C L A S S I F I C A Ç Ã O A N A T Ô M I C A D A S E N C E F A L O C E L E S
A N T E R I O R E S
E D U A R D O B A R R E T O * , J A C K E L I N E B A R B O S A * * , C A R L O S T E L L E S * * *
R E S U M O — Os a u t o r e s a p r e s e n t a m uma classificaçção a n a t ô m i c a p a r a as encefaloceles ante-r i o ante-r e s . A i m p o ante-r t â n c i a do c o n h e c i m e n t o t o p o g ante-r á f i c o no d i a g n ó s t i c o e t ante-r a t a m e n t o dessas anoma-lias é r e a l ç a d o p a r a q u e sejam p r e v e n i d a s complicações d u r a n t e a i n v e s t i g a ç ã o de protrusões c r â n i o - f a c i a i s .
P A L A V R A S - C H A V E : encefaloceles a n t e r i o r e s , classificação, conduta.
A n a t o m i c a l classification of a n t e r i o r encephaloceles.
S U M M A R Y — T h e authors p r e s e n t an anatomical classification o f the a n t e r i o r encephaloceles. T h e i m p o r t a n c e of a t o p o g r a p h i c k n o w l e d g e of such a n o m a l i e s in t h e i r d i a g n o s i s and t r e a t m e n t i s emphasized i n o r d e r t o a v o i d complications d u r i n g t h e i n v e s t i g a t i o n of a craniofacial p r o -trusion. .
K E Y W O R D S : a n t e r i o r encephaloceles, classification, m a n a g e m e n t .
A encefalocele é uma protrusão do conteúdo do crânio além dos seus
limites normais, através de uma má-formação óssea congênita associada
9ou,
mais raramente, através de forames ou fissuras normais ao crânio. A
etiopato-gênese desta anomalia é ainda desconhecida. É provável que agentes
teratogê-nicos estejam envolvidos, agindo sobre o fechamento do tubo neural primitivo
2.
Altas doses de vitamina A¿, agentes virais radiação
5, salicilatos, hipertermia,
hipoxia e outros agentes
1 2produziram estas má-formações em experiências
la-boratoriais porém seus mecanismos exatos são ainda d i s c u t i d o s ^ . O conteúdo
de uma encefalocele é variável, podendo apresentar desde meninges e líquido
cefalorraquidiano somente, até a inclusão de tecido encefálico, partes do
ven-trículo &, vasos e plexo coróide
2. Mesmo estruturas vitais da área
hipotálamo-hipofisária podem estar comprometidas
4Í S . Embora a ocorrência das
encefalo-celes em geral seja estimada em 1 a cada 4000 nascimentos
1 2, parece provável
que esta frequência seja consideravelmente maior 8,n. A localização anatômica
desta anomalia conjuntamente a outros fatores — como conteúdo do saco
her-niário, extensão da má-formação, lesões associadas do sistema nervoso central
(SNC) e/ou sistêmicas, entre outros — é determinante do tratamento e
prog-nóstico do paciente. Por esse motivo, o conhecimento das diversas áreas
anatô-micas onde têm sido verificadas as encefaloceles se impõe como algo de vital
importância.
Reunimos neste estudo os vários tipos descritos de encefaloceles da região
anterior do crânio, propondo uma classificação, modificada de Matson^ e
wanwela
1 3, mais abrangente e, ao mesmo tempo, mais simplificada. A
nomen-clatura é baseada exclusivamente na localização óssea que dá passagem ao saco
herniário. Classificamos assim, em um só grupo, tanto as encefaloceles que
pro-truem através dos ossos da face como as que atravessam a base do crânio e a
calvária em suas porções anteriores. Propomos a consideração das encefaloceles
anteriores como sendo aquelas que ocorrem na área situada adiante dos
seguin-tes limiseguin-tes, incluindo-se a face (Fig. 1): — limite superior, margem anterior dos
ossos parietais; — limite inferior, margem anterior dos ossos temporais.
