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A visão que o beneficiário tem sobre sua vida após a concessão do benefício; qual a importância que este benefício representa para ele e sua família; o que ele interpreta por Benefício de Prestação Continuada são aspectos que serão tratados neste item. Entendeu-se que a expressão de percepção do beneficiário e/ou seu responsável é de fundamental importância para a compreensão da contribuição do BPC para a qualidade de vida dos mesmos.

Com base no roteiro de pesquisa, questionamos os beneficiários ou responsáveis se houve mudanças após a concessão do benefício e quais mudanças foram verificadas por eles, em suas vidas. A grande maioria demonstrou que as condições melhoraram depois do benefício, conforme os depoimentos a seguir:

A mudança foi total, eu vivia dependendo dos outros. Morava de favor com uma prima minha, era terrível, eu sofria muito. Depois desse benefício, eu passei a ter condições de morar só. Aí a coisa melhorou um pouquinho (José Bento, 37 anos, portador de doença crônica).

Um outro entrevistado acrescenta:

Houve muita mudança, muita mesmo. A mudança que mudou foi que agora eu tenho como comprar um bocadinho pra comer com os meus filhos que antes eu não tinha com que comprar (Augusta, 35 anos, mãe de um beneficiário).

Observa-se em algumas falas que o nível de satisfação dos beneficiários está diretamente ligado ao grau de vulnerabilidade que os assolava anteriormente. Percebe-se que essas pessoas se encontravam em estado de

desespero ou de indigência, dependendo exclusivamente de outras pessoas, ou ainda, havia aqueles que não tinham, com quem contar:

Eu não tinha condição de nada, renda de nada, não tinha ajuda de família nem de ninguém, então ele chegou numa hora boa (Gustavo, 43 anos, portador de deficiência física).

A entrevistada Maria de Lourdes, 54 anos, portadora de doença mental, retrata a situação vivenciada antes do benefício:

Graças à Deus as coisa mudou assim, depois desse benefício, porque antes eu não tinha com quê comprar nada na minha vida, viu? Meu esposo trabalhava assim... como pescador, mas ele não sentava um centavo na minha mão. Pegava o dinheiro somente pra tomar cachaça. Vivia muitas vezes à custa da minha mãe que era aposentada. Jesus levou ela, aí foi que a coisa piorou.

O depoimento da entrevistada a seguir revela uma certa indignação diante do que recebeu. Mesmo parecendo contraditório, é mais uma expressão de resignação ao dizer:

Mudou muita coisa depois desse benefício, porque triste de mim se não fosse ele, né? Porque é com essa mixaria que eu compro meu remédio porque eu não posso trabalhar. Minha felicidade foi ele, esse dinheiro. Porque como era que eu ia comprar agora o meu remédio, diga aí, agora como é que eu estava. Não sei não, eu estava sofrendo no mundo, não é?

(Suzana Martins, 41 anos, portadora de doença crônica).

Com efeito, alguns depoimentos expressam total insatisfação com a insuficiência da renda: “Para mim não mudou nada, ficou a mesma coisa. Porque nem uma casa eu possuo que eu não tenho condições de possuir” (Geralda, 37 anos mãe de um beneficiário). As declarações demonstram que o

destino do dinheiro é somente para a alimentação: “Não mudou nada com esse benefício, mulher, porque a roupa é os outros que dá, o calçado é os outros que dá!” (Augusta, 35 anos, mãe de beneficiário)

A pesquisa revelou que o destino do benefício no município de Macau é usado preponderantemente para a aquisição de alimentos, seguido pelos gastos com remédios, e, em menor escala, com água, luz e gás de cozinha. Conforme demonstra o gráfico a seguir:

Gráfico 8

O restrito critério de elegibilidade para a aquisição do BPC que é destinado as famílias em estado de indigência, com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, deixa claro que a utilização da renda do benefício será destinada, quase que exclusivamente, para suprir a carência da alimentação.

