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Entre o protestantismo e os cultos afro: Especificidades do sincretismo das igrejas neo-pentecostais

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Academic year: 2017

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FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

HUMBERTO RAMOS DE OLIVEIRA JÚNIOR

Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros:

especificidades do sincretismo das igrejas neopentecostais

São Bernardo do Campo

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HUMBERTO RAMOS DE OLIVEIRA JÚNIOR

Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros:

especificidades do sincretismo das igrejas neopentecostais

Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre.

Orientador:

Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth

São Bernardo do Campo

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FICHA CATALOGRÁFICA

OL4e

Oliveira Junior, Humberto Ramos de

Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros : especificidades do sincretismo das Igrejas neopentecostais / Humberto Ramos de Oliveira Junior -- São Bernardo do Campo, 2013.

94 fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo Bibliografia

Orientação de: Lauri Emílio Wirth

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A dissertação de mestrado sob o título “Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros: especificidades do

sincretismo das igrejas neopentecostais”, elaborada por Humberto Ramos de Oliveira Jr foi apresentada e

aprovada em 16 de dezembro de 2013, perante banca examinadora composta pelos professores Doutores Lauri

Emilio Wirth (Presidente/UMESP), Leonildo Silveira Campos (Titular/UMESP) e Breno Martins de Campos

(Titular/PUC-Campinas).

__________________________________________ Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________ Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura

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AGRADECIMENTOS

Não há jornada que seja absolutamente solitária. Qualquer empreendimento humano bem-sucedido se dá mediante a contribuição direta e indireta de mentores, para nos guiar, de amigos e amigas, para nos motivar e, muitas vezes, amores, para nos inspirar.

Comigo não seria diferente. Expresso, então, minha gratidão àqueles que de uma forma ou de outra estiveram envolvidos no processo de confecção dessa dissertação, sem os quais eu não sei se teria conseguido.

Ao meu professor e orientador, Lauri Emílio Wirth, por contribuir com a elaboração dessa pesquisa, pelos conteúdos ensinados em sala de aula e pela paciência demonstrada para comigo nos momentos em que eu já não a esperava.

A Maryuri Mora Grisales, por ser minha amiga, irmã, conselheira e professora nas horas vagas, ajudando-me com as dúvidas e motivando-me quando estava sem forças.

Ao Carlos Beltrán, pela amizade, pelos bons momentos que passamos nesse período de estudo e pelas muitas risadas que demos juntos.

A Sueli Machado, pela generosa disposição em me acompanhar em um dos mais difíceis momentos da minha caminhada pessoal.

Ao meu pai e à minha mãe, Humberto e Fátima, pelo apoio e amor sempre demonstrados com palavras e gestos.

Aos meus sogros, Fábio e Eliane, pelo incentivo e suporte oferecidos desde sempre.

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A Isa Mara Fernandes, por ter sido sempre tão solícita e prestativa ao me atender na Biblioteca Central.

A Thais Brito, pelas conversas descontraídas em sua casa e o esforço em me fazer enxergar a pesquisa acadêmica como algo menos complicado.

Aos meus queridos irmãos e irmãs da Igrejinha, em especial a Tais e Keila Machado, a quem sou grato por oferecer a mim e à minha companheira momentos de deliciosa comunhão durante nossa estadia em São Paulo.

Aos queridos amigos e amigas do Grupo de Estudos do Protestantismo e Pentecostalismo, da PUC-SP, coordenado pelo professor Dr. Edin Sued Abumanssur.

De modo muito especial, à minha querida Jacqueline, minha companheira de todos os momentos, a quem devo minha maior gratidão por não me deixar desistir em momento algum nessa jornada e segurar minhas mãos em dias tristes e cinzentos, sem ela não seria quem sou nem estaria onde estou. Com você me sinto mais forte!

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OLIVEIRA JR, H. R.

Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros:

especificidades do sincretismo das igrejas neopentecostais.

Dissertação de

Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Universidade

Metodista de São Paulo (UMESP). São Bernardo do Campo, 2013.

RESUMO

Este trabalho teve como escopo analisar o sincretismo característico das igrejas evangélicas neopentecostais, abordando suas especificidades e algumas de suas consequências para o campo religioso brasileiro. Optou-se por enfatizar a relação do sincretismo neopentecostal com a cultura brasileira, com destaque para as religiões de matriz africana. A hipótese central é a de que o neopentecostalismo, devido ao seu perfil sincrético, apresenta-se como uma atraente opção entre protestantismo clássico e os cultos afro-brasileiros e a religiosidade popular brasileira. Esta hipótese foi testada tendo como foco principal a Igreja Universal do Reino de Deus. Para tanto, trabalhou-se com as obras de pesquisadores de referência sobre o tema, com bibliografia produzida por alguns líderes desse movimento e também com material videográfico disponível na internet, contendo discursos e práticas neopentecostais relevantes para esta pesquisa. Desse esforço, considerou-se que o neopentecostalismo constitui uma via intermediária entre a tradição protestante e a religiosidade afro e popular brasileira, havendo marcantes rupturas em relação à sua matriz de origem bem como muitas continuidades; o que faz desse movimento a expressão do protestantismo que mais se adequou à realidade brasileira.

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OLIVEIRA JR, H. R.

Between the Protestantism and the Afro-Brazilian services:

syncretism specificities of Neo-pentecostal churches

. Dissertation. Program of

Post-Graduation in Science of Religion. University Methodist University of São Paulo

(UMESP). São Bernardo do Campo, 2013.

ABSTRACT

This study was intended to analyse the characteristic syncretism of the neo-pentecostal evangelical churches by addressing their specificities and some consequences to the Brazilian religious filed. In this work it was chosen to emphasize the relationship of neo-pentecostal syncretism with Brazilian culture and also with the religions of African origin. The main hypothesis is the Neo-pentecostalism, due to its syncretic profile, presents itself an attractive option between the classical Protestantism and Afro-Brazilian services and the popular Brazilian religiosity. This hypothesis was tested with the main focus the Universal Church of the Kingdom of God. For that, it was worked with reference researchers’ job on the topic, with literature produced by some leaders of this movement and with videographic material available on internet containing neo-pentecostal speeches and practices relevant to this study. From this effort, it was considered that the Neo-pentecostalism is a middle way between the Protestant tradition and the African and popular Brazilian religiosity, with notable ruptures in relation to its origin as well as many continuities; what makes this movement the expression of Protestantism that most suited the Brazilian reality.

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Sumário

INTRODUÇÃO... 10

CAPÍTULO I ... 15

1 SINCRETISMO E NEOPENTECOSTALISMO NO BRASIL ... 15

1.1 Sincretismo: conceitos ... 15

1.1.1 A Religiosidade brasileira: potencialmente sincrética? ... 18

1.2 Neopentecostalismo ... 21

1.2.1 Neopentecostalismo no Brasil: classificações ... 22

1.2.2 A versatilidade neopentecostal: rupturas e continuidades com o ... 25

Protestantismo histórico ... 25

CAPÍTULO II... 33

2 O SINCRETISMO NA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS ... 33

2.1 Breve histórico da IURD ... 33

2.1.2 Expansão ... 36

2.2 IURD: um reflexo da contemporaneidade ... 39

2.2.1 O perfil da sociedade contemporânea e suas influências na religião ... 40

2.2.2 Uma igreja Hipermoderna? ... 43

2.2.3 Sincretismo iurdiano: uma estratégia exitosa ... 48

CAPÍTULO III ... 57

3 PECULIARIDADES DO SINCRETISMO IURDIANO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO ... 57

3.1 Um sincretismo de inversão ... 58

3.2 Consequências do sincretismo iurdiano no campo religioso brasileiro ... 64

3.2.1 Neopentecostalismo e intolerância religiosa: o cenário atual ... 65

3.2.2 A humilhação dos demônios pela exposição dos fiéis ... 71

3.2.3 Neopentecostalismo: uma atraente opção entre o protestantismo e os cultos mediúnicos ... 74

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 83

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INTRODUÇÃO

Embora o pentecostalismo tenha surgido nos Estados Unidos no início do século XX, seu crescimento vertiginoso garantiu sua presença em todo o globo terrestre, de modo que pode ser encontrado desde a América Latina, África, Ásia até a Oceania (ROBBINS, 2004, 117). No Brasil, esse grupo constitui o maior dentre as denominações não-católicas. E entre esses, os neopentecostais, embora não sendo numericamente superiores às igrejas pentecostais chamadas clássicas, estabelecem-se como o grupo de maior exposição e impacto exercido na esfera religiosa, tendo em vista seu forte aparato midiático e seu investimento sistemático no universo da política partidária (CAMPOS, 2010, p. 179).

