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O PROCESSO PENAL E A BUSCA PELA VERDADE MESTRADO EM DIREITO

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(1)

ROSANA MIRANDA FERREIRA

O PROCESSO PENAL E A BUSCA PELA VERDADE

MESTRADO EM DIREITO

PUC/SP

São Paulo

(2)

ROSANA MIRANDA FERREIRA

O PROCESSO PENAL E A BUSCA PELA VERDADE

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE EM Direito Processual Penal, sob a orientação do Prof. Dr. Hermínio Alberto Marques Porto.

PUC/SP

São Paulo

(3)

Banca Examinadora

________________________________________

________________________________________

(4)

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

(5)

A Newton, meu marido, que me apontou o caminho e ajudou-me a prosseguir,

A Samuel, meu pequeno, que me ensina a olhar além do óbvio,

A meu querido pai (in memoriam) cuja lembrança excede o tempo

À minha querida mãe, por todo amor e paciência incondicional, durante toda minha vida:

(...)“Podeis ter tangíveis e incontáveis riquezas Caixas de jóias e cofres de ouro Mais rico do que eu, porém, jamais sereis- Eu tive uma mãe que lia para mim !”(*)

(*) Strickland Gililand, “The Reading

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela inspiração, força constante na concretização deste projeto.

Agradeço de modo especial :

A Thomas S. Monson, por suas palestras, discursos, pensamentos e obras que me motivaram a permanecer constante na busca dos meus objetivos !

Ao Dr. Hermínio Alberto Marques Porto, meu professor e orientador, cujas lições jurídicas e de vida, sem reservas, sempre foram uma palavra certa para mim;

À Professora Maria Garcia, cujas atitudes demonstram que o brilho da jurista não turva nem um pouco a grandeza do ser humano, que de maneira peculiar, tem me ajudado em todo percurso nesta pós-graduação;

Ao Professor Jacy de Souza Mendonça por sua dedicação na preparação de aulas memoráveis;

A todos os professores de Direito que tive, notadamente os da pós -graduação da PUC/SP;

À minha querida irmã, Genoveva, que apesar de viver em outro Continente, está tão perto por suas diretrizes de vida; sua ajuda concedida na pesquisa científica me foram de extremo valor;

Ao meu irmão Alberto, sempre pronto em prestar-me o auxílio que necessito;

À Bianca, minha amada sobrinha, por todo empenho na organização final deste projeto investigativo.

(7)

RESUMO

Nessa dissertação apresentamos a atuação do processo penal como um instrumento de busca pela verdade. Para alicerçar nosso conhecimento sobre a verdade, buscamos o enfoque filosófico, começando pela Grécia, em Sócrates e finalizando em solo pátrio com Miguel Reale, e em síntese descrevemos como cada um formula o conhecimento da verdade.

A partir disso, apresentamos a verdade no processo. Destacamos a verdade real como inatingível e de impossível alcance, outrossim, ao presidente da persecução penal, posto que a aferição de uma situação fática e suas circunstâncias, tal e qual ocorreram, jamais se conseguirão reproduzir.

Conceituamos as verdades: formal, material, processual, a aproximativa e a verossimilhança apontando a tendência mais moderna da busca da certeza próxima da verdade judicial, essa última advinda não da prova mas de um juízo, sendo demarcada pela justiça como fundamento.

Ressaltamos que apesar da conquista da verdade ser improvável, o empenho na busca da verdadeira reconstituição dos fatos é um valor que legitima a própria persecução penal.

Da síntese histórica apresentada buscamos aferir a maneira de apuração da verdade, desde os modos mais violentos da Inquisição até os nossos dias, onde o cidadão, chega a esperar por anos, pela resposta estatal. Para ilustrar a idéia apresentamos Franz Kafka, retratando em sua obra alguém “Diante da Lei”.

Ao discorrer do direito fundamental do acesso à justiça, apontamos a supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana, que também deve estar refletido no processo, ante o dever do Estado de “dizer o direito”.

Descrevemos algumas noções de prova, as alegações, os ônus e alguns dos óbices dentro do próprio processo que se interpõem como entraves à busca da verdade. Aventamos do papel do julgador investido do poder- dever de valorar todas as provas levantadas, e até de outras, que no seu entender, ache necessário que se produza.