0 5 10 15 20 25 30 Destino do BPC Série1

Os dados mostram que essas famílias vivem apenas no nível da sobrevivência biológica; considerando que o BPC cobre minimamente as suas necessidades de alimentação. Ao refletir sobre esse assunto, Potyara Pereira (2002, p.58) coloca em evidência que as necessidades alimentares, “Estas em nada diferiam das necessidades animais e, portanto, não exigem para o seu atendimento nada mais do que um mínimo de satisfação, como prega a ideologia liberal”. Muitas vezes não chega a suprir, com eficiência, nem mesmo

as necessidades de alimentação, como vê-se expresso na fala da entrevistada Dona Geralda, 66 anos, mãe de um beneficiário:

O dinheiro desse benefício só dá pra comer mesmo. A casa tá quase caindo na nossa cabeça e a gente não tem condições de ajeitar. Hoje em dia tudo é caro, né? O que é que eu posso fazer com um salário desse... não dá, minha filha, não dá nem pra comer. Tem dia que eu não como porquê não chega. Eu digo a verdade! É porque não dá. Muitas vezes a gente só come o feijão com o arroz porque não dá pra comprar a mistura.

A pesquisa revelou que o Benefício de Prestação Continuada, direito garantido constitucionalmente ao beneficiário idoso e ao portador de deficiência, tem se destinado ao provimento da família como um todo. Com efeito, este fato tem interferido para o não acesso do beneficiário ao seu benefício (pois depende da renda familiar) mesmo sendo destinatário legal desta política, portanto, incidindo de forma desfavorável nas suas condições de vida. Mostra-nos Sposati (2004, p.126) que “O acesso ao BPC, vinculado operativamente a renda per capita da família, restringe o direito individual do cidadão”. E isto é facilmente justificável pelo critério de elegibilidade

estabelecido para a aquisição do benefício (famílias cuja renda per capita é inferior a ¼ do salário mínimo). sendo assim, fica evidente a sua distribuição para a família como um todo, tal como demonstra o gráfico a seguir:

Gráfico 9

Como na maioria dos casos, essas famílias dispõem do BPC como única renda regular e garantida. Ao indagarmos os beneficiários sobre a destinação do benefício, ou seja, a quem o benefício sustenta, dentre os 38 entrevistados, 30 responderam que o benefício “sustenta” toda família; 5 responderam que sustenta apenas ao beneficiário e 3 informaram que não sustenta ninguém, pois o dinheiro é pouco. As falas abaixo justificam, respectivamente, os dados expostos no gráfico:

A ninguém, ninguém! Uma galinha eu não sustento. Não dá pra sustentar nem eu!” (Josiel, 74 anos, beneficiário idoso).

A entrevistada Francisca Oziel, 37 anos, mãe de uma usuária acrescenta: 0 10 20 30 A família Usuário Ninguém 30 5 3 Destinação do BPC Série1

Esse benefício é pra sustentar ela, porque se fosse pra sustentar todo não dá. Eu não vou dizer que esse benefício dá pra sustentar a família que eu vou ta mentindo, né?

Observa-se, ainda, que a fala a seguir diz do destino do benefício: atender a necessidade básica primeira do ser social – alimentação.

É como eu tô dizendo a senhora, são três pessoas, eu, ele (usuário), o primo dele que mora comigo, que é meu neto também, e esse meu filho aqui que mora em Pendências, mas tá desempregado que, vez por outra ele ta por aqui com a mulher e os filhos, quando chega nós come tudo junto (Maria Pacheco, 67 anos, avó de um beneficiário)

Esse benefício sustenta a nós todos, a gente come numa panela só (Geralda, 66 anos, mãe de um beneficiário).

Em relação à visão que o beneficiário tem sobre o benefício, indagamos sobre o que eles entendiam por Benefício de Prestação Continuada. Dos 38 entrevistados, temos que: 21 responderam que era uma ajuda do governo, 4 responderam que era um direito, 3 informaram que era uma aposentadoria, outros 3 expressaram que se tratava de uma ajuda divina e 7 não souberam responder:

Gráfico 10

Conforme pode-se constatar, a maioria dos beneficiários concebe o benefício como um ajuda do governo, observando-se que o termo ajuda tem uma representação simbólica no imaginário desses usuários; foi construído ao longo de nossa formação histórica através da nossa cultura patrimonialista permeada pelas relações de favor e compadrio, conforme podemos observar na fala do beneficiário: “Eu acho que é uma ajuda do governo pra essas pessoa que são doente e não consegue trabalhar” (Josiel, 74 anos, beneficiário). Para estes usuários o trabalho é a referência. Este é o meio de

acesso; quem não pode trabalhar deve receber o benefício: “É uma ajuda muito grande porque eu não posso trabalhar” (Roberto Carlos, 32 anos, portador de deficiência física).

