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Como já observamos neste trabalho, são poucos os estudos que vêm se desenvolvendo sobre o Benefício de Prestação Continuada. Neste sentido, procuramos apreender e analisar as condições de vida dos portadores de deficiência e idosos usuários do BPC no Município de Macau/RN, tendo em vista evidenciar a situação de extrema pobreza dessas famílias e dar visibilidade ao processo de funcionamento do BPC neste município – avanços e retrocessos.

Investigamos até que ponto este benefício atinge o objetivo de prover o sustento das necessidades básicas de seus usuários, tais como moradia alimentação, saúde e lazer. Enfatizou-se na pesquisa a apreensão da visão

que os beneficiários têm sobre o BPC e a análise da importância deste benefício para os usuários e suas famílias.

O tipo de estudo em questão trata-se de um estudo de caso, onde se deseja analisar situações concretas nas suas particularidades, objetivando a exploração e o aprofundamento dos resultados que dão contorno a realidade do nosso objeto.

As técnicas de observação e as entrevistas junto aos usuários foram realizadas no período de março a abril de 2005, através de visitas domiciliares na sede e nos distritos do município.

Embora mantendo prioridade para a manifestação direta do beneficiário, a maioria das entrevistas foram realizadas diretamente com os responsáveis pelos beneficiários por impossibilidade de manifestação do mesmo.

Ao retomarmos o fio condutor deste estudo de desvendamento das condições de vida dos beneficiários do BPC, constatamos que estes são provenientes de famílias que têm em média cinco membros. A escolaridade varia de não alfabetizado até a 5º série, tendo apenas 3 casos acima desta série, e 1 (uma) exceção de ingresso no nível médio, conforme já mencionado no perfil do beneficiário.

Dos 4 idosos beneficiários entrevistados no município, todos são analfabetos. De acordo com o Censo 2000, ainda existe no Brasil 5,1 milhões de idosos analfabetos. Ao compararmos com o índice nacional de alfabetização que é de 87,2%, podemos observar que os idosos encontram-se em grande desvantagem.

Com exceção de 1(um) idoso que tem como sua curadora uma senhora de família razoavelmente abastada, os demais são provedores de suas famílias

constituídas de filhos adultos desempregados e, na sua maioria, com netos, vivendo em precárias condições de vida. Em relação a esta constatação, Berzins (1996: p.30) nos mostra que:

A crise econômica e de desemprego que o país vem sofrendo nas últimas décadas tem provocado alterações nas condições de vida das famílias brasileiras. Muitos filhos casados e com suas famílias têm voltado a morar com seus pais, por não terem condições de arcar com as despesas do orçamento. Como resultado desta crise econômica os pais/avós têm se responsabilizado pelo orçamento ou auxílios aos filhos e netos, participando com uma elevada contribuição no orçamento familiar.

Associada à realidade sócio econômica, visivelmente precária, esses idosos ainda encontram-se com sua capacidade funcional relativamente comprometida, enfrentando problemas de saúde, tendo que se submeter ao precário sistema de saúde do município. Sem uma renda suficiente e sem a presença efetiva do poder público local, os beneficiários sofrem com privações de uma alimentação adequada e de medicamentos.

Os resultados desta pesquisa evidenciam que os usuários do Benefício de Prestação Continuada, pessoas idosas e pessoas portadoras de deficiência no município de Macau, convivem com a pobreza em moradias com péssimas condições de conservação, com, em média, 4 cômodos, afastadas do centro da cidade. Dentre os 38 entrevistados, 6 moravam em residências que não possuíam sequer unidades sanitárias (banheiros). Este grave fator faz com que os beneficiários e seus familiares percam a sua dignidade enquanto pessoas

humanas, colocando-os em comparação aos animais irracionais, quando estes são obrigados a fazerem as suas necessidades fisiológicas em valas e buracos próximos às suas casas. Diante de tal constatação, fica evidenciado a insuficiência da renda do BPC, que em alguns casos, não cobre minimamente o nível da sobrevivência biológica desses beneficiários:

Ah, minha filha, eu já tive muita vontade de construir um banheirozinho prá acabar com essa agonia. É muito ruim não ter um banheirinho, né? mas o dinheiro da aposentadoria dele só dá mesmo pra gente fazer a feirinha da gente” (Celeste Medeiros, 36 anos).