A decisão, por fim, emanada do livre convencimento com aportes argumentativos e transparência nas elucidações, representa a verdade almejada e perseguida, que presta, outrossim, uma função social, no sentido de efetivar o direito, exercitar a ética, apaziguar a sociedade e buscar o bem comum.

(8)

ABSTRACT

In this paper we present the performance of the criminal proceeding as an instrument of search for the truth. To base our knowledge on the truth we search the philosophical approach, starting in Greece with Socrates, and finishing on native grounds with Miguel Reale, and in synthesis we describe as each one formulates the knowledge of the truth.

For this, we present the truth in the process. We detach real truth as unattainable and impossible to reach, as well as to the president of criminal prosecution, rank that the gauging situation and circumstances, such and which had occurred, never will be obtained to reproduce.

We appraise the truths: formal, material, procedural, by approximation and the probability pointing out the most modern trend of the search for certainty close to the judicial truth, this last one happened not of evidence but of a judgment being demarcated by justice primarily.

We stress, however, the conquest of the truth, improbable for the criminal proceeding; the persistence in the search of the true reconstitution of the facts is a value that legitimizes the proper criminal persecution.

From the presented historical synthesis we search to survey the way of the verification of the truth, ever since the most violent ways of the Inquisition until our days, where a civilian has to wait years for the federal reply. To illustrate the idea we present Franz Kafka, portraying in his workmanship somebody "Before the Law”.

When disserting the basic right of the access to justice we point out the supremacy of the principle of dignity of the human being, who also must be reflected in the process before the duty of the State "administer justice".

We describe some notions of proof, the allegations, the responsibilities, and some of the obstacles inside of the proceeding that interpose as barriers for the search of the truth. We discuss the question of the determined judge to be able or have to evaluate all raised found evidences and even other ones he believes important to include.

The decision, finally, emanated from free conviction through arguments and transparency in the briefings, represents the longed for and pursued truth, that exercises, likewise, a social function in the sense of accomplishing the right, applying ethics, to reconcile the society, and to look for the common good.

(9)

LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Ap. - Apelação Art(s). - Artigo(s) Cap. - Capítulo

CC - Código Civil Brasileiro( Lei n. 10.406, de 10/01/2002) CF - Constituição da República Federativa do Brasil( 05/10/1988) Cód. - Código

Coord(s). - coordenador(es)

CP - Código Penal ( DL n.2.848, de 07/11/1940)

CPC - Código de Processo Civil ( Lei n.5.869, de 11/11/1973)

CPP - Código de Processo Penal ( DL n.3.689, de 03/10/ 1941) D - Decreto

DL - Decreto- lei Des. - Desembargador

EC - Emenda Constitucional Ed. - Editora

ed. - edição

EOAB - Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil(L.n. 8.906, de 04/07/1994) fasc. - fascículo

fig. - figura

HC - Habeas Corpus

IBCCrim - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual Inq. - Inquérito

ITEC - Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais j. - Julgado

L. - Lei

Leg. - Legislação

LC - Lei Complementar Min. - Ministro

(10)

n. - número ob.cit. - obra citada org(s). - organizador(es) p. - página(s) proc. - processo par. - parágrafo p.u. - parágrafo único

RBCCrim - Revista Brasileira de Ciências Criminais Rec. - Recurso

Rel. - Relator

RT - Revista dos Tribunais

RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência (STF) RTJE - Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados s/d - sem data

ss. - seguintes

STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça Súm. - Súmula(s)

t. - tomo Trad. - Tradução

UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UFPR - Universidade Federal do Paraná V. - Veja

v.g - verbi gratia

(11)

SUMÁRIO

Prólogo... 12

Introdução... 14

Capítulo I - Noções Introdutórias sobre a verdade... 20

1.1. A busca dos filósofos ... 20

1.1.1. Sócrates ... 21

1.1.2. Platão ... 23

1.1.3. Aristóteles... 25

1.1.4. Nietzsche ... 27

1.1.5. René Descartes ... 29

1.1.6. Miguel Reale ... 30

1.2. A Verdade e a Verossimilhança... 33

1.2.1. A Verdade... 33

1.2.1.1. A verdade formal ... 42

1.2.1.2. A verdade material e verdade judicial ... 45

1.2.2. A Verossimilhança ... 50

Capítulo II - Síntese histórica... 55

2.1. Notas Iniciais ... 55

2.2. Algumas noções da busca da verdade na Antiga Grécia... 58

2.3. Algumas noções da busca da verdade no Império Romano... 61

2.4. Algumas noções da busca da verdade no direito germânico ... 62

2.5. A busca da verdade sob o prisma do Direito Canônico ... 63

2.6. Sistema Acusatório... 66

2.7. Sistema Inquisitório e as provas legais ... 69

2.8. A tortura e a confissão... 72

2.9. Reação iluminista e a intime conviction...76

2.10. A Legislação Revolucionária: a introdução do Júri na busca da verdade ... 80

(12)

