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O PAPEL DO CONHECIMENTO E DA INFORMAÇÃO NAS FORMAÇÕES POLÍTICAS OCIDENTAIS

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INFORMAÇÃO NAS

FORMAÇÕES POLÍTICAS

OCIDENTAIS*

Maria Nélida González de Gomez Escola de Comunicação

Universidade Federal do Rio de Janeiro 22290 Rio de Janeiro, RJ

RESUMO

Na história das sociedades ocidentais, a cada formação política correspondeu um modo de definição dos espaços coletivos de trocas de conhecimento e informação, que seria expressão de um "nós" resultante das interações e conflitos dos agentes envolvidos. A eficácia da informação como fator de transformações dependerá hoje não só de sua distribuição no espaço social, mas também de quais sejam os agentes coletivos possuidores do conhecimento e das tecnologias de informação.

1 - I N T R O D U Ç Ã O

Na segunda metade desse século, o surgimento de teorias e tecnologias de informação indicavam uma redefinição do espaço sócio-cultural da transferência de conhecimentos e da comunicação organizada.

Conceitos como "explosão da informação", "crise da documentação", "mudança de escala" na produção de conhecimento-informação, antecipavam alguns traços do que, em seu conjunto, seria depois chamada "Informatização da Sociedade", "Revolução Cibernética", "Revolução da Comunicação".

A informação aparece nesse contexto, ora como fator causal de uma crise, ora c o m o fator de m u d a n ç a , de poder econômico e de realização cultural. C o m efeito, para Baudrillard1

, ela é fator de implosão dos agregados sociais da modernidade, espécie de reversão do "cimento" ideológico; para G r o s s m a n , a informação seria, pelo contrário, o principal fator de produção, seguido pela energia e o c a p i t a l .2

Tratar-se-ia, em ambos os casos, de uma crise ou transformação que não provém da redução dos conhecimentos, mas de sua expansão e crescimento.

Admitindo, aliás, que o conhecimento ganha um novo papel na sociedade contemporânea (associado às novas tecnologias de comunicação e informação), para uns, e s s a mudança seria um indicador da transição do

Este artigo é a primeira parte de um trabalho maior. Na segunda parte, ocupar-nos-emos com mais atenção do papel do conhecimento e da informação nas sociedades

contemporâneas e do Terceiro Mundo.

"reino da necessidade" ao reino da liberdade, que Ellul3 denomina a progressiva "desproletarização" da sociedade pós-industrial. Para outros, a geração e distribuição do conhecimento seriam regidas ainda pela lógica de acumulação do capital e da divisão social do trabalho, gerando uma maior centralização e um crescente monopólio.4

Por outro lado, considerado o estado da questão nos países de Industrialização avançada, qual seria o aprendizado resultante dessas reflexões para os que se situam nos países do Terceiro Mundo, onde os processos internos são fortemente dependentes do sistema mundial?

Afirmar, por exemplo, que a informação é fator de mudança, implicaria dar resposta à pergunta pela a u t o n o m i a de uma ação de informação: primeiro, se a informação é capaz de intervir em qualquer contexto da ação social e modificá-lo, e s e g u n d o se, ao mesmo tempo, o contexto de informação muda em função de regulações internas, sem intervenção de outros fatores.

De fato, se a sociedaae informatizada é uma projeção para o futuro, s e m "referente" atuais, poderia afirmar-se, porém, que em muitas atividades (na indústria, no comércio, no exercício da maioria das atividades profissionais, etc.) funções secundárias de informação transformam-se em funções primárias. D e s s e modo, as funções de informação interferem com maior peso entre a realização de uma tarefa e a obtenção de seus objetivos.

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O papel do conhecimento e da informação nas formações politicas ocidentais Maria Néllda Gonzalez de Gomez

produtos de informação, não são iniciadores auto-suficientes de mudança social.

Cada formação política, em sua situação histórica, teria um mapa próprio de espaços de produção cognitiva e comunicacional, desenhado pelas posições relativas dos agentes coletivos que o definem e o disputam com suas estratégias de poder, e conforme a natureza e o grau de apropriação, por e s s e s agentes, das disponibilidades materiais, técnicas e informacionais desse espaço.*

Assim, a formação de um "nós", num processo de agregação social resultante de fins, interesses e atributos comuns, pareceria ser a condição da construção de um espaço social comunicativo, da geração de orientações semióticas e esquemas de ação, e de sua transferência a situações de uso ou aplicação.

O estudo das formações políticas de ocidente, em algum de seus momentos exemplares, pretende mapear e s s a s relações entre um agente coletivo em processo de formação e de expansão, e a construção ou refuncionalização de redes

cognitivas-comunicacionais. Ao mesmo tempo, procura-se estabelecer o modelo do saber e do comunicar que orienta à geração e transferência de conhecimento/informação.

Numa aproximação histórica, dedicamos as duas primeiras partes do texto à polis grega e à sociedade moderna mercantil-industrial.

Em cada caso, procuramos mapear alguns indicadores das relações do conhecimento e a comunicação com a ação sócio-política e com as formas dominantes de atividades produtiva.

Situamos, finalmente, na sociedade contemporânea, um momento em que a transferência de conhecimentos e seus produtos são convertidos em o b j e t o de um conhecimento de segundo grau.

O saber sobre a informação (saber que constrói a informação como objeto e as tecnologias de

informação como esquemas de ação-processamento desse objeto) constituir-se-ia nesse plano dos saberes d e 29

grau:

conhecer como é conhecer conhecer como é comunicar conhecer como é informar.

"Cada vez mais me parece que a formação dos discursos e a genealogia do saber devem ser analisados a partir não dos tipos de consciência, das modalidades da percepção ou das formas de ideologia, mas das táticas e estratégias do poder."

FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, GRAAL,

1981, p. 164.

Neste ponto, esperamos, sem pretender intentar já uma resposta, que tenha mais visibilidade e fique melhor demarcada a pergunta do ponto de partida.

Qual é o sentido dessa extensão do saber e do poder sobre os processos de semiose e os objetos informacionais? Qual é o sentido do poder que se reveste da figura de um saber sobre o saber?

Trata-se da tomada de consciência que acompanha uma crise ou transitamos o território imprevisível das grandes mudanças?

