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Enquanto falo, descubro quem sou: reflexões sobre o feminino na cena, a partir da performance enquanto falo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES LICENCIATURA EM TEATRO

THÂMARA MONIQUE CUNHA

enquanto FALO, DESCUBRO QUEM SOU:

REFLEXÕES SOBRE O FEMININO NA CENA, A PARTIR DA PERFORMANCE ENQUANTO FALO

NATAL/RN 2018

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THÂMARA MONIQUE CUNHA

enquanto FALO, DESCUBRO QUEM SOU:

REFLEXÕES SOBRE O FEMININO NA CENA, A PARTIR DA PERFORMANCE ENQUANTO FALO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, requisito obrigatório para aquisição do título de Licenciada em Teatro.

Orientadora: Profª. Drª. Melissa dos Santos Lopes.

NATAL/RN 2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART

Cunha, Thâmara Monique.

Enquanto falo, descubro quem sou : reflexões sobre o feminismo na cena, a partir da Performance Enquanto Falo / Thâmara Monique Cunha. - 2018.

81 f.: il.

Monografia (licenciatura) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Curso de Licenciatura em Teatro, Natal, 2018.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Melissa dos Santos Lopes.

1. Feminino. 2. Ativismo. 3. Performance cênica. I. Lopes, Melissa dos Santos. II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 792

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Dedico essa escrita a Francisca Zenaide Ferreira Cunha, um exemplo de luta, garra e fé. Aquela que me inspira todos os dias. A mulher mais incrível e forte que eu conheço, a minha mãe!

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AGRADECIMENTOS

Nossas vidas são feitas de ciclos, é com muito carinho que encerro esse ciclo de forma tão especial, falando de um trabalho artístico e feminista. A graduação foi uma fase de muito aprendizado, amadurecimento e empoderamento.

Àqueles que me deram a vida e lutaram tanto pela minha educação. Francisca Zenaide, minha mãe, obrigada pelo exemplo, pela força inabalável, por todo amor e principalmente por nunca me permitir sentir só, mesmo estando a mais de 200 km de distância física. Ao meu pai, Manoel Assunção por ser sempre tão amoroso, tão cuidadoso, por muitas vezes trabalhar de manhã, à tarde e pela madrugada para nos sustentar. A maior dor durante esses quatro anos foi aprender a lidar com a saudade. Conseguimos! Esse título é de vocês!

À minha irmã, Thamara Cunha, que sempre foi minha companheira e a única capaz de me lembrar todas as minhas conquistas e jamais me deixar desistir. E por ter cuidados dos nossos pais, quando eu não pude.

Ao meu namorado por me apoiar incondicionalmente, por cuidar de mim, por todo o carinho e amor que me é ofertado todos os dias. João Lucas, te amo!

A Rummenigge Medeiros, o responsável pelo meu amor pelo Teatro, meu primeiro professor de Artes Cênicas, meu mestre, aquele que sempre me instruiu e esteve disposto a me ajudar. Sem você nada disso seria possível.

À minha orientadora, que em tantos momentos foi meu norte, sempre cuidadosa, atenta e cautelosa, me tranquilizando ao longo deste trabalho e fazendo os apontamentos necessários. Gratidão por tudo!

A Pablo Costa, idealizador dessa performance, meu amigo, parceiro e um ser humano que irei guardar pelo resto de minha vida. Sem você nada disso seria possível!

Às mulheres que dividiram essa performance comigo, Salésia Paulino, Cléo Morais, Camila Morais, Liliane Bezerra, Bebel Dantas, Mayra Montenegro, Roberta Alves, Ana Clara Veras e Isadora Gondim. Obrigada pelos relatos, pela força e por terem contribuído com esse projeto.

Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência -PIBID, que me acolheu durante quase três anos da minha formação e me permitiu vivenciar experiências ímpares e fundamentais na minha construção docente. Aos meus alunos, aos supervisores, orientadores e colegas pibidianos.

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Ao corpo docente e a todos os funcionários do Departamento de Artes. Em especial a professoras como Mayra Montenegro que se preocupa tanto com os alunos, a Jefferson Fernandes que em meio a tanto saber e conhecimento permanece tão generoso e humano; a Laura Figueiredo um exemplo de resistência feminina na área da iluminação.

Aos meus colegas de turma, em especial a Irielly Leticia e Yogi Brito pela troca constante de saber, pela amizade e companheirismo.

Aos meus chefes e colegas bolsistas da Biblioteca Setorial Prof. Ronaldo Xavier de Arruda do Centro de Ciências Exatas e da Terra; Iuri Paiva, Hugo Oliveira e Joseneide Ferreira, agradeço por toda paciência e auxílio acadêmico, ao longo deste ano.

À Cia Matriona, que me fez tão realizada artisticamente. Salésia Paulino, José Medeiros e Pablo Costa meu respeito e admiração ao trabalho de cada um. Juntos conquistamos tanto, todo meu amor por vocês.

A Wallacy Medeiros pela amizade e por sempre ter atendido os meus convites para fotografar o enquanto FALO. A sua sensibilidade é comovente.

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“O que pode o teatro frente a tanta dor e à complexidade e crueldade disso tudo?”

(TOURINHO, Ligia; MITKIEWICZ, Luciana, 2016, p. 58)

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RESUMO

Esse Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo partilhar e refletir a minha experiência de ter participado como co-criadora da performance “enquanto FALO”, da Cia. Matriona, da qual faço parte desde 2015. Este trabalho foi desenvolvido por três estudantes durante o período da graduação em Licenciatura em Teatro e contou com a participação de diversas alunas do mesmo curso. A performance aborda como tema central o feminino e os assédios diários, sejam eles verbais ou físicos, por meio de relatos pessoais das atrizes envolvidas. Entendendo a arte como uma importante ferramenta de luta, desenvolvi esta escrita ancorada em textos de atrizes-feministas-ativistas, a saber, Stela Fischer (2017), Julia Varley (2010), Ligia Tourinho; Luciana Mitkiewicz (2016). A proposição desta pesquisa também pressupõe um olhar sobre a minha prática enquanto mulher, atriz, performer e futura docente e as descobertas e transformações que sofri ao longo de dois anos de circulação com esta performance.

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RESUMEN

Este trabajo de conclusión de curso tiene como objetivo compartir y reflexionar sobre la experiencia de haber participado como cocreadora de la performance “enquanto FALO”, de la Cia. Matriona, la cual hago parte desde 2015. Este trabajo fue desarrollado por três estudiantes durante el periodo de graduación em Licenciatura en Teatro y tuvo la participación de diversas alunas del mismo curso. La performance aborda como tema central, el femenino y el asedio diario, Sean ellos verbales o físicos, por medio de relatos personales de las actrices envueltas. Entendiendo el arte como una importante herramienta de lucha, desarrolle esta escrita basada en textos de actrices-feministas-activistas, a saber, Stela Fischer (2017), Julia Varley (2010), Ligia Tourinho; Luciana Mitkiewicz (2016). A propósito de esta pesquisa también presupone una mirada sobre mi practica cuanto mujer, actriz, performer y futura docente y las descubiertas y transformaciones que sufrí a lo largo de dos años de circulación con esta performance.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Países que não castigam o abuso sexual. ... 16

Figura 2: Legislação sobre violência doméstica. ... 18

Figura 3: Casamento infantil... 20

Figura 4: Estupro e Casamento. ... 21

Figura 5: Taxa de estupros registrados por estados em 2017. ... 23

Figura 6: Mulheres nas eleições. ... 30

Figura 7: A performer Isadora Gondim na apresentação da performance enquanto FALO no Circuito Emenda Cultural. ... 40

Figura 8: Instalação do enquanto FALO durante a residência artística NUVEM, no Rio de Janeiro. ... 43

Figura 9: Performer Thâmara Cunha, na apresentação na NUVEM. ... 44

Figura 10: Registro da Marcha Feminista, no dia 08 de março de 2016. ... 46

Figura 11: Registro da apresentação do enquanto FALO em frente à Câmara Municipal de Natal. ... 46

Figura 12:Registro feito durante a apresentação do I Tudo Amostra. ... 48

Figura 13: Apresentação no dia Internacional da Mulher de 2017, na foto a professora Mayra Montenegro e a discente Thâmara Cunha performando juntas. ... 50

