REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
PublicaçãoOficialdaSociedadeBrasileiradeAnestesiologiawww.sba.com.br
ARTIGO
CIENTÍFICO
Lidocaína
intravenosa
no
tratamento
da
dor
pós-mastectomia:
ensaio
clínico
aleatório
encoberto
placebo
controlado
Tania
Cursino
de
Menezes
Couceiro
a,∗,
Luciana
Cavalcanti
Lima
a,b,
Léa
Menezes
Couceiro
Burle
ae
Marcelo
Moraes
Valenc
¸a
caInstitutodeMedicinaIntegralProfessorFernandoFigueira(IMIP),Recife,PE,Brasil bFaculdadePernambucanadeSaúde(FBS),Recife,PE,Brasil
cDepartamentodeNeurologiaeNeurocirurgiadaUniversidadeFederaldePernambuco,Recife,PE,Brasil
Recebidoem28deabrilde2014;aceitoem19demaiode2014 DisponívelnaInternetem12dedezembrode2014
PALAVRAS-CHAVE
Dorpós-operatória; Tratamento; Anestésicolocal; Dor;
Lidocaínaintravenosa
Resumo
Justificativaeobjetivo: Otratamentodadorpós-operatóriaemmastectomiacontinuasendo um grandedesafioapesar daabordagemmultimodal. Oobjetivodesteestudo foiinvestigar oefeitoanalgésico dalidocaína intravenosaempacientessubmetidasamastectomia,como também,oconsumodeopioidepós-operatório.
Métodos: Apósaprovac¸ãopelocomitêdeéticaepesquisaemsereshumanosdoInstitutode MedicinaIntegralProf.FernandoFigueiraemRecife-Pernambucofoirealizadoensaioclínico aleatórioencobertoplacebocontroladocomlidocaínaintravenosanadosede3mg/kginfundida em umahora,em 45mulheressubmetidasamastectomiasobanestesiageral.Excluídauma pacientedogrupoplacebo.
Resultados: Os grupos foram semelhantes quanto à idade, índice de massa corpórea, tipo deintervenc¸ãocirúrgicaenecessidadedeopioidenopós-operatório.Solicitaramopioide2/ 22pacientesnosgruposdalidocaína e3/22placebo(p=0,50).Identificadaadorao desper-tarem 4/22nogrupolidocaína e5/22(p=0,50)nogrupo placebo;nasala derecuperac¸ão pós-anestésicaem 14/22e12/22(p=0,37)nosgruposlidocaínaeplaceborespectivamente. Aoavaliarador24horasapósoprocedimentocirúrgico3/22e2/22(p=0,50)daspacientes relataramdoremambososgruposrespectivamente.
∗Autorparacorrespondência.
E-mails:taniacouceiro@yahoo.com.br,taniacursinomcouceiro@gmail.com(T.C.d.M.Couceiro).
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2014.05.016
Conclusão:Alidocaínaintravenosanadosede3mg/kgadministradaemumperíododeumahora notransoperatóriodemastectomianãopromoveuanalgesiaadicionalemrelac¸ãoaogrupo pla-cebonasprimeiras24horasenãodiminuiuoconsumodeopioide.Contudo,umefeitobenéfico dalidocaínaintravenosaempacientesselecionadase/ouemoutrosregimesterapêuticosnão podeserdescartado.
©2014SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todosos direitosreservados.
KEYWORDS
Postoperativepain; Treatment; Localanesthetic; Pain;
Intravenouslidocaine
Intravenouslidocaineforpost-mastectomypaintreatment:randomized,blind, placebocontrolledclinicaltrial
Abstract
Backgroundandobjective: Postoperativepaintreatmentinmastectomyremainsamajor chal-lengedespitethemultimodalapproach.Theaimofthisstudywastoinvestigatetheanalgesic effectofintravenouslidocaineinpatientsundergoingmastectomy,aswellasthepostoperative consumptionofopioids.
