UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Deusa Maria dos Santos
O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - BPC:
As condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN
DEUSA MARIA DOS SANTOS
O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - BPC:
As condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do Título de Mestre em Serviço Social.
Orientadora: Profª Drª Denise Câmara de Carvalho.
Natal/RN
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Santos, Deusa Maria dos.
O Benefício da Prestação Continuada – BCP: as condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN / Deusa Maria dos Santos. - Natal, RN, 2005.
139 f.: il.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Denise Câmara de Carvalho.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço social.
1. Assistência Social Idosos Dissertação. 2. Prestação Continuada -Benefício – Dissertação. 3. Portadores de deficiência - Idosos - Dissertação. 4. Necessidades humanas - Dissertação. I. Carvalho, Denise Câmara de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
Os seres humanos nunca estiveram tão próximos uns dos outros e tão distantes entre si. Dois homens separados por milhares de quilômetros podem se comunicar a um simples toque de uma tecla; uma notícia corre o mundo em segundos; mas a distância social entre uma minoria da humanidade e a maioria restante aumenta cada vez mais, a ponto de parecer dividir os homens em duas espécies diferentes.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho um dia já foi sonho; um sonho que outrora me parecia
distante, e, muitas vezes, quase impossível. Mas, felizmente, esse sonho
tornou-se realidade, e abriu precedentes para a realização de outros novos.
É de suma importância ressaltar que a concretização do mesmo é
resultado de muitas contribuições que começaram desde a minha formação
enquanto pessoa com o apoio decisivo dos meus pais, até o meu feliz ingresso
na universidade, onde tive a oportunidade de conhecer pessoas admiráveis e
inteligentes que me ensinaram a enfrentar desafios, com suas experiências, e
me inspiraram a conquistar os meus ideais. A estas, venho agora depositar o
meu mais estimável reconhecimento. No limite deste espaço, agradeço
particularmente:
Ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social, pela oportunidade;
À CAPES, pela oportunidade da bolsa;
Aos professores do Mestrado em Serviço Social, responsáveis pelo
crítico e rico aprendizado; e, em especial, Profª Drª Célia Nicolau, Profª Drª
À minha orientadora, Profª Dra. Denise Câmara de Carvalho, pela
orientação indispensável;
Aos sujeitos da pesquisa – usuários do BPC – pela imprescindível colaboração e receptividade;
Aos amigos e colegas da minha estimável turma de Mestrado, em
especial, a Rose, Rita, Valéria, Ilena e Regina.
À Francisco Silva Bezerra de Deus, de outros tempos, por propiciar o
meu ingresso no universo acadêmico;
À Chaguinha e D. Maria, amigos e conterrâneos, pela maravilhosa
acolhida;
À minha querida amiga Patrícia, irmã de estima;
Ao meu querido e amado irmão, Francisco Antônio, pelo incentivo, apoio
e amizade, sempre presentes.
LISTA DE SIGLAS
APAE – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais
API– Programa de Atenção à Pessoa Idosa BPC– Benefício de Prestação Continuada
COEGEMAS – Colegiado Estadual de Gestores Municipais da Assistência Social
CORDE – Coordenadoria Nacional Para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
CRESS– Conselho Regional de Serviço Social
DATAPREV– Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social FEB– Força Expedicionária Brasileira
LBA – Legião Brasileira de Assistência LOAS– Lei Orgânica da Assistência Social
IBGE– Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS– Instituto Nacional da Previdência Social INSS– Instituto Nacional do Seguro Social
IPEA– Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada PPD– Pessoa Portadora de deficiência
PETI– Programa de Erradicação do Trabalho Infantil REVAS – Revisão de Avaliação Social
RMV– Renda Mensal Vitalícia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...12
1 - A ASSISTÊNCIA SOCIAL E O ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES HUMANAS 1.1 Necessidades Humanas: básicos emínimos sociais...19
1.2 Estado e Proteção Social no Brasil...23
1.3 LOAS: A Assistência como um Direito?...30
1.4 A Assistência no contexto neoliberal: universalidade versus seletividade e focalização...33
2 - O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA 2.1 Emergência e Trajetória...49
2.2 Regulamentação e Efetivação: limites e perspectivas...52
2.3 Renda Mensal Vitalícia: um auxílio à velhice e a invalidez...60
2.4 Usuários do BPC: pessoas idosas e portadoras de deficiência...65
3 - A PERCEPÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DO BPC, FACE ÀS SUAS CONDIÇÕES DE VIDA 3.1 A caracterização dos beneficiários em Macau...77
3.2 As condições de vida dos beneficiários e suas famílias...89
3.3 O BPC na ótica dos beneficiários e responsáveis...96
3.4 Iconografia...108
RESUMO
A pesquisa em questão compreende um estudo sobre as condições de vida dos usuários do Benefício de Prestação Continuada no Município de Macau/RN. O BPC foi previsto na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Mas, só teve sua concessão a partir de janeiro de 1996. Este benefício consiste no repasse de um salário mínimo vigente às pessoas idosas e portadoras de deficiência, cujas famílias se enquadram no critério de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Trata-se de uma política de renda mínima que se rege pelo princípio da menor elegibilidade. O espaço temporal compreendido abrangeu os idosos e portadores de deficiência que recebem o BPC entre o período de 1996 a 2004. Através do estudo quanti-qualitativo, buscou-se apreender e analisar criticamente a realidade da vida desses usuários. Para tanto, fez-se necessário realizar o perfil dos beneficiários, bem como sua caracterização sócio-econômica. Os resultados revelam as precárias condições de vida dos idosos e portadores de deficiência após a concessão do BPC, e apresentam a interpretação que os mesmos fazem desta política;Assim identifica-se a premência de serem revistos os critérios de elegibilidade dos beneficiários, objetivando uma política pública de atendimento integral às necessidades básicas do ser social.
ABSTRACT
This rescearch comprises a study of the life condictions of the users of the Continuous Installment Allowance in the city of Macau, RN. This benefit has been predicted by the Federal 1988 Constitution and regulated by the Social Assistance Organic Law (LOAS), but it has been carried out only since january 1996. It consists of an amount of half a minimum salary given to old-age and handicapped peoplewhose families mathch the per capita income criterion of less than 0,25 minimum salary. It is a least-income policy relud by the principle of the smallest elegibility. The study focused on aged or handicapped people who were receiving the BPC from 1996 to 2004. Through a quatitative analysis, the life reality of these users has been critically examined. In order to achieve this, it has been necessary to trace their social and economical profile. The research revealed the precarious life conditions of the aged and handicapeed people after they were given the BPC, as well as their interpretation of this politcal directive, and also the need for revision of the eligibility criteria so that a public policy of integral service to the basic needs of the social being can be accomplished.