2 - C O N H E C I M E N T O , C O M U N I C A Ç Ã O E A Ç Ã O NA POLIS G R E G A

E na Grécia antiga que encontramos uma experiência diferenciadora do público e do privado.** Público é o próprio da polis, o que é c o m u m (koine) a todos os cidadãos, a diferença do privado enquanto individual (Idion) e enquanto doméstico (próprio da casa, oikos, e esfera das relações econômicas).

A vida política (a vida de quem é membro de u m a polis) acontece em todos os contextos e ocasiões onde se discute e se decide sobre as coisas de interesse comum: a guerra e a paz, o uso dos fundos públicos, a construção ou destinação dos registros e patrimônios do custo e da memória coletiva. O que constitui a publicidade, porém, não é especificamente o lugar onde acontece, do mercado ("agora") à assembléia (ecclessia), mas o próprio acontecer do coletivo, e resultada da co-presença dos cidadãos e seu agir comunicativo.

A polis "jurídica" ateniense,*** a partir de Solon, sustentava a legitimidade institucional no princípio da

* Alguns autores, como Umberto Cerrone, consideravam as categorias público-privado como modernas e inadequadas para o estudo da civilização grega, onde não se coloca o problema da individualidade e não existe diferenciação entre Estado e Sociedade Civil: "... o Estado ateniense eram "os

atenienses"." (p. 190) cf. Umberto Cerrone, Marx y el derecho

moderno, Bs As, Alvares, 1964.

De fato, a naturalidade da comunidade expressar-se-ia num critério natural de inclusão na comunidade (por nascimento). Por todas as razões indicadas, não são equivalentes a definição de esfera pública, de seus agentes e suas ações, na experiência grega e na modernidade. Seguiria sendo válido,

porém, que na polis temos um antecedente da formação

desses conceitos (público-privado), na medida em que ela surge em confronto com as agregações constituídas em base

no parentesco. Cf. a r e s p e t o H a n n a Arendt, A Condição

Humana, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1983 (p. 33 e

ss.) e Jürgen Habermas Mudança estrutural da esfera pública,

Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.

** Cf. Glotz, Gustave. A cidade grega RJ/SP, Difel, 1980; Kitto,

H.D.F. Os gregos. Coimbra, Armenio Amado, 1980.

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"lei escrita", c o m o garantia de igualdade dos cidadãos diante da lei (isonomia). Para Castoriadis, e s s a isonomia seria a formulação formal e passiva do direito

p o l í t i c o . A " d e m o c r a c i a " teria também sua f o r m u l a ç ã o

ativa e substantiva. Tratava-se do direito à participação formulado para eles como isegoria (direito igual à enunciação pública das opiniões) e como parrhesia (obrigação de expor, sem abstenções, suas opiniões sobre os assuntos da polis).6

Trata-se, de fato, duma mudança da comunicação sócio-política que resulta de uma mudança nos princípios de participação no poder. Na polis aristocrática, o nascimento legitimava a posição dos agentes políticos e seus modos de agir. Na nova ordem ("demo-crática"), pretendia-se o exercício coletivo da vontade política através de instituições neutras às prerrogativas do sangue, da riqueza, e a toda outra demanda de hierarquia e privilégio.7

Qual seria a base cognitiva e a "competência comunicacional" d e s s a forma ampliada de cidadania?

Pareceria que, ao menos nos inícios, essa base cognitiva era o saber e a linguagem do cidadão c o m u m , de um não especialista, e não exigiria nem uma habilitação específica (uma techne política, conforme os sofistas) nem uma teoria política (uma episteme, segundo Platão). Castoniadis, no m e s m o trabalho a que nos referíamos anteriormente, acrescenta:

"o juiz de quem é especialista não é outro especialista, m a s o usuário. O juiz para a espada é o guerreiro, não o ferreiro. Para assuntos públicos, o melhor juiz é a polis".8

O saber necessário à ação política pertenceria ao gênero do saber prático (froneim, sophrosyne: prudência, sabedoria prudente), como saber capaz de colocar a ação particular nos quadros normativos da ação coletiva.

Nas formas mais arcaicas da cultura grega, o saber perpassa diferentes contextos e dá lugar a diferentes paradigmas, numa diversidade "poli-epistemológica". A partir da época clássica, porém, os saberes seriam ordenados em hierarquias e organizados em estruturas tipo "árvore", pela escolha de um saber dominante e, ainda assim, sem as demarcações prescriptivas e excluentes da modernidade.

Para Aristóteles, por exemplo, o filo-mito (quem procura o verdadeiro pelo saber narrativo, tradicional) é companheiro de caminho do filo-sofo (quem procura o verdadeiro pela reflexão racional).*

BROÉCKER, W. Aristóteles. Santiago de Chile, Universidade

de Chile, 1963, "pois os mitos narram assombros despertadores, e quem quer deixar seu assombro desperto está a caminho da Filosofia", p. 2 0 - 1 .

Segundo o m e s m o Aristóteles, se o perguntar pelo " m a i s " do saber indica a presença de um critério de hierarquia, a majoração do s a b e r9

é totalmente d i v e r s a do q u e é o crescimento d o conhecimento para a modernidade. Não se trata nem do crescimento quantitativo dos produtos do conhecer nem uma expansão da razão instrumental sobre novas esferas de objetos (crescimento do conhecido).

O mais do saber provém da dignidade de seu objeto (o q u e propriamente é a diferença do que "parece ser", das "aparências") e, por isso, admite mais de uma forma ou procedimento de realização.

O m e s m o Aristóteles oferece-nos um mapeamento d e s s e s saberes substantivos, agrupados por seus fins e seus objetos.**

O saber teórico reúne os saberes que têm um fim em si m e s m o s e não obtêm seu valor ou de seus produtos ou de seus efeitos. Neste plano, teríamos a ciência (episteme), saber constatador, demonstrativo, que pode ser "transferido", ensinado ou aprendido. Inclui a Física e a Matemática. Pertence também a este plano a sabedoria (sofia) e seria para as ciências "o que a c a b e ç a é para o tronco"; seria o saber dos "primeiros princípios".

