processo a partir da ideia de estruturas estruturantes, as quais tem como finalidade a mobilização de símbolos que levem a determinadas concepções da realidade. Ou como definiu:

os ‘sistemas simbólicos’, como instrumentos de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama de o conformismo lógico, quer dizer, ‘uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências’. [...] Os símbolos são os instrumentos por excelência da ‘integração social’: enquanto instrumento de conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o consensus a cerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração ‘lógica’ é a condição da integridade moral (BOURDIEU, 1998, p. 09-10).

Para Bourdieu, o processo de estruturação dos símbolos produzem realidades sociais homogêneas e conformativas, que, por sua vez, podem levar a uma ideia de consenso social, na medida em que os conflitos são apagados em prol de uma conformidade social. Isso

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se não pela ausência de inteligência ou práticas de raciocínio dos sujeitos, mas sim pelo trabalho eficaz com que os símbolos são estruturados de modo a atuarem silenciosamente. Neste processo, o campo de produção se faz fundamental, uma vez que é por meio dos ditos especialistas (intelectuais e letrados, em geral) que as estruturas serão estruturadas, ou seja, os símbolos serão mobilizados pelos especialistas de forma a produzir uma ideia de realidade e, consequentemente, produzir um consenso sobre a mesma.

As produções simbólicas, dessa forma, tornam-se interessantes para grupos sociais que desejam produzir determinadas concepções de realidade, haja vista que o consenso que “aparentemente” provocaria uma harmonia, funciona na prática como um instrumento de grupos para impor determinadas regras e distinções sociais:

a cultura que une (intermédio de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante. É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo, assim, segundo a expressão de Weber, para a “domesticação dos dominados” (BOURDIEU, 1998, p.11).

Forjada através das estruturas estruturantes, a distinção social também produz o que o autor chamou de violência simbólica. De acordo com ele, a violência simbólica se daria exatamente nos momentos em que determinados símbolos e significados de grupos são impostos em detrimento de outros grupos sociais, criando uma relação de dominação. Pelas características de como as formas simbólicas são utilizadas, sua ação é silenciosa e sem uso de força física, produzindo uma violência que na maioria das vezes não é identificada. Assim, Bourdieu (1998, p. 8) entendeu que “[...] o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.”

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podemos compreender que o ser social é aquilo que foi; mas também que aquilo que uma vez ficou para sempre inscrito não só na história, o que é óbvio, mas também no ser social, nas coisas e no corpo. [...] O processo de instituição, de estabelecimento, quer dizer, a objetivação e a incorporação como acumulação nas coisas e nos corpos de um conjunto de conquistas históricas, que trazem a marca das suas condições de produção e que tendem a gerar as condições de sua própria reprodução (quanto mais não fosse pelo efeito de demonstração e de imposição das necessidades que um bem exerce unicamente pela sua existência), aniquila continuamente possíveis laterais. À medida que a história avança, estes possíveis tornam-se cada vez mais improváveis, mais difíceis de realizar, porque a sua passagem à existência suporia a destruição, a neutralização ou a reconversão de uma parte maior ou menor da herança histórica – que é também um capital –, e mesmo mais difíceis de pensar, porque os esquemas de pensamentos e de percepção são, em cada momento, produto das opções anteriores transformadas em coisas (BOURDIEU, 1998, p.100-101).

O conhecimento histórico foi entendido pelo autor como integrante do ser social, isto é, “somos” aquilo que nosso passado foi; e, por isso, as experiências históricas têm grande peso na realidade, além de, potencialmente, pela importância que adquiriram com o passar do tempo, possibilitarem um processo de reprodução de sua herança, uma vez que a ideia de “novas” experiências poderia gerar um sentimento de destruição daquilo que outrora fora constituído. Nesse ponto, o ensino de História, especificamente, poderia desempenhar um papel fundamental, haja vista ser compreendido como o grande responsável, no ensino regular, de mobilizar a história e seus acontecimentos. Dessa forma, a escola e, principalmente, o ensino de História configuram-se enquanto espaços de disputas pela manutenção e reprodução de determinada herança histórica.

