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Resumo. Palavras-chave: Metafísica, Kant, Hume e Wolff.

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Academic year: 2021

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Kant, entre Hume e Wolff

Ana Paula de Oliveira (Aluna do Programa de Pós-Graduação em filosofia)

e-mail: annepauloliver@hotmail.com UNESP- Campus de Marília Orientadora Clélia Aparecida Martins Resumo

A análise a ser desenvolvida será no âmbito da História da Filosofia, em cujo contexto constata-se o diálogo de Kant com Hume e Wolff. Na filosofia transcendental, tempo <Zeit> e espaço <Raum> são formas puras da intuição. A Crítica da razão pura repousa sobre o dado irrefutável de que a origem da sensibilidade não pode ser deduzida a priori de conceitos, mas para que os fenômenos possam existir é necessária a intuição como fundamento a priori da sensibilidade. A partir dessa estrutura argumentativa, temos por objetivo compreender a presença de Hume em Kant, bem como as posições deles opostas à metafísica da representação do ser defendida pela via dogmática de Wolff.

Palavras-chave: Metafísica, Kant, Hume e Wolff.

Esse trabalho consiste numa contextualização histórica das reflexões de Kant; para tanto, procura-se retomar o diálogo entre ele e as principais correntes filosóficas de sua época, diálogo este o qual ele não só se opõe à metafísica tradicional, mas que também o possibilitou estruturar sua filosofia transcendental. Kant aderiu parte da doutrina empírica de Hume bem como, por outro lado, há questões no ceticismo empírico que ele refuta e, em relação ao idealismo dogmático da corrente Leibniz/Wolff, Kant fará o mesmo.

A Crítica da Razão Pura <KrV> é o resultado da proposta investigativa de Kant a respeito dos segredos metafísicos tão discutidos e definidos contraditoriamente no decorrer da História da Filosofia. A crítica kantiana à metafísica, ciência que estuda conceitos, segundo ele, conceitos dos quais não podemos evitar, fora desenvolvida na história da filosofia de forma dogmática. Esses conceitos dos quais não podemos evitar é o fato da existência de conhecimentos que saem do domínio da experiência possível, são conceitos que nossos juízos podem tratar, mas que não possuem objetos correspondentes na experiência. Por exemplo, os conceitos de Deus, liberdade e imortalidade são considerados por Kant como problemas inevitáveis da própria razão pura.

A <KrV> tem uma proposta diferente e, relação à metafísica dogmática da corrente Leibniz/Wolff, pois Kant submete a própria razão a um tribunal. O conteúdo da filosofia crítica

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não trata de proclamar nenhum dogma metafísico, mas naturalmente marcar um caminho e estabelecer um método de investigação filosófica (CASSIRER, p. 10-11).

O nosso objetivo nesse trabalho, com efeito, é mostrar como Kant por meio do seguinte argumento presente em toda a <KrV>, a saber, que a origem da sensibilidade não pode ser (de forma alguma) deduzida a priori de conceitos, mas para que os fenômenos possam existir é necessária a intuição como fundamento a priori da sensibilidade, sendo que, na filosofia transcendental, tempo <Zeit> e espaço <Raum> são formas puras da intuição que, por sua vez, são inerentes ao sujeito, nos permite compreender a presença de Hume em Kant, bem como as posições deles opostas à metafísica da representação do ser defendida pela via dogmática de Wolff e, mais, em quais aspectos Kant mantém o argumento da linha Leibniz-Wolff e, por outro lado, rompe com Hume.

O dogmatismo é um proceder baseado na confiança geral da razão em seus princípios e causas sem crítica prévia da capacidade da razão <vernunftvermörgens>. O ceticismo, por sua vez, é uma desconfiança radical de toda a metafísica em especial no que tange sobre o suprasensível. O criticismo supõe uma dúvida metódica de suspensão (de juízo) ante toda proposição sintética, uma vez que, se tem percebido que não há tais condições especiais de nossa faculdade cognitiva (KANT, 1987, p. XXXVII-XXXVIII).