Considerando a fala a seguir, percebemos que na opinião da mãe de um usuário o BPC extrapola o caráter de ajuda, constituindo-se em uma “bondade do governo” associada ao seu eterno sentimento de gratidão:

Eu acho que foi uma bondade do governo, de quem deu esse benefício. Eu fiquei maravilhada quando chegou. Pra mim foi tudo na minha vida, mulher,

21 4

3

3 7

Significado do BPC para o usuário

Ajuda do governo Um direito Aposentadoria Ajuda divina Não sabe

porquê ele deu uma ajuda. Esse sacrifício que eu tinha de levantar e não saber o que ia fazer pra almoçar, essas coisas assim, sabe? Essas pessoas assim tem que comer umas coisinhas mais forte por causa dos remédio controlado que eles tomam. Eu dei muitas graças à Deus. Aí eu acho assim, né? Eu devo isso a essa pessoa que fez, ao governo que teve a idéia de fazer essa caridade muito grande, eu devo tudo a essa pessoa que fez isso. Eu acho que foi no governo de Fernando Henrique que apareceu esse benefício, não foi? Isso pra mim tem sido tudo na minha vida, que Deus me livre de faltar um negócio desse, eu não sei o que será da minha vida até porque ele precisa de tudo, né? (D. Aurinda, 61 anos, mãe do beneficiário).

Sobre o significado e a visão que se tem do benefício, observa-se através dos discursos apresentados que o benefício é a representação da caridade. Tal como expressa Maria Ozanira da Silva e Silva (2004, p. 73): “O benefício era visto não como uma política de Estado, mas, sobretudo, como ato pessoal do governante, movido pela vontade (...) estabelecendo uma confusão entre o público e o privado”. É oportuno frisar que para eles a definição de ajuda nem sempre se coloca em oposição ao direito: “Eu acho que é uma ajuda do governo, é um direito que os governante tem que dar pra essas pessoas, né?” (Rita Barros, mãe de um beneficiário)

Ainda quando o usuário afirma que o benefício é um direito, sua interpretação consiste em enquadrar-se dentro dos critérios estabelecidos para a aquisição do mesmo; significa para este ter precisão de acessar o benefício.

A noção de direito é esvaziada do seu conteúdo de medida de justiça e igualdade – capaz de dar cobertura

a um conjunto de necessidades sociais universais e viabilizado e através de políticas constituídas por um conjunto de provisões, contemplando o direito a uma renda suficiente. Não se trata pois, da medida de um padrão ético, civilizatório. (GOMES, 99:2001).

O depoimento que mais chamou atenção, porém, foi o da mãe de um beneficiário onde ela expressava o seguinte pensamento:

O que eu entendo é que pra mim esse benefício foi uma benção que veio do céu e outra que eu entendo é que veio da parte dele (beneficiário) porque ele é assim, né? Porque se ele não fosse assim eu não tinha esse benefício hoje” (D. Margarida, 44 anos).

O que percebe-se no discurso da entrevistada é que ela parece manifestar uma espécie de gratidão a uma divindade pelo fato do filho ser portador de deficiência e por esta razão poder acessar o benefício. Esta colocação nos leva imediatamente a indagar até onde a violência da miséria, da ignorância, da alienação do mundo e de si mesmo pode levar um indivíduo. O que está implícito na fala da mãe do usuário não está desvinculado do contexto relacionado ao grau de vulnerabilidade que se encontrava a família antes de adquirir o benefício, passando pelo rigoroso processo seletivo do mais miserável entre os miseráveis.

Dessa maneira, ao questionarmos os usuários ou responsáveis sobre “qual a importância do BPC para suas famílias”, fica evidenciado o vínculo que as respostas tinham com a situação anterior: “Ave Maria! Triste de nós se não

fosse esse benefício, sem esse dinheiro eu não sei o que seria de nós. Nós já passamos muitas necessidades, com o benefício melhorou uma coisinha” (Maria da Paz). Para Marx (2002, p. 100) “Após o alimento, as duas maiores necessidades humanas são o vestuário e a habitação”.