Keywords: BPC, social assistance, humam needs, aged and handicapped
INTRODUÇÃO
O trabalho em questão compreende um estudo sobre as condições de
vida dos usuários do Benefício de Prestação Continuada no Município de
Macau. Tal benefício consiste na transferência de um salário mínimo mensal,
destinado aos idosos e portadores de deficiência que não têm condições de
prover o seu sustento, ou, de tê-lo, provido por sua família. Embora este
benefício tenha sido previsto na Constituição de 1988, compondo os direitos e
objetivos da assistência social que passa a constituir pela primeira vez como
um dever do Estado, só foi regulamentada em 1993, por meio da Lei Orgânica
da Assistência Social – LOAS, e efetivado a partir de 1996, sob a responsabilidade do governo Federal, por intermédio do Ministério da
Previdência e Assistência Social.
O Benefício de Prestação Continuada se torna bem mais seletivo que
seu antecessor: a Renda Mensal Vitalícia – RMV, benefício previdenciário que implementou-se em 1975 e continuou até 1996. Seu critério de
aquisição é bem mais excludente evidenciando o contexto em que se insere
de desresponsabilização e minimização do Estado e sua conseqüente
parceria com a rede de solidariedade para o atendimento aos segmentos
mais espoliados da população.
Ainda que excludente, quando assume como critério de seleção uma
renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo por pessoa, o BPC tem como
conferidas à assistência, constituindo-se em um direito reclamável, embora
restrito.
Em 1996, foram destinados R$ 177 milhões para o benefício o que faz
o governo achar que os gastos estavam além do previsto. Algumas medidas
provisórias, convertidas em Lei1 também visaram restringir o benefício,
modificando a LOAS nos pontos: a adoção de um conceito de família mais
excludente - o conceito de família previdenciária, contrariando o caráter das
garantias da assistência social; estabelecimento de medidas restritivas, com
a extinção das equipes multidisciplinares de avaliação, deixando a seleção a
critério do médico perito do INSS; antecipação da revisão dos benefícios,
prevista para ocorrer apenas dois anos após seu início.
Diante dessas considerações, surgem os seguintes questionamentos: até que ponto o Benefício de Prestação Continuada contribui para o provimento das necessidades dos idosos e portadores de deficiência de baixa renda do Município de Macau/RN? Que mudanças ocorreram nas condições de vida da população usuária dessa política, a partir de sua concessão?
A assistência social no Brasil tem se mostrado como um mecanismo
econômico e político que assiste o trabalhador que tem pouca importância
para o capital; ou seja, o que não tem a sua carteira assinada: o trabalhador
desempregado, os indigentes, os portadores de situação específica.
No contexto do neoliberalismo, a assistência social concretiza-se
oficialmente como uma política para os excluídos, não se colocando como
garantia de direitos universais. Com a naturalização da pobreza,
1
se, na atualidade, natural que a sociedade de mercado tenha um
contingente de indivíduos excluídos do seu processo globalizante, conforme
nos apontam estudos de Carmelita Yazbek, Alba Pinho de Carvalho, Aldaíza
Sposati, Potyara Pereira, Ana Lígia Gomes, Ozanira Silva e Silva, entre
outros.
Cabe observar que a assistência social não tem dado conta de
amortecer os impactos negativos da sociedade capitalista neoliberal sobre
as populações, uma vez que aumenta cada vez mais os índices de pobreza,
bem como o número de pedintes nas ruas.
Diante da crescente situação de miséria da população, segundo
dados do Instituto de Pesquisas Aplicadas – IPEA 23 milhões de brasileiros encontram-se vivendo abaixo da linha de pobreza, os programas
desenvolvidos pela assistência têm se mostrado ineficientes ao seu
enfrentamento efetivo. Decerto que não cabe à assistência social acabar
com a pobreza, pois esta, diante de sua complexidade, requer profundas
mudanças no âmbito estrutural da sociedade tanto na esfera econômica
como política, social e ideológica. No entanto, esperam-se que os recursos
destinados ao combate da pobreza tenham uma representatividade maior,
abrangendo cada vez mais um número significativo de brasileiros; não
apenas os que se encontram em situações extremas de vulnerabilidade.
É imprescindível que através da Política de Assistência Social se
desenvolvam estratégias implementadoras de políticas públicas
universalizantes, mesmo dentro da conjuntura capitalista neoliberal.
Deve-se exigir, que no processo de operacionalização da política, ações que dêem
necessidades básicas possam ser atendidas. Desta forma, para que esses
segmentos, idosos e os portadores de deficiência, vislumbrem participar de
um processo de conquista da sua cidadania.
Ao fazermos esta reflexão, consideramos importante apreender e
analisar as condições de vida dos idosos e portadores de deficiência usuários
do Benefício de Prestação Continuada do Município de Macau/RN.
Faz-se importante também salientar que as motivações para este estudo
originam no curso de graduação quando das visitas domiciliares feitas aos
usuários da Associação de Orientação aos Deficientes – ADOTE, a partir da experiência de estágio curricular em Serviço Social pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte. O interesse pelo tema e pelo Município a ser
trabalhado intensificou-se com a experiência adquirida com o processo da 4ª
Revisão do BPC2, ocorrida de setembro a dezembro de 2004, no qual fomos
selecionados para realizar visitas domiciliares no município de Macau com o
objetivo de avaliar se o beneficiário tinha superado as condições que deram
origem a concessão do benefício.
A relevância do problema consiste em analisar as condições de vida dos
beneficiários do BPC naquele município uma vez que se observou o estado de
vida degradante daquela população. Diante desse quadro surge a seguinte
indagação: esta política está provendo, de fato, o sustento do idoso e do
portador de deficiência de baixa renda; ou seja, esta política está atingindo o
objetivo para o qual foi proposta? o BPC estabelece como critério para a sua
aquisição do mesmo, que as famílias da pessoa idosa e/ou portadora de
deficiência tenham uma renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário
2
mínimo. Mas, até que ponto o benefício é destinado ao atendimento de toda a
família? Ou só ao atendimento às necessidades do beneficiário?
Nesta direção, a nossa proposta de estudo teve como objetivo investigar
e analisar até que ponto o Benefício de Prestação Continuada atinge o objetivo
de prover o sustento das necessidades dos idosos e portadores de deficiência
usuários desta política no Município de Macau/RN, através da apreensão das
suas condições de vida.
A fim de atingir os objetivos propostos neste pesquisa, realizou-se o
levantamento bibliográfico e a revisão da literatura buscando aprofundar as
categorias de análise deste estudo: Benefício de Prestação Continuada,
assistência social, necessidades humanas, idosos e portadores de deficiência.
A pesquisa documental efetivou-se em órgãos e instituições como o
IBGE, INSS e Secretaria de Assistência Social do Município para adquirir
dados que viessem a embasar a apreensão do objeto.
Com base nos dados coletados no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS constatamos que O Benefício de Prestação Continuada atendia a 347
usuários: 313 portadores de deficiência e a 34 idosos. A partir de uma amostra
de 11% do total de usuários (347) – delineamos o nosso universo de pesquisa, seguindo o princípio de que para as populações finitas de até 1000 (mil)
pessoas, 11% é representativo de uma dada população. Assim sendo, o nosso
universo foi representado por 34 (trinta e quatro) pessoas portadoras de
deficiência e 04 (quatro) pessoas idosas. O universo foi acrescido das
entrevistas junto a duas assistentes sociais, uma da área da assistência no
Foram entrevistadas, ainda, uma assistente social da área da
assistência, e outra assistente social responsável pelo BPC no INSS,
totalizando 40 entrevistas.