Este depoimento da mãe de um usuário deixa claro, a condição de miserabilidade dessas famílias e ausência de políticas públicas na área de habitação de interesse social no município.

É oportuno frisar que as condições de saúde, assim como as condições sanitárias, não são muito favoráveis. Muitos portadores de deficiência que não tem acesso a tratamento de habilitação e reabilitação. Entre os beneficiários sujeitos de nossa pesquisa, 24 fazem algum tipo de acompanhamento médico. Todos, sem exceção, fazem esse acompanhamento na rede pública, seja no posto de saúde do município, ou em Natal. No entanto, em relação à medicação dos 38 entrevistados, 23 informaram que necessitam comprar medicamentos pelo fato de não conseguir gratuitamente na rede pública; os 8 entrevistados restantes informaram que têm acesso a medicação gratuita na rede pública. Cabe ressaltar, que a medicação disponível na rede pública refere-se à medicação de atenção básica; a medicação de ordem mais complexa, como os psicotrópicos, por exemplo, tão necessários aos portadores

de deficiências e doenças mentais, como é o caso da maioria dos beneficiários, não são facilmente encontrados na rede pública do município.

Assim, os beneficiários do município de Macau têm a sua renda ainda mais subtraída no final do mês, pela necessidade de comprar medicamentos para tratamento de saúde. “(...) todo mês eu tenho que tirar um pedaço desse benefício pra comprar meu remédio, porque toda vez que eu vou no posto nunca tem. Esse remédio que eu compro, Gardenal, não é muito baratinho, não!” (Maria da Paz, 45 anos, portadora de doença mental).

É lícito supor que se houvesse em Macau uma verdadeira articulação entre as políticas públicas, sobretudo, entre a educação, saúde e assistência, tal como preconiza um dos princípios da Política Nacional de Assistência Social quando estabelece que deve haver “Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas” (PNAS, outubro de 2004), o usuário do BPC, no município de Macau, e com certeza em outros municípios do Estado do Rio Grande do Norte, não seria tão penalizados, ainda que sua renda fosse por demais restrita.

A situação econômica dessas famílias é de uma precariedade alarmante. São famílias provenientes de uma situação de indigência (renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo) e tem, hoje, o benefício como única renda de caráter regular ou, quando muito, está somada a alguma proveniente do trabalho informal (pescarias e biscates), tal como já foi referenciado. Dos 38 entrevistados, 23 informaram que enfrentam problemas de endividamento, principalmente na mercearia do bairro.

(...) todo mês quando eu recebo o dinheiro eu tenho que fazer uma feirinha na bodega que eu já tô devendo, aí eu pago um pedaço, mas sempre fica o

resto, junto com a feira, pra eu pagar o outro mês. Fico lisa, lisa e assim vou passando até quanto Deus quiser (Josefa Ferreira, 54 anos).

Dado o caráter e objetivos da nossa pesquisa, considera-se oportuno indagar a estes beneficiários se os mesmos já haviam passado algum tipo de privação ou necessidade após a concessão do benefício. Dentre os 38 entrevistados 23 informaram que já haviam, sim, passado algum tipo de necessidade após o benefício; 9 disseram que não passaram, e 6 não responderam. Dos 23 que nos informou que haviam passado necessidade, 18 eram necessidades de alimentação, ou seja, passaram ou ainda estão passando fome. “Ave Maria, minha filha, tem dia aqui que eu passo é de fome, sem botar comer nenhum na minha boca” (José Enedino, 76 anos).

Outros depoimentos demonstraram que as privações alimentares são mais suscetíveis em casos de doenças na família, quando surge a necessidade de comprar medicamentos para realizar o tratamento:

Pelas condições de saúde, sim, às vezes a gente tem passado até fome. Quando acontece de adoecer uma pessoa, aqui em casa, a gente corre atrás de um e de outro, e nada! Aí o jeito é tirar do comer mesmo e, ainda, dar graças a Deus! (D Célia Farias, 49 anos, mãe de um beneficiário).