Methods:AfterapprovalbytheHumanResearchEthicsCommitteeoftheInstitutode Medi-cinaIntegralProf.FernandoFigueirainRecife,Pernambuco,arandomized,blind,controlled trialwasconductedwithintravenouslidocaineatadoseof3mg/kginfusedoveronehourin 45womenundergoingmastectomyundergeneralanesthesia.Onepatientfromplacebogroup was
Results:Groupsweresimilarinage,bodymassindex,typeofsurgery,andpostoperativeneed foropioids.Twoof22patientsinlidocainegroupandthreeof22patients inplacebogroup requestedopioid(p=0.50).Painonawakeningwasidentifiedin4/22oflidocainegroupand 5/22ofplacebogroup (p=0.50);in thepost-anesthetic recovery roomin 14/22and 12/22 (p=0.37)oflidocaineandplacebogroups,respectively.Painevaluation24hoursaftersurgery showedthat2/22and3/22patients(p=0.50)oflidocaineandplacebogroups,respectively, complainedofpain.
Conclusion:Intravenouslidocaineatadoseof3mg/kgadministeredoveraperiodofanhour during mastectomy did not promote additional analgesia compared to placebo in the first 24hours,andhasnotdecreasedopioidconsumption.However,abeneficialeffectofintravenous lidocaineinselectedand/orothertherapeuticregimenspatientscannotberuledout. ©2014SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublishedbyElsevier EditoraLtda.Allrights reserved.
Introduc
¸ão
A dor pós-operatória continua sendo inadequadamente tratada apesar de sua previsibilidade, dos avanc¸os das diversas técnicas analgésicas e fármacos disponíveis para o seu controle.1 Alguns autores relatam que,
indepen-dentemente do tipo de procedimento cirúrgico, a dor
pós-operatóriaestápresenteecomintensidadevariável.2---4
Adorpós-operatóriaemcirurgiasparatratamentode
cân-cerdemamatemfrequênciabaixaquandoadequadamente
tratada,5 noentanto,poderesultarem complicac¸ões
car-diovasculareserespiratórias,bemcomodorpós-operatória
persistente.6Assimsendo,oadequadocontroleálgicoéde
sumaimportâncianapráticaclínica.
Neste contexto, a abordagem multimodal da dor
pós--operatória deve ser considerada, tendo em vista os
resultadosanalgésicos obtidoscom cada fármaco em
par-ticulareamenorocorrênciadeefeitosadversos.6,7
Comoobjetivodeproporcionaranalgesiapós-operatória,
a lidocaína intravenosa tem sido utilizada no intra e no
pós-operatório como parte da abordagem multimodal,8
com efeito analgésico comprovado no pós-operatório de
cirurgias abdominais9 e pélvicas, como colectomias10 e
prostatectomias,11respectivamente.
Alémdaac¸ãoanalgésica,osanestésicoslocais
apresen-tamac¸ãoanti-inflamatória,11 justificandoassimoemprego
dalidocaína intravenosaparamodulara resposta
inflama-tóriadecorrentedadorpós-operatória.12 Outrosbenefícios
são a diminuic¸ão: da necessidade de opioide no
pós--operatório,8,10 dascomplicac¸õescomonáuseasevômitos,
edaintensidadedadornasprimeiras24horas.10
Estudos de metanálise9,13 apresentam resultados
con-flitantes a respeito do efeito analgésico da lidocaína na
dor pós-operatória, deixando clara a necessidade de
elu-cidarorealvalordalidocaína intravenosanoalíviodador
pós-operatóriaempacientessubmetidasàmastectomia.O
objetivodesteestudofoiinvestigaroefeito analgésicoda
lidocaína intravenosanasprimeiras 24horas em mulheres
submetidasà mastectomia,bemcomo, avaliaroconsumo
Métodos
Após aprovac¸ão do comitê de ética e pesquisa em seres
humanos doInstituto deMedicina Integral Prof. Fernando
Figueira (IMIP) sob onúmero 2026CAAE 0202009917210e
assinatura dotermo de consentimento livree esclarecido
foi realizado umensaio clínico aleatório, encoberto,
pla-cebocontrolado,noperíododejulhode2011 aagostode
2012,noIMIP,Recife,Pernambuco,Brasil.