Os neoleibnizianos afirmavam a possibilidade de falar sobre o suprasensível por meio da análise do sensível. Trata certas ilusões consideradas necessárias como se fossem realidades, pois Leibniz irá desenvolver as três grandes doutrinas: o princípio de razão suficiente, a monadologia Leibniz mais especificamente do que Wolff e a harmonia preestabelecida. À metafísica leibniziano-wolffiana o conhecimento do suprasensível era tanto a máxima aspiração da razão quanto seu fim último. Mas por quais meios essa metafísica passa dos objetos da experiência para os mais além dela? O que essa metafísica pode obter em termos de conhecimento em geral?

Essa metafísica dogmática pretendia ampliar o conhecimento da razão, e pelo uso racional dos conceitos ela chega aos objetos da experiência. Mais ainda, para atingir tal pretensão ela entende que os princípios do conhecimento puro da razão respondem pela origem dele e seus conceitos a priori dão conta dos meios desse conhecimento. Seu fim último era o supra-sensível, para o que ela se dividia em methaphysica generalis (o estudo do ens in communi) e metaphysica specialis (cujo estudo estava direcionado a três temas: Deus, a totalidade do mundo e a imortalidade da alma). Desta forma, a metafísica é apresentada como a ciência que contém os

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primeiros princípios do conhecimento humano; mas toda e qualquer experiência possível, por não poder ser fim último, não constituía objeto dessa ciência, não tinha valor.

Como os princípios dessa metafísica tinham origem apenas a priori, sem conexão com o mundo sensível, apenas com o suprasensível, eles não podiam ser confirmados ou refutados por nenhuma experiência possível, embora se procurasse assegurar o mundo empírico com base em tais princípios como se não houvesse necessidade ou mesmo não existisse uma separação entre ambos os mundos. Isso inviabilizava qualquer pretensão ou interesse na constituição de uma ciência dos princípios da experiência possível.

Para Kant, a natureza do supra-sensível não seria descoberta com o tratamento dos grandes temas da metaphysica specialis; essa natureza estava destinada a ser oculta porque nenhuma especulação teórica poderia atingir esse propósito. Ao homem, ser sensível, não é impossível elaborar uma ciência do inteligível, dos noumênos.

Deveras, a apreensão dos limites das fontes do conhecimento empírico não impede Kant de supor o conhecimento puro. Na sua análise crítica da razão “pura”, ele busca mostrar os limites da razão e, simultaneamente, engrandecer uma espécie de conhecimento puro que está na base de todo conhecimento empírico, isto é, todo aquele conhecimento que chega até nós por meio do sentido puro a priori e das categorias do entendimento.

Ao refletir sobre a faculdade de conhecer a priori, Kant estrutura a sua doutrina sobre idealismo transcendental. Ele também estava preocupado em fundamentar os juízos sintéticos a priori, também se propôs mostrar a realidade de princípios puros a priori no nosso conhecimento, o qual é pressuposto da própria possibilidade de experiência.

Com efeito, a temporalidade <Zeitlichkeit> é um traço que todas as coisas devem ter para poderem ser consideradas como experiência. Segundo Kant, não podemos conhecer objeto algum se nos confrontarmos com uma realidade à qual não se aplique os conceitos temporais. O que se quer dizer é que não podemos conhecer a realidade atemporal, como, por exemplo, as coisas em si. Não podemos afirmar a realidade absoluta objetiva (A 249). A propriedade da coisa em si não nos pode ser dada por meio de intuição sensível, nisto consiste um dos aspectos do idealismo transcendental do tempo.

Os argumentos leibnizianos são de tipo lógico – formal, trata-se da relação entre as determinações universais e as singulares. Seguem o critério da distinção lógica entre cognitio distincta y cognitio clara, Kant deixará claro que, segundo essa distinção, a própria cosa em si,

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ou é por inteiro incognoscível ou o é somente de modo confuso, sendo que para ele será incognoscível.

É justamente este um dos aspectos que Kant criticará no dogmatismo. Embora, Kant conserve a terminologia da distinção sensível e inteligível de Leibniz, para este essa distinção explica epistemologicamente com base no critério da clareza ou confusão (obscuro) do conhecimento, e metafisicamente refere-se a dois tipos de seres; já para Kant essa distinção trata-se em termos epistemológicos de duas funções radicalmente opostas de nosso <Gemüt> (ânimo), a saber, a receptividade e a espontaneidade que cristalizam um mesmo referente: o objeto de experiência possível, isto é, para Kant a coisa em si e objeto são a mesma “coisa”, em outras palavras, numa analogia, trata-se dos dois lados de uma mesma moeda (KANT, 1987, p. XL-XLIII).