No que diz respeito à visibilidade, pode-se dizer que os evangélicos no Brasil estão na “crista da onda”. Nunca antes esse grupo esteve tanto na mídia quanto hoje, tampouco tiveram tão significativo poder político como o que têm alcançado por meio da conhecida Bancada Evangélica. Suas aparições nos noticiários se devem a fatos diversos, desde o embate ideológico com “outras minorias” até escândalos pessoais de seus líderes. Nesse bojo, novamente destacam-se os neopentecostais, cujo poder midiático parece aumentar a cada dia, proporcionando ainda mais poder político-religioso aos seus líderes.

Esses líderes, de forma especial, chamam ainda mais a atenção, seja pelos mega-templos ou pela compra de horários nobres em diversas emissoras de TV, mas principalmente pelas características peculiares contidas em seus discursos e práticas religiosas. Aliás, desde sua emergência, os neopentecostais têm provocado significativa repercussão no campo da religião e até mesmo da cultura brasileira devido a suas práticas agressivas (MELO, 2012).

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acerca dos quais ele se vale para formular esse sincretismo. Assim sendo, importa averiguar as características do sincretismo neopentecostal e questionar quais são seus efeitos.

Trata-se de um movimento extremamente dinâmico, que requer a todo momento a tentativa de releituras, novas discussões e novas considerações a respeito de sua atuação na sociedade brasileira. Não se considerou aqui como sendo importante propor novas classificações, mas apenas compreender os rumos tomados por esse grupo. Até porque, dada a complexidade do tema, tratar da classificação por si só já requereria a elaboração de uma dissertação à parte.

Nesse sentido, é oportuna a análise de Edin Sued Abumanssur (2011, p. 402):

Três textos marcaram esse momento [de pesquisas do neopentecostalismo na década de 1990]: de Paul Freston (FRESTON, 1996), Breve história do pentecostalismo no Brasil; de Leonildo Silveira Campos (CAMPOS, 1997), Teatro templo e mercado; e de Ricardo Mariano (MARIANO, 1999), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. O texto de Freston, um artigo elaborado a partir de sua tese de doutoramento, foi a mais bem-sucedida tentativa de pôr ordem no universo pentecostal. O paradigma das ondas de implantação do pentecostalismo perdura ainda nos dias de hoje, apesar das tentativas de superação dessa abordagem. Os dois textos seguintes, o de Campos e o de Mariano, tiveram o condão de dar uma cara a um novo tipo de pentecostalismo que ganhava visibilidade ofuscante. O termo neopentecostalismo ficou pespegado indelevelmente às novas igrejas pentecostais a ponto de tornar-se uma categoria êmica.

Então, optou-se aqui pelas categorizações clássicas já sedimentadas: a metáfora das ondas, de Paul Freston, e o termo neopentecostalismo, utilizado pelos mais proeminentes pesquisadores do pentecostalismo no Brasil.

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A expectativa inicial da pesquisa tendia para a hipótese de que o neopentecostalismo brasileiro não pertencesse ao protestantismo evangélico brasileiro. Suas constantes inovações na forma e conteúdo o teriam distanciado de tal forma de suas matrizes que, apesar de serem vinculados aos protestantes e evangélicos pelas pesquisas estatísticas e, especialmente, pelo Censo do IBGE, suas rupturas seriam mais significativas do que suas continuidades.

Entretanto, no decorrer da pesquisa, por meio da leitura de especialistas em pentecostalismo, diálogos com o orientador e outros pesquisadores, pareceu por bem não seguir essa perspectiva. Conforme poderá ser visto no desenvolvimento da dissertação, os neopentecostais possuem, sim, rupturas em relação à sua origem protestante, porém também sustentam importantes continuidades. Ainda que seja um segmento altamente mutante, também se trata de um grupo relativamente jovem dentro do campo protestante, especialmente considerando-se que o pentecostalismo por si só ostenta oficialmente pouco mais de cem anos de surgimento.

Assim sendo, preferiu-se focar nas especificidades do sincretismo que vem sendo apresentado e suas consequências para o campo religioso brasileiro, mais detidamente para sua própria existência e também para com os grupos afro-brasileiros e a religiosidade popular. Levando-se em conta o quão competitivo o mercado religioso têm se mostrado, o sincretismo favorece sua sobrevivência nesse cenário? E o que dizer dos conflitos existentes entre neopentecostais e fiéis dos cultos de herança afro-brasileira, qual a razão?

Para responder a tais perguntas, fez-se necessário, antes de mais nada, abordar o conceito de sincretismo, esforço contido no Capitulo I. A razão para tal tarefa estava na preocupação de evitar quaisquer confusões a respeito desse termo. Assim, procurou-se apresentar qual o entendimento deste pesquisador acerca da expressão sincretismo, o que também contribuiu para orientar os caminhos a serem seguidos mais adiante. Além disso, procurou-se abordar a riqueza da cultura brasileira, enfatizando sua pluralidade e ecletismo. Com isso, foi explorado o lugar social no qual o movimento neopentecostal viria a surgir, o contexto a partir do qual ele emerge e com o qual se relaciona intimamente em constante tensão.

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crescimento e principais características. Não escapando desse tópico a discussão a respeito das rupturas sofridas e continuidades entre neopentecostais e protestantes e evangélicos.

Já no Capítulo II, decidiu-se por certo afunilamento, proporcionando mais objetividade ao falar do movimento. Assim, tomou-se a Igreja Universal do Reino de Deus1 como denominação paradigmática, por meio da qual se pode estudar o fenômeno neopentecostal. Isso porque a história de suas origens, formação e consolidação se confunde com a gênese e desenvolvimento do movimento neopentecostal brasileiro, visto que seu surgimento é tido como referência para a pesquisa e estudo dos neopentecostais. A influência desse grupo é decisiva para espalhar práticas, discursos e comportamentos entre diversas outras igrejas. Não apenas influenciou, mas também deu origem a outras importantes denominações neopentecostais.

A título de exemplo, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Mundial do Poder de Deus (ROMEIRO, 2005, p. 53; BLEDSOE, 2012, pp. 53-54), respectivamente, surgiram de cisões originadas de tensões de importantes lideranças com a figura do bispo Edir Macedo, um dos fundadores e hoje líder máximo da IURD. Entretanto, outras pequenas igrejas Brasil afora surgiram da própria IURD ou inspiradas por ela. Essas pequenas igrejas, por sua vez, deram origem a outras igrejas e assim por diante. Um perfil recorrente no protestantismo, talvez bem mais recorrente no cenário religioso brasileiro do que o revelado por pesquisas até o momento.

Para tanto, é oferecido um sucinto histórico dessa denominação, abordando a sua expansão e refletindo sobre sua adequação às demandas de seu tempo. E, nesse sentido, o sincretismo mostra-se não apenas como um modo de manter-se de pé diante da concorrência mas também como importante estratégia de expansão, sendo importante questionar qual o preço para esse crescimento. Quais os resultados?

Em resposta a esse questionamento, o Capítulo III aborda o tipo de sincretismo encenado pela IURD, enfatizando suas peculiaridades. Daí em diante, procura-se tratar de modo mais acurado a relação conflituosa entre neopentecostais e fiéis de cultos de tradição afro. Tal ênfase justifica-se, pois esta igreja protagoniza, em seus cultos e programas televisivos, um verdadeiro confronto direto com as religiões de matriz africana e, indiretamente, com as crenças da religiosidade popular.

1 Para fins de comodidade e estética, a Igreja Universal do Reino de Deus também poderá ser chamada

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Portanto, são abordados os efeitos dessa tensão. Aqui o foco principal é tema da tolerância religiosa, mas não apenas isso, também será levantado um questionamento acerca da clara exposição (e o tipo de exposição) dos frequentadores dos cultos, quando da prática do exorcismo. Prática essa bastante enfatizada por alguns neopentecostais e que assume importante lugar na liturgia da IURD.

Por fim, ainda nesse último capítulo, com base na tensão existente entre neopentecostais e africanistas, será lançada a reflexão sobre o potencial atrativo desse grupo evangélico no mercado religioso nacional como opção entre o protestantismo e as religiões mediúnicas. Em outras palavras, ao que parece, igrejas como a IURD oferecem, por meio do seu sincretismo, uma espécie de síntese entre uma religião racional, aceita socialmente, que a cada dia ocupa mais espaço na sociedade e um outro grupo, anteriormente hostilizado e que ainda sofre preconceitos, místico, de enorme riqueza simbólica acerca do mundo sobrenatural.