Figura 14: Apresentação do enquanto FALO, no dia 08 de março de 2017. ... 50

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO1:AREALIDADE(FEMININA) OCULTA ... 16

1.1 Estatísticas mundiais ... 16

1.1.1 Abuso Sexual ... 16

1.1.2 Violência doméstica ... 18

1.1.3 Casamento Infantil ... 19

1.1.4 Estupro e Casamento ... 21

1.2 Os espaços femininos na política brasileira ... 28

1.3 Movimentos Artísticos-Feministas ... 28

CAPÍTULO2:OQUEPENSOENQUANTOFALO ... 37

2.1 Apresentações ... 37

2.2 Depoimentos ... 51

CONSIDERAÇÕESFINAIS ... 62

REFERÊNCIAS ... 65

APÊNDICE A QUESTIONÁRIO DIRECIONADO AS MULHERES QUE PARTICIPARAMDAPERFORMANCE ... 69

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INTRODUÇÃO

A sufragista inglesa Christabel Harriette Pankhurst, co-fundadora do Women’s Social and Political Union1 sabiamente coloca que “é nosso dever tornar este mundo melhor para as mulheres” (HISTORY, 2018, n.p.). Falar sobre violência, assédios e agressões verbais ou não verbais contra a mulher, é falar do que fomos ensinadas a esquecer, é colocar o dedo na nossa ferida e decidir lutar para que mulheres parem de morrer gratuitamente. A sociedade nos ensina que devemos relevar, que o agressor “só” estava brincando, ou que ele bebeu além da conta e estava sob efeito do álcool. A culpa é sempre da vítima! A mulher é vista como objeto, que deve estar sob manipulação masculina, um ser sem opinião, sem vontades, sem direitos, sem lugar. A performance enquanto FALO, objeto central deste trabalho de conclusão de curso, permite através da manifestação artística nos aproximarmos dessas mulheres e tocarmos outras tantas para que juntas possamos nos libertar, nos empoderar e nos conscientizar.

Segundo a ONU,

No Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2015, o Mapa da Violência sobre homicídios entre o público feminino revelou que, de 2003 a 2013, o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de 1.864 para 2.875.(ONUBR, 2016, n.p.)

Apenas em 2015 o Código Penal brasileiro foi alterado, tipificando o crime - “homicídio cometido com requintes de crueldade contra mulheres por motivações de gênero” Lei 13.104/2015 (ibidem, n.p.). A violência contra mulher é cada vez mais presente e brutal.

No ano de 2015, quando eu estava cursando o segundo semestre do curso de Licenciatura em Teatro, cheguei ao Departamento de Artes me sentindo totalmente despreparada, me perguntei todos os dias daquele primeiro ano de curso se eu realmente estava no lugar certo, se ali era o meu lugar. Nunca tive

1 A Women’s Social and Political Union (WSPU) foi fundada em Manchester em outubro de 1903. Emmeline Pankhurst fundou a União Social e Política da Mulher, sua filha, Christabel Pankhurst, tornou-se um membro leal do movimento.

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desenvoltura corporal, ritmo é algo extremamente difícil para mim, via meus colegas fazendo outros trabalhos, como o “Tombo da Rainha” do Grupo Pele de Fulô2, o “Revoada” do Arkhétypos Grupo de Teatro3

ou sendo convidados para algumas encenações dos nossos veteranos e eu ficava recuada, até então não havia participado de nenhuma atividade fora as exigidas nas disciplinas que integravam a matriz curricular do curso. Eis que Pablo Costa e Isadora Gondim4, colegas do curso, me chamam para integrar uma performance idealizada por Pablo, que observando outros homens em bares, ruas e até na universidade percebeu que alguns destes mudavam de comportamento quando ficavam olhando intensamente para alguma mulher, muitos deles tocavam o órgão genital em público, por exemplo. O meu colega universitário ficou tão incomodado com aquilo que decidiu colocar a questão em cena, desde os assédios constantes, os olhares persistentes, aos abusos que existem com relação às mulheres.

No entanto, Pablo em sua sensibilidade sabia que só mulheres podiam falar com veracidade do assunto. Isadora Gondim é a primeira convidada para essa performance, e posteriormente eu, Thâmara Cunha. À priori conversamos sobre os temas que envolvem o assunto e depois Pablo nos apresentou a ideia de como seria a estrutura da performance: indicações de ações e elementos cênicos que poderíamos usar, e a partir disso elaboramos o esboço da cena em conjunto. Precisávamos de um nome para nossa ação artística e escolhemos enquanto FALO; pois a expressão gera um duplo sentido: ação de falar e órgão genital masculino.

2

O Grupo Pele de Fulô surgiu durante o processo prático de pesquisa do Mestrado da Pesquisadora e na época, professora substituta do curso de Licenciatura em Teatro da UFRN, Carla Pires Martins, que junto com alunos do Departamento de Artes criou espetáculos: “Cravo do Canavial”, “Bodas de Sertão”, “Tombo da Rainha” e “Casa do Louvor”.

3

O Arkethypos Grupo de Teatro atua nas áreas de pesquisa e extensão, coordenado pelo Professor do Curso de Licenciatura em Teatro da UFRN, Robson Haderchpek. O projeto conta com a participação de alunos da graduação e do Mestrado, através do Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas (PPGArC-UFRN).

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Pablo Costa, 25 anos. Aluno no curso de Licenciatura em Teatro pela UFRN. Desenvolve trabalhos como ator e diretor. Tem preferências pela área da performance e do teatro contemporâneo.

Isadora Gondim, 21 anos. Aluna do curso de Licenciatura em Teatro pela UFRN. Durante o curso de licenciatura, trabalhou como professora de Teatro por meio de projetos de extensão da universidade, bem como estagiou na área em função das disciplinas de estágio da grade curricular. Fora da UFRN, trabalha como professora particular de inglês e Atriz, profissão para a qual realmente deseja dedicar sua vida. No momento está se concentrando no mercado audiovisual, e além de propagandas e comerciais, atuou nos filmes potiguares When TV Talks, Eu Vivi, A Coisa de Fogo, Quando as Coisas se Desmancham e A Casa do Muro Branco.

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Gravamos a performance para participar do Circuito Emenda Cultural5, e passamos na seleção.Isadora e eu nos preparamos assistindo vários vídeos que tratavam dos assédios sofridos por mulheres e outros de algumas mulheres declamando poesias ativistas, ouvimos músicas como “Maria da Vila Matilde”6, de Elza Soares7, pesquisamos dados, relatos de assédios, agressões na internet e lembro como se fosse hoje da primeira apresentação, no Palácio da Cultura – Pinacoteca do Estado do Rio Grande do Norte, em que colegas de turma, amigos, organização, público e familiares estavam na plateia.

Uma de frente para outra, éramos duas mulheres, com suas histórias de assédio, com todos os assovios, cantadas baratas e conflitos com seus pais, que por vezes têm posturas machistas. Infelizmente, mesmo apesar de todo o carinho e cuidado dos nossos pais, eles foram criados em uma sociedade machista e patriarcal e inevitavelmente acabam por cometer em alguns momentos, atitudes machistas. Contudo, este processo foi essencial para que ambas, Isadora e eu, criássemos um espaço dentro de casa para conversar sobre esse assunto e percebo que a cada dia temos feitos muitos progressos. Antes de começar, de mãos dadas e os olhares conectados falamos tudo que tínhamos passado em nossas vidas pessoais, em seguida um abraço e ação. Pablo, na direção, acreditava que aquele era um momento nosso, um momento em que nós deveríamos falar, usar a arte ao nosso favor. Foi à primeira apresentação de outras que vieram depois e que irei relatar mais adiante, foram dois anos de circulação passando pelos estados do Rio de Janeiro, Distrito Federal e Rio Grande do Norte.

Depois de participar do enquanto FALO, nunca mais fui a mesma. Eu, enquanto atriz, despertei para minha arte, tive a certeza de que eu estava no meu lugar e me empoderei também como mulher, me descobri feminista, ganhei confiança e fui tomada por um imenso desejo de que outras mulheres se libertem.

5

O Circuito Emenda Cultural foi organizado por estudantes do Departamento de Artes da UFRN para promover a cultura acessível à comunidade. Por este motivo, a programação foi realizada na Pinacoteca Potiguar, região central da cidade de Natal. Para conhecer mais o projeto, acesse a página no Facebook <https://www.facebook.com/circuitoemendacultural/>.