Foram incluídas no estudo mulheres com idade entre
18e75anos,submetidasàmastectomia,paratratamentode
câncermamário.Oscritériosdeexclusãoforam:pacientes
comcontraindicac¸ãorelativaouabsolutaaousodalidocaína
(alérgicas aos anestésicos locais, alterac¸ão da conduc¸ão
atrioventricular,epilepsianãocontrolada,porfiriae
porta-doresdehipertermia maligna),em usodeantidepressivos
e/ou anticonvulsivantes, portadoras de arritmia cardíaca
e de qualquer tipo de doenc¸a reumática, pacientes com
metástases à distância ouna mama contralateral,asque
nãoentendessem a escalanumérica (EN)de avaliac¸ão da
dore/ouasquetenhamfeitousodeopióidesnasúltimas
24horas.
Foramcoletadosdadosemquestionáriopadronizadopara
caracterizac¸ão da amostra. Dentre eles: idade, IMC, tipo
deoperac¸ão,tratamentoadjuvanteehistóriapregressade
dor,comocefaleiaedornamamaaseroperada.As
variá-veispesquisadasforam:presenc¸aeaintensidadedadornas
24 horas do pós-operatório em três diferentesmomentos
(M1=aodespertardaanestesia,M2=umahoraapósa
admis-são na sala de recuperac¸ão pós-anestésica (SRPA) e M3=
24 horas após o término do procedimento cirúrgico) e a
necessidadedeopioide nopós-operatório. Adorfoi
avali-adaemrepousoutilizando-seaEN,quequantificaadorem
umaescalade 0 a 10,sendo que 0 (zero)correspondia a
ausência dedor e 10 (dez) àintensidade máxima. Para a
análise,aintensidadedadorfoicategorizadaem:semdor
(0),dorleve(1-3),dormoderada(4-7),dorforte(7-9)edor
muitoforte(10).
Aspacientesforamdistribuídasaleatoriamenteem dois
grupos:grupolidocaínaougrupoplacebo,narazãode1:1,
pormeiodesorteioemblocosdequatropacientes,pois,na
hipótesedeocorrersuspensãooudescontinuac¸ãodoestudo,
onúmerodepacientespermaneceria semelhantenos dois
grupos. Para assegurar que o estudo fosse encoberto, os
frascosampoladalidocaína eplacebo foram
confecciona-dosemfrascossemelhantesenumeradossequencialmente.
Todasaspacientesforamsubmetidasàanestesiageralcom
fentanil5g/Kg;propofol1,0mg/Kg;rocurônio0,3mg/Kg
emanutenc¸ãocomsevofluranoa1,5%emumafrac¸ão
inspi-radadeoxigêniode50%.Nãofoiadministradadoseembolus
dalidocaínae,após aincisãocirúrgicafoiiniciadaa
infu-sãode100mLdesoluc¸ãofisiológicacontendoadose total
delidocaína(3mg/Kg)oudoplacebo,comdurac¸ãodeuma
hora.
Todas as pacientes receberam para profilaxia da dor
pós-operatória: dipirona2g e cetoprofeno 100mgpor via
intravenosanotransoperatório.Aparedetorácicafoi
infil-trada com uma soluc¸ão contendo bupivacaína 0,025% e
adrenalina1:400.000,obedecendoacondutadoServic¸ode
Mastologia. Para a analgesia pós-operatória foi prescrita
dipirona 1g a cada 6 horas. Em caso de dor, a codeína
30mgassociadaaparacetamol200mgestavamprescritose
Seleção das pacientes
Entrevistadas 45 pacientes
Alocação
Grupo lidocaína 22 pacientes
Grupo placebo 23 pacientes
Seguimento
Número de pacientes estudadas (n = 22)
Número de pacientes excluídas (n = 0)
Número de pacientes estudadas (n = 23)
Número de pacientes excluídas (n = 1)
Análise
Número da pacientes analisadas (n = 22)
Número de pacientes excluídas (n = 0)
Número de pacientes estudadas (n = 22)
Número de pacientes excluídas (n = 0)
Figura1 FluxogramaCONSORT.n,númerodepacientes.
seriamadministradosdeacordocomasolicitac¸ãodas
paci-entes.