Os entrevistados foram definidos de forma aleatória, com base nas listas
cadastrais que nos foram fornecidas pelo INSS, com os endereços dos
usuários.
A pesquisa assumiu uma perspectiva qualitativa, porém sem
rechaçarmos os dados quantitativos que permitiram a análise do objeto em
suas múltiplas determinações. O tipo de abordagem metodológica pretendida
circunscreveu-se como estudo de caso, uma vez que teve como foco a análise
de situações concretas nas suas particularidades objetivando a investigação do
objeto de estudo e a exposição dos resultados que dão contorno à realidade
vivenciada pelos usuários do BPC.
Para realização da pesquisa, utilizou-se a técnica da entrevista
semi-estruturada, assim como a técnica da observação, junto aos usuários do BPC
através de visitas domiciliares, fazendo uso do gravador. É importante ressaltar
que a identificação dos nomes dos entrevistados foi resguardado, optando-se
pelo uso de nomes fictícios. Apresentamos, ainda, no final do terceiro capítulo
uma representação iconográfica que teve a autorização prévia dos
entrevistados.
O espaço temporal compreendido neste estudo abrangeu os idosos e
portadores de deficiência que receberam o BPC entre o período de 1996 a
2004. Este recorte justifica-se pelo fato de haver, neste espaço de tempo,
maior possibilidade de constatação de possíveis alterações no modo de vida
até o ano de 2002 transcorreram 08 anos. Os resultados da pesquisa serão
apresentados em três capítulos que abordarão as categorias que deram
sustentação a pesquisa: benefício de prestação continuada, necessidades
humanas, assistência social, idosos e portadores de deficiência.
No primeiro capítulo são abordadas as categoria assistência social e
necessidades humanas, destacando a compreensão à luz da concepção dos
autores que estudam a temática em torno da Seguridade Social. Destaca-se,
ainda, o papel da LOAS na implantação da Assistência Social como Direito
Social de Cidadania e as respostas que o Estado brasileiro vem dando
historicamente a esta questão. Discorre-se, também, sobre a Assistência Social
e Seguridade no contexto neoliberal.
O segundo capítulo tem-se como indicação de análise a categoria
central que envolve esta pesquisa: o Benefício de Prestação Continuada. Sua
emergência e trajetória; seus limites e perspectivas e finalmente sobre os
segmentos atendidos pelo BPC: idosos e portadores de deficiência.
No terceiro e último capítulo, apresenta-se a análise e os resultados da
pesquisa realizada junto aos usuários no Município de Macau. Como tem se
manifestado as condições de vida dos beneficiários e que respostas que o
município e o estado tem dado à situação de vulnerabilidade social dessas
famílias. Buscou-se assim articular as reflexões que perpassaram toda a
1 – A ASSISTÊNCIA SOCIAL E O ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES HUMANAS
1.1 – Necessidades Humanas: básicos e mínimos sociais
Os “mínimos sociais” se constituem como medida cuja existência
reporta-se à época em que as sociedades passaram a dividir-se em classes.
É importante destacar que a provisão de mínimos de subsistência sempre
fez parte da pauta de regulação dos diferentes modos de produção – sejam eles escravistas, feudais ou capitalista -, assumindo sempre uma postura
emergencial e isolada para com os efeitos da pobreza e da miséria,
conforme Pereira (2002).
É pertinente ressaltar que, no contexto atual, tem sido referenciada
comumente a discussão sobre os mínimos sociais, seja no campo
institucional, na literatura da área e, sobretudo, na legislação social. A
própria LOAS, em seu artigo 1º (primeiro), faz referência aos mínimos
sociais, ao mesmo tempo em que se refere ao provimento das necessidades
básicas através de um conjunto de ações articuladas tanto de iniciativa
pública, como da sociedade com o intuito de garantir o suprimento dessas
necessidades. Com efeito, tal vinculação tem gerado no plano
político-decisório, interpretações distorcidas e conturbadas, onde busca-se identificar
o mínimo com o básico, como se ambos fossem termos equivalentes.
Ambos têm diferenças marcantes do ponto de vista conceitual e político, tal
Mínimo e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois enquanto o primeiro tem a conotação de menor, de menos, em sua acepção mais ínfima, identificada com patamares de satisfação de necessidades que beiram a desproteção social, o segundo não. O básico expressa algo fundamental, principal, primordial, que serve de base de sustentação indispensável e fecunda ao que ela se acrescenta.
O mínimo pode pressupor, conforme a ideologia neoliberal, supressão
ou cortes de atendimento; o básico requer investimentos de peso em
políticas públicas a partir das quais serão prestados atendimentos com
caráter de qualidade.
Infelizmente, na literatura acadêmica ainda existem muitas
imprecisões e ambigüidades acerca dessa temática. Na maioria das vezes, o
termo necessidades humanas é mencionado de forma genérica e relativa,
dificultando seu significado, sobretudo, no que concerne aos conteúdos e
particularidades desse conceito. Daí a existência de correntes de
pensamento, como por exemplo a corrente liberal, que rejeitam a idéia de
que existam necessidades humanas básicas comuns a todos, de forma que
tais necessidades poderiam servir de base para o planejamento das ações
no âmbito das políticas públicas.
Com base nessa tendência, têm proliferado interpretações de
necessidades sociais que sistematicamente as confunde com outras noções,
tornando-as inespecíficas. E, como já foi mencionado, a inespecificidade das
necessidades determina formas de satisfação confusas e voluntaristas que
Com efeito, muitos atores (intelectuais políticos, gestores e executores), apoiados em diferenças pessoais e culturais, têm privilegiado o subjetivismo e o relativismo no trato das necessidades humanas básicas, abrindo, com isso, flancos para o domínio intelectual da chamada Nova Direita (neoliberais e neoconservadores), ao contribuírem para o seguinte entendimento: se não há necessidades comuns que sejam vivenciadas coletivamente e que não sirvam de parâmetro para a formulação e implementação de políticas públicas, não haverá melhor mecanismo para satisfazê-las do que o mercado. É o mercado que se apóia no individualismo possessivo, nas aspirações subjetivas de interesses e, por isso, está mais apto do que o Estado para atender demandas que nem sempre refletem necessidades sociais, mas preferências, desejos, vícios, compulsões, sonhos de consumo (PEREIRA, 2002:29)
Sendo assim, é o mercado que, apoiado no individualismo, nas
aspirações subjetivas de interesses, que na maioria das vezes não refletem
necessidades sociais e sim preferências, desejos, compulsões e sonhos de
consumo, deve suprir, de acordo com essa lógica, as necessidades dos
indivíduos.