6

Ver letra da música que aborda o tema da violência contra a mulher em: https://www.letras.mus.br/elza-soares/maria-da-vila-matilde/.

7

Elza Gomes da Conceição, mais conhecida como Elza Soares é uma consagrada cantora e compositora brasileira.

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Eu me enxerguei em cena como mulher e como atriz, era um persona8 que dava voz a mulher que eu ainda não conhecia. E amei conhecer.

Essa performance já foi um imenso presente, mas ela foi além, junto com ela surgiu o Coletivo Hiato9 que mais tarde se tornou Cia Matriona10. Juntos, formamos um grupo que durante dois anos circulou por alguns estados do Brasil com seus três trabalhos: o enquanto FALO, o Rito Lógico e o último 4.48 Psicose.

Nesta monografia estou tratando especificamente do enquanto FALO, um trabalho que nasceu dentro da Universidade, e que posteriormente, eu pude apresentar no Rio de Janeiro, em Brasília e algumas vezes aqui em Natal, inclusive durante a marcha feminista que iniciou em frente à agência do Banco do Brasil da Cidade Alta e seguiu até Câmara Municipal de Natal, em Natal/RN, no dia 08 de março de 2016, também no Departamento de Artes da UFRN na Semana de Integração do curso de Licenciatura em Teatro, em 2016, e no I Tudo Amostra, mostra de cenas dos alunos, estando à luz dos pensamentos das atrizes, feministas, ativistas e pesquisadoras FISCHER, Stela (2017), VARLEY, Julia (2010) e TOURINHO, Ligia; MITKIEWICZ, Luciana (2016)11. Propositalmente escolhi apenas autoras-mulheres para dialogar com essa pesquisa, por entender que se trata de um universo muito particular.

Espero com esse trabalho que outras estudantes do curso de Teatro possam empoderar-se e que vejam na arte uma forma de protesto, que usem o lugar da cena para atingir outras mulheres e apresentar para a sociedade que não queremos muito, queremos apenas os nossos direitos e o respeito que nos foram tirados.

Pretendo então estruturar a escrita da seguinte forma: no primeiro capítulo vou abordar uma questão mais global sobre a violência contra a mulher, que está presente no livro Bonecas Quebradas, de Tourinho e Mitkiewicz (2016), e no site da ONU. Na sequência, vou expor dados, números, taxas universais e a questão

8 Segundo Patrice Pavis, “(...) a persona é a máscara, o papel assumido pelo ator” (1999, p. 285). 9

O Coletivo Hiato surgiu da necessidade de um nome para escrever o enquanto FALO em um circuito cultural, originalmente formado por Isadora Gondim, Pablo Costa e Thâmara Cunha, mais tarde Salésia Paulino e Thayanne Percilla integraram o coletivo e junto com a atriz convidada Raquel Guedes, fizemos o segundo trabalho do grupo,“Rito Lógico”, uma proposta mais ritualística.

10

Com a saída de Isadora Gondim e a chegada de novos integrantes resolvemos mudar o nome do grupo e iniciar uma fase mais profissional, com identidade visual, apresentação do grupo, criação de páginas em redes e iniciamos o último projeto da Cia, 4.48 Psicose de Sarah Kane, que estreou em 2017. Nessa época a Cia Matriona era composta por Thâmara Cunha, Pablo Costa, Salésia Paulino e José Medeiros.

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Neste último tive a oportunidade de dialogar com outras vozes: Ileana Dieguez - Mexicana, Rita Laura Segato, Verônica Fabrini e Isa Kopelman.

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política que envolve esse tema, buscando me aproximar de uma questão mais regional. Vou abordar também uma discussão sobre o Ativismo feminino e a importância de movimentos de Teatro feito por Mulheres, como o “The Magdalena Project”12 e o “Vértice Brasil”13

, que são encontros que se preocupam em discutir sobre o protagonismo da mulher, na vida e na cena.

Já no segundo capítulo irei verticalizar a escrita a partir da experiência do

enquanto FALO e para isso utilizarei, a minha prática enquanto atriz e uma das

idealizadoras desta performance, depoimentos das demais atrizes e mulheres

performers que se disponibilizaram a partilhar suas impressões sobre este trabalho

por meio de um questionário e o depoimento do diretor da performance à luz do escopo teórico.

12“O Projeto Magdalena fundado no País de Gales em 1986 é uma rede dinâmica multicultural, que funciona como uma plataforma para o trabalho de mulheres em artes performáticas, um fórum de discussão crítica, e uma fonte de apoio, inspiração e treinamento. Funciona como um elo central para diversas companhias, artistas e acadêmicas cujo interesse comum encontra-se no comprometimento de assegurar visibilidade do empenho feminino no campo das artes performáticas. Por meio dessa rede, artistas isoladas ao redor do mundo encontraram um reconhecimento crítico apropriado dos seus trabalhos.” (MAGDALENA, 2018, n.p.)

13 “O Projeto Vértice Brasil é uma iniciativa que visa ampliar e sedimentar uma versão brasileira para o Projeto Magdalena (The Magdalena Project) – uma rede internacional de mulheres de teatro contemporâneo, criada em 1986 pela atriz e diretora Jill Greenhalgh, no País de Gales. O Projeto Magdalena tem o compromisso de fomentar a consciência da contribuição da mulher ao teatro e apoiar a experimentação e a pesquisa, oferecendo oportunidades concretas para o maior número possível de mulheres. Ele conta com uma estrutura singular que lhe permite funcionar internacionalmente e de ser adotado e ampliado por mulheres em todo o planeta.” (VÉRTICE, 2018, n.p.)

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CAPÍTULO1:AREALIDADE(FEMININA) OCULTA

1.1 Estatísticas mundiais

A desvalorização da mulher é construída por uma sociedade machista, que põe a mulher em uma situação de submissão frente a sua realidade. Muitas vezes além de ser vítima a mulher é colocada sempre como culpada dos assédios que sofre, ela passa por uma pressão e um julgamento psicológico provocados pela opressão social. Esse quadro não é apenas nacional, mulheres em todo o mundo enfrentam questões de ordem social, política, econômica e cultural e precisam lutar diariamente para conquistar e manter seus direitos. Abaixo apresento alguns mapas e gráficos da pesquisa divulgada pelo El País em 2017, intitulada de “Infografia | A violência contra as mulheres no mundo em quatro mapas”. (CASTILLO, 2017)

1.1.1 Abuso Sexual

Figura 1: Países que não castigam o abuso sexual.

Fonte: Banco Mundial. 2017. Javier Galán/David Alameda/E.C.

O abuso sexual é uma das piores violações que uma mulher pode sofrer. Em alguns casos, muitas mulheres, após serem violadas precisam enfrentar a justiça para denunciar seu agressor. E sob esse aspecto, várias destas mulheres

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encontram dificuldade em enfrentar as autoridades, que seguem um protocolo, por meio da aplicação de um questionário sugestivo, rodeada de olhares de repreensão em que muitas vezes não se refere à mulher como a vítima e sim, como a responsável, a causadora dessa agressão física. Ao escolher denunciar, a vítima enfrenta julgamentos machistas, uma sociedade que a aponta como culpada.

Sobre o abuso sexual, é importante ressaltar que em alguns países esse tipo de agressão à mulher ainda não recebe nenhum tipo de punição, como mostra o primeiro mapa. A jornalista Elisa Castillo explica:

De forma geral, as regiões do planeta que menos garantem os direitos das mulheres continuam sendo a África Subsaariana, a Ásia Meridional e o Oriente Médio. Mas Tunísia, Jordânia e Líbano se destacam por seus avanços. Na Europa, o continente que mais pune a violência de gênero, a Rússia se sobressai como o país menos seguro para elas. Na União Europeia (UE), a Bulgária se destaca por não ter leis que criminalizem o estupro dentro do casamento e a Hungria, por não punir o assédio sexual. (CASTILLO, 2017, n.p.).