Ocálculodaamostrafoibaseadonopressupostodeum
erroalfade5%,umerrobetade10%epoderde90%e
consi-derandoqueogrupodalidocaínateriaumareduc¸ãode70%
nousodeopioide,enquanto ogrupoplacebosofreria uma
reduc¸ãode30%.13Foiprevistaumaperdade10%resultando
em44sujeitossubdivididosemdoisgruposde22pacientes
emcadagrupo.
Para análise dos dados foi utilizado o programa
EPI--INFOTM versão 3.5.1 para WindowsTM. Os dados foram
descritosna formadedistribuic¸ão defrequênciaabsoluta
erelativa eapresentadosemtabelas.Asvariáveis
numéri-casforamrepresentadaspelasmedidasdetendênciacentral
(média) e de dispersão (desvio padrão e amplitude de
variac¸ão).Otestequi-quadrado,comaplicac¸ãodecorrec¸ão
de Yales e o teste exato de Fisher foram utilizados para
verificaraexistênciadeassociac¸ãoentreasvariáveis
cate-góricas.Foiconsideradosignificanteumvalordep<0,05.
Resultados
Nafigura1seencontraofluxogramadapesquisa.
Foram avaliadas 44 pacientes submetidas à
mastecto-mia sendo 22 pacientes do grupo da lidocaína e 22 do
grupo placebo. Foi excluída uma paciente do grupo
pla-ceboqueapesardedemonstrarterentendidoamaneirade
avaliaradorcomutilizac¸ãodaescalapreconizada(EN)e,
portanto tersido incluídano estudo,na avaliac¸ão dador
pós-operatóriaareferidapaciente nãoconseguiu
quantifi-caradorpormeiodaEN.Osgruposforamsimilaresquanto
àidade, índice damassa corpórea, tratamento adjuvante
comquimioterapia antesdamastectomiaehistória prévia
Tabela 1 Caracterizac¸ão da amostra de acordo com os grupos
Característica Lidocaína Placebo p
Idade (anos)a
52,4±12,4 47,0±11,0 0,10b
IMCa 28,1±8,1 28,2±3,9 0,89b
QTprévia 11/22(50%) 10/22(45,4%) 0,38c
Dorde cabec¸a
6/22(30%) 9/22(40,9%) 0,34c
Dorna mama
10/22(45,5%) 8/22(36,3%) 0,37c
Mastectomia àMaden
17/22(77,2%) 17/22(77,2%)
---QT,quimioterapia;IMC,índicedemassacorpórea.
amédia±desviopadrão. b Testequi-quadrado.
c Aplicac¸ãodecorrec¸ãodeYaleseotesteexatodeFisher.
ambososgruposdoisterc¸osdaspacientesforam
submeti-dasàmastectomiaàMadeneasdemaisamastectomiacom
retiradadelinfonodosentinela(tabela1).
Quandoseanalisouadorpós-operatóriaemrepouso,não
houvediferenc¸aentreosgruposemnenhumdosmomentos
estudados:aodespertardaanestesia(M1),umahoraapósa
admissãonasaladerecuperac¸ãopós-anestésica(SRPA)(M2)
e24horasapós otérmino doprocedimentocirúrgico(M3)
(tabela2).
Aoseavaliaroconsumodeopioidenasprimeiras24horas
pós-operatórias, observou-se que este foi semelhante no
grupodalidocaínaenoplacebo(tabela2).
Discussão
Esse estudodemonstrou que aadministrac¸ãode lidocaína
intravenosanointraoperatórionadosede3mg/kg/1hnão
foisuperioraoplacebonaanalgesiapós-operatóriaem
paci-entessubmetidasamastectomia.
Outros autores demonstram10 benefício com o uso da
lidocaína intravenosa noalivio dador pós-operatória. Em
pacientessubmetidosàcolectomialaparoscópicaaoutilizar
umadoseinicialde1,5mg/kgseguidadeinfusãocontinuade
2,0mg/kg,queseprolongoupor24horasdepós-operatório
osautoresencontrarammelhoradaanalgesia.