O saber prático (fronein) tem como objeto a ação e nasce também da razão. Tratar-se-ia de uma indagação das regras da ação humana, enquanto a ação tem um fim em si m e sm a, c o m o realização de um bem. Pertenceriam ao saber prático: a Política, a Ética, a Economia (ou Ciência Doméstica). Seria " u m compreende-se sobre c o m o deve obrar-se para viver de maneira reta enquanto homem".1 0

O saber produtivo é um saber fazer, um saber instrumental, cuja realização não se completa na própria ação, m a s em sua obra (ergon). E a esfera das technai, que elaboram suas alternativas de produção entre a natureza e o acaso (tuxé), explorando assim um domínio de possibilidades s e m garantia sobre os resultados. Ligadas a um "fogos alethes" (razão desocultadora do verdadeiro) seu território vai além da ananke (necessidade). Em Aristóteles esse lado

criativo das technai (não a partir do nada, mas além dos materiais e estruturas espontâneas do mundo natural) alcança sua expressão máxima, de modo que techne é também poiesis (criação).1 1

E s s e olhar ("desprejuizado", poderíamos dizer, conforme G u i n z b u r g1 2 )

, que não exclui do domínio dos

** Consultamos, com respeito às três formas do saber

aristotélicas: Aristóteles, Ética a Nicomaco. Poética. Seleção

de textos. São Paulo, Nova Cultural, 1987; W . D . Rose,

Aristóteles. Bs As, Sudamericana, 1957; Broëcker, W. Op. cit,

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O papel do conhecimento e da informação nas formações políticas ocidentais Maria Nélida Gonzalez de Gomez

objetos possíveis do saber nem o particular, nem o corpo, nem a polis, nem a linguagem, nem o útil, nem o teórico seria uma dimensão fundamental da

experiência grega, em parte dissimulada e encoberta pelo olhar metafísico-teológico da filosofia platônica.

Para Guinzburg, nessa "experimentação" sem exclusões radicais, os gregos não exploram só os paradigmas orquestrados pelo logos. Junto a estes, desenvolvia-se o paradigma da métis; saber por indícios, por sintomas, por conjeturas, um saber que se desdobra nas esferas onde o real não se encontra como "exposto", não tem transparência nem

univocidade, se desdobra em facetas imprevisíveis. Os sujeitos deste saber são aqueles que operam nos domínios esquivos às regularidades, às repetições reiteradas: são os médicos e as mulheres, os políticos e os caçadores, os historiadores e os artesãos. Para a medicina hipocrática,

"... só observando atentamente e registrando com extrema minúcia todos os sintomas ... é possível elaborar "histórias" precisas das diversas doenças: a doença, nela mesma, é inalcançável"1 3

.

Le M o i g n e1 4

chama a esse lado do saber contemplado pelos gregos como pertencente ao domínio do métis, saber processual à diferença dos saberes positivos (ciência/epísfeme).

No decurso da história da polis, alterar-se-iam, porém, estes parâmetros da experiência grega.

A "transparência" da democracia ateniense coexistia com a exclusão de amplos segmentos da população da esfera da racionalidade comunicativa da polis. Eram excluídas crianças e mulheres, os pertencentes a etnias não gregas, os escravos, os dissidentes

{banidos pelo "ostracismo"). Seja a partir dos conflitos resultantes dessas assimetrias, seja pelas novas configurações da política externa, a polis grega entraria num processo de crises que têm como uma de suas facetas a crise de legitimação de seu quadro institucional.

A esfera pública da polis, com efeito, introduziria no ocidente formas de exercício do poder político que, dentro das restrições da cidadania, implicavam uma ruptura com formas coercitivas ou autocráticas expressas por Estados tirânicos ou autoritários. Na medida, porém, que não ficaram esgotados ao mesmo tempo, nem os conflitos de interesses nem as exclusões, a nova experiência política teria como uma de suas conseqüências a transformação dos procedimentos e instrumentos de sometimento e violência - e não sua eliminação. A esfera pública, como lugar de manifestação formativa de uma vontade e de um discurso coletivo, será também o lugar da

manipulação simbólica do discurso e do controle pela persuasão.

A esfera pública, construção política para a

ampliação da base social do poder, transformava-se no espaço social do reior, o "discurso competente", sem compromisso nem com a verdade nem com um princípio ético de legitimação.*

Junto ao direito à participação substantiva e responsável na enunciação de um discurso coletivo, pertence a experiência grega a comunicação como

agon, como confronto entre parceiros de uma competição, e também o saber sobre a função comunicativa da linguagem como retórica, a arte da argumentação e da persuasão. Os sofistas são os que

ensinam as técnicas do discurso (retor) eficaz e persuasivo.

A retórica, como saber técnico acerca do retor, é um saber meta-comunicacional e meta-cognltivo, que teria como domínio, para a construção de seu objeto, o "espaço" comunicativo-informacional da polis, e como finalidade, o controle do socius pelo controle do discurso coletivo, ou, poderíamos dizer, pelo controle de seu ambiente informacional.

E se concordamos em que a crítica platônica aos sofistas é, entre outras coisas, uma reflexão sobre a crise da polis ateniense em sua fase de decadência, poderíamos sustentar que uma primeira manifestação de um saber acerca do discurso enquanto coletivo tanto surge "junto com"' quanto carrega em seu bojo uma crise das formas legitimadas e consensuais de construção coletiva do ser social.

Através dos textos platónicos dedicados à crítica dos sofistas, podemos observar alguns desdobramentos das implicações mútuas entre a crise de legitimação e a visibilidade do plano meta-cognitlvo e

meta-comunicacional**.

Muniz Sodré. O Mercado dos Bens Culturais. In: Sergio Miceli

(org.) Estado e Cultura no Brasil. RJ/SP: DIFEI, 1984. "Tudo

isto evoca a Grécia do início do século V a . C , quando as

decisões de poder transferem-se da oligarquia para os demoi,

onde deveria tomar-se soberana, através do discurso e do voto, a palavra pública. É aí que surge a necessidade de uma técnica para melhor controlar essa palavra e conduzir os cidadãos de acordo com os interesses do Poder controlador da

Cidade-Estado (Polis). A ela se deu o nome de retórica - uma

técnica política de linguagem", p. 142.

" Cf. PLATÃO. Diálogos. São Paulo, Abril Cultural, 1979. Inclui: O banquete. Fédon, Sofista, Político. Consultamos também

CORNFORD, Francis M. Plato's theory of knowledge. Ny,

Boblcs, Merrill, 1957.