Aponto esse tema porque ele foi um disparador importante quando começamos a pensar na elaboração da performance enquanto FALO. Isadora e eu nunca fomos vítima de abuso sexual, mas em todas as apresentações enquanto nos preparávamos para entrar em cena, sempre tocávamos nesse assunto, a tentativa era pensar na dor das mulheres que já haviam passado por esse tipo de agressão. Recordo que em 2016, assisti ao vídeo de uma jovem do município de Assú/RN em que ela relatava indignada, a experiência dela com relação a essa questão. A jovem em questão havia denunciado o dentista Jovane Dantas de ter abusado sexualmente dela. Durante o seu depoimento, ela relatava que todas ás vezes que necessitava ir à delegacia era como se novamente ela sofresse o abuso, mas que no fundo acreditava que um dia a justiça seria feita. Ao assistir esse vídeo, me comovi e ao mesmo tempo fiquei em choque ao saber que alguém que estudou na mesma escola que eu, e que vivia num município vizinho onde morei até vir para a Universidade, havia sofrido tal violação.

Um ano depois, em 08 de março 2017, antes da apresentação da performance enquanto FALO, eu e mais dez mulheres nos reunimos em uma sala e cada uma falou sobre suas dores e angústias. Nesse dia, eu ouvi de mulheres próximas a mim que elas tinham sido vítimas de abuso sexual, muitas ainda durante

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a adolescência. A cada relato eu sofria porque pude perceber que essa violação ao corpo feminino não acontece apenas na cidade vizinha, ela está por toda parte,inclusive ao lado.

1.1.2 Violência doméstica

Figura 2: Legislação sobre violência doméstica.

Fonte: Banco Mundial, 2017.

A violência doméstica é um dos problemas mais comuns quando o assunto é violência contra a mulher. Muitas mulheres sofrem esse tipo de violência, seja por parte de seus companheiros e às vezes até de ex-companheiros, inclusive este tipo de agressão é noticiado diariamente nos meios de comunicação. É tanto, que ás vezes assistimos a esses casos com certa naturalidade. Mas, este é um problema recorrente em todos os países e como podemos visualizar no mapa acima, ainda hoje, quarenta países não punem crimes de violência doméstica. “O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) calcula que, no mundo todo, 50% das mulheres assassinadas são vítimas dos cônjuges ou de homens da família.” (CASTILLO, 2017, n.p.).

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Ou seja, embora haja conhecimento deste feminicídio14, ainda assim há países que não tratam o assunto com a seriedade que ele merece. No Brasil, por exemplo, embora haja a Lei do Feminicídio (2015) há muitos casos de assassinatos de mulheres em território nacional, o que faz de nosso país, o 5º país do mundo com o maior número de casos de feminicídios.

A música “Maria da Vila Matilde”, de Elza Soares foi muito importante durante os laboratórios pré-apresentações do enquanto Falo, trechos da letra como: “Cê vai

se arrepender de levantar a mão pra mim” e “Cadê meu celular?/ Eu vou ligar pro 180” retratavam a violência doméstica e incentivam a denúncia desse crime. A

canção nos fazia refletir quantas mulheres estavam nessa situação e como é difícil a decisão de denunciar o agressor, principalmente por muitas vezes dependerem financeiramente dos mesmos.

Essa dependência financeira em suma maioria está ligada ao casamento precoce, muitas mulheres ainda hoje se casam sem possuir uma formação, ou ter uma renda fixa, dessa forma são reféns financeiras de seus companheiros.

1.1.3 Casamento Infantil

14

Feminicídio é o termo usado para denominar assassinatos de mulheres que são cometidos em razão de gênero. Ver mais em: <https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas- noticias/entretenimento/2018/08/21/o-que-e-feminicidio-entenda-a-definicao-do-crime-que-mata-mulheres.htm>.

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Figura 3: Casamento infantil.

Fonte: UNICEF, 2016.

Segundo a ONU Mulheres,

cerca de 24% das adolescentes e meninas (750 milhões) no mundo inteiro se casam antes dos 18 anos, em comparação com 30% nos anos noventa. O casamento infantil não apenas acaba com os projetos de educação e de vida de milhões de mulheres menores de idade, mas também aumenta a chance de que sofram violência por parte de seus maridos. (CASTILLO, 2017, n.p.)

Essa questão infelizmente é parte de uma cultura social, em que meninas nascem para constituírem famílias, que ao nascer devem obedecer às vontades dos seus pais e que ao se casarem devem obedecer as vontades dos seus respectivos maridos.

Em alguns casos, ainda há meninas que são obrigadas a se casar, por exigência da família, mas em outros casos a falta de consciência de si própria, o medo do pai, a falta de noção de seu empoderamento faz com que muitas mulheres se casem precocemente, com o objetivo de garantir certa independência. Mas na prática, o que se percebe é que, nestes casos, a mulher passa consequentemente, a ser submissa a seu marido.

Em diversos casos, o homem se sente dono da mulher. Primeiro, começa a coibir a esposa de visitar seus pais ou que receba visitas de amigas, não tolera que ela trabalhe fora, em seguida passa a controlar as roupas que veste, o jeito que prende o cabelo e invade sua privacidade. Isso não significa que todos os casamentos entre jovens ocasionem casos de submissões ou agressões.

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Um exemplo bem próximo da minha realidade é o casamento dos meus pais, minha mãe casou aos dezoito anos, meu pai tinha vinte e quatro e eles estão casados a vinte e cinco anos, sem relatos de submissão e tampouco agressões. Lembro que a única vez que meu pai se opôs a uma decisão de minha mãe, foi quando ela decidiu que iria trabalhar fora alegando que ele conseguia manter a casa sozinho e que ela não precisava trabalhar, que seria melhor ela ficar em casa, mas mamãe estava decidida que iria trabalhar e após uma conversa em que ela disse que não era apenas pelo dinheiro e sim por uma necessidade dela, que ela precisava ocupar melhor o tempo, aprender coisas novas, eles chegaram a um consenso de que sim, ela poderia trabalhar tanto quanto ele e que ambos dividiriam as atarefas da casa.

1.1.4 Estupro e Casamento

Figura 4: Estupro e Casamento.

Fonte: Banco Mundial, 2017.

Como se pode observar neste mapa, em alguns países, a prática do estupro não é caracterizada como crime se o estuprador for o marido da vítima e nos casos de mulheres solteiras, ainda podem se livrar da pena se após o estupro estes homens se casarem com estas mulheres. A única forma de a mulher ser aceita e

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manter de alguma forma sua honra, é estando ao lado de um homem, ainda que ele tenha sido o homem que a violou.

É importante que por um momento possamos nos colocar no lugar dessas vítimas, pois nesse caso denunciar a violência sofrida se liga diretamente à punição de casar-se com o opressor. E, caso ela se negue a casar, será tratada de forma indiferente, já que é uma mulher sem honra. Seus pais não a reconhecerão por ser uma vergonha para a família e essa mulher não terá nenhum apoio para superar a violação. Segundo a pesquisa do El País:

Tunísia, Jordânia e Líbano acabaram com as leis que perdoavam os estupradores que casassem com suas vítimas. Em muitos outros países, especialmente na África Subsaariana e na Ásia, o estupro não é punido se ocorrer dentro do casamento, o que deixa as mulheres desamparadas se o estuprador for o marido. Destaca-se o caso da Índia, onde, apesar da brecha jurídica, a Suprema Corte resolveu que o ato sexual será de fato considerado um estupro se ocorrer dentro do casamento, mas somente se a esposa for menor. Dentro da UE, a Bulgária é o único país que não reconhece as agressões sexuais cometidas pelo marido. (CASTILLO, 2017, n.p.)

Durante a última apresentação do enquanto FALO, ao longo da preparação citada anteriormente, ouvi relatos dolorosos de companheiras que foram estupradas, e pude perceber que se trata de uma dor irreparável. Recordo-me também que logo após entrar no curso de Licenciatura em Teatro, uma das mulheres que participaram da performance se separou do marido e o denunciou para a polícia. O homem também era aluno do curso e ela precisava cruzar com ele todos os dias, ela se sentia ameaçada diariamente pela presença do opressor e no dia da apresentação relatou que por vezes acordava com o até então companheiro em cima dela, estuprando-a. Todos esses relatos fizeram daquela apresentação um marco para cada uma de nós que estava ali presente, era como se tomássemos consciência de que o perigo mora ao lado.