Enquanto que, De Oliveira et al.14 avaliando a dor
em mulheres submetidas a cirurgias laparoscópicas em
regimeambulatorialquereceberamalidocaínanadosede
1,5mg/kg, 20 minutos antesdaincisão cirúrgica,seguida
deumainfusãode2mg/kg/hatéofinaldoprocedimento
cirúrgico,observamalíviodadornogrupodalidocaína.
O benefício da lidocaína evidenciado por esses
auto-respodeestarrelacionadoaosregimesdistintosdeinfusão
queforam utilizados.A infusão dalidocaína por 24 horas
no pós-operatório pode ter resultado em supressão da
sensibilizac¸ão central15 e, destaformacontribuído paraa
obtenc¸ão doefeitoanalgésicopositivoquando comparado
como nossoestudo. Autilizac¸ãode bolusantesdo início
dacirurgiapodenoslevarapensarqueaadministrac¸ãoda
lidocaínaantesdaincisãocirúrgicapodepromovermelhores
resultadosnoqueconcerneàdorpós-operatória,por
dimi-nuiraliberac¸ãodesubstânciasinflamatórias.
Em relac¸ão à dose, em recente estudo16 utilizando a
lidocaína intravenosa em pacientes submetidas à
mastec-tomia,osautores avaliaram36 pacientessubdivididas em
dois grupos,sendo 19mulheres nogrupoplacebo e 17no
grupo lidocaína. A lidocaína foi administrada na dose de
1,5 mg/kg, antesda incisão cirúrgica, seguida da mesma
dose a cada hora e que perdurou até 60 minutos após o
fechamento daincisão cirúrgica.Aconduta no
periopera-tórioparaprofilaxiadadorpós-operatóriafoiocetorolaco
30mgemdoseúnica.Osautoresobservaramquealidocaína
foicapazdeofereceranalgesiasuperioraoplaceboapenas
na quartahora de pós-operatório. Esses autores16
encon-tramumadiminuic¸ãona hiperalgesiacentralediminuic¸ão
naincidênciaegravidadedadorpós-operatóriapersistente
nogrupodalidocaína.
Napresente pesquisa, a ausência de efeito analgésico
adicionalnopós-operatórioimediato(nasprimeiras4horas
dopós-operatório)nogrupodalidocaínapodetersido
mas-carada pelaeficiência daprofilaxia dador pós-operatória
preconizada. Pois, foi sistematizado a administrac¸ão de
cetoprofeno 100mgedipirona2gseguidasdedipirona1g
a cada 6 horas por 24 horas. Associada a esses fármacos
foirealizada,emtodasaspacientes,infiltrac¸ãodaparede
torácica ipsilaterala mastectomiacom anestésico locale
vasoconstrictor.
Nãoháconsensoatualmentesobrequalomelhormétodo
de administrac¸ão da lidocaína. Vários regimes de infusão
têmsidoempregados:duranteacirurgiaexclusivamente,8
no intraoperatorio a continuar por mais uma hora16 ou
24 horas10 e até mesmo como analgesia controlada pelo
paciente.17 No entanto, na nossapesquisa, a escolha em
administrar a lidocaína por umperíodo de umahora sem
autilizac¸ãodeumadoseinicial(bolus),baseou-senorelato
deoutroestudodaautoriadestapesquisadora,18que
mos-trou benefício ao utilizar a lidocaína intravenosa em um
períodocurto e tambémporqueo procedimentocirúrgico
nainstituic¸ãotemdurac¸ãomédiahabitualdeumahora.
Aopc¸ão dadose de3 mg/kg baseou-senos resultados
analgésicos obtidospordosesterapêuticas empregadasna
práticaclínica(2-5mg/mL),dosesessasquealcanc¸amníveis
séricosde2g/mL.Comoosefeitos adversoslevesse
ini-ciam com níveis séricos superiores a 3g/mL, esta dose
resultaem umajaneladeseguranc¸afarmacológicaparao
usodalidocaínaintravenosa.19,20
Portanto, torna-se necessária a realizac¸ão de estudos
que preconizem o início da infusão de LI em relac¸ão ao
momentodaincisãocirúrgica,adurac¸ãodainfusãono
pós--operatório e a dose total da lidocaína intravenosa a ser
administrada, para que se defina o seu real papel na
analgesiapós-operatória emmulheres quesesubmetema
mastectomia.