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ativo da vontade e desvinculado dos artifícios da racionalidade erudita.*

No decurso da modernidade, os conflitos entre propostas e interesses divergentes terão como contrapartida diferentes propostas sobre a distribuição e utilização dos aparelhos coletivos e privados de informação. Quando os novos centros de poder dispõem já do domínio de canais e aparelhos coletivos e privados de circulação de informação (jornais, sistema de ensino, correio), os elementos excluídos da classe trabalhadora procuravam refuncionalizar as redes de comunicação para colocá-las ao serviço de sua estratégia de agregação. C o m o exemplo, podemos lembrar os movimentos dos trabalhadores na Inglaterra (fins do século XVIII).**

Mencionamos, assim, as sociedades de correspondência, que procuravam contornar a proibição de associações nacionais de trabalhadores, apoiando-se num veículo de extensão nacional mas de controles mais fracos (o correio).

Um dos princípios destas associações era: "que o número de nossos membros seja ilimitado": uma definição sem restrições duma esfera pública democrática.

Para Guinzburg***, o controle do conhecimento e da comunicação enrijecia nos extremos: Sobre os que sobressaiam na esfera da comunicação erudita (como Galileu) e questionavam a cosmovisão dominante, e sobre os que, pertencendo aos segmentos "baixos" da pirâmide social, desrespeitavam as regras de

interdição e procuravam ir além dos limites cognitivos e comunicacionais estabelecidos. O m e s m o Guinzburg, no Queijo e os vermes, conta caso do moleiro que, além de não reproduzir o discurso oficial e pretender elaborar uma cosmovisão "independente" com os "fragmentos" culturais que lhe eram acessíveis, pretendia ser também um " p u b l i c a d o r , um participante da construção do discurso coletivo. E se os riscos epistemiolóqicos eram grandes, não foram menos os riscos pessoais: sem a "flexibilidade" que outorgaria a "visão de futuro" do intelectual (como Galileu), e com sua teimosia de moleiro, foi morto pela Inquisição depois de 15 anos de transitar pelos tribunais.

* Cf. LABROUSSE, R. Introducción a la Filosofia Política.

especialmente páginas 214-16. Bs, As, Sudamericana, 1953.

" T H O M P S O N , E.P. A formação da classe operária inglesa/1.

Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. em especial, as referências à Sociedade Londrina de Correspondência, p. 18-19.

*** Os conceitos de Guinzburg e o caso do moleiro, são tomados

de. Carlo Guinzburg, O queijo e os vermes, Rio de Janeiro,

Companhia das Letras, 1987.

O tema iluminista da publicidade da razão fica, porém, nos limites de uma Filosofia da consciência e não de uma Filosofia da Comunicação. Se o uso público da razão implicava um exercício intersubjetivo e comunicacional da racionalidade, e sua mediação social por processos e veículos semióticos, estas condições (sociais, comunicacionais) não têm peso nas teorias do conhecimento, que reduzem os agentes da ação cognitiva a um sujeito universal virtual ou a um sujeito psicológico individual, abstraído de todo contexto histórico e inter-racional.

Por outro lado, se a confiança iluminista no uso público da razão como suporte do Estado esclarecido sofre oscilações - tais como as demandas de uma sociabilidade espontânea, não mediada pela ação intencional comunicativa (um "instinto social", segundo Russell), o papel do conhecimento, pelo contrário, ficará consolidado no decurso da modernidade, através das relações sólidas entre a ciência, a tecnologia e o aparelho produtivo).****

A sociedade industrial capitalista realizará, de fato, uma síntese eficaz entre o desenvolvimento do sistema produtivo e o desenvolvimento do conhecimento humano sistemático.22. Essa capacidade de

"absorção" de conhecimentos prévios e de expansão da base cognitiva e tecnológica da sociedade, estaria relacionada c o m o próprio processo de produção e reprodução do capital, no quadro das sociedades industriais. Seria justamente e s s a capacidade de associar o sistema produtivo e o sistema de

conhecimento científico-tecnológico, resultante de suas formas internas de reprodução e expansão, o que constitui a maior diferença desta Sociedade frente a outras formações econômicas e políticas. Síntese que, conforme Marcusse, não se produz nos textos ou na academia, se produz na indústria: nela, o

conhecimento científico-tecnológico torna-se força produtiva.

Sistemas e tecnologias de informação serão desenvolvidos como mediações entre sistema produtivo e sistemas de conhecimento. Belkin, nos limiares da Sociedade Pós-industrial, define ainda o Sistema de informação como toda m e d i a ç ã o entre um recurso de c o n h e c i m e n t o e um usuário.3 3

**** Com o objetivo global de aumento do lucro, procura-se a redução dos custos. Nesse contexto, a tecnologia tenderia a desenvolver-se em direção à redução do tempo de trabalho, à superação dos limites biológicos do trabalho humano e dos limites sociais (que estipulam as condições de

apropriação da mais-valia). Cf. a respeito Theotonio dos

Santos, Revolução Científico-técnica e Capitalismo

Contemporâneo. Petrópolis, Vozez, 1983

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O papel do conhecimento e da informação nas formações políticas ocidentais Maria Nélida González de Gomez

Para Platão, através dos sofistas, o conhecimento vira agoristiké, um bem de consumo, uma "mercadoria". Como os artistas, os músicos, os pintores, o sofista é um "retalhista" no mercado dos "alimentos da alma" (Psyxem poriques)15

. Por outro lado, eles ensinam as técnicas da "luta verbal", e a procurar o valor da verdade dos enunciados. As técnicas discursivas dos sofistas diferenciam-se assim da dia-lexis, onde a argumentação consiste numa busca não manipulativa da verdade. A grande acusação aos sofistas è de serem "fazedores de imagens", de aparências artificiais (fantastike)16

. A semiose não é o lugar da aletheia (desocultamento, "manifestação do que é", verdade) mas um instrumento para intervir na formação da consciência e da tomada de decisão de outras pessoas (indivíduo ou grupo).

3 - C O N H E C I M E N T O , C O M U N I C A Ç Ã O , A Ç Ã O : SUAS RELAÇÕES NA SOCIEDADE M O D E R N A

O projeto do Estado-jurídico moderno e sua idealização liberal-burguesa, pareceria ter algo em comum com a

experiência grega da polis, talvez aquilo que os caracteriza como formações politicas ocidentais. Trata-se-ia, pensamos, da produção de um espaço social comunicativo onde o jogo do poder tem a forma de um jogo institucional mediado pelo agir comunicativo e onde seriam decididas as formas legítimas e consensuais de definição do coletivo.