Desenvolvido por Bourdieu (1996), o conceito de espaço social contribuiu para pensarmos as disputas e tensões sociais entre os diferentes grupos pela instalação e/ou reprodução de determinadas estruturas históricas no espaço escolar, entendendo que “a instituição escolar contribui para reproduzir a distribuição do capital cultural e, assim, a estrutura do espaço social.” (BOURDIEU, 1996, p. 35). Não apenas a função de reprodução, mas também a escola funciona como legitimadora de uma “ordem social”, assim, alcançando através da violência simbólica o que socialmente seria obtido por meio da força.

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A escola, dessa forma, foi tomada enquanto um espaço diferenciado e diferenciador, no qual sua lógica específica para a organização das classes, currículo, atividades, avaliações, se constitui em orientadores que levam os indivíduos à seleção e reprodução das diferenças. Nesse ponto específico, a teoria de Foucault se contrapõe à de Bourdieu, uma vez que, para aquele, a escola seria o espaço de uniformização do sujeito dentro de determinados padrões, isto é, mesmo que ela apresentasse diferenças, estas tenderiam a ser negadas em busca de uma uniformização. Para Bourdieu, contudo, o espaço social atua como diferenciador, ao passo que lutas de grupos são travadas no intuito de determinadas concepções sobressaírem-se a outras. O consenso ou a homogeneização, nos termos de Bourdieu, nada mais seria do que uma realidade intencionalmente construída para esconder e também, consequentemente, reproduzir as distinções sociais.

O espaço social, de acordo com Bourdieu, é uma instância simbólica na qual os diferentes agentes sociais articulam-se de maneira a colocar em prática modos de pensar e agir. Dito de outra forma, os indivíduos atuam através de disposições (habitus), cujas estruturas já conhecidas são colocadas em prática pelo agir criativo dos sujeitos. Este processo pode levar a produção de predisposições que garantam a manutenção de diferenciação social. Para isso, o capital econômico e o capital cultural vão agir fundamentalmente no sentido de promover as distinções, uma vez que a partir da ideia de acúmulo, estes capitais assumiriam um aspecto utilitário que levariam concepções de alguns grupos sobressaírem-se sobre os demais. Assim, grupos sociais específicos poderiam através da mobilização destes capitais impor concepções que ao final serviriam como elemento de distinção social.

Contudo, após essa análise das teorias de Foucault e Bourdieu, é importante ponderar como tais teorias, de certa forma, encontram limites e devem ser entendidas historicamente, ou seja, a partir de um contexto específico, e que, por isso, não podem sem aplicadas atemporalmente ou em realidades sociais distintas. Nesse sentido, é preciso situar as especificidades de suas teorias e entender seus limites em relação ao entendimento da dinâmica do espaço escolar.

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uma vez que as teorias são instrumentos de análise que não devem ser aplicadas no sentido de “enquadrar” os objetos. E aqui cabe uma ressalva: em que pese a historicamente forte apropriação das teorias francesas no Brasil, sobretudo no âmbito do sistema educacional, carecemos atentar para o fato de que, ao nos apropriarmos das teorias, devemos pensar em suas possibilidades e limites diante dos diferentes objetos estudados, considerando a diversidade das realidades temporal e espacial das práticas e instituições educacionais .

Além disso, é importante compreender que Foucault trabalhou com formas muito gerais de mecanismos disciplinadores, agregando instituições distintas como hospitais, manicômios, prisões, quartéis, escolas em uma mesma lógica. “[...] Foucault trata as organizações disciplinares tal como são sintetizadas pela prisão e pelo manicômio – ‘instituições totais’, na frase de Goffman” (GIDDENS, 2003, p. 181). Assim, não observou suas especificidades e, consequentemente, desenvolveu uma teoria geral na qual desconsiderou a dinâmica específica de cada espaço:

fábricas, escritórios, escolas, quartéis e outros contextos onde a vigilância e o poder disciplinar atuam não são, em sua maioria, como aquelas instituições, admite Foucault, sem desenvolver esse ponto. Entretanto, trata-se de uma observação com certa importância, porquanto as ‘instituições completas e austeras’ são mais exceção do que regra dentro dos principais setores institucionais das sociedades modernas (GIDDENS, 2003, 181).