A distinção entre sensível e inteligível para Kant é transcendental. O sensível surge a partir de uma afecção, portanto, a diferença é segundo a origem e em relação ao conteúdo, porém não contem nada da constituição dos objetos em si mesmos (inteligível), apenas que estes afetam de algum modo o sujeito (KANT, 1987, p. XLIII) graças á faculdade receptiva inerente ao próprio sujeito.

Em suma, para a corrente Leibniz-Woffianos, podemos conhecer fenômenos no âmbito sensível, mas há também um conhecimento racional das coisas em si (isto Kant refutará), já que a razão tem um conteúdo alcançável com a independência do dado da intuição.

Em contraposição as categorias do entendimento, segundo Kant, não possuem conteúdo algum, este é fornecido pela sensibilidade graças às intuições puras do tempo e do espaço. As categorias não são conceitos abstratos - representações com notas universais e comuns como sugere Eberhard ao alegar que o argumento leibniziano sobre o conhecimento da coisa em si estar presente na <KrV>, nas categorias- mas possuem função de unificação do diverso dado pela sensibilidade usada em abstrato: fazendo abstrações de seus possíveis conteúdos.

Os Leibniz-wolffianos (herança de Descartes) afirmam o método dedutivo, método matemático, como o modelo do saber. Isso implica, resumidamente, que as ciências que têm seres existentes como objetos (a física, a metafísica que trata de Deus, da alma, dos seres) dizem respeito há um método dedutivo a priori, sendo a partir do exame da essência (partem da definição) que se pode tratar da existência (inclusive para tratar da existência de seres metafísicos) - reduz um “objeto” qualquer a elementos idênticos, simples; exemplificam um

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conteúdo. O efeito está contido na causa. O racionalismo dogmático, dessa corrente, pretende atingir verdades absolutas e constituir uma metafísica a priori: das noções a priori do espírito ou das ideias inatas. Kant irá opor- se a Leibniz, em especial nesses aspectos, com base em algumas das concepções Newtonianas (filiados ao ensino de Francis Bacon (1561-1626).

Os empiristas afirmam que o método a priori, matemático, não poderia tornar-se inteligível à ordem dos existentes; assim, se a matemática e as ciências dos existentes são irredutíveis; se não se pode deduzir a existência da essência, o real do possível, então, o status da metafísica dos princípios racionais deve ser repensado. O método experimental implica partir de um dado, um fato concebido como irredutível e retomar até as condições, os “princípios” que provisória e relativamente o justificam, ou seja, remonta-se de um efeito até a causa que o torna possível, mas o efeito não está analiticamente contido na causa.

Kant adota um resultado fundamental da teoria de Hume em oposição a dogmatismo, a saber, que não se pode compreender como algo pode ser uma causa ou conter uma força por meio da razão, isto é, por meio de conceitos fundamentados nos princípios de identidade e de não-contradição. Por meio da via da simples análise dos conceitos baseado no princípio de identidade e da não-contradição não é possível descobrir nenhum conhecimento, por mais simples que seja, a respeito do fundamento real de qualquer coisa, tal conhecimento só é possível quando deriva da experiência. (CASSIRER, p.113/114).

No entanto, Kant e Hume em suas doutrinas foram empenhados por interesses teóricos e éticos completamente distintos. O ceticismo de Hume é, na realidade, a expressão completa e adequada de toda sua mentalidade. É o prazer da dúvida pela dívida mesmo o que o domina por completo, o prazer de ver como sua poderosa inteligência analítica se exercita sem tropeçar em limite algum (CASSIRER, p. 114).