Contudo, a não observac¸ão de vantagens analgésicas
nas pacientes submetidasa mastectomia podeestar mais
relacionada aotipo dedorresultantedesteprocedimento
cirúrgicodo quepropriamente aoregime deinfusão
utili-zado, umavezque a dordecorrente dascolecistectomias
laparoscópicas tem origem visceral, enquanto que a dor
pós-mastectomia tem origem somática. Por outro lado,
também,deveserconsideradoqueaintensidadeda
Tabela2 Ocorrênciaeintensidadedadoremtrêsmomentosdistintosenecessidadedeopioideem24horasdepós-operatório
Dorpós-operatória Lidocaína Placebo p
n % n %
Aodespertar 4/22 18,1 5/22 22,7 0,50
1ahoradoPO(SRPA) 14/22 63,6 12/22 63,4 0,37
24ahoradoPO 11/22 50,0 12/22 54,5 0,50
Dornoperíodode24horas
Leveamoderada 20/22 90,9 19/22 86,3 0,50
Forteamuitoforte24horas 2/22 9,09 3/22 13,6 Usodeopioidenopós-operatório
Opioide24horas 3/22 13,6 2/22 9,0 0,50
n,amostra;Opioide24h,necessidadedeopioidenasprimeiras24horasdepós-operatório;SRPA,saladerecuperac¸ãopós-anestésica; PO,pós-operatório.
e moderada e autilizac¸ão deanalgésicos simples como a dipironaassociadaaanti-inflamatóriosresultaemanalgesia adequada.
Nopresenteestudo,anecessidadedeopioidesfoiigual emambososgrupos.Essesdadossãosemelhantesaos relata-dosporoutrosautoresqueavaliaramoconsumodeopioide em mulheres submetidas à mastectomia.16 Esse resultado
difere de estudos realizados em pacientes submetidos a
cirurgiaslaparoscópicasemregimeambulatorial,14
colecto-miaslaparoscópicas,10ecolecistectomias,21ondeosautores
encontraramumadiminuic¸ãoemtornode50%doconsumo
deopioidenasprimeiras24horas.
Estudo realizado em seres humanos22 demonstrahaver
umaac¸ãoexcitatóriadoanestésicolocalnamusculaturalisa
dointestinoe,consequentemente,diminuic¸ãodadistensão
colonicaedodesconfortopós-operatório.Essaac¸ãojustifica
a capacidade dalidocaína em aliviar a dorvisceral como
foidemonstradoem modelosanimais,23,24 ecomprovada a
partirdosresultadosrelatadosemcirurgiasabdominais.
Essa respostaanalgésica positivaem cirurgias
abdomi-naisprovavelmentepodeserexplicadapelaac¸ãoinibitória
dalidocaínaintravenosanosreflexosvisceromotores
secun-dáriosadistensãodocólonereto,oquecontribuiparaalívio
dadorvisceral.9,10,13 Éimportanteressaltar quenasdores
decorrentesdeartroplastiadequadril25edemastectomia16
a lidocaína intravenosa não promoveu analgesia,
prova-velmente por se tratar de procedimentos cirúrgicos que
resultamem dorsomática,que sofre menor inibic¸ão pela
lidocaína.26
Esseachadocontribuiparaenfatizarahipótesedequea
lidocaínaintravenosatemefeitoanalgésicopreferencialnas
doresviscerais9,10,13 e neuropáticas.26,27 No entanto,
estu-dosrecentestêmdemonstradoquealidocaínaintravenosa
temac¸õesanalgésicas13eanti-hiperálgicas28,29queresultam
do bloqueio periférico dos impulsos ectópicos envolvidos
nanocicepc¸ãoetambémdesuaac¸ãonoscanais de
potás-sio,canaisdecálcioenosreceptoresacopladosaproteína
G. Também apresenta ac¸ão anti-inflamatória,30,31 efeito
esse, decorrentedadiminuic¸ãodoacúmulodeneutrófilos
no local dalesão e da reduzida liberac¸ão de mediadores
inflamatórios,29,30 essas ac¸ões justificam seu emprego na
abordagemmultimodaldaanalgesiapós-operatória.