No caso do Brasil, especificamente, o país tem se tornado cada vez mais perigoso para nós, mulheres. Há relatos diários de estupros, agressões físicas e verbais e para estes casos a vítima muitas vezes não recebe o tratamento ou auxílio adequado. As mulheres muitas vezes optam por silenciar as agressões sofridas pensando estar se protegendo, quando na verdade elas estão se submetendo a mais agressões e tornando impunes os seus agressores.

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Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registrou uma média de 164 estupros por dia, foram mais de 60 mil em 2017. O jornalista Thiago Amâncio (2017) publicou uma pesquisa na Folha de São Paulo, intitulada “Brasil registra 606 casos de violência doméstica e 164 estupros por dia”. Trazendo alguns gráficos sobre o as taxas de estupro registradas em 2017. Observem abaixo.

Figura 5: Taxa de estupros registrados por estados em 2017.

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

No gráfico “Taxa de estupros registrados por estado em 2017”, podemos identificar que Mato Grosso do Sul e Santa Catarina apresentam os maiores índices e a Paraíba e o Rio Grande do Norte apresentam os menores índices de estupro no país. Embora o Rio Grande do Norte apareça no gráfico com menor índice, ainda assim é preocupante detectar que corremos riscos. Como o caso que aconteceu em 10 de maio de 2017 um estupro coletivo na capital, Natal foi registrado. Duas jovens foram ameaçadas com arma e obrigadas a entrar em um carro com mais quatro homens. As adolescentes afirmam ainda que foram dopadas e que os homens as levaram para um matagal e as violentaram lá mesmo. Segundo o G1,

Acompanhada pela mãe, a jovem denunciou o crime da Delegacia de Plantão da Zona Norte. À polícia, ela disse que conhecia os envolvidos e sabia onde eles moravam. Na operação montada para prender os envolvidos, um homem de 25 anos foi preso. Ele negou envolvimento no caso.(G1, 2018, n.p.)

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Casos como esse me fazem recordar a barbárie que aconteceu no estado do Rio de Janeiro, um ano antes dessa pesquisa, mais precisamente no dia 21 de maio de 2016. Um caso de estupro coletivo que chocou o país. A jovem Beatriz, de apenas 16 anos, foi dopada e violentada por 33 homens em uma comunidade da Zona Oeste.

Os atos repulsivos demonstram, lamentavelmente, a cultura machista que ainda existe, em pleno Século 21. Importante ressaltar que cada frase machista, cada piada sexista, cada propaganda que torna a mulher um objeto sexual devem ser combatidas diariamente, sob o risco de se tornarem potenciais incentivadoras de comportamentos perversos. E, igualmente, lembrar que, se esse crime chegou ao conhecimento público, tantos outros permanecem ocultos, sem repercussão. Precisamos lutar contra a violência em cada lar, em cada comunidade, em cada bairro.(idem, 2016, n.p.)

É importante ressaltar que esses estupros são apenas um dos poucos casos em que a população toma consciência da gravidade desse problema no Brasil. O que mais me revolta nesse crime é a crueldade de dopar uma jovem sem seu consentimento, ser violada por trinta e três homens e ter essa agressão divulgada na internet, por meio de fotos e vídeos, como se essa atitude merecesse um prêmio. Após o crime coletivo, muitas pessoas tentaram justificar a barbárie colocando a culpa na vítima, apresentando argumentos em que a vítima tinha ingerido bebida alcoólica, feito uso de drogas ou por estar sozinha, o que não justificam o ato, pois a vítima não tem culpa de ser violentada. Infelizmente isso faz parte da nossa cultura machista, mas não é muito difícil pensar o inverso, se fosse um homem, ele poderia beber, se drogar e ter seu direito de ir e vir.

Quando crimes como esse ocorrem, precisamos nos atentar que quem decide sobre nosso corpo em suma maioria são homens, e após casos como esses em que não há um acompanhamento da vítima, não existe uma preocupação com a mulher, pós-violação. Inclusive as leis são elaboradas por homens, sendo o poder legislativo composto por 96,5% de homens, segundo a reportagem de Helena Martins (2018) para Agência Brasil. Sendo assim ainda não temos leis suficientes, apoio e tão pouco dispomos de um atendimento eficaz quando necessitamos.

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Os homens temem serem assaltados, enquanto nós mulheres temos medo de sermos assaltadas, molestadas, estupradas e assassinadas. Entendem a diferença? O homem não se sente intimidado sexualmente, de alguma forma ele é preservado e nesse caso não me refiro aos homossexuais travestis e trans, que são tão violentados quanto nós mulheres.

No livro Bonecas Quebradas, as autoras falam sobre os crimes violentos e brutais que acontecem no Brasil e também na América Latina. Um dos relatos é sobre Cidade Juárez (México), onde mulheres após serem usadas em rituais de sacrifício, muitas vezes eram abusadas sexualmente e desapareciam. As ações eram frequentes e só diminuíram após a criação de uma associação de parentes das vítimas – “Ni Uma Mas”. Ainda assim, a justiça fecha os olhos e finge não ver, mães das vítimas e mulheres de todo o mundo buscam entender os crimes, assim como as pesquisadoras e atrizes Luciana Mitikiewicz e Ligia Tourinho, que neste livro expõem os crimes e buscam explicações e justiça.

Ligia e Luciana relatam no livro, a posição da antropóloga Rita Laura Segato, de que os crimes não são apenas sexuais. As mulheres mexicanas têm sido tidas como um objeto de poder, colocando a mulher em uma dominação física e moral, tirando da vítima o controle do seu corpo, as pesquisadoras explicam,

Apesar de que as mulheres são sempre reduzidas a objetos sexuais, esta antropóloga insiste em que a ideia repetida do objeto sexual ou do “ódio às mulheres” é insuficiente porque as violações constituem um ato social compartilhado que têm o propósito de expropriar o controle da vítima sobre o seu próprio corpo, reunindo no ato uma dupla dominação física e moral. (...). (TOURINHO, Ligia; MITKIEWICZ, Luciana, 2016, p. 30-31).

Na Cidade de Juarez onde a justiça não acontece, o Estado se omite e a sociedade não se manifesta contra esses crimes, há algumas associações que trabalham em busca de explicações, pessoas ligadas a arte trazem esse tema para a cena, de modo a questionar e pedir o fim dos feminicídios. Estas mulheres vivem em constante insegurança, grande parte delas são empregadas em fábricas que são instaladas na cidade e são elas as maiores reféns dos estupros que acontecem em Juarez. Os crimes viraram objeto de pesquisa e posteriormente foram utilizados para a criação de uma peça ativista das atrizes Ligia e Luciana, que junto com outros tantos artistas montaram o espetáculo Bonecas Quebradas, que tem como proposta

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ser uma crítica ferrenha à impunidade desses crimes, além de trazer à tona o tema do feminicídio.

Infelizmente em nosso país não tem sido diferente, as mulheres estão correndo riscos diariamente. Mulheres sofrem com assédios que violam a sua integridade moral, invadem o seu corpo e colocam-na como objeto, em situações cotidianas como ir e voltar do trabalho, pegar o ônibus, andar na rua, etc. Alguns homens se sentem no direito de nos tocar, passar a mão em nossas partes íntimas e até ejacular em nosso corpo em locais públicos.

Sobre isto, e devido às frequentes ocorrências desse tipo de violência, criaram o vagão rosa15 em estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Apesar de ser uma alternativa para diminuir esse tipo de ocorrência contra as mulheres, a proposta têm sido bastante criticada, pois para algumas pessoas esta prática é uma forma de segregação e que o nome do vagão “rosa” faz alusão ao equivocado termo “sexo frágil”. Alegam também que é impossível acomodar mais da metade das usuárias do metrô em poucos vagões. O Jornalista Marcelo Hailer em sua notícia, afirma que:

Aceitar a criação do “vagão rosa” é aceitar o fim das políticas de transformação social. Ninguém nega o grave problema social que as mulheres enfrentam no transporte público, mas não será segregando-as que o problema será resolvido. O que necessita ser feito é uma ampla gama de políticas de combate ao assédio sexual em nível nacional. Aceitar o “vagão rosa” é também aceitar que homens e mulheres transexuais devem usar banheiros específicos. (HAILER, 2014, n.p.)