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CAPÍTULO I

1 SINCRETISMO E NEOPENTECOSTALISMO NO BRASIL

Para se falar de sincretismo, é preciso antes conceituá-lo minimamente a fim de orientar nossos passos e evitar qualquer equívoco a respeito da expressão. Afonso M. L. Soares (2002, p. 45) comenta que “a palavra sincretismo é hoje bem aceita, desde que esclarecidas algumas distinções internas ao termo”. Assim sendo, faz-se necessário abordar as qualidades da expressão “sincretismo”; especificamente definir o conceito com o qual se irá trabalhar a fim de permitir um diálogo claro sobre o assunto.

1.1 Sincretismo: conceitos

Ao se dizer que determinado grupo religioso é sincrético, ou se tornou sincrético, poderia supor que se esteja dizendo, de forma pretensiosa ou mesmo inocente, que haja algum grupo religioso puro. Este grupo religioso puro teria resistido a influências culturais de toda sorte. Desta forma, estar-se-ia diante de uma religião absolutamente original. Contudo, falar de religião é falar do ser humano. E falar do ser humano implica reconhecer sua complexidade e a diversidade de fatores bio-psico-sócio-espirituais que influenciam sua vida em todas as esferas, em todos os tempos e lugares.

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outras, por esse mero contato, já transformam a realidade alheia e a sua própria de modo indelével.

Assim, sabe-se que não há grupo religioso privilegiado pela pureza doutrinal. Bem como parece mais aceitável a ideia que reconhece a possibilidade de enriquecimento das religiões quando de seus encontros. Entretanto, se a mistura é por si só inevitável, como falar de sincretismo? Como avaliar que esta e aquela religião mixam elementos uma da outra e vice-versa?

Nesse sentido, é pertinente atentar para as características assumidas, idealizadas pelos fiéis e líderes religiosos e, a partir daí, investigar as possíveis consequências do encontro de crenças, tradições e práticas muitas vezes diametralmente antagônicas. E, por antagônicas, quer-se indicar o contexto no qual há razões (claras ou mesmo não tão claras) para que não houvesquer-se confluência entre essas fés. É pertinente dizer que essa confluência é mais do que a viabilização do diálogo entre diferentes, mas na verdade a adição de elementos outros que, até dado momento, não faziam parte de seu sistema de crenças e significados já sedimentado.

Para Sérgio F. Ferreti (1995, p. 91),

O sincretismo acontece na religião, na filosofia, na ciência, na arte, e pode ser de tipos muito diversificados. Nas religiões afro-brasileiras podemos localizar vários tipos, conforme o aspecto que se esteja estudando ou a ênfase do estudo. Para evitar mal-entendidos e confusões, é preciso explicar exatamente o sentido que se quer dar ao termo que está sendo utilizado. Apesar dos aspectos pejorativos que prevalecem, sincretismo é um fenômeno que existe em todas as religiões, está presente na sociedade brasileira e deve ser analisado, quer gostemos ou não.

E ao afirmar que o fenômeno deve ser estudado “quer gostemos ou não”, qual a razão? É pertinente, no caso deste trabalho, as peculiaridades do sincretismo de um grupo específico e suas consequências no campo religioso. Nesse caso, analisar-se-á essa característica específica do movimento neopentecostal, tendo como modelo paradigmático a Igreja Universal do Reino de Deus, que, devido às características manifestas, apresenta-se como um grupo evangélico, surgido do pentecostalismo e que assumiu um perfil marcadamente sincrético.

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conta de explicar a expressão. Assim, ao partir da hipótese – mera hipótese a fim de amparar seu raciocínio – da “ausência de sincretismo”, caracterizado por “separação”, “não sincretismo” (hipotético), elegeu:

1- mistura, junção, ou fusão, 2- paralelismo ou justaposição 3- convergência ou adaptação

O mérito de tal esforço talvez esteja na objetivação do conceito, evitando a psicologização e divagações subjetivas acerca das razões pelas quais o grupo religioso ou o devoto assumem práticas sincréticas. Com peculiar sobriedade, continua:

Podemos dizer que existe convergência entre ideias africanas e de outras religiões, sobre a concepção de Deus ou sobre o conceito de reencarnação; que existe paralelismo nas relações entre orixás e santos católicos; que existe mistura na observação de certos rituais pelo povo-de-santo, como o batismo e a missa de sétimo dia, e que existe separação de rituais específicos de terreiros, como no tambor de choro ou axexê, no arrambam ou no lorogum, que são diferentes dos rituais das outras religiões. Nem todas estas dimensões ou sentidos de sincretismo estão sempre presentes, sendo necessário identificá-los em cada circunstância. Numa mesma casa e em diferentes rituais, podemos encontrar assim separações, misturas, paralelismos e convergências (ibidem, p. 91).

É especialmente atraente a definição acima pois compreende a complexidade de se definir algo tão intrigante, que se dá por diversos meios e por vários fatores. Aliás, conquanto haja distintas definições do fenômeno, sua complexidade é ponto indiscutível entre os pesquisadores. Sendo perceptível até mesmo nas elaborações que esses forjam a fim de conceituar o dado e poder manipulá-lo com mais acuidade. José Bittencourt Filho, para fundamentar sua tese de uma Matriz Religiosa Brasileira, também trabalhou a expressão, afirmando que

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simbiose de elementos culturais. Tal simbiose acontece como resultado de uma nova fisionomia cultural, na qual se combina e se soma, em maior ou menor intensidade, as marcas de culturas originárias. Por intermédio de fusões e interpretações, os indivíduos e os grupos assimilam atitudes, sentimentos e tradições de outros indivíduos e de outros grupos e, de alguma maneira, partilhando suas respectivas experiências e histórias, terminam como que incorporados numa mesma vivência cultural (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 63).

No caso específico dos ameríndios e também dos africanos (trazidos como escravos), subjugados pelo europeu, cristão, católico, esse processo se deu em termos de resistência. Uma opção, especialmente para os negros, a fim de que toda a riqueza (vale dizer) de distintas culturas da África, incluindo, sobretudo, suas características religiosas, fosse aniquilada em solo brasileiro. Para tanto, analisando caso a caso, poder-se-á perceber diferentes modos de manifestação desse fenômeno. De modo que, qualquer definição, por mais elaborada que fosse, não chegaria a dar conta da totalidade e grandeza do tema.

Outra situação, talvez completamente distinta, é a que será examinada mais adiante, quando for abordada as peculiaridades do sincretismo presente no neopentecostalismo. Ora, exatamente por se tratar de indivíduos, grupos e tradições distintos, é que se torna inviável sustentar esse ou aquele conceito como sendo suficiente para exaurir o tema. Ainda assim, com toda a complexidade reconhecida, muitos autores parecem dizer as mesmas coisas apenas utilizando expressões diferentes. Pois, no que diz respeito ao resultado final, o que se percebe em grupos que tenham sofrido transformações significativas em dado momento histórico, por conta do sincretismo, é a existência simultânea de elementos distintos num mesmo grupo ou indivíduo. Certamente, assumidos de forma peculiar em acordo com as peculiaridades dos grupos e pessoas envolvidos.

1.1.1 A Religiosidade brasileira: potencialmente sincrética?

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diferentes tribos africanas contribuiriam juntamente para a formação dessa nação culturalmente tão rica. As marcas dessas misturas podem ser vistas no multiculturalismo reinante em nosso território. Sendo que cada região possui tradições ligadas a músicas, danças, comidas e religiosidades específicas. Essa mistura viria a contribuir para o perfil de uma religiosidade tupiniquim.

No clássico Casa grande e Senzala, Gilberto Freyre aborda a formação do povo brasileiro referindo-se a ela como um processo de equilíbrio entre antagonismos, dada a imensa diversidade:

Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia e a agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O Bacharel e o analfabeto. Mas predominante sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo (2000, p. 125).

É certo que esse equilíbrio não se deu sem dolorosos encontros. A hegemonia da Igreja Católica submeteria as vivências religiosas tradicionais tanto dos povos originários quanto dos africanos a profundas transformações. Especialmente o negro sofreria pela imposição e perseguição às práticas de culto trazidas de seu continente de origem. De forma que a subsistência de suas crenças se deu especialmente pela força interior que marcaria sua resistência.