Não serão, porém, os mesmos os agentes desse espaço sócio-político, nem os interesses e conflitos a serem mediados nem, em suma, a definição proposta do coletivo. Se na polis o natural é a comunidade, na modernidade o natural é o indivíduo, a pessoa privada. O agente desse espaço sócio-político, que Habermas denomina "esfera pública burguesa1 7" e Gramsci "sociedade civil"*, seria assim pensado como "um coletivo de pessoas privadas""*.

Historicamente, com a expansão mercantilista e a ascensão ao poder econômico de novos segmentos da população - que constituiriam a burguesia, entrariam em decomposição progressiva os privilégios e as hierarquias dos agentes coletivos medievais (o clero, a nobreza, os grêmios artesanais) e com eles, seus espaços cognitivo-comunicacionais.

Quiçá uma das primeiras manifestações do impacto das mudanças económico-administrativas, seja a

redefinição de um segmento da comunicação

* A relação entre os dois conceitos é destacada por Bárbara

Freitag. A teoria crítica. Ontem e Hoje. SP, Brasiliense, 1986.

Cf. especificamente p. 98 e p. 170.

** Expressão usada por Habermas, na obra citada, referência

17.

organizada, não-públ/ca exercida por agentes privados de decisão comercial e financeira, e ainda numa fase pré-industrial.

A ruptura com o sistema medieval de relações econômicas (que desenvolve unidades locais e fechadas, articuladas por relações verticais) Implicaria, para a atividade econômica, novas demandas cognitivo-comunicacionais:

"... o cálculo comercial, orientado pelo mercado, precisava, de modo mais freqüente e exato, de informações sobre eventos espacialmente distanciados1 7

".

As mudanças do sistema de produção e comercialização, assim como da Administração, expressar-se-iam na institucionalização de novos circuitos de comunicação organizada (circuitos

privados de comunicação empresarial e financeira, Boletins e correios de Bolsas, e t c ) .

O agente da atividade econômica, porém, teria que consolidar-se também como agente da ação política. O espaço cognitivo-comunicacional e o espaço cultural não só deveriam permitir a formação e expressão das

novas agregações sociais, mas deveriam converter-se na esfera de generalização e legitimação de suas propostas e de seus modos de vida.

Se a publicidade do saber e a construção comunicativa da vontade coletiva formavam parte da idealização da modernidade, no plano da realização geravam-se novos espaços comunicacionais para acolher o novo agente coletivo em fase de agregação. Surgiriam, assim, os clubes cafés, as exposições e audições e, seguidamente, os partidos políticos, os sindicatos, a imprensa.

A esfera pública, ao mesmo tempo espaço de construção da hegemonia dos novos setores sociais emergentes da revolução industrial, e idealização legitimadora dessa construção, expressar-se-ia: a) como construção de uma esfera pública literária (formação de um público de leigos que assume a interpretação da obra de arte, eliminando os sujeitos

"privilegiados"de interpretação, sejam portadores da "herança cultural" ou sejam "profissionais" da crítica literária); b) como construção de uma esfera pública política (a formação de uma opinião pública, em confronto com os poderes públicos, como demanda constante de responsabilidade e representatividade).***

Consideramos nesta interpretação do espaço público ou

esfera pública, principalmente: Habermas e outros comentadores da Escola de Frankfurt.

Utilizamos também o conceito de espaço social, de Pierre

Bordieu, Choses dites, Paris, Minuit, 1987. Especialm.

"Espaces social e pouvoir symbolique", p. 147-66.

(7)

Os processos de consolidação das posições de poder dos novos agentes sociais são, porém, lentos e existem defasagens em diferentes segmentos da atividade social. Na comunicação

económico-administrativa, uma nova pragmática ficaria estabelecida desde a fase pré-industrial, mercantilista. Nas instituições especializadas de geração e transmissão dos conhecimentos, predominariam durante mais tempo as pragmáticas tradicionais da comunicação erudita, conforme as normas "escolásticas" e sob a autoridade do clero.

Ainda no século X V I I , os "novos filósofos" da revolução industrial e os defensores da "ciência empírica" não ensinavam na Universidade.* No continente (França, Alemanha), onde o poder da burguesia não tinha ainda expressão ao nível do Estado, o filósofo/cientista manter-se-ia isolado, ficando fissurada a produção cognitiva da ação e da mudança política. Descartes, dependente da proteção de uma Princesa, fala numa carta dos "teólogos, gente de Escola, que parece ter-se ligado entre si para tratar de oprimir-me com calúnias". Silenciadas pela autocensura e o temor das punições, suas doutrinas ficavam engavetadas ou circulavam por redes semiformais e não públicas (como as cartas). Na Inglaterra, o trânsito às novas formas políticas é mais rápido, e a elaboração do novo fica atrelada à participação nas lutas políticas: tais os c a s o s de Hobbes e L o c k e .

A ciência moderna, como formação sócio-cognitiva ligada aos fins e valores de uma subjetividade histórica, terá primeiro que disputar os espaços de produção do conhecimento e de comunicação, e os equipamentos técnicos e materiais neles disponíveis.

D o s dois lados do conflito, existe consciência de que o espaço comunicacional cognitivo está ampliado pelos recursos técnicos da civilização moderna. No juízo a Galileu Galilei, a acusação censura tanto os

c o n t e ú d o s ("idéias falsas") quanto os canais que potencializavam sua disseminação:

"manter correspondência c o m certos matemáticos da Alemanha..."

"...publicar certas cartas sobre as manchas solares..."

"...um livro publicado... de que tu é o autor... 1 8 "

* Cf. Raul Garcia Orza. Introdução: In: Bacon, Descartes,

Galileo et alii. Método Científico y Poder Político. El

pensamiento del siglo XVII. Bs As, Centro Editor de América Latina, 1973.

Uma discussão das relações entre a ciência e a Universidade, no século XIX, encontramos e m : B A R T H O L O , Roberto S. O território da Universidade - a contemporaneidade de Wilhem

von H u m b o l d t Rev. Brasileira de Tecnologia. Brasília, 18(1):

4 3 - 4 7 , 1987.