Algumas limitac¸ões deste estudo devem ser
conside-radas. A dor foi pesquisada apenas no repouso. Sabe-se
quea dorpodesurgir ouseintensificar comomovimento
do membro do lado operado e a avaliac¸ão da dor
neste momento poderia trazer informac¸ões adicionais. A
dor ao movimento não foi pesquisada, porque a
con-duta do Servic¸o de Mastologia é a não movimentac¸ão do
membrodoladooperadonasprimeiras24horasapóso
pro-cedimentocirúrgico.Também,aavaliac¸ãodosintomaálgico
foi realizada por um curto período do pós-operatório (24
horas). No entanto,Grigora et al.16 ao estudar pacientes
submetidasamastectomianãodetectoudiferenc¸aentreos
escoresdedorquandoavaliouessaspacientesatéosétimo
diapós-operatório.
Em relac¸ão à dor pós-operatória persistente que
ocorre após mastectomia o benefício da lidocaína já foi
observado.16Noentanto,estetipodedornãofoiavaliada
noestudoatual.
Portanto, tornam-se necessárias novas pesquisas para
identificaramenordosecapazdepromoveranalgesia,«Qual
o regime de infusão mais adequado?»; e por fim,
confe-rir o valorda lidocaína notratamento multimodaldador
pós-operatóriaagudaecrônica.
Desta forma, neste estudo, a lidocaína intravenosa na
dosede3mg/kgadministradaemumperíododeumahora
notransoperatóriode mastectomianãopromoveu
analge-siaadicionalemrelac¸ãoaogrupoplacebonasprimeiras24
horase nãodiminuiuo consumo deopioide.Contudo, um
efeitobenéficodalidocaínaintravenosaempacientes
sele-cionadase/ouemoutrosregimesterapêuticosnãopodeser
descartado.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Agradecimentos
ÀCristáliaProdutos Químicose Farmacêuticos LTDA, pela
elaborac¸ãocuidadosaeéticadosfármacosparaapesquisa
(lidocaínaeplacebo).
Referências
2.VadiveluN,MitraS,NarayanD.RecentAdvancesin Postopera-tivePainManagement.YaleJBiolMed.2010;83:11---25.
3.MaierC,NestlerN,RichterH.Thequalityofpainmanagement inGermanhospitals.DutschArzteblInt.2010;107:607---14.
4.Couceiro TCM, Valenc¸a MM, Lima LC, et al. Prevalência e influência do sexo, idade e tipo de operac¸ão na dor pós--operatória.RevBrasAnestesiol.2009;59:314---20.
5.CouceiroTCM,Valenc¸aMM,RaposoMCF,etal.Prevalenceof postmastectomypain syndromand associated riskfactors:A cross-sectionalcohortstudy.PainManagNur.2014;15:731---7.
6.Elvir-Lorenzo OL, White PF. Postoperative pain management after ambulatory surgery: role of multimodal analgesia. AnesthesiolClin.2010;28:217---24.
7.WhiteP,KehletH.ImprovingPostoperativePainManagement WhatAretheUnresolvedIssues?Anesthesiol.2010;112:220---5.
8.LauwickS,KimDJ, MichelagnoliG, etal.Functional walking capacityasanoutcomemeasureoflaparoscopic prostatectomy-theeffectoflidocaineinfusion.BJA.2009;103:213---9.
9.Sun Y, Li T, Wang N, et al. Perioperative systemic lidocaine forpostoperativeanalgesiaandrecoveryafterabdominal sur-gery:ameta-analysisofrandomizedcontrolledtrials.DisColon Rectum.2012;55:1183---94.
10.Kaba A, Laurent SR, Detroz BJ, et al. Intravenous lido-caineinfusionfacilitatesacuterehabilitationafterlaparoscopic colectomy.Anesthesiol.2007;106:11---8.