Marcelo Hailer coloca que é preciso conscientizar a população e criar políticas públicas que combatam o assédio e o abuso, e não segregar as mulheres para que elas sejam evitadas. É certo que os argumentos apresentados pelo jornalista são válidos, mas penso que seja uma solução à curto prazo e que não apresenta capacidade para suprir a demanda de mulheres que utilizam o metrô. É preciso atentar que a solução não está no isolamento das mulheres e sim em políticas de conscientização da população, em uma melhor preparação de segurança pública e que, por fim, os crimes contra mulheres sejam devidamente punidos.

15

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Medidas como a do Vagão Rosa, apresentam falhas, mas apontam que alguns órgãos responsáveis começaram a entender a necessidade de pensar em propostas que garantem a segurança das mulheres. Por exemplo, foi sancionada recentemente a lei que aumenta a pena de estupro coletivo e torna crime a importunação sexual, de acordo com a Carta Capital nas palavras da jornalista Carol Castro,

(...) o projeto acabou com as contravenções, que puniam apenas com multas, em casos como esse. E deu ao Ministério Público o direito de denunciar os abusadores sem a autorização ou representação da vítima. Até então, a Justiça só podia tomar alguma medida se a mulher prestasse depoimento e denunciasse o homem. Além de tipificar esses crimes, a nova lei também considera crime divulgar vídeos com cenas de estupro ou que façam apologia a ele – exceto se forem publicadas em veículos jornalísticos, acadêmicos, científicos ou culturais, com a preservação da identidade da vítima. A pena também é de um a cinco anos de prisão. Se o crime for cometido por um ex-namorado, ou alguém próximo da vítima, só para humilhá-la ou por vingança (porn revenge), a pena pode aumentar até dois terços.

O mesmo projeto ainda aumentou a pena em casos de estupros coletivos. Ou “estupros corretivos” – quando homens forçam o sexo para “corrigir” algum comportamento social ou sexual da vítima. Se forem cometidos em lugares públicos ou ermos, durante a noite, ou com uso de arma, a pena pode aumentar ainda mais. (CASTRO, 2018, n.p.)

Outra lei importante, para nós mulheres é a 13.104 de 2015, que inclui o feminicídio como um tipo de homicídio qualificado, em razão da condição do sexo feminino. No livro Bonecas Quebradas podemos identificar o feminicídio como “(...) termo com o qual a academia define essas práticas de violência extrema contra as mulheres.(...)” (TOURINHO; MITKIEWICZ, 2016, p.32). Anteriormente, vimos inúmeros gráficos e relatos de violência contra a mulher, que necessitam ser tipificados. Essa classificação é de imensa relevância pois, os crimes qualificados como feminicídios são aqueles que ocorrem apenas pelo fato da mulher ser uma mulher. Nem todo crime contra a mulher será um feminicídio, é necessário que o motivo para o crime seja a condição de ser mulher, segundo a lei. Lígia Tourinho afirma que,

É importante reconhecer o termo - feminicídio -, insistir no seu uso - quando é necessário- e na dimensão política do mesmo, porque

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indica o caráter generalizante e sistêmico que se perpetua impunemente contra as mulheres. Em uma sociedade que naturalizou a violência contra as mulheres não falta quem deslegitime a luta contra tão lamentável situação (...). (TOURINHO; MITKIEWICZ, 2016, p. 33-34).

Essas leis são de suma importância para a melhoria da qualidade de vida da população feminina e para a conscientização da sociedade, e as mesmas só existem graças à cobrança que vem sendo feita por coletivos de mulheres e também a representação feminina na política, que vem ganhando mais espaço nos últimos anos. A participação da mulher na política ainda é recente e embora haja um crescimento desta representatividade, os índices ainda são muito inferiores ao que seria o ideal.

1.2 Os espaços femininos na política brasileira

A participação da mulher na política brasileira só se deu em 24 de fevereiro de 1932, até então votar era um direito restrito ao sexo masculino. O voto feminino e a possibilidade da mulher participar ativamente da política só foram permitidos durante o governo de Getúlio Vargas, este último em 1933, quando as mulheres puderam se candidatar a cargos políticos. Esse avanço só foi possível depois de muita luta e discussões, mas o voto, segundo Tamára Baranov (2014), tinha restrições. A jornalista escreveu em sua matéria “A conquista do voto feminino”, publicada no ano de 2014, para o GGN – O Jornal de todos os Brasis, que:

(...) foi ainda aprovado parcialmente por permitir somente às mulheres casadas, com autorização dos maridos, e às viúvas e solteiras que tivessem renda própria, o exercício de um direito básico para o pleno exercício da cidadania. Em 1934, as restrições ao voto feminino foram eliminadas do Código Eleitoral, embora a obrigatoriedade do voto fosse um dever masculino. Em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres. (BARANOV, 2014, n.p.).

Já no Rio Grande do Norte, a inserção da mulher na política aconteceu em 1927. A potiguar Celina Viana foi a primeira a exercer o direito de voto no Brasil, cinco anos antes de o voto feminino ser incluso ao Código Eleitoral Brasileiro. Em

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1928 o estado elegeu a primeira prefeita da América Latina, Alzira Soriano, eleita com 60% dos votos no município de Lajes. A jornalista Juliana Domingos de Lima, em sua matéria para o jornal NEXO, explica como esses feitos foram possíveis,

Os dois fatos foram possibilitados pela lei eleitoral colocada em vigor em 1927 pelo estado, que determinava, em seu artigo 17, que no Rio Grande do Norte poderiam “votar e ser votados, sem distinção de sexos”, todos os cidadãos que reunissem as condições exigidas pela lei – ser alfabetizado e maior de 21 anos. Com essa norma, mulheres das cidades de Natal, Mossoró, Acari e Apodi alistaram-se como eleitoras em 1928. (DOMINGOS, 2018, n.p.)

Este ano (2018), o Rio Grande do Norte foi o único estado brasileiro a eleger uma mulher como governadora, Fátima Bezerra (PT), que disputou o segundo turno com o até então prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves, nas eleições de 2018, com 1.022.910 dos votos, o que corresponde a 57,60% dos votos válidos, segundo a Gazeta do Povo (2018). Além da eleição de Fátima, o RN é o estado que mais elegeu mulheres em cargos executivos.

A participação da mulher na política ainda é muito pequena se comparada à masculina. As poucas mulheres que estão na câmara e no senado ainda sofrem com comentários machistas, inclusive de seus colegas de trabalho. A ex presidenta Dilma Rousseff, sofreu por uma série de insultos e teve por diversas vezes a sua capacidade intelectual colocada em dúvida por ser mulher.

Segundo o Portal de Notícia do Grupo Globo - G1 (2018, n.p.), “a lei eleitoral brasileira exige que os partidos e as coligações respeitem a cota mínima de 30% de mulheres na lista de candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras municipais”.

Nas eleições de 2018, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a cada 10 candidatos apenas 3 são mulheres (VELASCO; SARMENTO; GELAPE et al., 2018). Apresento em seguida, o gráfico em que a pesquisa do G1 (2018) coloca que mesmo com a exigência da lei, a proporção de mulheres em cargos políticos não aumentou muito nas últimas eleições. Diante deste panorama, a Justiça Brasileira, a cada período eleitoral tem notificado as diversas coligações partidárias para o cumprimento desta meta pré-estabelecida.

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Figura 6: Mulheres nas eleições.

Fonte: TSE e IBGE.

Nas eleições deste ano a maioria dos partidos foram notificados por não respeitarem esta exigência, outros ainda nem sequer receberam notificação, isso porque alguns partidos e coligações ainda estão passando por processo de análise.

Um dos problemas que eu detecto é que, principalmente nos interiores, as mulheres são convocadas para participarem da política como “laranjas”16

, apenas para que os partidos consigam preencher a cota exigida pela lei. Tem se tornado uma prática comum, as esposas de alguns políticos, que por algum motivo legal não podem se candidatar, ocuparem alguns destes lugares na política, não como propositoras, mas como uma extensão de seus maridos. Infelizmente em nosso país, existe uma cultura de que a política é lugar que só deve ser ocupado por homens.

Continuei a refletir sobre o papel da mulher na política, durante a leitura da tese da atriz, performer e professora universitária, Stela Fischer. Um trecho específico do texto me chamou a atenção:

Nos quatro anos desta pesquisa – transcorridos sob muita instabilidade e fluxo de acontecimentos implacáveis no cenário político do Brasil, em que a primeira mulher eleita Presidente da República foi retirada do seu cargo – acompanhei avanços e

16O termo “laranja” é usado para as pessoas que disponibilizam seus nomes, dados e/ou ocupam cargos para executarem transações comerciais, políticas, financeiras e etc.