Contudo, Kant é sempre cético em relação a toda teologia e religião dogmática que se apresenta como fundamentação da moral. Mas, se difere completamente do ceticismo principalmente no que diz respeito ao conceito kantiano de experiência, pois esse possui um conteúdo positivo que nenhum cético pode atingir, pois, para Kant, todo autêntico saber empírico contém a aplicação das matemáticas. (CASSIRER p. 114)

Para Hume a experiência se reduz ao simples jogo das ideias mantidas em conexão pelas regras subjetivas da imaginação e pelo mecanismo psicológico da associação. Para Hume a nossa imaginação se limita a mera associação de ideias (KANT, 1987, p. CXII-CXIII). Em Kant temos

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o oposto, a experiência que deve aprofundar todo o nosso conhecimento dos fundamentos reais é o método da indução física, desenvolvida por Newton com ajuda de uma metodologia muito concreta de experimentação e mediante ao emprego constante da análise e dos cálculos matemáticos.

Podemos perceber que ao mesmo tempo em que Kant se sente estimulado por Hume na luta contra a metafísica e contra tudo o que seja transcendente, seu pensamento toma novos rumos e independência do pensamento humeano, pois quanto maior é a pureza com que aspira no sucessivo a manter-se exclusivamente dentro “do campo fecundo da experiência”, mais claramente se dá conta ao mesmo temo de que esta profundidade da experiência se baseia, num fator que não em seu fundamento na experiência sensível como real, se não no conceito matemático. (CASSIRER p.115). Desta forma, o que Kant está propondo é um novo tipo de pensamento.

O empirismo cético crítica a noção de causalidade, a razão é incapaz de pensar a priori; (e por meio de conceitos) uma relação necessária tal como é a conexão entre causa e efeito; somente a experiência pode engendrar a noção de causa, assim a razão não possui a faculdade de pensar as relações causais e em geral, todas as suas pretensas noções a priori são experiências comuns falsamente rotuladas, desta forma, não há e não pode haver qualquer espécie de metafísica. Para Hume a relação de causa e efeito é uma necessidade subjetiva, constituindo, assim, apenas um mero hábito o ato de ligar entre si representações; já para Kant tal causa contem em si um conceito de uma ligação necessária com o efeito e uma regra rigorosamente universal (B 5).

A novidade, na Crítica, em relação à tradição filosófica é a demonstração nela contida de que todo conhecimento se inicia com a experiência, embora isso não prove que todo ele derive da experiência. Eis aqui uma crítica a Locke e a Hume, embora em relação a Hume, Kant admita que mediante sua leitura tenha despertado do sono dogmático, irá se opor a ele ao refletir sobre a relação causa e efeito.

O criticismo incomoda os céticos devido à exigência da necessidade e validade universal dos princípios, próprios do conhecimento científico.

Kant inicia a <KrV> aceitando a validade da tese empírica sobre o conhecimento, entretanto, argumentará que este conhecimento é elaborado internamente, isto é, temos em Kant a fundamentação do conhecimento a partir das formas de representação próprias da mente humana, em outras palavras, o conhecimento se regula pelas formas de representação próprias de nossa

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cognição. Esse processo em que os objetos se regulam pelo nosso conhecimento ficou conhecido como revolução copernicana, em oposição à metafísica tradicional que dizia que o nosso conhecimento devia regular-se pelos objetos (B XVI).

A tarefa desta crítica da razão especulativa consiste nesse ensaio de alterar o método que a metafísica até agora seguiu, operando, assim, nela uma revolução completa, segundo o exemplo dos geômetras e dos físicos (BXXII).

Na filosofia transcendental, o tempo <Zeit>>, tal como o espaço <Raum>, são originariamente inerentes ao sujeito, a cujo modo de intuir eles estão submetidos. Toda a primeira Crítica repousa sobre esse dado irrefutável, de que a origem da sensibilidade não pode ser deduzida a priori de conceitos, mas para que os fenômenos possam existir é necessário que o fundamento a priori da sensibilidade seja uma intuição.

Esse dado irrefutável deve-se, de certo modo, à presença de Hume em Kant, com as questões de fato e a relação entre eles existente em oposição à metafísica da representação do ser por uma via dogmática, presente em Wolff.

Em Hume temos, pela via empirista de interpretação, a relação de idéias implicando em conceitos a priori, já em Wolff a existência era simples complemento, era deduzida a priori de conceitos. Kant fará uma ponte; para ele de fato há algo dado a priori pela sensibilidade (a intuição de espaço e de tempo) que, concomitantemente, trata-se de uma espécie de aparelho que permite captar essas formas da sensibilidade, sustentando uma síntese entre intuição sensível e conceito.