Capítulo III - A prestação jurisdicional e o princípio da dignidade da

pessoa humana ... 86

3.1. O princípio da dignidade da pessoa humana e o humanismo ... 86

3.2. A prestação jurisdicional ... 93

3.2.1. Elementos da jurisdição... 97

3.2.2. A prestação jurisdicional e as portas do Poder Judiciário ... 98

Capítulo IV - A busca da verdade e a liberdade do acusado ... 102

4.1. O acusado como portador de direitos ... 111

4.2. O direito ao silêncio ... 119

Capítulo V - A prova e alguns aspectos da teoria geral do ônus da Prova ... 131

5.1. Noções iniciais sobre a prova... 131

5.2. Elementos da prova ... 134

5.3. Juria novit curia ...136

5.4. Meios de prova... 138

5.5. Ônus da prova... 140

Capítulo VI - Alguns óbices para o alcance da verdade no processo... 146

6.1. Prova quanto ao estado das pessoas... 146

6.2. Provas Ilícitas ... 147

6.3. Coisa Julgada e presunção da verdade... 153

6.4. A desvinculação do juiz ... 155

6.5. Violação do contraditório... 156

Capítulo VII - A decisão ... 159

7.1. A questão do princípio da ponderação de interesses ... 159

7.2. A ponderação das provas como instrumento de verdade... 163

7.3. O dever de motivação nas questões de fato ... 168

7.4. Função socialda sentença ... 172

Conclusões... 178

(13)

PRÓLOGO

A) A Verdade e o polígono (fig. 1)

(14)

B) A Verdade e o polígono (fig. 2)

(...) a verdade está no todo, mas ele não pode, pelo homem, ser apreensível, ao depois, a não ser por uma, ou algumas das partes que o compõem. Seria, enquanto vislumbrável como figura geométrica, como um polígono, do qual só se pode receber à percepção algumas faces. Aquelas da sombra, que não aparecem, fazem parte - ou são integrantes - do todo, mas não são percebidas porque não refletem no espelho da percepção. (*)

Francesco Carnelutti

(*) Texto originalmente publicado na Revista di Diritto Processuale. Verità, dubbio e certezza. Padova:

(15)

INTRODUÇÃO

“Se a lei positiva, não exprime o justo, não merece esse nome. Uma lei injusta não é uma lei, como um instrumento

não é um instrumento se não cumpre efetivamente a função correspondente à sua essência”.1

Michel Villey

A processualística penal dispõe de recursos e meios advindos de um

ordenamento estatuído e positivado, um conjunto de leis. As palavras da lei

segundo Jeremias Bentham, “devem ser sopesadas como diamantes”2 e como

tais vão conferir ao aplicador do direito a possibilidade de apuração da

conduta delitiva sub judice bem como das circunstâncias que ocorreram ao

seu redor.

Este estudo objetiva demonstrar o processo penal como instrumento de

busca pela verdade, bem como tratar de diversas implicações dessa tarefa

árdua que se efetiva na colheita de elementos que indiciem, reproduzam ou

restaurem a realidade dos fatos.

Demonstramos no decorrer do trabalho que essa busca da verdade,

utilizando-se do processo como meio, caminha paralelamente a este

1 VILLEY, Michel. Seize Essais de Philosophie du Droit, Dalloz, Paris, 2001, p. 90.

2 Jeremias Bentham, filósofo inglês do século XIX, citação feita por Capitant no prefácio do “Vocabulaire

(16)

propósito, não vai em direção a tal, mas pelo contrário tangencia-o, por mais

que caminhe nunca encontra no fim do seu percurso, o propósito primeiro,

qual seja, a verdade integral dos fatos tal e qual ocorreram.

No primeiro capítulo apresentamos noções introdutórias sobre a

verdade, a busca dos filósofos desde a Grécia com Sócrates até René

Descartes, com seu modelo matemático de formulação da verdade,

alcançando Miguel Reale aludindo da linha entre a verdade e a conjetura.