C L A S S I F I C A Ç Ã O
1. Fontículo anterior. O c o r r e a t r a v é s da área de j u n ç ã o e n t r e os ossos p a r i e t a i s e os ossos frontais 9 ( F i g . 2 ) .
2. Interfrontal. O c o r r e a t r a v é s d e u m d e f e i t o nos ossos frontais, na r e g i ã o da sutura metópica. O osso f r o n t a l q u e m a r g e i a os ossos nasais, i n f e r i o r m e n t e , p e r m a n e c e intacto, en-quanto o d e f e i t o ósseo p o d e se f u n d i r ao f o n t í c u l o a n t e r i o r , s u p e r i o r m e n t e 9 ( F i g . 2 ) .
3. Temporal. A sua l o c a l i z a ç ã o é i m e d i a t a m e n t e p o s t e r i o r à m a r g e m l a t e r a l d a órbita, através d o p t é r i o ( F i g . 3) o u f o n t í c u l o â n t e r o - l a t e r a l ( á r e a d e união entre os ossos frontal, parietal e t e m p o r a l , b e m c o m o asa m a i o r d o osso e s f e n ó i d e ) . E s t a e n c e f a l o c e l e é, g e r a l m e n t e , séssil e t e n d e a d e f o r m a r p r o g r e s s i v a m e n t e o o l h o i p s i l a t e r a l e a orelha, à m e d i d a e m que vai crescendo na área z i g o m á t i c a , e m d i r e ç ã o à face. N a r a d i o g r a f i a , p o d e - s e e v i d e n c i a r o defeito ósseo n o p t é r i o , assim c o m o d e f o r m i d a d e na p a r e d e o r b i t a r i a i p s i l a t e r a l e na asa esfenoidal 9.
4. Transetmoidal. A e n c e f a l o c e l e atravessa um d e f e i t o na lâmina c r i v o s a do osso e t m ó i -de 14,17 e t e n d e a se l o c a l i z a r na c a v i d a d e nasal, g e r a l m e n t e p r ó x i m a a o septo e m e d i a l à concha m é d i a 9. É d e n o m i n a d a p o r a l g u n s autores de intranasal ou n a s o f a r í n g e a 9 ( F i g . 4 ) .
5. Esfeno-etmoidal. A t r a v e s s a u m d e f e i t o q u e a t i n g e o s ossos e s f e n ó i d e e e t m ó i d e , seja apenas e m sua á r e a d e j u n ç ã o 9 ou a t i n g i n d o e m g r a n d e e x t e n s ã o a m b o s os ossos7 ( F i g . 4 ) , tendendo a l o c a l i z a r - s e na b o c a ou e p i f a r i n g e 16, sendo p o r isso t a m b é m d e n o m i n a d a de esfe-nofaríngeia 9. G e r a l m e n t e , c o n t é m estruturas v i t a i s e associa-se a uma v a r i e d a d e d e anomalias cerebrais e a f e n d a p a l a t i n a 7.
6. Transesfenoidal. A t r a v e s s a o osso e s f e n ó i d e e m q u a l q u e r de suas partes, p o d e n d o o d e f e i t o ósseo estar l o c a l i z a d o , i n c l u s i v e na sela turca ( F i g . 4 ) . E s t a e n c e f a l o c e l e está, da mesma f o r m a que a a n t e r i o r , associada à f e n d a palatina, p o r onde p o d e r á alcançar ia f a r i n g e 10. É t a m b é m d e n o m i n a d a e s f e n o f a r í n g e a p o r a l g u n s a u t o r e s 9.