* Descartes, Carta a Elizabeth, 1 0 - 0 5 , 1 6 4 7 .

Se as autoridades, conforme uma pragmática escolástica, regulamentavam a participação de agentes e mensagens nos círculos da comunicação organizada ou formal, os filósofos iluministas defendem com a m e s m a ênfase o a c e s s o ao texto impresso, como condição de expansão intersubjetiva da consciência, mas também como condição para o confronto crítico de idéias, como teste de validade. C o m o registro impresso, a esfera pública expandia-se na esfera da publicação.

Para Kant, a própria realização da racionalidade em seu uso público pressupõe a esfera crítica da comunicação erudita (do público que domina as competências cognitivas e comunicacionais).

"Entendo contudo sob o nome de uso público de sua própria razão aquele que qualquer homem, enquanto sábio, faz dela diante do grande público do m u n d o letrado".1 9

O uso público da razão seria de início uma atribuição da esfera da comunicação erudita, cujos participantes s ã o os "artesãos" da reflexão e da crítica racional (os filósofos, em especial). M a s , conforme o princípio iluminista, a esfera pública realizar-se-ia pela extensão do uso público da razão:

"... cada um está convocado para ser um "publicador" que fala "através de textos ao público propriamente dito, ou seja ao mundo".2 0

É nesse uso popular e público de razão que culminaria o processo de "esclarecimento" e a democracia das competências.

Um texto de Kant aponta as novas fronteiras dessa esfera pública "letrada",

"Se todos têm direito à proteção da lei, não todos têm direito a legislar. Os que fabricam um opus (os "artífices") podem passá-lo a outro pela venda, "cambia sua propriedade com outro", igual que "um industrial": "Mas apraestatio operae não constitui venda alguma. O

doméstico, o comerciário, o diarista... São só operarii não a r t í f i c e s... e por não ser membros do Estado não devem ser qualificados como c i d a d ã o s " .2 1

A igualdade formal frente à lei, agregaram-se novas determinações da cidadania que restringiam a participação substantiva na esfera pública: a

propriedade, as competências da comunicação erudita.

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O papel do conhecimento e da informação nas formações políticas ocidentais Maria Nélida Gonzalez de Gomez

Aquela síntese eficaz era, porém, uma figura histórica, e não necessária. Mas o próprio movimento expansivo e universalizador da sociedade industrial capitalista levaria a esquecer ou apagar os traços que ligavam às modernas ciências empíricas com seus contextos de geração e aplicação.

A neutralidade e universalidade da razão científica seria usada, aliás, como legitimação desse projeto expansivo e assimilador.

Na cultura grega, como procuramos demonstrar, existiu uma consciência plural do saber, ainda que fosse no pensamento grego tardio onde se constitui o modelo logocêntrico de compreensão do homem e de suas relações com o real. É na modernidade, porém, que a Ciência de um modo de conhecer, p a s s a a ser o único conhecimento portador de legitimidade e, como tal, critério de demarcação de todo objeto de conhecimento possível. O conceito de ciência afunila, assim, o conceito de razão, sob a codificação unificadora do método.

A primeira articulação do conhecimento com a ação, são os fins e valores dos agentes que a realizam. Descartes, no Discurso do Método, apresenta a nova figura da relação meio-fim, em que o conhecimento se inclui como meio:

"... em vez da filosofia especulativa ensinada nas escolas, é possível encontrar uma prática, por meio da qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, do céu e de todos os demais corpos que nos rodeiam, tão distintamente como conhecemos os vários ofícios de nossos artesãos, poderíamos aproveitá-los do mesmo modo, em todos os usos apropriados e d e s s a sorte converter-nos em donos e possuidores da Natureza".2 4

O saber do controle da natureza é também o saber dominante entre os outros saberes. Galileu, numa carta a Kepier, contrasta, com ironia, o saber empírico, que assenta sua validade no teste (técnicas de observação e medição) frente ao saber discursivo que assenta sua validade na Autoridade e nas técnicas lógicas:

"Você riria muito se escutasse como o mais ilustre filósofo de nossa escola esforçava-se em apagar e arrancar do céu os novos planetas, a força de argumentos lógicos."2 5

Desatrelada da ordem teleológica-teocêntrica, a natureza é agora a matéria-prima dos processos de transformação e das técnicas de experimentação. De fato, a relação entre ciência e tecnologia inicia-se na própria natureza "operatória" da experimentação científica. Trata-se de uma ação construída conforme as orientações de uma modelização, cujos e s q u e m a s operatórios são "tematizáveis" (eles mesmos objeto

de conhecimento) e generalizáveis (geram um domínio de objetos de aplicação, assim como integram um domínio de operações inter-relacionadas).2 6

Esse movimento cognitivo-operatório, que consiste em trazer para a esfera de minha representação e ação a alteridade (os estados do mundo, segmentos de saberes substantivos, saberes do outro e sobre o outro, etc.) e que, ao colocar a alteridade no domínio de minha capacidade de apreensão discriminatório e manipulação, permitindo ações de transformação, seria a matriz sócio-cultural da informação como objeto social, objeto técnico e formação teórica.

A conceitualização de Ladrière explicita estas relações intrínsecas entre conhecimento, operação e

informação:

"A ciência visa a conquistar novas informações sobre a realidade, ao passo que a tecnologia visa a injetar informações nos sistemas existentes (quer se trate de sistemas naturais, quer de sistemas artificiais)".2 7

O conceito de informação, porém, só será explicitado quando e s s a expansão da esfera da representação e da racionalidade meio-fim, alcançar o próprio plano semiótico-cognitivo.

Quando os processos de semíose (como ponto onde o saber se exterioriza e a alteridade se interioriza pela mediação simbólica) são convertidos em objeto de práticas experimentais, de operações de modelização, de intervenção técnica, é que será reformulado todo o conhecimento sobre o conhecimento, sobre a linguagem, sobre a comunicação, e começaram a surgir as "novas ciências" (ciência da informação, cornmunicational research, ciências cognitivas, ciências da computação, etc.). A esse estágio do pensamento do ocidente pertence a informação.

4 - I N F O R M A Ç Ã O : C R I S E OU R E V O L U Ç Ã O ?