Traçamos, outrossim, contornos sobre verdade formal, verdade

material, verdade judicial e verossimilhança ou verdade aproximativa. Não

pudemos alijar do estudo a análise da busca da verdade sob a óptica dos novos

caminhos quanto ao escopo do Processo Penal advindos da mudança de

posicionamento da doutrina processualística.

A par disso apresentamos a retomada de entendimento de Francesco

Carnelutti, no final de sua carreira, a partir de escritos de 1965, quanto a

verdade, afirmando diferentemente de outrora onde aludia que a busca da

verdade substancial ou material do processo terminava por resultar na

obtenção da verdade formal. Da nova concepção externamos sua posição de

que a verdade não é, e nem pode ser senão uma só e aquela que ele ou

outros chamava de verdade formal, não é a verdade e nem com o

processo, nem por algum outro modo, a verdade como um todo poderia

(17)

que essa busca deveria ser substituída pela investigação da certeza, que

advém de uma escolha, pois de cernere proveniente da mesma fonte de

discernir, que é optar, separar, resultará a decisão que tem como precedente

a avaliação.

Procuramos trazer um paralelo entre a verdade histórica, científica e

jurisdicional, mostrando que a partir dessa última emanam implicações e

conseqüências determinantes e limitadoras de direitos individuais

indisponíveis.

Passamos, então a uma síntese histórica no sentido de apresentar o

caminho percorrido na busca da verdade, mesmo que só a título de abordagem

na antiga Grécia, no Império Romano, no direito germânico.

Buscamos na seqüência demonstrar a maneira como ocorriam os meios

toscos e violentos nas perquirições da verdade à luz do Direito Canônico que

se imiscuía com os ditames da Inquisição que não sendo um tribunal

meramente eclesiástico, tinha a participação do poder régio, visto que os

assuntos religiosos eram assuntos de interesse do Estado.

Continuando nosso percurso apontamos a prestação jurisdicional e a

sua conexão com o princípio da dignidade humana, que se perfaz num

limitador a interpretações restritivas de direitos fundamentais, então fizemos

(18)

Com o fito de ilustrar as intercorrências inadmissíveis dessa prestação

do Estado soberano, no que tange ao seu dever “de dizer o direito”

apresentamos os escritos de Franz Kafka como que buscando advertir do

anseio perturbador dos indivíduos que aguardam por anos “Diante da lei” a

resposta estatal.

Na seqüência discorremos sobre a busca da verdade em face à liberdade

do acusado. Neste afã em atingir a verdade, pelo processo penal, relega-se ao

ocaso a premissa de que mesmo o infrator faz parte do “pacto social”, e como

tal, é sujeito dos ideais libertários.

Abordamos dos limites materiais da liberdade o que também conduzem

à conduta delitiva, deixando firmado que não compactuamos com

pré-determinismo da Escola Positiva do século XIX que fulmina a liberdade de

escolha, mas o não cumprimento das tarefas precípuas do Estado limita, por

certo, direitos individuais.

Apresentamos, ainda, o direito ao silêncio no mesmo capítulo onde

tratamos da liberdade do acusado; posto que ele pode calar-se quando isso lhe

parecer mais conveniente para sua defesa, focado no direito protegido pela

(19)

Apontamos as abrangências desse direito, no tocante às interpretações

de derivação, como a não imposição na realização de exames ou na exibição

de documentos ou até da recusa em se apresentar.

Ao prosseguir na direção do processo penal trabalhando na busca da

verdade, atingimos à prova, seus elementos e meios, bem como aspectos da

teoria geral do ônus da prova. Firmamos a relevante participação das partes e

do julgador que, a qualquer tempo, pode determinar a elucidação de questões

obscuras no caminho indelegável que terá que percorrer para atingir, ao

menos, a verdade processual, posto que a verdade no todo fica inalcançável

para as raias do processo penal e conforme Carnelutti o todo é demais para o

homem.

Superada essa etapa apontamos alguns dos óbices que se afiguram no

deslinde da verdade, tais como das impossibilidades de investigações quanto

ao estado das pessoas e quanto às provas ilegais: as ilegítimas que violam

premissas de natureza processual e as ilícitas que maculam regras de natureza

material. Abordamos outros óbices, como a coisa julgada e a respectiva

presunção juris tantum de verdade, não podendo ser mitigada se não por

habeas corpus, mandado de segurança e revisão criminal. Invocamos a

desvinculação do juiz da instrução ao juiz da sentença, a violação do

(20)

Por derradeiro chegamos num dos pontos cruciais para a ratificação da

busca da verdade perseguida. A decisão se enseja após ponderação, cotejo de

interesses onde a pena do julgador, sob o aporte do livre convencimento, deve

deixar registrada a motivação de seu entendimento.