11.BeloeilH, MazoitJX.Effect oflocalanestheticson the pos-toperative inflammatory response. Ann Fr Anesth Reanim. 2009;28:231---7.
12.ClarkeC,McConachieI,BannerR.Lidocaineinfusionasa res-cue analgesic in the perioperative setting. Pain Res Manag. 2008;13:421---3.
13.Marret E,Rolin M,Beaussier M,et al. Meta-análiseof intra-venouslidocaineand postoperativerecoveryafterabdominal surgery.BrJSurg.2008;95:1331---8.
14.DeOliveiraGS, FitzgeraldP,StreicherLF.Systemic lidocaine toimprovepostoperativequalityofrecoveryafterambulatory laparoscopicsurgery.AnesthAnalg.2012;115:262---7.
15.OlschewskA,Schnoebel-EhehaltR,LiY,etal.Mexiletineand Lidocaine Suppress the Excitability of Dorsal Horn Neurons. AnesthAnalg.2009;109:258---64.
16.GrigorasA,LeeP,SattarF,etal.Perioperativeintravenous lido-cainedecreasestheincidenceofpersistentpainafterbreast surgery.Pain.2012;28:567---72.
17.CepedaMS,DelgadoM,Ponce M,etal.Equivalent outcomes duringpostoperativepatients-contorledintravenousanalgesia
withlidocaineplusmorphineversus morphinealone. Anesth Analg.1996;83:102---6.
18.Couceiro TCM, Valenc¸a MM. Lidocaína endovenosa no trata-mento da síndrome SUNCT secundária a tumor de hipófise. Seguimentodeumapacienteporum períododequatro anos RelatodecasoRevDor.2013;14:320---2.
19.LaurettiGR.Mecanismosenvolvidosnaanalgesiadalidocaína venosa.RevBrasAnestesiol.2008;58:280---6.
20.OliveiraCMB,IssyAM,SakataRK.Lidocaínaporviavenosa intra-operatória.RevBrasAnestesiol.2010;60:325---33.
21.SaadawyIM,KakiAM,AbElLatifAA,etal.Lidocainevs. Mag-nesium:effectonanalgesiaafterlaparoscopiccholecystectomy ActaAnaesthesiolScand.2010;54:549---56.
22.McKay A, Gottschalk A, Ploppa A, et al. Systemic lidocaine decreasedtheperioperativeopioidanalgesicrequirementsbut failed to reduce discharge time after ambulatory surgery. AnesthAnalg.2009;109:1805---8.
23.MaggiCA,Manzini S, MeliA. contribution ofneurogenicand myogenicfactorsintheresponseofratproximalcolonto dis-tention.AmJPhisiol.1987;252.G447-57.
24.Ness TJ. Intravenous lidocaine inhibits visceral nocicep-tive reflexes and spinal neurons in the rat. Anesthesiol. 2000;92:1685---91.
25.Martin F, Cherif K, Gentili ME, et al. Lack of impact of intravenous lidocaine on analgesia, functional recovery, and nociceptivepainthresholdaftertotalhiparthroplasty. Anesthe-siol.2008;109:118---23.
26.KastrupJ,BachFW,PetersenP,etal.Lidocainetreatmentof painfuldiabeticneuropathyandendogenousopioidpeptidesin plasma.ClinJPain.1989;5:239---44.
27.Tremont-LukatsIW, HutsonPR,BackonjaMM. A randomized, double-masked,placebo-controlled pilottrialofextendedIV lidocaineinfusionforreliefofongoingneuropathicpain.ClinJ Pain.2006;22:266---71.
28.NasserR,YadlaS,MaltenfortMG,etal.Complicationsinspine surgery.JNeurosurgSpine.2010;13:144---57.
29.MitchellSJ, PellettO, Gorman DF.Cerebral protection byli-docaineduringcardiacoperations.AnnThoracSurg.1999;67: 1117---24.
30.MathewJP,MackensenGB,Phillips-ButeB,etal.Randomized, double-blinded, placebocontrolled study ofneuroprotection withlidocaineincardiacsurgery.Stroke.2009;40:880---7.