A teoria, segundo a qual toda a nossa sensibilidade seria apenas a confusa representação das coisas, contendo simplesmente o que elas são em si mesmas, embora numa acumulação de características e representações parciais, que não discriminamos conscientemente, representa um falseamento dos conceitos de sensibilidade e de fenômeno. (B 79).

Entretanto, Kant supera a doutrina das aparências do empirismo humeneano ao situar no sujeito a fonte das necessidades dedutivas, bem como as estruturas de espaço, tempo, causalidade, etc. que constituem a objetividade tornando a experiência possível. O conhecimento elaborado é necessário e universal para Kant ao contrário de Hume que defendia que as representações eram por imagem e contingentes.

A outra linha de interpretação acerca da natureza e origens do nosso conhecimento, representada por Leibniz e Wolff, aos olhos de Kant errava ao considerar a distinção entre sensível e intelectual apenas como uma distinção puramente lógica. Para Kant, essa diferença é

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puramente transcendental e não se refere unicamente à sua forma clara ou obscura, mas à origem e conteúdo desses conhecimentos. A sensibilidade não nos dá nem obscura e nem claramente o conhecimento da coisa em si, porque o que conhecemos, que só pode ser via sensibilidade (intuição sensível,ou seja, por meio do tempo), é o fenômeno. Essa interpretação de Kant nos propicia uma hipótese certa e indubitável, como as proposições apodíticas geométricas.

Todas as explicações da geométria anteriores a Kant não são capazes de tratar a geometria como conhecimento sintético a priori. Segundo Kant, a geometria como conhecimento sintético a priori só é possível porque é fundamentada a partir da explicação de que há no ânimo uma intuição que precede todos os objetos e que permite determinar a priori seus conceitos, sendo que essa intuição se situa no sujeito e não no objeto, como os antecessores de Kant pretendiam explicar com a geometria.

O conhecimento humano é um tecido muito mesclado constituído por diversos conceitos, sendo alguns destes conceitos destinados a um uso puro a priori. Kant se propõem demonstrar como estes conceitos puros a priori podem (reportar-se) referir-se a objetos que não são extraídos de nenhuma experiência, isto é, o que ele, chama de dedução transcendental, a explicação do modo pelo qual esses conceitos podem referir-se a priori a estes objetos. (B 117-A 85).

Os conceitos de espaço e de tempo (formas de sensibilidade) são de espécie diferente das categorias (conceitos do entendimento), no entanto, estes dois tipos de conceitos coincidem numa coisa, a saber, na referência totalmente a priori aos objetos. Kant justifica que a dedução dos conceitos de tempo (os conceitos de espaço e as categoria também) sempre terá que ser uma dedução transcendental, pois a dedução empírica não é suficiente, devido a características próprias de sua natureza que consiste exatamente em se referir aos seus objetos sem que, para a sua representação, fossem buscar algo à experiência. (B 118-A86).

A experiência não nos fornece o princípio da possibilidade do conceito de tempo, nem o princípio da possibilidade do conhecimento e de nenhum dos conceitos a que nos referimos acima, ela apenas pode nos fornecer as causas ocasionais da sua produção. (B 119-A 87).

Explica Kant, as impressões dos sentidos são os primeiros passos para o desenvolvimento da faculdade de conhecimento e para constituir a experiência. A experiência é formada por dois elementos heterogêneos: a matéria para o conhecimento fornecida pelos sentidos e uma certa

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forma para a ordenar, proveniente da fonte interna da intuição e do pensamentos puros, os quais por ocasião da primeira, a matéria, entram em exercício e produzem conceitos. (B 119-A 87).

Espaço e tempo são as condições necessárias da existência de todas as coisas. Desta forma, se o tempo não subsistisse quando as coisas desaparecessem, ou seja, quando fizéssemos uma abstração, então o tempo seria um não-ser, ao qual nossa existência estaria condicionada, e consequentemente seriamos como o tempo, pura aparência, forma da coisa em si (inacessível a nós), o que seria um absurdo para Kant, pois o espaço e o tempo são necessidades a priori para a existência de todos os fenômenos possíveis.