AfonsoM.L. Soares destaca que:

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nível dos significantes, entre as suas crenças e aquelas portuguesas (2002, p. 48).

O vínculo de tempos imemoriais com suas crenças resultou em práticas sincréticas como uma saída criativa para a proibição da vivência destas. Assim, o negros assimilaram semelhanças entre o panteão de Santos Católicos e seu próprio panteão de orixás. Desse modo, os Santos Católicos não somente passam a representar seus orixás como também, com procedimentos desse gênero, os negros reinterpretam inúmeras festas católicas:

Exu é festejado no dia de São Bartolomeu; Xangô, no dia de São João; Ogum divide as comemorações com São Jorge; Omolu, com São Sebastião; os Ibejis (orixás da infância), na festa de Cosme e Damião; Oxalá brilha nos festejos do ano novo (na Bahia, na festa do Senhor do Bonfim); e Iansã, no dia de Santa Bárbara . Mas, as datas e as correspondências santo-orixá não são iguais para todas as regiões do Brasil. Xangô é São Jerônimo na Bahia, o Arcanjo São Miguel no Rio de Janeiro, e São João em Alagoas. Exu é o diabo na Bahia (talvez, por causa de seu caráter trickster), Santo Antônio no Rio de Janeiro, São Pedro no Rio Grande do Sul (aqui entendido como porteiro e mensageiro dos deuses) (SOARES, 2002, p. 50).

Essas e outras facetas concederam aos africanos manterem vivas suas tradições religiosas e, mais que isso, contribuíram decisivamente para que o próprio Catolicismo sofresse transformações devido a influência das crenças dos negros. De modo que o catolicismo popular é marcado pela existência de superstições, rituais, rezas e benzedeiras que a priori pouco ou nada têm a ver com a religião formal, clerical, dominada por brancos europeus.

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Observando essa realidade, José Bittencourt Filho sustenta a tese de uma Matriz Religiosa Brasileira, peculiar, característica desse povo e que se percebe na maneira como se experimenta a fé nessas terras. Em um trecho de sua obra, explana:

(...) formas, condutas religiosas, estilos de espiritualidade, e condutas religiosas uniformes evidenciam a presença influente de um substrato religioso-cultural que denominamos Matriz Religiosa Brasileira. Esta expressão deve ser apreendida em seu sentido lato, isto é, como algo que busca traduzir uma complexa interação de idéias e símbolos religiosos que se amalgamaram num decurso multissecular, portanto, não se trata stricto sensu de uma categoria de definição, mas de um objeto de estudo. Esse processo multissecular teve, como desdobramento principal, a gestão de uma mentalidade religiosa média dos brasileiros, uma representação coletiva que ultrapassa mesmo a situação de classe em que se encontrem. (...) essa mentalidade expandiu sua base social por meio de injunções incontroláveis (...) para num determinado momento histórico, ser incorporada definitivamente ao inconsciente coletivo nacional, uma vez que já se incorporara, através de séculos, à prática religiosa (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 42ss).

Para tanto,depois de lançar a reflexão sobre sincretismo, e posteriormente apontar para os traços característicos do povo brasileiro, importa dizer que o ponto nevrálgico não é, como sustentam muitos, a de que esse povo seja essencialmente sincrético, e sim que, mais que isso, é profundamente aberto/inclinado/permeável a esse tipo de comportamento religioso.

1.2 Neopentecostalismo

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justifica pela relevância conquistada por eles desde que se tornaram o maior segmento entre as religiões não católicas no Brasil.

Seus aspectos mais interessantes talvez estejam ligados ao uso de recursos do marketing

empresarial, o investimento na tecnologia rádio-televisiva e o forte envolvimento com a política partidária. Assim, o neopentecostalismo vem destacando-se como um dos mais atraentes grupos dentro do cenário religioso atual. Sua versatilidade, sua habilidade em se aculturar, sendo portador de um discurso fortemente palatável e atraente ao seu público potencialmente consumidor é bastante notória e, devido à velocidade com que consegue isso, admiravelmente interessante.

O crescimento e consolidação desse grupo em termos numéricos, financeiros e políticos, sendo possuidores de emissoras de rádio e televisão, dentre outros veículos de comunicação, faz com que constitua um grande desafio às igrejas protestantes históricas, católica, religiões afro (sobre as quais muitas vezes direcionam seu discurso bélico) e, obviamente, aos estudiosos da religião.

As constantes aparições de lideranças e personalidades que fazem parte desse grupo em programas de televisão não religiosos revelam sua crescente influência e poder de interação com a cultura vigente, solidificando-se como uma opção cativante àqueles que procuram experimentar a religião hoje.

1.2.1 Neopentecostalismo no Brasil: classificações

Não obstante às igrejas históricas tenham sido as primeiras a “fincar” suas bandeiras no Brasil, a face mais conhecida do protestantismo no país hoje é, sem dúvida, a do pentecostalismo; representado especialmente pelas Assembleias de Deus e Congregação Cristã do Brasil, as duas maiores denominações evangélicas do país.

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O pentecostalismo se espalha no mundo a partir dos acontecimentos da Rua Azuza, no início do século XX, tendo como figura exponencial o filho de ex-escravos J.W. Seymor. No Brasil, fora trazido por imigrantes europeus (que também haviam tido contato com o pentecostalismo negro nos Estados Unidos) também de origem marginal. Como não poderia ser diferente, o movimento teve grande êxito entre os mais pobres (ALENCAR, 2010, pp. 29-31).

O pentecostalismo brasileiro tem sido classificado já há algum tempo com base na linha proposta pelo sociólogo inglês radicado no Brasil, Paul Freston (1994, p. 70), que o identificou por meio da metáfora das ondas: primeira, segunda e terceira onda de implantação do pentecostalismo brasileiro. De modo que cada onda estava relacionada a uma ênfase específica das igrejas por elas representadas. É importante reconhecer que, como qualquer classificação teórica, ela não compreende o movimento em toda a sua complexidade, contudo ainda constitui ferramenta bastante pertinente a fim de se compreender o desenrolar do pentecostalismo no Brasil.

Primeira Onda – Congregação Cristã (1910) e Assembleia de Deus (1911)

Segunda Onda – Igreja do Ev. Quadrangular (1953), O Brasil para Cristo (1955), Deus é amor (1962), Casa da Benção, dentre outras

Terceira Onda – IURD (1977), Internacional da Graça (1980), Cristo Vive (1986),

Renascer em Cristo (1986), etc.

De acordo com Freston:

A ênfase primeira da primeira onda pentecostal foi o batismo com o Espírito Santo certificado pelas línguas, a da segunda onda foi a cura, e a da terceira é a libertação, pelo exorcismo, da possessão maligna relacionada principalmente com os cultos mediúnicos (1994, p. 139).

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mentalidade pentecostal, mas que se consideram adeptas de uma ‘renovação espiritual’ dentro dos próprios quadros denominacionais a que pertencem” (MARIANO, 1995, p.33).

A despeito da classificação, este é o movimento que mais se alinha ao ethos brasileiro. No que tange à musicalidade, por exemplo, lançaram mão da percussão, permitem a utilização de instrumentos musicais variados em seus cultos, tornaram sua liturgia mais leve e solta, substituíram o terno e a gravata por trajes mais informais (em alguns casos até mesmo para os oficiantes das celebrações, como na Renascer e na Bola de Neve Church, por exemplo).

O mais importante fator de diferenciação entre o neopentecostalismo e sua matriz de origem pentecostal/protestante é o afrouxamento2 ético. Sobre isso, Gedeon Alencar afirma:

(...) uma religião liberal nos costumes, com espaços eticamente mais elásticos, onde a classe média, que ironicamente é também a mais atraída para o candomblé, pode se sentir “bem” sem o policiamento típico as igrejas pentecostais e o conservadorismo das chamadas igrejas protestantes (2005, p. 85).

O neopentecostalismo não apenas se adequou ao perfil brasileiro, mas também se adequou ao mercado de consumo, de modo que o êxito de seus empreendimentos e crescimento não se explica apenas pelo “jeito de ser” assumido por esse grupo. Aderir a uma lógica de mercado fora decisivo para atrair maior número de fiéis/consumidores. E para tanto, tiveram de aceitar e jogar com as regras do jogo.

Desse modo, as igrejas neopentecostais, embora sendo igrejas e realizando suas celebrações em templos, assemelham-se em muito a supermercados nos quais se vende quase de tudo. Nesse caso, supermercados da fé, disputando a clientela disponível no extenso e promissor mercado religioso brasileiro.