A sentença, deixamos claro, dentre outros objetivos presta também um

serviço social, se não também em reprimenda ao crime estabelece a chancela

da absolvição, deixando ínsito que o processo penal, encontrou a verdade

atingível, a certeza de Carnelutti, advinda de criteriosa escolha do julgador,

(21)

CAPÍTULO I - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A VERDADE

“Magnífica justiça que um regato divide: justiça aquém dos Pirineus,

injustiça além dos Pirineus”.

Pascal3

1.1 A busca dos filósofos

Não é propósito de nosso estudo esgotar a matéria no que concerne

ao pensamento filosófico de cada um dos pensadores que pesquisamos. Os

filósofos que citaremos apenas nos darão suporte na idéia de que a discussão

sobre a verdade não é um tema recente e de fácil resolução. Propomo-nos

conhecer de forma sucinta, a maneira que cada um deles formulou o

conhecimento da verdade, pois essa dissertação prossegue em elucidar a

compreensão da verdade no processo. É forçoso, no entanto, reconhecer que a

verdade bem como as implicações que envolvem sua descoberta e alcance

se constitui em um dogma que mereceu ao longo dos séculos sérias reflexões

que remontam desde a antiga Grécia, até a época dos primeiros cristãos,

quando se questionou sobre a verdade4, essa busca chega até nossos dias e a

perquirição para seu deslinde resiste continuadamente.

3 PASCAL, Pensées, texto da edição de Brunchvicg, Paris: Garnier, 1925.

4Disse-lhe pois Pilatos: Logo, tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei.Eu para isso nasci e para

(22)

1.1.1. Sócrates (470 a.C – 399 a.C )(?)

“Conhece-te a ti mesmo

(preceito do oráculo de Delfos difundido por Sócrates)

Tudo que sabemos do pensamento de Sócrates foi o que temos

proveniente dos comentários de filósofos que seguiram suas idéias, não tendo

deixado nada escrito.

O diálogo dividido em duas etapas sucessivas foi o instrumento de sua

atividade filosófica; a primeira delas se chamou ironia, ou seja o filósofo

insiste em que nada conhece, leva o interlocutor a apresentar opiniões

envolvendo-o numa estrutura confusa, trazendo à tona toda a ignorância

desse interlocutor a respeito do que até então o mesmo acreditava ser verdade.

Essa ironia era uma dissimulação onde Sócrates fingia desconhecer o

assunto até levar o interlocutor chegar a uma contradição. A segunda fase do

diálogo socrático, denomina-se maiêutica ou “parto das idéias’, onde o

interlocutor era levado a elaborar as próprias idéias, ir ao encontro da própria

alma e a partir de então, obter uma existência e verdadeiramente original.

Essa prática permitiu que Sócrates levasse até um escravo-que era

desprovido de qualquer instrução- à demonstração do teorema de Pitágoras. A

(23)

ironia causou conseqüência funesta, acusaram-no de desrespeitar os deuses, a

religião e de conduzir os jovens a se comportarem impropriamente.

Diante dos juízes, Sócrates rebateu os argumentos dos acusadores, foi

condenado, mesmo assim, à morte por envenenamento. Teve a oportunidade

de desmentir suas idéias diante do Tribunal e teria, assim, a chance de escapar

ou alguns amigos fizeram um plano para que ele fugisse de Atenas, mas ele

não aceitou nenhuma das alternativas, desonrosas para ele. Foi morto por

meio da ingestão de cicuta, veneno extraído de uma planta do mesmo nome.

Para o filósofo conhecer a verdade teria a conseqüência do agir bem,

os maus atos só seriam cometidos por ignorância; o bem e a verdade estariam

intimamente ligados. Agir conforme o bem seria igual a conhecer o bem e

ocorria em decorrência ao conhecimento; uma ação danosa decorria da

ignorância ou desconhecimento.