Este depoimento, mais uma vez, evidencia a necessidade de articulação entre as políticas públicas, para que essas ações não sejam efetivadas de forma isoladas, tornando em uma espécie de caridade, determinadas ações

que, articuladas umas às outras, poderiam produzir um resultado, de fato, satisfatório entre o público alvo dessas políticas. Sobre esse contexto Renato Janine Ribeiro acrescenta:

Assim se mede a distância que vai da sociedade ao social: este adjetivo indica tanto as carências quanto o socorro que, sem lhes pôr fim, apenas as minora. Fica na esfera do paliativo. A caridade pode ter mudado de alcance nas últimas décadas, mas permanecem alguns de seus traços essenciais. Estes são os que determinam uma hierarquia na sociedade como sendo desejada por Deus, determinada pela natureza (...) ou, pelo menos, como resultado normal do jogo das relações sociais de mercado (2000, p. 20).

Concordamos com o referido autor quando o mesmo enfatiza que as ações do poder público agem apenas como um paliativo sem a intenção de erradicação do problema, naturalizando a pobreza e a miséria como algo determinado por um ser supremo ou como resultado normal do sistema vigente.

Prosseguindo com a nossa reflexão acerca das condições de vida dos usuários do BPC em Macau, constatamos que essa população além das privações alimentares, do enfrentamento de um sistema de saúde precário e de condições financeiras negativas, não dispõe de cultura e lazer. Questionamos os usuários e seus responsáveis se eles tinham acesso a algum tipo de lazer. Dos 38 entrevistados, 29 afirmaram que não. Os 9 usuários restantes que deram respostas positivas informaram que somente têm acesso ao lazer no

período de carnaval e iam a praia uma vez ou outra devido a distância que esta tem em relação à sede do município.

Diante da dura realidade da vida desses beneficiários, onde percebeu-se que inexiste a satisfação das suas necessidades básicas elementares; pois vivenciam a supressão de condições mínimas de sobrevivência, dentro de um patamar de dignidade humana. Assim a possibilidade de uma vida digna dá lugar à pobreza e à miséria. A resignação predomina, e, lamentavelmente, nada mais lhes restam além da fé (presente em muitas entrevistas) de vivenciar uma realidade favorável em uma outra dimensão: “(...) eu vivo muito aperriada aqui, só com esse dinheirinho, mas a gente só veve como Deus quer, né? Se ele achar que eu mereço, ele vai guardar um lugazinho pra mim! (D.

Rosa, 56 anos, portadora de doença crônica). Considerando a reflexão de Nietzsche:

Os sofredores devem ser amparados por uma esperança, a qual não pode ser contestada por qualquer realidade, que não pode ser extinta por uma realização: uma esperança de outro mundo. Exatamente por causa dessa capacidade, ou seja, de entreter os infelizes, a esperança era considerada pelos gregos como o mal de todos os males, como o mal pérfido por excelência (1895, p. 44).

Partindo desse entendimento, Ribeiro (2000, p.20) afirma que o pensamento tradicional dominante “(...) determina uma hierarquia na sociedade como sendo desejada por Deus, determinada pela natureza”.

Quando os beneficiários e/ou seus responsáveis passam a naturalizar as suas péssimas condições de vida como uma situação determinada por um “ser

supremo”, eles deixam de acreditar na possibilidade de mudanças dentro dos limites da vida real, e, conseqüentemente, desistem de lutar por uma vida mais justa; de lutar pelos seus direitos, cobrando do poder público, ações efetivas. Embora não queiramos nos aprofundar nesta polêmica, não iremos nos eximir de expor o nosso posicionamento acerca desta questão. Acreditamos que essa fé histórica que produz resignação ao longo dos tempos é coadjuvante, entre outros processos, da produção dos maiores índices de pobreza e desigualdade social do mundo. O Brasil apresenta um dos maiores índices de desigualdade social do mundo. Segundo o Instituto de Pesquisas Aplicadas – IPEA, em 2002, os 50% mais pobres detinham 14,4% do rendimento e o 1% mais ricos, 13,5%.

Com o intuito de captar a expressão concreta dessas desigualdades através da análise das condições de vida dos usuários do BPC, prossegue-se a percepção dos beneficiários sobre suas vidas após a concessão deste.

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