Nesse jogo, não se traz uma teologia pronta que os pregadores oferecerão ao povo. Ao contrário, ela é elaborada na relação direta com o fiel/cliente. Daniel Garlindo (2009, 15), autor de um artigo que analisa a competitividade entre os evangélicos, comenta que “antes de comunicar, faz-se necessário chamar a atenção do fiel.” Isso implica em reconhecer a máxima empresarial de que o marketing deve começar com o consumidor, e não com o processo de

2 O mesmo argumento – o da frouxidão ética – também fora utilizado muitas vezes a fim de justificar a

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produção, que neste caso será sempre sujeito ao gosto do cliente, em prol da maior e melhor satisfação (GARLINDO, 2009, p.19).

Assim, as igrejas neopentecostais não apenas aderiram à lógica da sociedade de consumo, com todas as consequências da globalização, como também investiram em uma propaganda que apresenta um produto já assimilado pelo “paladar do freguês”. Empenharam-se essencialmente na elaboração de pontos de intersecção entre as crenças populares (especialmente das religiões afro e catolicismo popular) e apresentando certa proximidade com o universo simbólico-religioso do povo brasileiro (essencialmente místico e desejoso por manifestações sobrenaturais).

1.2.2 A versatilidade neopentecostal: rupturas e continuidades com o Protestantismo histórico

Antes de tudo, é importante ressaltar que a religião não apenas se relaciona com a cultura como também faz parte dela, constituindo-se em uma subcultura dentro de um ambiente cultural maior. Isto é, um sistema simbólico-cultural inserido em um contexto cultural – mais amplo – e que com ele se relaciona, influenciando e sendo influenciado por este.

Para tanto, é pertinente notar que o protestantismo, de onde se desenrola – em última instância – o movimento neopentecostal, quando implantado no Brasil, enquanto religião estrangeira (portanto, carregada de características culturais alheias à do povo brasileiro), apresentava-se como um grupo que pouco ou nada tinha a ver com as características culturais locais.

O protestantismo de emigração era marcadamente étnico, portanto restrito aos grupos e colônias de estrangeiros que se dirigiam ao Brasil; o protestantismo de missão, profundamente proselitista, não tinha intenção de interagir com a vida social mas apenas cooptar para si maior número de fieis; por sua vez, os protestantismo pentecostal, intensamente escatológico, possuía uma teologia que na prática constituía um desenrolar do proselitismo do protestantismo de missão aliado a uma exagerada ética ascética extramundana, que visava salvar as pessoas da sociedade (mundo).

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(...) o protestantismo que se espalhou pelo mundo no século XIX encontrou culturas diferentes às quais se ajustou com dificuldade ou mesmo nunca se amoldou. O protestantismo que veio para a América Latina, por exemplo, encontrou a cultura da latinidade já firmemente instalada sobre os pilares da Igreja Católica (MENDONÇA, 2008, p. 96).

A religião protestante, dotada de um conteúdo ético rigoroso, encontraria resistentes barreiras culturais no Brasil, como, por exemplo, costumes sexuais, o modo como se exercia o comércio e o trabalho. O forte trunfo da religião protestante em solo brasileiro se daria por meio do seu sistema de educação, que não somente causou boa impressão nas elites liberais como também conquistou adeptos através da conversão. Ainda assim, a dificuldade de adequação cultural e, por conseguinte, de conquistar seu espaço no seio da sociedade fez com que os rumos dessa religião no Brasil fossem diversos daqueles tomados em seus locais de origem.

Segundo Mendonça (2008, p. 97):

O conversionismo protestante teve, então, de percorrer caminho inverso: em seus lugares de origem o convertido era um instrumento enviado pela religião ao mundo para mantê-lo ou aperfeiçoá-lo; aqui, o convertido é um indivíduo tirado do mundo para que se salve na religião, o que quer dizer na Igreja. Esta inversão poderia ser assim resumida: aqueles salvam-se na cultura e estes salvam-se da cultura.

Em outras palavras, pode-se dizer que em sua relação com a cultura local, o protestantismo abandonou a ética ascética intramundana, analisada por Max Weber em suas pesquisas, para assumir em terras tupiniquins outro perfil, com uma ética monástica – ou seja, isolacionista, sectária. Assim, a espiritualidade protestante deveria se restringir à vivência das comunidades de fé. De tal modo, sua relação com a cultura tornou-se bastante controversa, não havendo interesse em sua regeneração ou manutenção, conforme acima mencionado, mas sua negação (a da cultura) pela negação do mundo.

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identificar com a cultura dos missionários que vinham dos Estados Unidos, passando a ostentar a carga de etnocentrismo transmitida juntamente com a pregação do evangelho, marcadamente dominada pela ideologia do “destino manifesto”3.

De modo que, mesmo em um clima tropical e das altas temperaturas aqui vigorantes, vestir-se de terno tornou-se algo essencial ao cristão protestante; embora não fossem os instrumentos mais populares entre os brasileiros, o piano e o órgão eram os únicos dignos de fazerem parte dos cultos, rejeitando com todas as forças, especialmente, qualquer instrumento de percussão; o corpo, sempre importante nas manifestações culturais brasileiras, deveria ser domesticado e assumir uma austeridade “britânica”, refletida em cultos sóbrios, com liturgia rígida e discurso racional – não havendo qualquer espaço para manifestações emocionais.

Nem mesmo os mais tendenciosos críticos do neopentecostalismo chegam a negar sua herança protestante. Sua árvore genealógica possui a mesma raiz que as demais igrejas pentecostais que, assim como as protestantes históricas, são herdeiras da Reforma. Não obstante, sua acomodação cultural e adaptação às demandas da sociedade de consumo acentuam seu distanciamento das demais igrejas protestantes.

Ricardo Mariano, ainda no final década de 90 escreveu um artigo no qual contrapunha a ideia, anteriormente apregoada, de que na América Latina estaria ocorrendo uma nova Reforma Protestante, isto é, que em um continente no qual vigora forte catolicismo popular, o protestantismo estaria alcançado considerável guarida. Para Mariano, em O futuro não será protestante, ao apresentar sua tese, afirmava que o grande responsável pelo crescimento do protestantismo entre os povos latino-americanos é o pentecostalismo, porém esse se distanciava cada vez mais de um “rosto protestante”. Ora, não que com isso quisesse afirmar que as igrejas pentecostais não coubessem mais debaixo da classificação “protestantismo”, contudo assinalava, enfatizando importantes transformações desse grupo, seu contínuo distanciamento de sua matriz.

Tendo em conta as acomodações promovidas pelo neopentecostalismo e o processo de dessectarização das vertentes pentecostais precedentes, o que cresce e se firma entre nós é uma religião que cada vez mais deita raízes em nossa sociedade e é por ela influenciada num processo de assimilação mútua. A assimilação da cultura ambiente, não obstante sua rivalidade com outras

3 Pensamento teológico estadunidense que alega serem os Estados Unidos escolhidos por Deus para atuar

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religiões e as contínuas importações teológicas dos Estados Unidos, constitui o processo pelo qual está passando o pentecostalismo brasileiro, que, com isso, vai adquirindo fisionomia cada vez menos “protestante.” (MARIANO, 1999, P. 110).

Difícil também é negar as modificações sofridas por essas igrejas. No entanto, vale perguntar: Até que ponto vai esse distanciamento? Seria o caso de, quatorze anos depois da reflexão apresentada pelo eminente pesquisador, dizer que os neopentecostais caminham para uma ruptura total com o protestantismo?

Certamente, não é a maior preocupação aqui avaliar, de forma abrangente, as razões desse distanciamento. Nem tampouco ousar reclassificar esse movimento dentro do campo religioso brasileiro. Isso fugiria do escopo desta pesquisa. Por outro lado, importa examinar, ainda que brevemente, o que caracteriza esse deslocamento e, obviamente, o que há de continuidade entre o neopentecostalismo e o protestantismo clássico.

Importante contribuição nesse sentido é oferecida por Paulo Siepierski, cujos trabalhos ressaltam a importância de vincular as crenças teológicas às práticas sociais desse movimento a fim de poder examinar o fenômeno pentecostal. Na sua perspectiva, enfatiza o abandono de uma teologia pré-milenarista característica dos primeiros grupos pentecostais para uma teologia pós-milenarista.