A publicidade do saber e a construção comunicativa da vontade coletiva foram promessas da modernidade. Historicamente, a sociedade moderna substitui a participação plena da cidadania por processos compensatórios de inclusão administrativa pelo Estado.

Nas sociedades dependentes, ainda esta expansão administrada da base social é coartada pela própria condição do Estado dependente, duplamente constrangido pelos conflitos internos de interesse e pelas pressões do sistema político e econômico mundial.

Em um e outros casos, a esfera da cultura ficaria incluída nos mecanismos econômicos e tecnológicos

(9)

da Sociedade industrial. As novas tecnologias de reprodução de mensagens (rádio, TV, fotografia, cinema) proporcionarão a base tecnológica para uma nova fase do controle do "discurso coletivo".

A indústria cultural será responsável

fundamentalmente por um tipo específico de produção, a produção da subjetividade: a programação dos comportamentos, procurando minimizar as

singularidades, as tensões do desejo e da criatividade opostos à modelização.2 8

A idealização de um espaço público como locus da construção de uma sociabilidade falada e reflexiva, se transforma no mercado de bens culturais, onde a informação circula como mercadoria simbólica.

A complexidade da mercadoria simbólica, o fato de que seu consumo é sempre mediado pela

inteligibilidade e pela interpretação (do ponto de vista do receptor) sempre deixava alguma margem para a expressão do conflito e das singularidades.

A indústria cultural, porém, explicitava u m a faceta do processo informacional (sua função "disciplinar") na medida em que, a partir de um produto semiótico exteriorizado, era possível exercer uma influência modelizadora sobre a consciência dos indivíduos e dos grupos sociais. A oposição de Benjamin entre informação (como objeto semiótico desengajado de seu contexto de origem) e a narração (o jogo simultâneo do saber, do viver e do falar, cujos parceiros partilham um tempo e um e s p a ç o s e m fissuras) teria como referente e s s e aspecto da informação. D e s d e e s s e ponto de vista, à medida em que se multiplicavam os objetos-informação, diminuíam as chances de uma formação autônoma e consciente dos agentes coletivos. C o m o tal, a informação seria indicador de uma crise de legitimação.

Após a 2- Guerra Mundial, a aplicação do conceito de informação ao campo da comunicação documentária (processamento da palavra, " b u s c a mecânica de literatura", etc.) indicavam outros objetivos e outra destinação, um novo olhar que destacaria outras facetas da informação.

A crise mencionada neste contexto é a de crescimento quantitativo dos produtos/registros do conhecimento, para o qual são procuradas soluções técnicas e administrativas (automação, " s i s t e m a s " de recuperação da informação).

A teoria da informação, procurando definir um controle probabilístico da totalidade abstrata dos eventos de semiose, pertence já a esse novo olhar da informação - ainda que fique preso também a uma face parcial do fenômeno (o sinal, o suporte energético ou material do

processo de semiose) aquela que justamente era objeto imediato de manipulação de uma Engenharia da Comunicação.

"Informação" não é só objeto de um interesse disciplinar, cuja esfera de intervenção é a consciência subjetiva, ela é objeto de um interesse prático imediato, enquanto se t o m a fator de produção, operador de ações administrativas e técnicas.

Neste conceito, a trajetória e o impacto da informação não finaliza na consciência. Movimenta-se no plano da ação e pode preocupar-se tanto com fatores de interpretação e recepção como com fatores materiais de transferência e registro.

O detonante deste olhar seria aquela relação entre sistema produtivo e sistema de conhecimento científico-tecnológico, que coloca a informação como i n s u m o da produção e, depois, como produto {commodities) da indústria da informação.

Os sistemas d e informação permeiam, assim, os diferentes segmentos da produção industrial, desde o sistema de informações administrativas e gerenciais, os sistemas de informações científico-tecnológicas (ICT), os sistemas de informações econômico-sociais (IES), até a mediação semiótica entre o programador e a máquina. Como inteligência artificial ou tecnologias intelectuais, o sistema de conhecimento/informação será interiorizado pelos sistemas mecânicos, produzindo as "teorias m á q u i n a s " .2 9

Para nós, e conforme esta "genealogia", a informação designa o valor cognitivo de um processo de semiose. De acordo com outros a u t o r e s2 3

, chamaremos sistemas de informação ao conjunto de mediações entre recursos de conhecimento e seu uso/aplicação.

Pode, porém, separar-se consciência e ação, interpretação e orientação semiótica dos esquemas operacionais?

O saber acerca da informação recorre, assim, o caminho inverso dos estudos da linguagem (dos significados à escrita), colocando-se primeiro os aspectos materiais, técnicos e sistêmicos e, só depois, quase na década de 80, destacando-se a relevância da interpretação, a síntese e a contextualização, como "facetas" dos processos de informação. A s s i m , não existe um "espelho semiótico" de um real inelutável, m a s "filtros", " c o n s t r u ç õ e s " semíótico-cognitivas, ligadas às situações concretas e à história singular dos agentes envolvidos no processo e a seus objetivos substantivos, antes que determináveis por previsões abstratas, resultante de regularidades unificadoras.

(10)

O papel do conhecimento e da informação nas formações políticas ocidentais Maria Nélida Gonzalez de Gomez

transparência. Em primeiro lugar, o não-conhecer pode apresentar-se como conhecer, e e s s a é a maior opacidade do conhecimento para o próprio sujeito conhecedor. Em segundo lugar, cada consciência histórica pareceria explorar algumas das possibilidades do saber e do enunciar, c o m exclusão de outras, de modo que o saber sobre o saber é um saber de segmentos e de segmentações. Por último, o conhecido se dispersa nas memórias semióticas fechadas em "nichos" institucionais s e m nexos referenciais, ou atreladas a agregados sociais parciais, sem articulações epistemiológicas nem políticas. Uma tomada de consciência sobre os processos de informação deveria iniciar-se logo, como reflexão acerca das opacidades e segmentações do conhecimento e suas relações/justaposições c o m a informação.

Por outro lado, à medida que diferentes componentes ou funções do Sistema de Informação são

automatizadas (edição de textos, recuperação de informação, Bases de Conhecimento), o plano intencional das ações de informação desloca-se da ação primária entre sujeitos que em princípio partilhavam competências cognitivas e enunciativas equivalentes, ao plano de uma ação secundária, onde um agente (sujeito programador) relaciona-se com sistemas homens máquina cujos componentes são operacionalmente equivalentes entre si (mas são ou podem ser totalmente assimétricos em suas

competências cognitivo-comunicacionais com respeito ao agente da ação secundária).