Nessa perspectiva, a escola não pode ser tomada enquanto uma “instituição total”, uma vez que não está limitada a um confinamento constante. Crianças e adolescentes frequentam a escola apenas em uma parte do tempo, isto quer dizer que, em outros momentos, têm contato com ambientes distintos, como, por exemplo, o familiar. Ademais, na própria organização do tempo escolar, a disciplina varia de acordo com momentos distintos, havendo alguns mais flexíveis (intervalo para o lanche) e outros mais severos (avaliações). Dessa forma, embora seja permeada por mecanismos de poder e disciplina, a escola não pode ser concebida enquanto uma instituição hermeticamente fechada, na qual prevalece o poder panóptico.

A teoria de Foucault não apenas apresenta limites em analisar a escola à luz de uma lógica de “confinamento completo”, como também em não pensar a maneira pela qual os sujeitos apropriam-se desses mecanismos. Isto é,

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disciplina unicamente durante partes do dia – geralmente como uma concessão em troca de recompensas que derivam de se ficar liberto dessa disciplina em outros períodos (GIDDENS, 2003, p. 182).

Os estudos de Foucault limitam-se, então, a compreender os mecanismos de controle e não a ação dos sujeitos em relação aos mesmos. Nesse sentido, pensa a escola enquanto uma estrutura de poder panóptico e de “corpos docilizados”, não preocupando-se, assim, com o poder de ação e inventividade do sujeito e, consequentemente, sua capacidade de agir diante das mais diversas situações. Nesse sentido, construir uma teoria de mecanismos de controle que buscam um disciplinamento da sociedade revela parte das relações que se processam no espaço escolar, haja vista que os mecanismos de controle ao mesmo tempo que existem também são mobilizados/negociados pelos sujeitos.

Em relação a Pierre Bourdieu, o seu conceito de habitus tenta articular um esquema de ação criativa do sujeito, no entanto, entende-se que essa ação criativa pode levar também a processos reprodutivos. Apesar da ideia de habitus pensar numa ação subjetiva (uma tomada de decisão que parte da autonomia do sujeito) e objetiva dos sujeitos (que se estabelece a partir de uma estrutura já formada), de acordo com sua teoria, existe uma predisposição dos indivíduos a agirem de acordo com uma bagagem social herdada. Em outros termos, o processo criativo poderia resultar em algo que está em consonância com uma série de valores e normas existentes. Nessa perspectiva, a escola poderia configurar-se enquanto um espaço passível a práticas reprodutivistas, no qual a ação criativa dos agentes escolares poderia limitar-se a repetição de uma realidade já posta.

Assim, de acordo com Bourdieu, o conjunto das relações sociais, designadas por ele de espaço social, que ocorrem através do habitus, torna a escola um constructo físico e social onde desenvolve-se como um campo de produção em atuação. Este, por sua vez, vai atuar no sentido de demarcar posições sociais já estabelecidas, levando-se em consideração que a ação subjetiva dos sujeitos é inseparável da objetiva.

Quando da atuação dessas relações (habitus), o poder, no sentido de força de um grupo em relação a outro, é exercido sem, contudo, ser identificado por aqueles que o legitimam. Isto é, elementos arbitrários são movimentados de forma a não serem percebidos como tal, gerando uma ideia de consenso. Dessa forma, a escola é uma instância propícia para atuação do espaço social (conjunto de relações) que se pretende enquanto produtora de diferenciações sociais, com isso.

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Figura 1 - Barco de papel. Festa dos Santos  Reis.
Figura  3  -  Boneco  do  mamulengueiro  “Queixo de Aço”.
Figura 4 - Rei do Rosário, Caicó/RN.   Figura  5  -  Nau  Catarineta  –  Fandango  de
Figura  7  -  Araruna  –  I  semana  de  cultura  nordestina na Universidade Federal do Rio Grande  do Norte, em Natal
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