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Se outrora os pentecostais apresentavam uma ética de contracultura (traço herdado do protestantismo de missão que aqui aportou), com posturas ascéticas e boa dose de sectarismo (MARIANO, 1999, p. 100), embasados na esperança conformista da manifestação do Reino de Deus, agora abandonam essa postura a fim de conquistarem aqui e agora o Reino por meio de uma ideologia “reconstrutivista” e um projeto de religião hegemônica. Tal projeto pode ser visto especialmente no forte investimento na política partidária, buscando assumir posições estratégicas na estrutura social com vistas a impor seus valores à sociedade.

Por isso, Sierpierski, que já apontava para um distanciamento do pentecostalismo em relação ao protestantismo clássico, sustenta que o neopentecostalismo, que ele denomina pós-pentecostalismo, é “genealogicamente protestante, mas não o é teologicamente” (1997, p. 52). Conquanto seja bastante importante a contribuição desse pesquisador, parece um tanto complexo falar em teologia neopentecostal. Isso porque as igrejas encaixadas nesse perfil dificilmente possuem uma teologia sistematizada. Obviamente, sua cosmovisão pode ser apreendida pelas mensagens apregoadas, rituais, simbologia e literatura publicada. Contudo, tais elementos não facilitariam a vida mesmo do observador mais atento, visto que são incrivelmente mutantes.

Essa flexibilidade teológico-doutrinária não apenas insere esses grupos no perfil mercantilista como também os distancia de sua matriz religiosa. Uma vez que o importante mesmo é oferecer o produto, não importando qual seja, a fim de se adaptar às circunstâncias e se manter no mercado, as igrejas neopentecostais abrem mão da tradição transmitida a séculos pelas igrejas protestantes históricas e, até certo ponto, também mantida pelas igrejas pentecostais clássicas.

A fim de avaliar se de fato há um distanciamento da tradição protestante, que pode até mesmo resultar na conclusão de que tal grupo já não tem mais a ver com sua matriz religiosa, faz-se necessário conceituar o que vem a faz-ser protestantismo. Tarefa nem um pouco fácil, visto que o protestantismo, devido às suas características de origem e constituição, apresenta-se hoje bastante plural e com muitas ramificações.

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haja certa complexidade ao analisar e distinguir quais grupos fazem ou não parte do movimento protestante histórico, identificado com a Reforma Protestante do século XVI.

O próprio Mendonça assume que

“Não há conceito mais confuso do que o do protestantismo. Vemos essa confusão nos meios de comunicação, em especialistas e nas teses acadêmicas. São colocados no mesmo espaço classificatório grupos que se excluem mutuamente assim como o próprio conceito generalizado de protestantes.” (2008, p. 78).

Em sua exposição sobre as confusões oriundas da tentativa de classificação dos segmentos cristãos não católicos que possuem alguma identificação com a reforma, ele também comenta que “a confusão aumenta mais se nos lembrarmos de que nos países de tradição protestante o termo evangélico (evangelical) designa a ala mais conservadora do protestantismo.” (MENDONÇA, 2008 , p. 78).

Já no Brasil, tem-se a prática de denominar como sendo evangélicos a maioria dos novos grupos religiosos não católicos e que apresentem certa semelhança ou assumam sua identificação com as igrejas evangélicas, especialmente com as igrejas pentecostais. Mendonça, além de ter sido um veemente questionador de tal critério, apresentou o que poderia ser entendido como protestantismo:

“(...) todo conjunto de instituições religiosas surgidas em consequência da Reforma religiosa do século XVI nas suas principais vertentes que são a luterana e a calvinista e que procuram manter os princípios básicos que formam o princípio protestante de liberdade: a justificação pela fé, a sola scriptura, o livre exame e o sacerdócio universal dos crentes” (2008, p. 79).

Tal definição, no entanto, não deve restringir a nomenclatura de protestantes apenas aos grupos originados diretamente da reforma. É evidente que há outras ramificações oriundas de dissidências desses grupos e que preservam as tradições protestantes.

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“Os posteriores movimentos, que têm recebido o nome genérico de neopentecostalismo, representam uma ruptura final com o protestantismo. Qualquer observador atento e conhecedor do protestantismo sabe que nesses movimentos a Bíblia foi relegada a espaço secundário, e, pelo “livre exame”, passou a ser usada de forma mágica, e assim por diante. Surgiram práticas mágicas, objetos com poderes especializados, correntes espirituais e mesmo alguns deuses estranhos ao cristianismo como, por exemplo, o “deus da corda”, ou do “nó”, especializado em amarrar ou neutralizar os poderes malignos (os demônios)” (2008, p. 102).

No entendimento do insigne professor, enquanto o pentecostalismo já dava alguns sinais de afastamento da tradição protestante, devido sua ênfase na repetição da experiência do Pentecostes, nas profecias extáticas e na cura divina, o neopentecostalismo não seria de modo algum um meio termo entre o protestantismo e pentecostalismo, ao contrário, significaria de fato uma ruptura final com a tradição da reforma.

Conquanto as considerações de Mendonça e Sierpierski sejam bastante oportunas, acredito ser ainda cedo para endossar tal posicionamento. E, para fins práticos, nas estatísticas do IBGE (dentre outros institutos de pesquisa) o neopentecostais, pentecostais e protestantes continuam debaixo do “guarda-chuva” denominado faz algum tempo como “evangélicos”. Essa vinculação dos neopentecostais com os protestantes e evangélicos talvez ainda se dê comumente pela manutenção por parte dos primeiros de símbolos que marcam a existência do protestantismo no Brasil, como, por exemplo, a ênfase na figura de Jesus Cristo4 e a Bíblia como instrumento pelo qual se vence o “mundo”, havendo apenas uma resignificação desses símbolos a fim de adequá-los às necessidades de nossa cultura imediatista, utilitarista e individualista; enfim, ao dinâmico mercado da fé – que dentre outras coisas, reflete a cultura capitalista.

Evidentemente, não se pode deixar de afirmar a velocidade com que tal movimento vem rompendo com suas origens. Não apenas isso, suas constantes mudanças e o êxito alcançado decorrente delas, têm exercido forte influência sobre as demais igrejas, inclusive as ditas históricas ou clássicas. O que faz com que até mesmo igrejas protestantes e pentecostais

4 A IURD, por exemplo, anuncia na fachada de todos os seus templos, dentro e fora do Brasil, que “Jesus

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historicamente tradicionais lancem mão de um modus operandi bastante semelhante ao das denominações neopentecostais, diante da necessidade de se manterem “vivas” no mercado religioso. Daí talvez a razão pela qual alguns pesquisadores falem de um “Brasil Neopentecostal” (ROMEIRO, 2005). Esse fato, contudo, não nos cabe analisar aqui, é matéria para outra oportunidade.

Diante da complexidade desse campo e os movimentos nele existentes, algumas coisas não mudam entre os evangélicos em geral, como há tempos atrás, continuam crescendo, assim como também se mantém seu ethos proselitista, que leva muitas dessas denominações a investirem em toda forma de comunicação pela qual possam transmitir a sua mensagem, de modo que “a visibilidade, para eles, tem mesmo um sentido religioso, como expressão do testemunho das Boas Novas recebidas” (FERNANDES, 1996, p. 03).

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CAPÍTULO II

2 O SINCRETISMO NA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

A maioria dos trabalhos versando sobre pentecostalismo, em determinado momento acaba dedicando – alguns menos, outros mais – certo número de laudas à fundação e desenvolvimento da Igreja Universal do Reino de Deus. Tal fato se dá devido à importância que essa denominação alcançou em âmbito nacional. E aqui não poderemos fugir desse padrão, especialmente em um trabalho acerca do movimento neopentecostal, cujo “produto institucional mais famoso” (FRESTON, 1994, p. 131), 36 anos depois de sua fundação, ainda é exatamente a IURD. Certamente, uma igreja padrão (inspiração) para centenas de novas denominações surgidas a cada ano no Brasil.

2.1 Breve histórico da IURD

Para falar da gênese dessa denominação, faz-se necessário comentar, ainda que brevemente, acerca de suas origens mais remotas. Isso porque, antes de fundar a IURD, Edir Bezerra Macedo, converteu-se, aos 19 anos, ao ouvir uma pregação do evangelista Robert McAlister (TAVOLARO, 2007, p. 81-82). O referido pregador, antes missionário canadense de tradição pentecostal, viria a se radicar no Brasil depois de percorrer alguns países em missão. No Brasil, após servir durante algum tempo a igreja Assembleia de Deus e também realizar pregações em tendas da Cruzada Nacional de Evangelização (gênese da Igreja do Evangelho Quadrangular), decidiu iniciar um projeto denominacional pessoal na cidade do Rio de Janeiro.