A finalidade da vida para ele seria a felicidade, isso ocorreria quando o

ser humano tivesse a capacidade em estabelecer por si suas próprias regras de

conduta. Nessa tônica contemplaríamos um homem verdadeiramente livre.5

(24)

1.1.2. Platão (428 a.C.- 348 a.C.)

“É decididamente indispensável aos homens atribuírem-se leis e

viverem conforme essas leis”

Platão

Para compreender a doutrina platônica o que primeiro deve-se

considerar é o do mundo das idéias, segundo ele haveria um mundo imaterial,

imutável e eterno totalmente separado do universo sensível (ou mundo

material que se percebe pelos sentidos). Para ele o mundo material era mera

aparência, e por ele não se chegaria a nenhum conhecimento verdadeiro.

Para se alcançar a verdade, o homem deveria dirigir sua inteligência,

para as idéias, para além do mundo sensível. Faz a comparação ao mundo das

aparências com interior de uma caverna que é escuro, e o exterior da mesma

ao mundo das idéias.

Para Platão o ser humano é composto de alma e corpo, sendo a alma o

mais importante no indivíduo.Uma vez o homem tendo chegado a este mundo

sensível o seu conhecimento do mundo das idéias passa por uma espécie de

esquecimento, que poderá fazê-lo recordar-se pelo processo de reminiscência

(25)

A alma para Platão se divide em três partes: a racional, (cabeça), a

emocional (peito) e a sensual (abdômen e partes adjacentes). A racional, o

guia da alma, conheceria a verdade e reuniria a inteligência, a moral e a

lógica. A emocional conteria as emoções superiores, como a honra e o ódio à

injustiça, e obedeceria fielmente à parte racional da alma. A última

corresponderia aos desejos inferiores, carnais, então desordenada e inquieta.

Platão também procurou delinear um projeto político, no qual o

governo da polis representaria a felicidade de todos os seus habitantes. Na

cidade, os filósofos tendo conhecido a verdade através da contemplação do

mundo das idéias e eles se ocupariam de decidir o que teria que ser feito na

polis criando as leis e controlando os membros da sociedade, que se formaria

por grupos de guerreiros, que se caracterizavam pelos sentimentos mais

nobres, no entendimento de Platão, a fidelidade, a bravura, e a aversão à

torpeza. Apesar de delinear a doutrina política em sua obras “A república” e

“O Político”, nunca tentou chegar ao poder em Atenas”6.

(26)

1.1.3. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C)

“Na justiça se resume toda a excelência”

Aristóteles

Conforme Eudes Oliveira7 Aristóteles trata da dialética, na arte de

argumentação, no Livro VIII do seu Tópicos. Primeiramente aventa da

primeira providência a se tomar por parte do inquiridor, no sentido de extrair

a verdade; este deverá, a priori, fazer a escolha das perguntas, do método e a

estratégia a adotar na inquirição. Após isso deverá escolher qual o terreno em

que lançará o ataque, ou a quem formulará as perguntas, depois dispô-las

mentalmente uma por uma; e, por fim, passar a apresentá-las ao seu

adversário.

Aristóteles ainda especifica que ao inquirir convém:

(...) formular a proposição como se não fizéssemos por ela mesma, mas a fim de conseguir alguma outra coisa, porque as pessoas evitam conceder o que requer realmente o argumento do adversário, porque quando incertas sobre o verdadeiro objetivo visado pelo adversário, as pessoas mostram-se mais dispostas a dizer o que realmente pensam”.8

A metodologia para se chegar a verdade para Aristóteles consta da

observação, que deve ser fiel aos fenômenos naturais, bem como o uso do

7 OLIVEIRA, Eudes. A Ténica do Interrogatório- O interrogatório em Aristóteles. 3.ed.rev.e atual. São

Paulo: RT, 1993, p.117.

(27)

rigor nos processos dedutivos e indutivos, estabelecendo linguagem técnica

própria e criteriosa.

Para se atingir a verdade, em Aristóteles, um inquiridor não deve

demonstrar aparente parcialidade, pois gera no interrogado prevenção contra

quem o aborda. Em sua obra “Dos argumentos sofísticos” citada por Eudes de

Oliveira9 são apontados processos defensivos para vencer os sofistas, que

argumentam com falsidade:

• Técnica da exaustão (prolongar-se a argumentação, cansando o

depoente, a fim de fazê-lo admitir a verdade).

• Irritação (os que perdem a calma são menos capazes de vigiar o que

dizem e envoltos na emoção caem em contradições).