É, aliás, neste plano secundário onde intervém a indústria da informação, como processo de agregação de valor sobre uma matéria-prima informacional.*

Tudo parece indicar a importância de uma reconstrução epistêmica de todas as "facetas" da informação e dos dois níveis de sua manifestação: um, o plano primário da geração/circulação de informação no contexto de uma atividade qualquer; outro, o plano secundário de uma ação de informação/que tem como objeto as informações e interações informacionais primárias de um outro contexto de ação.

* A indústria cultural colocava a informação cultural nas redes distributivas do mercado, afetando, assim, diretamente os canais de reprodução e circulação, e indiretamente os

conteúdos e processos de geração da informação. A indústria

da informação, pelo contrário, afeta os próprios processos de

produção dos conteúdos e, em sua expressão mais avançada, a própria relação epistêmica ou técnica entre sujeito-objeto (como "inteligência artificial"). Indústria do conhecimento ou de informação seria aquela que utiliza informação gerada por ela mesma ou por fontes externas como matéria-prima que ela

transforma e da q u a l se apropria n u m p r o c e s s o de

a g r e g a ç ã o d e valor.

Mas não seria, também, dessa reconstrução epistêmica que surgiria uma resposta à pergunta pelo sentido das transformações provocadas pelas novas tecnologias de informação. Dependeria principalmente de quem seja o agente que possua desse saber sobre a informação além da natureza desse saber - assim como dos dispositivos disponíveis para sua

instrumentação e controle, de qual fosse o " n ó s " (uma imagem do coletivo) de que seja portador e s s e agente.

Até onde é um sujeito técnico ou um sujeito político? Qual é o grau de agregação dos agentes das práticas de informação? Qual é o grau de articulação social destas práticas para servir de suporte a uma consciência maior e melhor das possibilidades e responsabilidades da informação? A quem ou ante quem responde, enfim, o "nós" informacionista?

Interessa conhecer como permeiam esse " n ó s " os diferentes segmentos da sociedade: Estado, Empresa, Universidade, Associações Civis, Partidos Políticos, trabalhadores organizados, a "população" em geral -até agora, designação de um objeto

cadastral-estatístico.

Em síntese, surgida na onda de uma crise da sociedade ocidental, a capacidade da informação de reprodução ou de mudança, depende de como fiquem posicionados nos espaços de produção e distribuição do saber e da informação, os agentes coletivos que melhor expressem as demandas e condições de um uso social da informação.

Artigo recebido em 14 de dezembro de 1987

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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fim do social e o surgimento das massas. São Paulo., Brasiliense, 1985.

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Revolução científico-técnica e capitalismo contemporâneo. Petrópolis, Vozes, 1983.

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4 BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de

Janeiro, Zahar, 1 9 8 1 .

5 MARIKE FINLAY. Poder e Controle nos Discursos sobre as

Novas Tecnologias de Comunicação: In: A.M.Fadul

(org.) Novas Tecnologias de Comunicação, São Pauto,

Summus: Intercom, 1986.

6 CASTORIADIS, Cornélius. A polis grega e a criação da

democracia. In: Filosofia Política 3. UNICAMP/UFRGS,

Inverno 1986, p. 7 1 .

7 CASTORIADIS, Cornélius. Op. cit., p. 74.

(11)

8 CASTORIADIS, Cornelius. Op. cit., p. 73.

9 BROËCKER, W. Aristóteles. Santiago de Chile, Universidade

de Chile, 1963.

1 0 BROËCKER, W. Op. cit., p. 34

1 1 CASTORIADIS, Cornelius. As Encruzilhadas do Labirinto/!.

Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 236 e ss.

1 2 G U I N Z B U R G , Carlo. Senales. Raízes d e u m paradigma

indiciário. In: GARGANI, Aldo (org. ) Crisis de la razón.

México, Siglo Veintiuno, 1983. Usa a expressão "indagação desprejuizada", p. 69.

1 3 G U I N Z B U R G , Carlo. Op. cit., p. 6 9 - 7 0 .

1 4 LE MOIGNE, Jean-Louis. Genèse de quelques nouvelles

sciences. De l'intelligence artificiele aux sciences de la Cognition, p. 4 3 .

1 5 C O N F O R D , Francis M. Plato's theory of Knowledge. New

York, Boblos - Merrill, 1957. p. 174.

1 6 C O N F O R D , F. M. Op. cit., p. 197.

1 7 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública.

Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.

1 8 B A C O N , DESCARTES, GALILEO et alií. Método Cientifico y

Poder Político. El pensamiento del siglo XVII. Bs As, Centro Editor de America Latina, 1973. p. 18.

1 9 KANT, Immanuel. Respostas à pergunta: que ê

esclarecimento? In:. Textos Seletos.

Petrópolis, Vozes, 1974, p. 104.

2 0 KANT, Immanuel. Cit. por HABERMAS, J. Mudança estrutural

da esfera pública... p. 1: 30.

2 1 KANT, Immanuel. Teoria e Prática no Direito Politico.

In: . Filosofia de la Historia. Bs As, Nova, p.

157.

2 2 SANTOS, Theotonio dos. Revolução Científico-Técnica e

Capitalismo Contemporâneo. Petrópolis, Vozes, 1983. p. 14.

2 3 BELKIN, N. J. Cognitive Models and Information Transfer. In:

Social Science Information Studies, 4: 111 - 2 9 , 1984.

2 4 DESCARTES, René. Meditações Metafísicas, VI.

2 5 Galileo Galilei, cit. In: B A C O N , DESCARTES, GALILEO e t

alii. Método Científico y Poder Político... p. 15.

2 6 LADRIÈRE, Jean. Os desafios da racionalidade. O desafio da

Ciência da Tecnologia às Culturas. Petrópolis, Vozes, 1979.

2 7 LADRIÈRE, Jean. Op. cit., p. 52.

2 8 GUATTARI, F. A cartografia do desejo. Petrópolis, Vozes,

1986.

2 9 GIANOTTI, S. A. A Ciência como Forças Produtivas.

In: Filosofia Miúda., São Paulo, Brasiliense, 1985.

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