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hoje, a imposição de mãos, na cabeça ou no local da enfermidade. Portanto, havia bastante proximidade entre o ministro e as pessoas participantes dos cultos.

Com esse perfil, na linha das denominações tipificadas como sendo da segunda onda do pentecostalismo, o McAlister alugaria o auditório da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) no Rio de Janeiro. Onde, em 1960, realizaria suas primeiras atividades com a Cruzada de Nova Vida (MARIANO,1999, p. 52). O início desse trabalho se deu por possuir convicções pessoais que destoavam do rigor e engessamento comportamental das igrejas pentecostais. Para ele, esse aspecto resultava na dificuldade de estender a mensagem evangelística às camadas mais “favorecidas” da população. Isto é, da classe média e média baixa. Posteriormente, ao fundar sua denominação ainda naquele ano, não obtêm o êxito desejado. Porém, diferente das outras denominações pentecostais, sua igreja acaba por atingir um estrato social distinto daquele comumente presente em igrejas como Assembleia de Deus, Congregação Cristã e Deus é Amor daqueles dias. Conforme Mariano, tal “fenômeno só viria a se repetir, noutras igrejas e localidades, a partir da década de 80” (1999, p. 52).

O relaxamento quanto aos usos e costumes, o perfil mais erudito (de formação teológica mais avançada) e notável capacidade de administração do líder, certamente foram fatores importantes para o crescimento da recém-formada igreja. Investiu também em programas radiofônicos e, posteriormente, em programas tele-evangelísticos. Tornou-se, portanto, pioneiro desse tipo de programação de cunho religioso, hoje tão difundido entre diversas igrejas evangélicas, e até mesmo entre católicos.

A Igreja de Nova Vida, sob a liderança do bispo Roberto McAlister (como passaria a ser conhecido), seguiria uma linha de atuação com ênfase nas curas físicas e na libertação espiritual (ROMEIRO, 2005, P. 45), sendo, obviamente, prática comum a de “expulsão” de demônios, maneira como geralmente são chamadas as práticas de exorcismo em igrejas evangélicas. Em 1968, publicou um livreto intitulado "Mãe-de-Santo: História e testemunha de Georgina Aragão dos Santos Franco - a verdade sobre o candomblé e a umbanda", em que contava a trajetória de D. Georgina, dos cultos afro-brasileiros até à fé evangélica. Daí pode-se notar a origem do perfil “antiafro” das igrejas neopentecostais posteriores.

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Já na Vida Nova encontramos de forma embrionária as principais características do neopentecostalismo: intenso combate ao Diabo, valorização da propriedade material mediante a contribuição financeira e ausência do legalismo em matéria comportamental (1999, p. 51).

É certo que, ao se referir a “legalismo em matéria comportamental”, Ricardo Mariano acena para os tradicionais e conhecidos “usos e costumes” das igrejas pentecostais clássicas, como Assembleia de Deus, por exemplo. É importante esclarecer tal ponto, visto que a INV manteve posicionamentos comuns aos demais protestantes e evangélicos no que se refere a comportamento sexual, relações de gênero e literalismo bíblico.

Já Edir Macedo, advindo do catolicismo e com passagem rápida pela umbanda, permaneceria membro da INV durante doze anos. Até que, “farto do elitismo desta Igreja e sem apoio para suas atividades evangelísticas, consideradas agressivas, decidiu partir para voos mais altos.” (MARIANO, 1999, P. 55). Sairia juntamente com Romildo Ribeiro Soares e Roberto Augusto Lopes para formar outra denominação. A título de informação, três importantes figuras iniciaram sua vida religiosa na INV e posteriormente fundariam suas próprias igrejas. A saber: Edir Macedo (IURD), R.R. Soares (Internacional da Graça) e Miguel Ângelo (Cristo Vive).

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2.1.2 Expansão

O crescimento de igrejas evangélicas em geral se dá essencialmente pela difusão geográfica de seus templos. Cada denominação tem sua forma de encarar esse projeto ou missão. Possuir templos em grandes capitais, cidades de médio porte e em boa localização proporciona grandes expectativas de implantação de outros templos ao redor dessas cidades e também no interior dos estados. Nesse sentido, a expansão da IURD impressiona desde o seu início. Como enfatiza Mariano (2004), nenhuma “outra denominação evangélica cresceu tanto em tão pouco tempo no Brasil”.

Seus dados realmente impressionam:

Em 1985, com oito anos de existência, já contava com 195 templos em catorze Estados e no Distrito Federal. Dois anos depois, eram 356 templos em dezoito Estados. Em 1989, ano em que começou a negociar a compra da Rede Record, somava 571 locais de culto. Entre 1980 e 1989, o número de templos cresceu 2.600%. Nos primeiros anos, sua distribuição geográfica concentrou-se nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Salvador. Em seguida, expandiu-se pelas demais capitais e grandes e médias cidades. Na década de 1990, passou a cobrir todos os Estados do território brasileiro, período no qual logrou taxa de crescimento anual de 25,7%, saltando de 269 mil (dado certamente subestimado) para 2.101.887 adeptos no Brasil, de onde se espraiou para mais de oitenta países. Em todos eles, conquista adeptos majoritariamente entre os estratos mais pobres e menos escolarizados da população (MARIANO, 2004).

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Não obstante, dessas mencionadas, pode-se dizer que somente a Congregação Cristã do Brasil sirva de paralelo para uma comparação sólida com a IURD. Isso porque desde sua fundação, a CCB mantém-se quase inalterada em seus costumes e tradições e, mais importante para nós, em seu sistema de governo. Já as Assembleias de Deus constituem, na verdade, um conglomerado de redes de igrejas/ministérios que compartilham do mesmo nome (como um sistema de franquia)5 em função de uma identificação com o tipo específico de pentecostalismo; e os Batistas, por sua vez, subdividem-se entre os da Convenção Batista Brasileira, Convenção Batista Nacional (Renovados) e Aliança de Batistas do Brasil (isso sem falar nas pequenas igrejas independentes que se consideram batistas mas não se encontram filiadas em nenhum desses grupos). A partir dessa análise, a IURD, enquanto denominação coesa, una, encontra-se apenas atrás da CCB.

Mesmo assim, essa posição no ranking talvez ainda seja insatisfatória para seus líderes, mais exatamente para “o cabeça” da instituição, Edir Macedo. Leia-se o nome da denominação. Aliás, esse é um ponto interessante, o “espírito” de expansão das denominações neopentecostais pode ser notado em seus próprios nomes (Igreja Internacional da Graça de Deus, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja Cristã Mundial, dentre outros mais peculiares). E, de fato, a IURD está espalhada por toda a América Latina e também fora dela. Em seu site, a igreja se gaba de estar presente em cerca de 200 países6 e em um dos portais de internet pertencentes ao grupo empresarial de Edir Macedo, o R7, uma nota sobre o aniversário da igreja a enaltece por possuir fieis advindos das “diferentes classes sociais, como médicos, juízes e trabalhadores mais humildes.”7

Acerca disso, Freston havia comentado que, desde a sua fundação, a denominação já havia conseguido “em pouco mais de uma década o que levou gerações para outros grupos pentecostais: a diversificação substancial de sua base (1994, p. 135)”. Tal conquista pode ser atribuída a diversos fatores, dentre eles o diversificado “cardápio” oferecido nos cultos da

5 Para conhecer mais sobre as Assembleias de Deus e suas estruturas, bastante oportuna é a leitura da tese

de doutorado (PUC-SP) de Marina A. dos Santos Corrêa (2012), A operação do carisma e o exercício do poder: A lógica dos Ministérios das igrejas Assembleias de Deus do Brasil. Certamente um trabalho de fôlego, que ousou esmiuçar esse complexo aspecto de um dos mais importantes grupos pentecostais brasileiros.

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<http://www.arcauniversal.com/institucional/noticias/vai-viajar-para-fora-do-brasil-visite-a-iurd-no-exterior-10616.html> visitado em 25 de agosto de 2013, às 01h59min.

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Universal. Havendo ministrações voltadas para a resolução de questões amorosas, doenças físicas e problemas financeiros. Independente da necessidade dos fiéis, na visão iurdiana, o problema é sempre de ordem espiritual. Daí a IURD se constituir basicamente em um “supermercado” da fé. E não só na oferta de bens de acordo com a demanda, mas também em sua estratégia de ocupação dos espaços geográficos dos locais em que pretende se instalar.