• Alternância de perguntas (conforme o autor, que é juiz, para a

adoção do interrogatório, v.g. pode ser chamado de “baralhamento”

da inquirição. A verdade realmente memorizada pelo indivíduo

(testemunha, depoente, etc) não é omitida pelo fato de ser abordada

alternativamente com dados de outros fatos.

Essa dinâmica aristotélica parece à primeira vista, (incluindo também a

argumentação capciosa que se segue às apresentadas) que o inquiridor quer

levar o interrogado a erro.

(28)

Entretanto, em Aristóteles essa era a tônica usada, evidentemente, se

seguem outros argumentos aristotélicos extraídos de sua obra “Dos Argumentos

Sofísticos”, para que um inquiridor possa extrair a verdade de seu interrogado,

mas as linhas mestras do que queríamos apresentar, qual seja, a formulação da

busca da verdade, nos moldes aristotélicos, acreditamos tê-lo feito.

1.1.4 Nietzsche (1844-1900)

“A base da natureza humana é o poder”

Nietzsche

Nietzsche, passou a vida atormentado por doenças e sensação de

solidão, talvez por isso seu pensamento denota tanta dureza, descrença e

negatividade. Em 1899 sofreu um colapso psíquico do qual nunca se

recuperou.

Para o filósofo a palavra “aparência” é muito sedutora, notoriamente

não se perfaz em verdade porque a essência das coisas não aparece

necessariamente no mundo empírico, v.g. um pintor a quem faltassem as

mãos e que quisesse exprimir pelo canto a imagem que tem na mente, sempre

revelaria mais coisas nessa permuta entre esferas do que o mundo empírico

(29)

A própria relação entre um estímulo nervoso e a imagem produzida não é

em si mesma necessária: se, porém, a mesma imagem for milhões de vezes

produzida e legada através de várias gerações e aparecer ao conjunto da

humanidade sempre na seqüência do mesmo motivo, acaba por adquirir para o

homem o mesmo significado como se este significado fosse a imagem única e

necessária e como se essa relação entre o estímulo nervoso inicial e a imagem

produzida fosse uma rigorosa relação de causalidade; tal como um sonho que,

eternamente repetido, seria sentido inegavelmente como a realidade em absoluto.

Mas o endurecimento e a solidificação de uma metáfora para Nietzsche

em nada garantem a necessidade e a justificação exclusiva dessa metáfora.10.

A repetição de um fato ou de reações semelhantes diante dele não

definem o fato e se houve, em dado momento repetição dele, não significa

que por certo ela sempre ocorrerá e da mesma forma. Parecer, tender não aduz

a verdadeiramente ser, existir ou ocorrer, verbos que transcendem o ilusório, o

pertinente, o provável ou o plausível.

(30)

1.1.5 René Descartes ( 1596-1630)

“A faculdade de julgar bem e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente aquilo que se chama bom senso

ou razão, é, naturalmente, igual em todos os homens”

Descartes

Descartes pertencia a uma família de burgueses enobrecidos e estudou

nas melhores instituições de ensino na Europa. Construiu seu método de

investigação calcado no modelo matemático de demonstração, no sentido de

que “quando se tem dois ou três primeiros termos, não é difícil encontrar os

outros”.11

O método cartesiano, sintetizado em “Discurso do Método”, conforme

citado por Gabriel Chalita12 sintetiza 04 preceitos para a busca do

conhecimento verdadeiro.

• Jamais acolher, com precipitação, alguma coisa como verdadeira, e

ainda se não for clara e distinta ao seu espírito (critério: evidência)

• Dividir cada uma das dificuldades examinadas quantas possíveis e

quantas necessárias para resolvê-las,

• Conduzir por ordem os pensamentos, primeiramente iniciar pelos

objetos mais simples e fáceis de conhecer, até os degraus mais

compostos do conhecimento,

11CHALITA, ob. cit., p. 234-238.

(31)

• Fazer em todas essas classificações enumerações completas e

revisões gerais para se ter a certeza de nada omitir.

Da dúvida metódica Descartes cria a geometria analítica, que combina

geometria e álgebra, equaciona a representação do quadrado e do cubo,

introduz o uso do expoente e o símbolo da raiz quadrada.

Por suas pesquisas na área de óptica resultaram-se as leis de reflexão e

refração da luz.

1.1.6 Miguel Reale

“(…)discutem até hoje filósofos e cientistas no que tange à definição de verdade, e os conceitos que se digladiam não são mais do que conjeturas,

o que demonstra que a conjetura habita no âmago da verdade, por mais que nossa vaidade de homo sapiens

pretenda sustentar o contrário”.