O posicionamento aqui defendido contrapõe-se à lógica do mercado
que considera a sociedade como a soma aritmética dos indivíduos que a
compõe em detrimento de uma outra que tenha como parâmetro a defesa
das necessidades humanas sociais básicas, à qual defendemos.
Para que haja o suprimento dessas necessidades, faz-se necessário
vida dos segmentos vulnerabilizados socialmente. Para tanto, é necessário
que essas políticas produzam articulações positivas de modo que o usuário
tenha acesso a uma rede de proteção social básica. De modo que sua
adesão a um serviço, não o exclua de um outro. É o que acontece em
relação ao BPC, que não pode acumular-se a nenhum outro benefício no
âmbito da previdência social, salvo da assistência médica. O BPC somente
poderá acumular-se a outro, numa mesma família, se uma vez calculada a
renda per capita a distribuição for inferior a R$ 65 por pessoa. Para isto, o
beneficio já concedido será computado para o cálculo da renda per capita.
No caso de uma pessoa idosa que se candidate ao benefício, esta perderá o
direito se o esposo for aposentado, ainda que esta aposentadoria seja de um
salário mínimo.
Este exemplo mostra que existem algumas formas de elegibilidade de
programas de transferência de renda que, por serem guiados por critérios
tão rigorosos, acabam condicionando os seus beneficiários a perderem a
aquisição de outros benefícios que, se fossem acumulados, melhorariam as
suas condições de vida.
O nosso estudo, no entanto, defende que os benefícios, programas e
projetos devem articular-se de modo a alcançar a universalidade e eqüidade
a partir do levantamento das questões relacionadas às necessidades
humanas básicas, buscando sempre a otimização dos recursos para o
provimento dessas necessidades.
De acordo com Potyara Pereira (2002:31), a referência ao ótimo, em
necessidades humanas básicas, pois na sua abordagem a autora coloca
que:
Sendo o ótimo um conceito que depende do código moral de cada cultura, ele não pode ser sinônimo de máximo, porque este é um objetivo constantemente “em fuga” e, portanto, inalcançável; mas, poderá ser identificado com patamares mais elevados de aquisição de bens, serviços e direitos a partir do estabelecimento de provisões básicas (grifo nosso).
Segundo a mesma autora, essas aquisições irão propiciar aos
indivíduos capacidade de escolha e de decisão, no âmbito de sua própria
cultura, bem como condições de acesso aos meios pelos quais essa
capacidade pode ser adquirida. É o que Doyal e Gough (apud, PEREIRA)
chamam de ótimo de participação, que irão permitir-lhes alcançar o ótimo
crítico, que segundo os autores, consiste em propiciar aos indivíduos
condições de questionar suas formas de vida e de cultura, bem como de
lutar pela sua melhoria de vida.
Em suma, o básico é direito indispensável que tem que ser
perseguido visando, simultaneamente, a melhoria da qualidade dos serviços
públicos otimizando sempre as metas de satisfação dessas necessidades,
considerando que as necessidades humanas básicas consistem na
1.2 Estado e Proteção Social no Brasil
Para a reflexão e a discussão que envolve o Benefício de Prestação
Continuada e a apreensão das condições de vida dos seus usuários, faz-se
necessário retomar aspectos pertinentes à historicidade da proteção social,
partindo de questionamentos que propiciem o entendimento, a apreensão e
a análise de como se situa, nos dias atuais, o contexto do sistema de
proteção social, e como se vê refletido no Brasil.
Como se deu a proteção social no Brasil? Em que condições surge? A quem
se destina? Ela de fato existe? Quais os seus fundamentos? Que desafios
enfrenta a proteção social no nosso País?
Com base nestes questionamentos, cumpre-nos, inicialmente, recuperar de
forma mais geral, o panorama da proteção social na sua origem, e como
esta tem influenciado as políticas de proteção social no Brasil. Assim sendo,
faz-se necessário destacar como emerge a proteção social no mundo
contemporâneo, no Estado Capitalista.
O problema mais evidente do Estado contemporânea eclodiu com a
“questão social” na segunda metade do século XIX. Anteriormente, em 1601, foi publicada oficialmente na Inglaterra a Nova Lei dos Pobres (Poor Law) -
conhecida também como lei “elisabetana” - que instituía uma taxa a ser paga para o benefício dos pobres e um sistema de subsídios em dinheiro,
constituindo-se mais uma eliminação dos pobres do que da própria pobreza.
e ofícios que prestavam ações pontuais de cunho eminentemente
filantrópico.
A previdência social, então, se impôs como uma necessidade em face
dos riscos acarretados pela Revolução Industrial, cujos resultados trouxe
aos trabalhadores condições de pobreza e miserabilidade, relegando-os aos
aglomerados urbanos, privados dos laços de solidariedade que encontravam
na comunidade rural.
Surgida como efeito, a “questão social” representou o fim de uma concepção orgânica da sociedade e do Estado e não permitiu que a
formação econômico-política pudesse ser assegurada pelo desenvolvimento
autônomo da sociedade com a simples garantia da intervenção política de
“polícia”. Em vez disso, houve a necessidade de uma interferência social que
determinasse as causas das divisões sociais e tentasse remedia-las
mediante adequadas intervenções de reforma social.
A primeira forma de proteção social institucionalizada foi o esquema
Bismarckiano de proteção social que existiu na Alemanha, entre 1883 e
1889, instituído pelo governo conservador do Chanceler Otto Bismarck, cuja
principal função era desmobilizar a classe trabalhadora, que se sentia
atraída pelos ideais socialistas da social-democracia alemã. Este esquema
contemplava o seguro saúde, o seguro acidentes de trabalho e a
aposentadoria, que vinculava-se exclusivamente ao trabalho e, por isso, só
atendia pessoas empregadas, mediante contrato e prévia contribuição. Em
1942, foi inaugurado na Grã-Bretanha o esquema beveridgiano de proteção
social que caracterizou-se por ser unificado e universal, baseado em outros
por uma questão de direito, deveriam ter as suas necessidades básicas
satisfeitas. Trata-se, portanto, de um sistema de proteção social público que,
apesar de privilegiar o seguro social, possuía uma vertente não-contributiva
que se identificava com a assistência social (BOBBIO, 2000).
O modelo bismarckiano é identificado como um sistema de seguro
social que se destina a manter a renda dos trabalhadores em momentos de
risco social. O acesso a este tipo de seguro é condicionado a uma
contribuição anterior, e o montante das prestações é proporcional às
contribuições efetuadas. Já o sistema beveridgiano tem um cunho mais
assistencial, tendo como princípios que os direitos devem ser universais,
destinados a todos os cidadãos em condições de necessidade. No Brasil, os
princípios do sistema bismarckiano predominam na previdência social;
enquanto que o modelo beveridgiano predomina no sistema público de
saúde e de assistência social (POTYARA, 2002).