No geral, igrejas pentecostais e protestantes clássicas iniciam seus trabalhos evangelísticos em “pontos de pregação”, os quais frequentemente consistem em residências de pessoas que já se converteram à religião evangélica ou mesmo gente simpatizante das atividades em questão. Posteriormente, conforme a comunidade de fé começa a se estabelecer, é que se inicia a movimentação para o aluguel ou construção de um templo a fim de comportar os fiéis. Não se dá assim com as grandes denominações neopentecostais,

primeiro é instalado o templo para depois se obter adeptos. E, ao contrário das paróquias católicas, que fundam centralidades locais, os templos da Universal são construídos em lugares com intensas dinâmicas urbanas já estabelecidas. Não por acaso eles se encontram próximos a terminais de ônibus e pequenos centros comerciais (ALMEIDA, 2009, p 54).

A Universal já raramente investe em um estabelecimento nos moldes do pequeno salão em que o Bispo Edir Macedo iniciou suas atividades religiosas,

Sua estratégia de localização (...) e a arquitetura dos templos (catedrais com amplos salões e poucas subdivisões espaciais) sugerem uma prática religiosa de fluxo e massa bastante adequada à dinâmica urbana. Seus templos, assim como os da Igreja Católica, permanecem com as portas abertas durante todo o dia, e neles são realizados de três a cinco cultos diariamente. A qualquer momento é possível recorrer com facilidade a um templo da Universal e ao seu “socorro espiritual” (ALMEIDA, 2009, p 55).

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oferecidos, ainda que de apelo espiritual, são compatíveis com as demandas do mundo contemporâneo, geralmente são bênçãos materiais. O que não difere, em geral, do histórico de outras denominações. Afinal, como asseverou Weber, fazendo menção ao verso 3 do capítulo 6 do livro de Efésios: “A ação religiosa ou magicamente motivada, em sua existência primordial, está orientada para este mundo. (...) ‘para que vás bem e vivas muitos e muitos anos sobre a face da Terra.’” (1991, p. 279).

Para tanto, observaremos mais adiante o perfil neopentecostal iurdiano em relação ao seu tempo. Como ela interage com as demandas de uma sociedade de consumo ávida por conquistas imediatas, utilitárias e que permita ao indivíduo encontrar a realização pessoal aqui e agora.

2.2 IURD: um reflexo da contemporaneidade

Com as alterações que se dão no seio da sociedade de geração em geração, evidencia-se o engessamento de determinadas instituições que permaneceram estacionadas em suas práticas e crenças sem conseguirem se adaptar às novas demandas da vida. Arcaicas, caducas ou petrificadas, essas e outras expressões costumam ser utilizadas a fim de denominar aquelas que não resistiram à força das eras.

Entretanto, há que se dizer que, no campo religioso, grupos e movimentos novos surgem de tempo em tempo saídos das instituições em que se originaram. Propondo renovação, e muitas vezes, a fim de se mostrarem legitimados pela história, fazendo releituras do passado, ao qual certamente estão ligados por um elo invisível que os torna filhos e filhas de um mito fundante, que justificaria a sua própria existência.

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2.2.1 O perfil da sociedade contemporânea e suas influências na religião

Conquanto a religião tenha preenchido, em algum momento, o vazio do ser humano e conseguido atuar como uma força que lhe permitia suportar e vencer as dificuldades da existência (DURKHEIM, 1989, p. 493), hoje existe outras realidades, fenômenos e até objetos que cumprem a função que outrora era tarefa da religião. O mundo contemporâneo está pronto para produzir respostas, ainda que improvisadas e provisórias, para os questionamentos do ser humano, que, ao que nos parece, continuam girar em torno da busca pelo significado e o sentido da vida. Como advertia Rubem Alves,

O que ocorre com frequência é que as mesmas perguntas religiosas do passado se articulam agora, travestidas, por meio de símbolos secularizados [...] Promessas terapêuticas de paz individual, de harmonia íntima, de liberação da angústia, esperanças de ordens sociais fraternas e justas, de resolução das lutas entre os homens e de harmonia com a natureza, por mais disfarçadas que estejam nas máscaras do jargão psicanalítico/psicológico, ou da linguagem da sociologia, da política e da economia, serão sempre expressões dos problemas individuais e sociais em torno dos quais foram tecidas as teias religiosas. (ALVES, 1999, p. 12)

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A mídia apresenta-se como um bom exemplo dessa substituição da função religiosa; é ela que hoje parece sustentar os imaginários e os ideais de vida das pessoas, e por sua mediação é que se idealiza outro mundo, uma outra realidade e que se continua a sonhar (também sonhos efêmeros). Porém, mais do que um sonho como ato positivo que gere fé no futuro, assim como motivação para agir além de sua realidade particular, o ser humano na sua existência “midiatizada”, ocupa-se a sonhar em alcançar os padrões absurdos e insustentáveis de poder, beleza ou fama, os quais aumentam sua frustração, seu egoísmo e sua solidão.

Acerca dessa relação entre o religioso e o ser humano de nossos dias, Jean Paul Willaime afirma, ao falar especificamente da privatização do religioso, que há um enfraquecimento do suporte comunitário – outrora tão evidente e, ao mesmo tempo, tão valorizado – da vida religiosa na medida em que a mídia permite acolher em seu seio um pregador, sem que seja necessário reagrupar-se com outras pessoas nos bancos de uma igreja (2002, p. 53). As formas de experimentar o sagrado parecem estar em constante movimento graças a uma forma de vida cada vez mais midiatizada.

Enquanto o sujeito hodierno, herdeiro da Modernidade, estabelece as ligações religiosas que respondam à sua necessidade particular, a instituição se depara hoje com a tarefa de “fidelizar” os seus adeptos, no intuito de assegurar sua continuidade e, assim, sua própria existência. Diante das múltiplas instituições produtoras de sentido que concorrem entre si na sociedade contemporânea, a instituição religiosa se defronta com o desafio constante de melhorar a cada dia (o mais rápido possível) sua oferta religiosa num mercado cada vez maior. De modo geral poderíamos afirmar que a religiosidade que o ser humano experimenta e assiste nessa era tem as características afirmadas por Marcel Gauchet:

[...] una religiosidad difusa que no se preocupa de darse una forma o de encuadrarse en el marco de las religiones históricas constituidas. Ése podría ser de manera amplia el rostro futuro del fenómeno religioso. Pasamos de la edad política de las religiones a su edad antropológica (2009, p 296)

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profundamente humano. Em meio a um tempo no qual a religião perde sua plausibilidade política e social, mas que ainda consegue se manter e até aumentar as crenças individuais, esporádicas e diversificadas nos sujeitos, é preciso nos situar na função que ela desempenha na sociedade atual para tentar conceber o rumos e suas consequências mais imediatas para a sociedade.

Na verdade, o poder de determinar a função dos sistemas religiosos está hoje no sujeito e não na religião institucional. Sendo o sujeito quem determina até que ponto a religião que ele pratica, ou na qual ele acredita, funciona para si e em que medida. Isso, considerando que a religião na sociedade contemporânea converteu-se um bem de consumo, uma das tantas coisas que se acham no mercado; ela tornou-se produto e, como tal, pode ser trocado muitas vezes de acordo com a necessidade, ou melhor, com o gosto e o desejo do cliente. Não obstante, a religião ainda é procurada para legitimar as ações e os estilos de vida de muitas pessoas, ela ainda consegue influenciar e até regular, não de uma maneira total, mais significativa, os cotidianos dos sujeitos religiosos. Quer dizer, ela ainda é uma matriz provedora de significações para os indivíduos, e por isso, conserva certa relevância na sociedade.

É importante frisar também que na atualidade, ainda que possa parecer um paradoxo, há um fortalecimento dos fundamentalismos religiosos, quer dizer, uma preocupação de parte das instituições por manter o poder religioso através da recuperação da tradição e do reforço dos dogmas e doutrinas. Em decorrência disto, para Cupitt, a religião se assemelha a um incomodo sobrevivente do passado, “uma forma local e tradicional de simbolizar, atuar e combativamente afirmar a própria identidade étnica distinta e pessoal, diante de ameaça de assimilação pelo anonimato abrangente da nova cultura global” (1999, p. 9). As implicações da nova realidade global estão levando muitas pessoas a procurarem refugio no canto seguro de um sistema religioso autoritário, que possa lhes oferecer uma alternativa absoluta “diante das agonias da escolha numa cultura cada vez mais plural” (DA SILVA, 2007, p 12).

Referências

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