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propagações dos movimentos feministas no país. (...) (FISCHER, 2017, p. 04).

A única presidenta mulher eleita no Brasil foi Dilma Rousseff17 que tomou posse em 2011 e foi reeleita em 2014. Durante o segundo mandato, a presidenta foi perseguida e em 2016 sofreu impeachment e foi destituída do cargo.

É preciso pensar na importância dessa representatividade na política, porque esta é uma das maneiras de incluir nas pautas, as questões que dizem respeito ao universo feminino, tais como a saúde feminina, o aborto, direitos trabalhistas, licença maternidade, amamentação em espaços públicos, entre outros.

Além desta representatividade política, um outro movimento muito importante com relação a questão da representatividade da mulher frente as questões políticas ganhou força ao longo das eleições presidenciáveis de 2018. Devido às declarações de um dos candidatos que acabou sendo eleito presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro18, as mulheres criaram um movimento que tomou as ruas.

A iniciativa começou a partir da criação de um grupo nas redes sociais, por meio do Facebook, cujo nome escolhido foi “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”. A proposta de criação deste grupo era criar um espaço virtual de diálogo para discutir a respeito desta postura do até então candidato e propor ações e manifestações de resistência a sua candidatura. Este grupo atingiu mais de 2 milhões de mulheres, que independente de quem iriam votar, não queriam de forma nenhuma eleger o ex-capitão do exército. Durante as eleições, o grupo foi invadido por hackers duas vezes teve o seu nome alterado e o direito de expressão destas milhões de mulheres, violado. Com a invasão dos hackers, vários homens entraram no grupo sem permissão e insultaram as integrantes deste grupo. Leandro Sakamoto, em seu blog escreveu,

Quem celebrou o ataque não conta, apenas, com uma incapacidade de conviver com as regras do jogo democrático, vencendo através do debate de ideias ao invés de cala-las. É imaturo e incapaz de entender como funciona a dinâmica social. (SAKAMOTO, 2018, n.p.)

17

Dilma Vana Rousseff é economista e política, filiada ao Partido dos Trabalhadores, foi a primeira presidenta eleita do país no ano de 2011.

18

Militar da reserva, político e filiado ao Partido Social Liberal. Foi deputado federal por sete mandatos entre 1991 a 2018.

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Após a revolta pela violação do direito de expressão dessas milhões de mulheres, organizou-se um movimento para que as ruas fossem tomadas e as mulheres pudessem manifestar sua indignação. No dia 29 de setembro de 2018, o ATO: Mulheres Contra Bolsonaro ocupou os quatro cantos do país. Os protestos contra Jair Bolsonaro ocorreram em 26 estados e no Distrito Federal e as manifestações a favor do futuro presidente em 16 estados, segundo o G1 (2018).

Paralelamente aos movimentos políticos e sociais, que têm reunido as mulheres, é importante destacar que as artes de um modo geral também tem criado outros espaços de manifestação. Artistas e coletivos artísticos têm promovido espetáculos, performances, coreografias, exposições que discutem e denunciam através de suas proposições temas ligados ao universo feminino, em especial a violência de gênero, como o que será abordado no segundo capítulo deste TCC. Essas artistas ampliam suas atividades artísticas à medida que suas ações também podem ser consideradas de certa forma, ativistas, pois acreditam que sua arte pode ajudar a transformar a realidade em que estão inseridas, e por fim, fazem de sua arte um instrumento de luta.

Duas iniciativas que foram criadas por atrizes e militantes que propagam a visibilidade artística de mulheres são os projetos The Madalegna Project e Vértice Brasil.

1.3 Movimentos Artísticos-Feministas

O projeto foi fundado em 1986, já chegou aos cinco continentes e tem como objetivos: conscientizar a importância das artistas e o quanto elas podem contribuir com o teatro contemporâneo, permitir que mulheres reflitam sobre suas experiências teatrais, criar um espaço que se proponha a dar voz aos problemas das mulheres profissionais do teatro, encorajar mulheres a rever a importância delas no teatro e principalmente questionar as estruturas atuais. O projeto já tem mais de 100 encontros documentados, recebeu centenas de espetáculos internacionais, produziu boletim informativo com mais de 28 edições, já publicou mais de 13 anuais, publicou livros sobre o The Magdalena Project, teve diversas teses sobre a iniciativa. Atualmente o Projeto no Reino Unido é coordenado por um conselho que é formado

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por, Helen Varley Jamieson (Presidência), Jill Greenhalgh e Stevie Robins (Tesouraria). Segundo as informações que estão registradas em seu site:

Os ramos do Magdalena Project se estendem de forma distante e ampla: além de barreiras internacionais e através de gerações. Grupos se encontram em local e tempo reais assim como online para compartilhar, gerar e disseminar trabalhos e ideias. Sobrevivendo principalmente pela boa vontade de seus membros e apoiadores, é uma prova do que podemos alcançar juntas no espírito de comunidade e união. (MAGDALENA, 2018, n.p.)

A iniciativa tem ganhado o mundo e o projeto já tem ramificações no Brasil, o Vértice Brasil é uma subdivisão do projeto internacional em nosso país, no site podemos encontrar que,

O Projeto Vértice Brasil é uma iniciativa que visa ampliar e sedimentar uma versão brasileira para o Projeto Magdalena (The Magdalena Project) – uma rede internacional de mulheres de teatro contemporâneo, criada em 1986, pela atriz e diretora Jill Greenhalgh, no País de Gales. O Projeto Magdalena tem o compromisso de fomentar a consciência da contribuição da mulher ao teatro e apoiar a experimentação e a pesquisa, oferecendo oportunidades concretas para o maior número possível de mulheres. Ele conta com uma estrutura singular que lhe permite funcionar internacionalmente e de ser adotado e ampliado por mulheres em todo o planeta. (VÉRTICE, 2018, n.p.)

O Vértice Brasil é nacional e continua disseminando a visibilidade artística feminina, principalmente a brasileira, mas que também se estende a artistas da América Latina. Essa proposta surgiu em 2004 e após quatro anos o projeto se estabeleceu efetivamente em Florianópolis e segue até hoje. Inicialmente o projeto priorizou ofertar um espaço para que fosse possível a troca de experiências, ofertando a mulheres brasileiras e latinas conhecer a experiência de mulheres que fazem esse trabalho no The Magdalena Project. Posteriormente o projeto Vértice Brasil propiciou que as temáticas fossem abordadas por meio do treinamento físico, vocal e dinâmicas para estruturar e manter grupos.

O projeto já teve três edições, a primeira em 2008 contou com a participação de mais de 40 artistas, nesse primeiro encontro Jill Greenhalgh, fundadora do Magdalena Project e de Julia Varley, atriz do Odin Teatret estavam presentes. Neste

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ano foram ofertadas quatro oficinas ministradas pelas atrizes Jill Greenhalgh (País de Gales), Julia Varley (Dinamarca), Leo Sykes (Udigrudi - Brasília) e Ana Cristina Colla (LUME - Campinas), bem como quatro palestras e a apresentação de oito espetáculos nacionais e internacionais.

Em 2010, com o tema Vértice Brasil – Travessia, o número de participantes dobrou, assim como a participação de mulheres de treze países diferentes e sete estados do Brasil. Foram 6 oficinas internacionais, 6 palestras e 19 espetáculos, demonstrações de trabalho e performances.

A última edição ocorreu em 2012, com o tema T(i)erra Firme, a principal peculiaridade desta edição foi o Projeto Dohter, uma oficina realizada por Jill Greenhalgh com dez artistas nacionais. Depois de duas semanas de trabalhos intensos, o grupo apresentou uma performance, com o tema “Filha” de vinte e cinco minutos no SESC Cacupé, durante a abertura do festival. Durante toda a semana foram realizadas seis oficinas nacionais e internacionais e uma mostra composta por catorze espetáculos nacionais e internacionais.