É importante ressaltar que no nosso País, a constituição de um
sistema de proteção social só ocorreu no período compreendido entre 1923
e 1943. A partir de 1923 foi lançada as bases para a futura política de
Seguro Social com instituição da Lei Eloy Chaves. Esta Lei beneficiava
setores específicos da força de trabalho englobando assalariados de
empresas a partir de quatro benefícios: medicina curativa; aposentadoria por
tempo de serviço, velhice ou invalidez; pensão para dependentes e auxílio
funeral. Esse seguro tinha princípio contributivo financiado por empregador,
empregado e Estado e exigia filiação obrigatória.
O contexto da época era marcado por grandes transformações
modelo urbano industrial. Em 1930 acontece uma acelerada ampliação do
Seguro Social. As CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões) deixam de
ter por âmbito as grandes empresas individualmente, para abrangerem as
Categorias de Profissionais, surgindo, então os IAPs (Instituto de
Aposentadorias e Pensões) que passam paulatinamente a englobar grande
parcela dos assalariados do setor privado e estatal (BOSCHETTI, 2003).
O Plano Beveridge teve forte influência na constituição da Seguridade
Social brasileira. Esta influência, entretanto, deu-se de forma lenta, parcial e
limitada, porque muito princípios bismarckianos foram mantidos e nem todos
os princípios beveridgianos foram devidamente incorporados, mesclando
sempre características dos dois modelos. O processo de ampliação da
cobertura e de expansão dos direitos, programas e serviços ocorreu
gradativamente e jamais chegou a assegurar direitos iguais para todos os
cidadãos.
De acordo com Boschetti:
Desse modo, enquanto a previdência se destinaria aos trabalhadores
em condições de exercer atividade laborativa, e, assim, assegurar os direitos
contributivos, ficaria a cargo da assistência oferecer cobertura aqueles que,
por algum tipo de “incapacidade” seja em decorrência e/ou deficiência ou por insuficiência de renda, não teriam acesso aos benefícios previdenciários.
É importante ter presente que o percurso da assistência, na história
da proteção social brasileira, sempre guardou estreita relação com a prática
da benemerência pela iniciativa de pessoas caridosas, sobretudo as ligadas
à Igreja, e, por instituições de caridade, que por uma questão moral,
prestava auxílio assistencialista aos segmentos fora do mercado de trabalho
quer seja por motivos doença, abandono, velhice e invalidez.
As características da prática assistencial, mediadas pelo favor e
clientelismo no contexto da participação do Brasil na Segunda Guerra
Mundial vão ganhar corpo institucional com a criação da Legislação
Brasileira de Assistência – LBA em 1942.
Sob a liderança da então primeira dama Darcy Vargas, a LBA tinha a
atribuição de organizar voluntários para assistir aos portadores de
deficiência, idosos e crianças carentes. Seu objetivo central consistia em dar
apoio às famílias cujos chefes haviam sido convocados pela Força
Expedicionária Brasileira – FEB, para atuarem na guerra. É pertinente colocar que:
do seu governo mediante a tática do assistencialismo como mecanismo de dominação política (TORRES:2002, p. 86).
Como se pode observar, a pretensa proteção social brasileira pautada
em uma assistência social prestada aos desvalidos teve, ao longo de sua
história, como marcas registradas: a filantropia, o clientelismo e o
paternalismo personalista que reitera a dominação dos sujeitos e
caracteriza-se por ser um campo de ações fragmentadas e descontínuas,
pontuais, seletivas e emergenciais que são implementadas de acordo com
os interesses de cada governo e não pelo reconhecimento das necessidades
sociais básicas inerentes aos indivíduos.
Face ao exposto, fica claro que o Sistema de Proteção Social,
compreendido no período dos anos 1930 aos 1960, caracterizou-se como
sistema corporativista por não contemplar o conjunto dos trabalhadores
brasileiros, diferenciando-se, dessa maneira, do padrão universalista
predominantes nos países de capitalismo avançado.
No período da Ditadura Militar, efetivado com o golpe de 1964 e
caracterizado pela consolidação do capitalismo monopolista no Brasil, o
sistema de proteção social avançou rumo à consolidação e expansão
durante as décadas de 1970 e 1980. Neste contexto, os programas sociais
ampliaram-se como forma de compensação pela repressão aberta,
direcionadas aos movimentos sociais.
Ainda que o Estado tenha articulado as políticas sociais com o
sobretudo a partir de meados da década de 1970, que tinha como elemento
mobilizador novas demandas pelo resgate da dívida social agravada durante
o período do regime militar, em um processo de ampliação da cidadania.
A dinâmica desse movimento gera como resultado o advento da
Constituição Brasileira de 1988 que constituiu um grande marco a conquista
de direitos do povo brasileiro, principalmente no campo da Seguridade
Social (saúde, previdência e assistência social). A Nova Constituição
demonstrou avanços expressivos, tais como:
Ampliação e extensão dos direitos sociais;
Universalização de acesso aos serviços sociais;
Seguridade Social mais abrangente nas áreas de saúde,
previdência e assistência social;
Estabelecimento de patamares mínimos de valores dos benefícios
sociais;
Direitos e garantias para os trabalhadores.
Outros benefícios estabelecidos garantiram: maior proteção aos
segurados de baixa renda e seus dependentes através do salário família;
reforço e proteção à maternidade estendendo para 120 dias a licença à
gestante; licença ao pai quando do nascimento do filho; a proteção ao
desempregado involuntário; reafirmação da aposentadoria por tempo de
serviço e as aposentadorias especiais, incluindo as dos funcionários
Em relação à organização das políticas, houve a descentralização
com forte indício de municipalização; a integração dos serviços e benefícios
sociais diante das demandas existentes; a participação popular nos
processos de decisão, implementação e controle dos programas sociais.
Todavia, esse processo de ampliação dos direitos sociais,
conquistados através do processo de redemocratização da sociedade
brasileira, passou a ser fortemente boicotado no decorrer dos anos de 1990,
quando o País investe na busca de sua inserção na chamada economia
globalizada, sob a orientação da ideologia neoliberal. No que se reporta ao
neoliberalismo, far-se-á uma reflexão no item 1.4, além de abordar-se sobre
este pensamento no decorrer e no avançar deste trabalho.
1.3 – LOAS: A Assistência como um direito social?
Ao instituir a assistência social como direito de cidadania, a nova
Constituição Federal a reconheceu como política pública, como direito do
cidadão e dever do Estado. De acordo com Carlos Nelson Coutinho (2000, p.
62) “Os direitos sociais são os que permitem ao cidadão uma participação
mínima na riqueza material e espiritual criada pela coletividade”. Dessa forma, a assistência social que outrora era concebida como um dever moral para com
os pobres, foi colocada na pauta da agenda pública, com direito a definição de
diretrizes, regras, normas e princípios.
Coutinho coloca que a presença de tais direitos nas Constituições, e,
seu reconhecimento legal, não garante automaticamente a efetiva
materialização dos mesmos (2000, p.63). Como sabemos, para que aconteça a
democracias, esta seja uma condição pela qual as pessoas passam a ter
condição de exigir o seu cumprimento. Historicamente no nosso País, o
reconhecimento legal de um direito não tem sido suficiente para concretizar as
ações que o tornaria legítimo.
A Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, regulamentada em 1993, se caracteriza num dispositivo legal, regulamentador do direito à Seguridade
Social, entendendo-o como direito a todos aqueles que estejam em condições
de vulnerabilidade social, seja em decorrência de vulnerabilidade pelo ciclo de
vida (crianças, adolescentes e idosos), seja pelas condições de desvantagem
pessoal (pessoas com deficiência e doença), seja por vulnerabilidades diante
de situações circunstanciais e/ou conjunturais (fome, mendicância, trabalho
infantil, crianças e adolescentes vítimas de violência e de abuso sexual,
mulheres pobres chefes de família, mulheres vítimas de violência, entre outras
situações menos comuns.
A legislação que visa regulamentar a política da assistência social,
expressa nos artigos Art. 203 e 204 da última Constituição Federal Brasileira,
como política pública, preconiza uma instância legal, responsabilizando o
Estado na cobertura de medidas para a implementação dessa política,
buscando-se a ruptura com a instância moral da filantropia, clientelismo,
primeiro-damismo e assistencialismo; práticas enraizadas na cultura política
brasileira.
O sistema descentralizado e participativo idealizado prevê uma hierarquia
de competências nas três esferas de governo, tratados nos Artigos 11, 12, 13,
14 e 15 da LOAS de forma articulada, cabendo a coordenação e execução dos
aos Municípios, sem desconsiderar entretanto o princípio de autonomia, mas
alertando sobre o equívoco de superposição de programas e projetos nos
diferentes níveis. Na IV Conferência Nacional de Assistência Social realizada
em dezembro de 2003, afirmou-se a necessidade de construção das bases de
um novo pacto entre as três esferas de gestão da assistência social para que
de fato se assegure o caráter descentralizado e participativo de gestão.
Assim sendo, a via de acesso ao exercício dos direitos sociais
expressa-se na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que se caracteriza num dispositivo legal, regulamentador do direito à Seguridade Social, entendendo-o
como direito a todos aqueles que estejam em condições de vulnerabilidade
social.
A promulgação da LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social – ( Lei 8.742 de 07/12/93 ) intencionou dar formatos mais concretos aos direitos
estabelecidos na Carta Constitucional, embora tenha demorado cinco anos
para ser sancionada. No entanto, os programas nela contidos para o
enfrentamento da pobreza não foram implantados.
A LOAS baseou-se, como já colocamos, no esquema beveridgiano de
proteção social: inaugurado na Grã-Bretanha, em 1942, caracterizou-se por
ser unificado e universal, baseado em outros princípios e critérios,
abrangendo não só trabalhadores, mas todos os que, por uma questão de
direito, deveriam ter as suas necessidades básicas satisfeitas. Trata-se,
portanto, de um sistema de proteção social pública que, apesar de privilegiar
o seguro social, possuía uma vertente não-contributiva que se identificava
A LOAS é resultado de um amplo movimento da sociedade civil organizada, é resultado de mobilizações e negações que envolveram fóruns políticos, entidades assistenciais representativas dos usuários dos serviços de assistência social ( YAZBEK, 12:1995).
Na LOAS, conforme os seus princípios, a assistência social tem por
objetivos: a proteção à família, à maternidade, à infância à adolescência e à
velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção e
integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiências e a promoção de sua integração à vida
comunitária.
O capítulo V da LOAS propõe o Benefício de Prestação Continuada,
sendo este a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso com mais de 65 anos e que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. São
propostos no mesmo capítulo, serviços enquanto atividades continuadas e
em redes voltadas à melhoria da qualidade de vida da população, programas
e projetos de enfrentamento da pobreza.
No entanto, é oportuno frisar que a concretização da assistência
social como direito requer o cumprimento de todas as requisições citadas.
As inovações na Lei, por si só, não são capazes de transformar as históricas
práticas de benemerência que têm marcado a proteção social brasileira ao
longo dos tempos. As novas propostas precisam ser incorporadas e
1.4 A assistência social no contexto neoliberal: universalidade versus seletividade e focalização.
A assistência social, no contexto da LOAS, é trabalhada de acordo
com as expressões da questão social na realidade brasileira com toda a sua
complexidade e contraditoriedade.
Na conjuntura neoliberalizante, tomando-se como referência a
problemática da questão social em suas múltiplas expressões vai se
observar a assistência social emerge e passa a se caracterizar como ajuda,
benemerência, complementação sem a preocupação de resolver situações,
mas só amenizá-las ”(...) como um pronto socorro, que não tem a preocupação com a doença, sua cura ou prevenção, mas com a redução,
ainda que precária e imediata, do ‘grau de gravidade’ da situação do doente” (SPOSATI, 17: 1999).
Ao longo de sua história, o conjunto de ações denominadas de
assistenciais, embora nasçam de demandas sociais identificadas como
necessidades ou privações e, objeto de intervenção estatal, não é
reconhecido como direito. Constituem-se como ações concebidas como
ajuda às necessidades e privações, atribuídas à vida individual de cada
necessitado, e não campo de responsabilidade social do Estado,
permanecendo como uma situação de ambigüidade entre a caridade pública
e privada. Sujeita, portanto, à invisibilidade, seja pelo lado do Estado seja
Realizada pelo Estado com a mediação da filantropia, a assistência
social institucionalizou-se e formatou-se como prática descontínua e
desarticulada, com financiamento incerto e instável, para atender de modo
precário a uma determinada parcela de necessitados – em geral, àqueles sem trabalho e incapacitados por determinadas contingências, como a
infância e a velhice, ressaltando-se a doença e invalidez. Sua concepção e
operacionalização foram sempre presididas pelo modelo político
patrimonialista-clientelista, afirmando o controle e a dominação dos sujeitos.
Com a Constituição de 1988, como já foi mencionado neste estudo, a
assistência social é declarada como direito social, campo da
responsabilidade pública, da garantia e certeza da provisão. É anunciada
como um direito sem contrapartida, para atender a necessidades sociais, as
quais, tem primazia sobre a rentabilidade econômica. Para tanto, é definida
como política de seguridade, estabelecendo objetivos, diretrizes e
financiamento, organização da gestão, a ser composta por um conjunto de
direitos.
A assistência social constitui-se em um direito do cidadão, dever do
Estado, e tem de ser prestada a quem dela necessitar. Em verdade, essa
inscrição formal enseja uma profunda e radical ruptura em relação à
tradicional condição da assistência social, que transita do campo do dever
moral de ajuda, para a obrigação legal do direito.
No entanto, a forma em que o país se insere no contexto global
associado a seus desajustes internos, a efetivação dessas leis torna-se
quase que totalmente inviáveis. Sobretudo quando o Brasil passa a
processo de globalização da economia. Tais proposições nascidas no
pós-guerra na região da Europa e da América do Norte surgiram como
alternativa à crise do padrão do Estado intervencionista. O Caminho da
Servidão de Friedrick Hayek escrito em 1994 traduziu a origem do
pensamento neoliberal. “Seu propósito era o combate ao Keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases para outro tipo de capitalismo,
duro e livre de regras” (ANDERSON, 09:1995).