No entanto, a pesquisa revelou que a importância do benefício para os seus usuários, dado as circunstâncias, está em mais de 50% das entrevistas unicamente relacionado às necessidades de alimentação.

Como nos acrescenta a entrevistada:

A importância é essa, minha filha, é receber e ajudar a comer o pão pra não morrer de fome e não pedir esmola na rua porque antes de receber esse benefício eu pedia esmola pra ele (o beneficiário) comer porque só o meu era pouco, aí depois quando começou a receber esse dinheirinho aí eu deixei de tá assim, né? E com o dinheiro dele junta com o meu e dá pra comprar umas coisinhas. Não é muito não, mas ajuda! (Francisca Avelino 63 anos, avó do beneficiário).

Percebemos que dentre os entrevistados emerge uma certa capacidade crítica ao mencionar que apesar do benefício constituir-se como uma renda por demais significativa, eles reconhecem a insuficiência do mesmo, por exemplo:

“Que é pouco, é, mas eu acho que é muito importante, porque ela tem como sobreviver, comprar as coisinhas pra ela” (Elisabete, 24 anos, mãe de uma beneficiária). Para estas famílias que sobreviviam sem uma renda de caráter

não dê cobertura às suas necessidades de forma condigna. Significa para os mesmos o conforto de uma renda certa e garantida “É uma ajuda muito grande, é pouco, mas, todo mês tem” (Glória, 28 anos, mãe de um beneficiário).

Observa-se que o caráter de regularidade da renda interfere de forma positiva nas condições de vida dos usuários, se comparada à sua condição anterior. A importância do benefício significa dispor de um orçamento, ainda que não possibilite suprir todas as suas necessidades, conforme demonstra as seguintes falas:

Ah! Tem muita importância porque desse dinheiro, eu compro remédio, compro alimentação, pago minha água, pago a minha luz num sacrifício danado. Às vezes eu deixo de comprar um pedacinho de carne e como só feijão com arroz pra poder pagar a água e a luz. Às vezes compro os remédios fiado pra pagar no outro mês... pago um pedacinho aqui, outro aquolá... e assim eu vou vivendo até quando Deus quiser” (D. Socorro, 54 anos, portadora de câncer).

É importante ressaltar que durante o processo desta pesquisa houve casos em que os beneficiários se intimidavam, desesperados, com a nossa presença, temendo ser a revisão do benefício que ocorre a cada dois anos, tal como já foi colocado neste trabalho. Observemos a fala a seguir:

Eu nunca quero que corte meu benefício (chorando). Meu marido me deixou sem nada, me trocou por outra por causa da minha doença, porque eu não podia mais fazer as coisas em casa. Esse benefício é tudo na minha vida, é muito importante porque com esse benefício eu como, eu compro meu medicamento, pago

a água e a luz. Mesmo, assim, às vezes eu fecho a minha porta e vou lá pra casa da minha mãe porque não tenho o que comer aqui” (D. Nazaré, 44 anos, portadora de doença crônica).

Essas falas expressam que o Benefício de Prestação Continuada constitui uma política de renda mínima numa perspectiva liberal, e, portanto, traduz-se em um mínimo de subsistência, seletiva, atendendo de forma precária uma das necessidades básicas dos indivíduos – a alimentação. Como já foi visto neste trabalho, básico expressa algo fundamental,

principal, primordial. Sendo assim, se restringe unicamente a satisfação das

necessidades alimentares (mínimas), sem levar em consideração as demais necessidades como a moradia digna, acesso aos equipamentos de saúde, boa educação, ou seja, a esfera social e cultural dessas pessoas.

Esses usuários do Benefício de Prestação Continuada, sujeitos de nossa pesquisa, residentes no Município de Macau/RN, sobrevivem precariamente. No dizer de José de Souza Martins (2002), no limiar do processo de exclusão/inclusão precarizado

Observa-se, assim, ao longo deste trabalho e do que apreendemos, que para estes que nada tinham, o pouco significa muito; ainda que suas necessidades não sejam supridas, ainda que o benefício não venha a alterar significativamente o seu modo de vida.

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