Para Kant, quando os filósofos anteriores a ele, como o que propôs Wolff, aplicaram à categoria de substância a coisa em si, ou seja, para além do fenômeno, cometeram um abuso, um paralogismo, pois a coisa em si não é objeto de intuição e a categoria de substância só vale para a experiência interna que obedece à forma a priori do tempo. O que não havia até aquele momento, era uma distinção entre as duas espécies de objetos, pois confundiam a aparência com os próprios objetos exteriores, como algo real. O que há, de fato, é a aparência (o fenômeno), ou melhor, há ai realidade.

Destarte, enquanto representação da própria estrutura cognitiva do sujeito, a forma da intuição dos objetos está no homem anterior à experiência, e não nos objetos percebidos por ele. Percebemos os objetos apenas devido a esta forma da intuição, que são as únicas formas a priori da sensibilidade, pois os outros conceitos da sensibilidade supõem algo de empírico; as formas puras da intuição constituem a condição para que os fenômenos aconteçam, por isso, são reais e necessárias.

Kant em oposição à afirmação de Hume de que não há e não pode haver qualquer espécie de metafísica dirá que é em vão querer manter a indiferença ou desvalorizar o gênero de pesquisas metafísicas cujo objeto:os problemas da existência de Deus, da imortalidade da alma, da liberdade, do homem no mundo) não pode ser indiferente à natureza humana, pois a razão é importunada por questões das quais ela não pode esquivar-se.

A linha de interpretação acerca da natureza e origens do nosso conhecimento, representada por Leibniz e Wolff, aos olhos de Kant errava ao considerar a distinção entre sensível e intelectual como uma distinção apenas lógica. Para Kant, essa diferença é puramente transcendental e não se refere unicamente a sua forma clara ou obscura, mas à origem e conteúdo desses conhecimentos. A sensibilidade não nos dá nem obscura e nem claramente o

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conhecimento da coisa em si, porque o que conhecemos, que só pode ser via sensibilidade (intuição sensível), é o fenômeno.

Em Hume temos, desde a perspectiva empirista de interpretação, a relação de ideias implicando em conceitos a priori, já em Wolff a existência é simples complemento, é deduzida a priori de conceitos. Kant estabelecerá uma ponte. Para ele de fato há algo dado a priori pela sensibilidade (a intuição de espaço e de tempo) que, concomitantemente, permite sustentar o processo cognitivo que se inicia com a afecção empírica e termina com o conceito.

O racionalismo (racionalismo crítico) kantiano mantém igual distância do dogmatismo e do ceticismo: não é dogmático, porque recusa à razão humana o poder de conhecer um mundo inteligível, feito de realidades transcendentes (isto é, o poder de atingir o absoluto); não é cético, porque admite que o espírito humano é capaz d chegar a verdades universais e necessárias.

A linha de interpretação acerca da natureza e origens do nosso conhecimento, representada por Leibniz e Wolff, aos olhos de Kant errava ao considerar a distinção entre sensível e intelectual como uma distinção apenas lógica. Para Kant, essa diferença é puramente transcendental e não se refere unicamente a sua forma clara ou obscura, mas à origem e conteúdo desses conhecimentos. A sensibilidade não nos dá nem obscura e nem claramente o conhecimento da coisa em si, porque o que conhecemos, que só pode ser via sensibilidade (intuição sensível), é o fenômeno. Em Hume temos, desde a perspectiva empirista de interpretação, a relação de ideias implicando em conceitos a priori, já em Wolff a existência é simples complemento, é deduzida a priori de conceitos. Kant estabelecerá uma ponte. Para ele de fato há algo dado a priori pela sensibilidade (a intuição de espaço e de tempo) que, concomitantemente, permite sustentar o processo cognitivo que se inicia com a afecção empírica e termina com o conceito.

Referências

CASSIRER, Ernest. Kant, vida y doctrina. Traducción al español: Wenceslao Roces. Ed. Fondo de Cultura Económica. México, 1968.

CAYAGILL, Howard. Dicionário de Kant. Ed. Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 2000.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Manoela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. 4ª ed. Editora Calouste Gulbenkian, Lisboa: 1997.

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