O argumento de Hayek era que o igualitarismo promovido pelo Estado
de Bem-Estar destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da
concorrência da qual dependia a vitalidade de todos. Argumentava que a
desigualdade é um valor positivo.
Nos anos de 1970, quando o capitalismo avançado entra numa
profunda recessão, o neoliberalismo é assumido de fato desarticulando o
poder dos sindicatos, e impondo a política de ajuste monetário.
No final da década de 1980, mais precisamente em novembro
de1989, realizou-se uma reunião entre os membros dos organismos
internacionais como o Fundo Monetário Internacional – FMI, Banco Mundial, funcionários do governo americano e economistas latino-americanos. O
objetivo era avaliar as reformas econômicas empreendidas na América
Latina. Esta reunião ficou conhecida como Consenso de Washington. Suas
recomendações, obedecidas mais tarde pelos países subalternizados pela
dívida externa, abrangem reformas estruturais para a estabilização da
economia, tais como: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma
estrangeiro, privatizações, terceirizações, desregulação, etc (ANDERSON,
1995).
Aos poucos, os países do mundo capitalista passam a adotar tais
medidas. No Brasil, o governo de Collor, na década de 1990, tratou de dar o
ponta pé inicial e, assume, explicitamente, o neoliberalismo como alternativa
de desenvolvimento, e adota uma agenda pública que prioriza o econômico,
a dívida externa e a inflação. Seu governo se desempenha com êxito
quanto à desregulamentação, liberação de importações e privatizações, etc.
Agia de forma a retardar a regulamentação da Constituição de 1988. “A
Constituição de 1988 é assumida como entrave à governabilidade, passando
a ser considerada inviabilizadora do Estado, principalmente no que se refere
aos direitos sociais conquistados” (SILVA, 55:1995).
Uma das características básicas da trajetória das políticas sociais nos
governos subseqüentes foi o enfraquecimento da dimensão pública, o que
podemos também denominar de Estado mínimo. As reformas sociais de
cunho neoliberal têm privilegiado, sobretudo, na conjuntura dos anos de
1990, as ações públicas voltadas para o atendimento dos pobres e
miseráveis.
Inserindo-se de forma subalternizada nessa dinâmica do capital, o
Brasil como os demais países do Terceiro Mundo enlaçados pela dívida
externa, tem se submetido ao programa de ajuste imposto, principalmente
aos países latino-americanos pelas instituições internacionais: FMI (Fundo
Monetário Internacional), BIRD ( Banco Internacional de Reconstrução e
ajuste prescreve o reordenamento das relações entre os países centrais e
periféricos (ANDERSON, 1995).
Em decorrência dessas determinações, observa-se a intensificação
da retração do Estado na efetivação de políticas sociais, entendendo estas
como um conjunto de ações desenvolvidas pelo Estado nas áreas de saúde,
educação, assistência social, bem como programas sócio-assistenciais
destinados a determinados segmentos da população, como: a mulher, a
criança, o portador de deficiência, o idoso, etc. Sendo desenvolvidos,
sobretudo, em países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, que
apresenta políticas sociais focalistas de caráter não universal.
Na atual configuração do Estado brasileiro, os gastos públicos ficam
subordinados a interesses econômicos da nova ordem do capital
dificultando, dessa forma, a efetivação das políticas sociais. Prioriza-se a
economia, no sentido de torná-la competitiva dentro da economia mundial.
Ao mesmo tempo em que o Brasil vai se ajustando a esse processo de
forma subordinada, observa-se também a complexificação da questão
social, sendo esta, um dos saldos negativos gerados pela sociedade
capitalista e seu modo de produção entre países e grupos subalternizados.
Carvalho conceitua a questão social como “a materialização histórica das
desigualdades numa dada sociedade e as respostas engendradas pelos
sujeitos a essas desigualdades” (1998:13). A questão social envolve todas as mazelas decorrentes das desigualdades, com sérias implicações para os
trabalhadores de baixa renda, formais e informais; bem como para os grupos
a mulher, a criança, o portador de deficiência, entre outros), causando-lhes
precárias ou nenhuma condição de sobrevivência.
Dentro desse contexto, e reportando-o para a conjuntura brasileira,
tendo em vista que todos esses processos têm implicações mais sérias
principalmente em países de Terceiro Mundo, encontra-se um Estado
provedor de políticas públicas destinadas a indivíduos que se encontram
abaixo da linha de pobreza. “São políticas casuísticas, inoperantes, fragmentadas, sem regras estáveis ou reconhecimento de direitos” (Yazbek, 07: 1995). Isto se dá num contexto em que cada vez mais aumenta-se a
demanda de indivíduos que dependem de serviços públicos.
Essa postura de retração do Estado para com as políticas sociais,
como se sabe, deriva das determinações impostas pelo Consenso de
Washington aos países subordinados seu programa de ajuste que abrange:
privatizações, redução com gastos públicos, disciplina fiscal, desregulação,
terceirizações, etc. Diante desse quadro são reduzidas as chances de
financiamentos dos serviços públicos o que afeta decisivamente a obtenção
desses serviços como direitos e exercícios de cidadania.
Na década de 1970, sob a égide do regime militar, houve uma
abstração gradativa dos gastos com o social. A prioridade naquele momento
estava voltada, de forma vigorosa, para o crescimento econômico via
“milagre brasileiro”. Na década seguinte, a luta pela democratização impôs que os temas sociais ganhassem terreno na agenda política de reformas
O início da década de 1980 representou uma certa e necessária
ascensão no campo das políticas sociais sob a sombra do Welfare State3
europeu. Admitia-se, inclusive, sua existência aqui no Brasil quando se
avaliava a presença do Estado na efetivação de programas e políticas
sociais nas áreas de saúde, previdência, educação, assistência social e
habitação.
Algumas teses apontam uma parcial ineficiência do alcance dessas
políticas. Pois o Brasil, ao contrário dos países europeus, não adotou a
regulação Keynesiana da economia (Estado intervencionista) que garantia um
mínimo padrão de vida que viabilizasse a reprodução da classe trabalhadora e
regulava a economia de mercado de modo a assegurar o pleno emprego
implementando políticas sociais universais na busca da fidelidade das massas
e a legitimação da ordem burguesa.
O Brasil, então, não vivenciou um Estado de Bem-estar de forma
plena, tendo em vista sua condição subalternizada de Terceiro Mundo no
contexto internacional.