7. Esfeno-orbital. A t r a v e s s a u m f o r a m e n o r m a l ( f i s s u r a o r b i t a r i a s u p e r i o r e / o u foram 3 ó p t i c o ) 9 ou um d e f e i t o e n t r e a asa e s f e n o i d a l e a s u p e r f í c i e o r b i t a l d o osso f r o n t a l ( F i g . 2 ) , entrando na p a r t e p o s t e r i o r d a ó r b i t a ( e n c e f a l o c e l e o r b i t a l p o s t e r i o r ) e a c a r r e t a n d o sintomas de massa r e t r o b u l b a r 11,17. O saco h e r n i á r i o p o d e , após atravessar a fissura o r b i t a l superior, passar a t r a v é s da fissura o r b i t a l i n f e r i o r p a r a a fossa p t e r i g o p a l a t i n a , neste caso sendo de-nominada esfenomaxilar 14,15,17.
8. Encefaloceles frontoetmoid&is. E s t a s encefaloceles t ê m c o m o c a r a c t e r í s t i c a a p r e s e n -ça de d e f e i t o ósseo i n t e r n o q u e n e m s e m p r e c o r r e s p o n d e a o d e f e i t o ósseo e x t e r n o . O d e f e i t o interno, c o m u m aos t r ê s subtipos, l o c a l i z a - s e na r e g i ã o a n t e r i o r da base d o crânio 6, e n t r e os ossos frontal e e t m ó i d e ( F i g . 4 ) . E m cerca de 50% dos casos, há uma a b e r t u r a única mediana, na área c o r r e s p o n d e n t e ao f o r a m e c e g o , c o m a crista g a l l i l o c a l i z a d a na b o r d a p o s t e r i o r do d e f e i t o . A p r o x i m a d a m e n t e 25% dos pacientes t ê m uma a b e r t u r a e m cada l a d o da linha m e d i a -na, a n t e r i o r à l â m i n a crivosa, situando-se a crista g a l l i p o s t e r i o r m e n t e à p o n t e óssea e n t r e os d o i s d e f e i t o s . O s d e m a i s casos a p r e s e n t a m u m a única a b e r t u r a a n t e r i o r à l â m i n a crivosa. O d e f e i t o e x t e r n o d i f e r e p a r a cada u m dos t r ê s subtipos 9.
F i g . 1. Á r e a d e ocorrência das encefaloceles a n t e r i o r e s . E m :
F i g . 2. F o n t í c u l o a n t e r i o r ( 1 ) , i n t e r f r o n t a l ( 2 ) , e s f e n o - o r b i t a l ( 7 ) , nasofrontal ( 8 A ) , naso-- e t m o i d a l ( 8 B ) .
F i g . 3. T e m p o r a l ( 3 ) , nasofrontal ( 8 A ) , n a s o - o r b i t a l ( 8 C ) .
F i g . 4. T r a n s e t m o i d a l ( 4 ) , e s f e n o - e t m o i d a l ( 5 ) , t r a n s e s f e n o i d a l ( 6 ) , f r o n t o - e t m o i d a i s ( 8 ) . 8b. Naso-etmoidal. A m á - f o r m a ç ã o óssea está l o c a l i z a d a e n t r e as p o r ç õ e s óssea e cartilaginosa do nariz 14,17 ( F i g . 2 ) . O canal ósseo é f o r m a d o p e l o s ossos nasais e p e l o processo frontal do osso m a x i l a r , s u p e r i o r m e n t e , a c a r t i l a g e m ntasal e o septo nasal presos i n t e r n a m e n t e ao osso e t m ó i d e , i n f e r i o r m e n t e e a p a r e d e l a t e r a l dia ó r b i t a l a t e r a l m e n t e . A p a r e d e o r b i t a r i a p o d e ser membranosa, ao i n v é s d e óssea. O saco h e r n i á r i o l o c a l i z a - s e m a i s i n f e r i o r m e n t e que o saco nasofrontal e p o d e se estender para o canto i n t e r n o de a m b o s os olhos, p r o d u z i n d o massa b i l o b u l a d a . E s t a f o r m a d e e n c e f a l o c e l e é mais f r e q u e n t e m e n t e séssil 9 e está g e r a l m e n t e as-sociada a a s s i m e t r i a s d a fossa anterior/3.