Muitas artistas mulheres em Natal, também tem abordado o tema, e procuram na arte uma forma de mudar a realidade feminina, a partir do empoderamento de outras mulheres e da conscientização do público ao propor reflexões, através de propostas artísticas que são levadas para a da cena. Clara Medeiros, atriz e licenciada em teatro, desenvolveu sua pesquisa de TCC “O Som Que Se Faz... A Voz da Mulher na Cena do RN” (2017), sob orientação da Profa. Dra. Melissa dos Santos Lopes cita os seguintes trabalhos da cena potiguar:“Violetas”, da atriz Mayra Montenegro, “O Som que faz debaixo D’água”, da diretora Lina Bel Sena, “Eu – Fêmea”, da dançarina Roseane Oliveira, “Manga Rosa”, da atriz Luana Menezes, “Tratados sobre mim mesma na Infertilidade”, dirigido por Heloísa Souza, “Enquanto Falo”, da Cia Matriona, “Inkubus”, da artista visual e atriz Alice Carvalho, “(Sou)pa de Pedra”, da atriz Liliane Bezerra e “Feminina” do Comboio de Teatro. Vou mencionar a seguir, outras iniciativas que surgiram após esta pesquisa.

A pesquisa acadêmica “Voz e Teatro” começou em 2018, dentro do Departamento de Artes da UFRN e foi idealizado pela Profa. Ms. Mayra Montenegro de Souza. O projeto de investigação tem como foco a Voz como expressão natural do ser, como uma identidade e que pode promover o empoderamento social, bem como investigar a voz como uma ligação ao sagrado (feminino). Abaixo a

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identificação do projeto disponível no Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas – SIGAA:

O projeto tem como objetivo pesquisar a voz como expressão do Ser no treinamento de ator e processo de criação cênica. A voz é uma das principais vias de auto expressão e sua qualidade reflete a riqueza e ressonância do ser interior. Quando a voz da pessoa é limitada, sua auto expressão está restrita e seu ser, reduzido. Portanto, a pesquisa “Voz e Teatro” pretende investigar primeiramente essa voz como expressão do Ser, como Individuação, como um caminho para (re)encontrar-se, para (re)conectar-se. Em segundo lugar, a Voz como empoderamento social, ter voz em seu meio, ser ouvido(a), ser repeitado(a). Em terceiro lugar, a voz como reconexão com o invisível, com o desconhecido, com o Sagrado. Acesso ao inconsciente coletivo, à voz dos antepassados, à sabedoria ancestral, à intuição. (...) Participam inicialmente do projeto discentes dos cursos de graduação em Teatro, Dança e Música e discentes do programa de pós-graduação em Artes Cênicas, mas estaremos abertos à discentes de outros cursos que se interessarem, bem como discentes de pós-graduações. Esse projeto será de grande importância para a pesquisa de mestrado de uma das discentes do Mestrado: Raiana de Freitas Paludo, tendo em vista que seu objeto de pesquisa é a Voz. Ao final do projeto, pretendemos apresentar pesquisas de iniciação científica e performances musicais/teatrais e de dança.(MONTENEGRO, 2017, n.p.)

Semanalmente um grupo de alunas se reúne com a professora para realizar a pesquisa prática.

Outro projeto é o Manifesto FEMININA, do Comboio de Teatro, que é mais uma iniciativa ativista. O grupo que surge em 2015 pela junção de cinco mulheres artistas, tem seu primeiro trabalho voltado para o público infantil, o espetáculo Dubididum Taratatá já foi apresentado em algumas cidades do Rio Grande do Norte, como a capital Natal, Macau, Umarizal, Sagi, assim como em João Pessoa e Guarabira na Paraíba e recentemente em Irecê na Bahia. No ano de 2017, as atrizes Antonia Delgado, Kédma Silva, Stephane Vasconcelos e Tatiane Tenório criaram o Manifesto FEMININA, se propondo a discutir, através da arte, o papel da mulher na sociedade contemporânea, colocando em pauta as atrocidades diárias sofridas pelas por elas, instigando o público a uma reflexão acerca destas ações opressoras. A performance já passou por Natal, Parnamirim e Ceará-Mirim, cidades do RN.

Encontros que promovem o debate sobre o tema e dão fala a outras mulheres, também estão acontecendo na capital potiguar, como o CAFÉS&

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CONVERSAS da Sociedade T19, que promoveu um debate sobre Arte e Feminismo no Espaço ABOCA20, bem como a mesa “Vozes Feministas: Arte e Ativismo”21, que ocorreu no X Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas - ABRACE22, que foi realizado em outubro no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Nota-se, portanto uma crescente discussão do tema do feminino na cidade de Natal/RN, já que mulheres de diferentes idades e de diferentes linguagens artísticas têm abordado o tema. É possível ler mais sobre o tema no Trabalho de Conclusão de Curso da Clara Oliveira de Medeiros, O som que se faz... A voz da mulher na cena do RN, 2017, que se encontra no repositório da biblioteca da UFRN. No próximo capítulo irei abordar especificamente a performance enquanto FALO, trabalho que participei e circulei como artista, por dois anos consecutivos, e que agora, depois de um tempo de trabalho realizado, resolvi refletir sobre essa experiência artística.

19“A Sociedade Cênica Trans (Sociedade T) é formada por quatro artistas residentes na cidade de Natal e provenientes de distintas linguagens artísticas. São eles: Felipe Fagundes, produtor, performer e encenador; Heloísa Sousa, diretora de arte e encenadora; Moisés Ferreira, ator e bailarino; Pablo Vieira, produtor, ator e poeta. A Sociedade T reúne artistas de diferentes cidades do Brasil, sendo elas, Rio de Janeiro, Natal e Campina Grande para desenvolver investigações teóricas e experimentações práticas nas possibilidades de criações híbridas nas artes cênicas. Teatro, dança, performance, vídeo, instalação, música e poesia se apresentam juntos em espetáculos, intervenções e performances que discutem questões e referências pertinentes a arte contemporânea.” (SOCIEDADE T, 2018, n.p.)

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Espaço cultural fundado em 2014 por três grupos potiguares, o Bololô Cia Cênica, Coletivo Artístico Atores à Deriva e Carmin Grupo de Teatro, em 2017 o espaço também pertenceu à Sociedade T. Por falta de investimentos e políticas públicas, o espaço encontra-se atualmente fechado.

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Participaram desta mesa as docentes e artistas: Profa. Dra Brígida Miranda (UDESC), Profa. Dra. Verônica Fabrini (UNICAMP), Profa. Dra. Lucia Romano (UNESP) e Profa. Dra. Melissa Lopes (UFRN).

22

ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós Graduação em Artes Cênicas. Ver mais em: <http://portalabrace.org/c2/>.

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CAPÍTULO2:OQUEPENSOENQUANTOFALO

Hannah Arendt dizia que: “[...] Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história (…)” (TOURINHO, Ligia; MITKIEWICZ, Luciana, 2016, p.58).

As dores nos calam, nos amedrontam e tantas vezes nos impedem de viver, memórias de violações irreparáveis são como correntes que nos aprisionam e nos mantém na escuridão com nossos medos. A arte é como luz em meio a essa escuridão, ela nos possibilita a fala, sem julgamento, permite que nossa história seja contada e falar sobre isso de alguma maneiranos liberta.

“O que significa escrever sobre um processo de trabalho? É tentar mostrar passo a passo a sua evolução, com a maior riqueza possível de detalhes, a ponto do mesmo poder ser reproduzido em outros contextos?(...)”. (TOURINHO, Ligia; MITKIEWICZ, Luciana, 2016, p. 14). Diante desta provocação, estou descobrindo e deixando reverberar ao longo deste trabalho todos os aprendizados e inquietações que o enquanto FALO provocou e ainda provoca em mim. Foram dois anos de apresentações, vivências e muitas sensações. Durante o corrente ano, decidi não apresentar a performance, para que eu pudesse me distanciar um pouco do processo de criação para escrever e nesse processo, existiram momentos e ações que ficaram gravadas no meu corpo.

2.1 Apresentações

A proposta da performance surgiu em 2015 quando Pablo Costa, Isadora Gondim e eu nos aproximamos meio que por acaso, após Pablo nos pedir ajuda com uma tabela para prestação de contas referente a uma viagem que ele havia feito para Tocantins, com financiamento da UFRN. Destas conversas que tinham como intuito ajudar na elaboração de uma tabela no excel, Pablo teve a ideia de fazer a performance. Fizemos uma primeira reunião no pátio do Departamento de Artes,

Referências

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