É inegável que a necessidade de retornar as questões sociais no cenário
da democratização torna-se comprometida pela crise que assola o país na
segunda metade dos anos 80 onde havia altos índices inflacionários e pela
volumosa dívida externa. Esta, já reflexo em âmbito nacional, do crescimento
do capital estrangeiro designada também como “milagre econômico” no período do autoritarismo militar. Dentro do contexto internacional a crise
3
estrutural do capital no início dos anos 70 eclode como um dos fatores, a crise
do petróleo em 1973 e a queda da taxa de lucro da produção industrial põem
em cheque o padrão de acumulação taylorista/fordista que de acordo com
Antunes (37:2000):
Consistia em um sistema produtivo, que vigorou na grande indústria ao longo praticamente de todo o século XX, baseava-se na produção de mercadorias (...) racionalizando ao máximo as operações realizadas pelos trabalhadores, combatendo o ‘desperdício’ na produção, reduzindo o tempo e aumentando o ritmo de trabalho (...) estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo produtor dos veículos. Esse processo produtivo caracterizou-se pela mescla da produção em série fordista com o cronômetro taylorista”. (ANTUNES. 36-37:2000).
A Alemanha e o Japão tornam-se países fortes economicamente e os
EUA deixam de ser a única potência econômica. Daí surge intensa
concorrência por novos mercados aumentando a competitividade
intercapitalista. Adota-se então o toyotismo japonês baseado na
flexibilização da produção e das relações de trabalho. “A competitividade intercapitalista impõe a exigência de qualidade dos produtos para garantir a
rentabilidade da produção em um contexto de globalização da produção e
dos mercados” (IAMAMOTO, 31:1998).
Diante desse contexto, a sociedade brasileira lutava pela
agravamento da crise econômica e, conseqüentemente pela incapacidade
de investimento do Estado, fazendo com que o discurso permaneça
distanciado das metas” (SILVA, 48:1995).
Todavia, paralelo a esse processo de crise sobressai o discurso da
“cultura da crise” onde a burguesia busca camuflar a dicotomia entre as
classes, bem como os projetos societais antagônicos, deixando a entender
que para retomar o crescimento econômico seria necessário o sacrifício de
todos os segmentos da sociedade, como se a crise afetasse
homogeneamente a todos. Tal discurso almejava reelaborar a hegemonia
do capital.
Segundo Ana Elizabete Mota: “Na atual conjuntura, a burguesia para universalizar a sua ordem é necessário formar uma cultura geradora de
consentimento das classes, isto é, constituidora de hegemonia” (2000:47).
É apropriando-se do discurso da crise que a cúpula dos líderes
políticos do Brasil busca alianças políticas para a retomada do crescimento
econômico com o objetivo de inserir o país na economia globalizada, mesmo
que, para isto, o prejuízo recaia sobre o segmento mais desfavorecido da
sociedade através do solapamento das políticas sociais, do arrocho salarial,
da desregulamentação dos direitos sociais.
As condições sociais foram, a medida em que a crise se agravava,
deteriorando-se, alicerçada na própria cultura como forma de consenso e
participação das classes no enfrentamento da crise gerando um
compromisso involuntário por parte dos quase futuros assistidos sociais.
Enfim, a população brasileira, seria assistida socialmente se as políticas
2– O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
2.1.A emergência e trajetória
Com a Constituição de 1988, como já nos referimos neste trabalho, foi
previsto Benefício de Prestação Continuada - BPC, que constitui um salário
mínimo mensal, destinado às pessoas idosas de 65 anos ou mais e às
pessoas portadoras de deficiência física ou psíquica, incapacitadas para vida
independente e para o trabalho que não tenham condições de prover o
próprio sustento, ou, de tê-lo provido por sua família. Trata-se de um
Programa Federal de renda mínima, cuja característica principal é de ser
uma pensão não contributiva. Que atende aos segmentos, que se encontram
duplamente afetados, tanto pela deficiência ou idade, quanto pelo alto nível
de pobreza. Em ambos os casos, devem pertencer a famílias com renda
mensal inferior a ¼ do salário mínimo vigente o que equivale a uma quantia
inferior a R$ 65 por membro familiar, no período em que foi realizada a
pesquisa.
Como já foi mencionado na introdução deste estudo, o Benefício de
Prestação Continuada, só foi regulamentado em 1993, por meio da Lei
Orgânica da Assistência Social – LOAS, integrando-se à Política Nacional de Assistência, mas somente foi efetivado a partir de 02 de janeiro de 1996,
determinado pelo Decreto 1.774, de 08.12.95 sob a responsabilidade do
Governo Federal, por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência
O Benefício de Prestação Continuada também direciona-se aos
portadores de doenças crônicas e doença mental (autismo, depressão em
estágio avançado), Aids, câncer, AVC, entre outras, apesar deste fato não
ser muito difundido. Isto é, desde que seja atestado que o candidato à
concessão do benefício esteja incapacitado para o trabalho e encontre-se
dentro dos critérios de renda estabelecidos.
O Benefício de Prestação Continuada é completamente custeado pela
União através do Fundo Nacional de Assistência Social do atual Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (antigo Ministério da
Assistência Social). Tem como principal fonte de financiamento a
Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com um percentual de 88,73%; Recebe ainda como fonte recursos ordinários 7,67%;
e financiamento do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza 2,94%.
O fato de podermos acessar um benefício não contributivo, ou seja,
um benefício que não esteja vinculado às relações trabalhistas, constitui um
marco significativo e inaugural na esfera da proteção social brasileira.
É importante observar que essa forma não contributiva só surgiu no
nosso país tardiamente, ou seja, meio século em relação a outros países,
como a França (1940), a Alemanha (1960) e a Bélgica (1970).
O montante de recursos destinado ao BPC tem aumentado a cada
ano. Isto é bom, apesar de estar muito longe do ideal devido ao contexto de
miserabilidade em que se encontra o beneficiário. A impossibilidade de se
acumular o benefício a outra renda complementar regular, coloca o
beneficiário numa situação de sobrevivência mínima. Um fator considerado
cresce a cada mês, já que seu alcance depende da decisão do requerente e
do preenchimento dos critérios para o acesso ao mesmo.
Ainda que excludente, quando assume como critério de seleção que a
família tenha uma renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo por
pessoa, o BPC tem como característica a regularidade, diferenciando-se das
demais ações conferidas à assistência, constituindo-se em um direito
reclamável, embora restrito. Se um portador de deficiência ou uma pessoa
idosa com idade igual ou superior a 65 anos tentar requerer o benefício junto
ao INSS e se enquadrar nos critérios de aquisição, automaticamente ele terá
a sua aquisição aprovada e concedida.
A continuidade do benefício como provisão certa e garantida não o
abstém do caráter focalista e seletivo reforçado pelo enxugamento do
Estado para com as políticas públicas. Ou seja, o diferencia, mas não
resolve a situação de exclusão na qual estão inseridos os beneficiários
cobertos pelo BPC.
Algumas medidas foram tomadas, no âmbito governamental, a fim de
retardar o início da efetivação do BPC. Com intenção de tomar medidas
financeiras e administrativas aferiram um novo prazo protelatório de um ano.
Em dezembro de 1994 foi expedido o Decreto nº 1.330 que propunha o
adiamento por mais um ano, sendo este revogado no início do governo de
Fernando Henrique Cardoso.
Houve, ao longo de oito anos, um significativo crescimento do número
de beneficiários do BPC. Os dados oficiais demonstram que esse aumento
quintuplicou no período compreendido de dezembro de 1996 a julho de