C O M E N T Á R I O S
As encefaloceles nem sempre apresentam-se como má-formação isolada.
Ou-tras anomalias estão frequentemente associadas, como: fenda palatina e/ou
la-bial 7>», agenesia do corpo caloso', coloboma de nervo óptico*»
9, obstrução do
dueto lacrimal
1 6, anoftalmia?, hipertelorismo
3»
7, nariz bífido?»
1 6, hidrocefalia 9,
dextrocardia
1 2, agenesia renal, entre outras. Apesar de, no hemisfério ocidental,
cerca de 80 a 90% das encefaloceles ocorrerem na região occipital
9»
1 0(aqui
con-sideradas como encefaloceles posteriores) a importância do enfoque às
encefa-loceles anteriores advém do fato de que estas, em suas diversas apresentações
topográficas, podem passar desapercebidas no exame físico de uma criança.
Nem sempre há deformações faciais que possam sugerir a presença de
má-formação óssea subjacente
3.
Algumas encefaloceles têm seu saco herniário localizado inclusive nas
fos-sas nasais ou na faringe, simulando tumores
1 3. Assim, são conduzidas
terapeu-ticamente de tal forma a por em risco a vida desses pacientes 3,8,9,15, dado que
cs tumores da região facial sem comunicação com o SNC têm, em sua maioria,
acesso cirúrgico através das cavidades nasal ou o r a l
6. Já, nas encefaloceles desta
região, geralmente, o acesso intracraniano é o mais i n d i c a d o
6'
1 0'
1 1»
1 5.
Ultimamen-te, a abordagem da má-formação por via transpalatal, especialmente em casos
de comprometimento extenso da base do crânio, tem obtido sucesso desde que a
cirurgia seja fundamentada em um diagnóstico de encefalocele e que a devida
cobertura antibiótica seja instalada 7. Vários autores s»
1^ destacam a importância
de considerar a possível presença de encefalocele em pacientes com diagnóstico
de tumores intranasais, especialmente crianças que apresentam meningite
bacte-riana de repetição e rinorréia, na ausência de história traumática ou cirúrgica
pregressa, ou após intervenção cirúrgica intranasal para retirada dos tumores.
LoveS relata o caso de uma paciente que morreu após uma "polipectomia" de
rotina durante a qual uma encefalocele foi removida, conforme demonstraram
os achados patológicos.
Cabe ressaltar que as encefaloceles, ao contrário dos pólipos e gliomas
nasais, são compressíveis e pulsáteis7, expandindo-se durante o choro
6»7 ou à
compressão das veias jugulares (sinal de Furstenberg)
9, quando localizadas na
faringe 7. Além disto, os pólipos raramente ocorrem em recém-natos
4»
9. E m
rela-ção à localizarela-ção, os pólipos situam-se lateralmente à concha média nasal,
en-quanto a localização de uma encefalocele é, geralmente, medial
9.
Quanto às encefaloceles que protruem através de defeitos na base do crânio,
é possível que, à exceção do alargamento da ponte nasal, hipertelorismo e/ou
maior diâmetro bitemporal, não haja outro indício externo de sua presença. O
diagnóstico pode ser efetuado com base em alterações radiológicas
9. Por outro
lado, ao contrário do que se passa com as encefaloceles posteriores, desde que
não ocorram complicações como infecções e hidrocefalia e dependendo do grau
de má-formações eventualmente associadas, nos pacientes com encefaloceles
ante-riores pode-se esperar um desenvolvimento intelectual n o r m a l
1 2.
A abordagem anatômica das encefaloceles anteriores facilita seu
entendi-mento, bem como o diagnóstico precoce da má-formação, prevenindo-se então
as possíveis complicações de uma abordagem terapêutica inadequada.
R E F E R Ê N C I A S
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