Miguel Reale13

O pensamento filosófico e complexo de Miguel Reale, no que concerne

a formulação da verdade, não é explorado nesta síntese, em todas as suas

(32)

implicações. Não obstante, buscaremos algumas alusões que fundamentam o

objetivo do trabalho investigativo que, ora, desenvolvemos.

Por se pretender, pelo pensamento filosófico atingirmos bases para

conceituação da verdade no processo, é pertinente a sucinta demonstração de

Celso Lafer14 feita a partir da idéia do filósofo quando ensina: “Não há ato

decisório absoluto, não condicionado em maior grau, pelo conjunto de fatos e

valores prevalecentes em cada conjuntura (...).”

Por conexão a sentença, é ato decisório, e é prolatada após o empenho

na busca da verdade, não pode, então, deixar de ser valorativa, o que

estabelece um nível de segurança nas expectativas sociais.

Continuando Celso Lafer temos: “Reale aponta por meio do

tridimensionalismo jurídico do poder (...) as insuficiências tanto do puro

decisionismo, ao modo de Carl Schmitt, quanto do puro normativismo à

maneira de Kelsen”.15

Dessa alusão fica perfeitamente aplicável a linha de raciocínio que

buscaremos desenvolver nesse estudo, no que concerne ao processo penal

como um instrumento da busca da verdade (atingível), e essa busca se

refletindo no ato decisório do julgador, que há de levar o selo valorativo para

14LAFER, Celso.Reale aos 95. Estado de São Paulo. A2 Espaço Aberto, 16.10.2005, p.1.

(33)

cumprir o seu papel de garantia ao indivíduo e prestar a sua função social. (V.

Cap. VII, 7.4)

No que concerne à verdade Reale ainda afirma que o homem

empenhado na procura da verdade, consciente ou inconscientemente se

conduz , e não apenas na vida comum, por uma série de conjeturas, e ainda

alude que o pensamento conjetural não tem recebido a devida atenção por

parte dos filósofos, tão forte é o propósito de só se conferir status ao que é

certo e verificável.16

Para Reale se a verdade não é a expressão do real, ou se é algo

logicamente entre o pensamento e realidade, é de se reconhecer que o mundo

dos conceitos e o da realidade, (mesmo nas ciências exatas) deixa-nos claros

ou vazios que o homem não pode deixar de pensar.17

As conjeturas, no entendimento do filósofo, preenchem esses vazios

referidos e fazem parte essencial do nosso modo de ser pessoal e se inserem

na discussão da verdade. Ainda alude que essa linha que passa entre a

verdade e a conjetura não é a de dois opostos que se repelem, mas “de dois

termos distintos que se complementam”.18

O filósofo deixa claro que na discussão da verdade, a conjetura, cumpre

papel relevante, seja pelo ponto de partida hipotético e provisório, para depois

16 REALE, Miguel, ob.cit., p.17.

17REALE, Miguel, ob.cit., p.18.

(34)

se firmar por outros processos cognoscitivos, seja valendo como verdades

práticas, que superam o sempre insatisfatório estado de dúvida, e ainda

completa:

“Das asserções que andam por aí como “verdades” assentes, no campo da sociologia ou da economia, das ciências exatas, não passam de conjeturas inevitáveis.(..)mesmo porque são elas que, feitas as contas, compõem o horizonte englobante da maioria de nossas convicções e atitudes”.19

1.2 A Verdade e a Verossimilhança

1. 2.1 A Verdade

The journey of a thousand miles begins with one step”

Laotse

A verdade, via de regra, é “a conformidade da noção ideológica com a

realidade”20. Para o processo penal, diz Jorge Figueiredo Dias, a verdade que

se busca não é a formal, mas sim a material, “ que há de ser tomada em duplo

sentido: no sentido de uma verdade subtraída à influência que, através do seu

comportamento processual, a acusação e a defesa queiram exercer sobre ela:

19 REALE, Miguel, ob.cit., p.26.

20 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. Lógica das provas em matéria penal.Trad. Paolo Capitanio, 3.ed.,

(35)

mas também no sentido de uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não

uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida”.21

No magistério de Rogério Lauria Tucci, temos que “a certeza corresponde

à consciência de cognição segura da verdade do fato”22. No entanto, o caminho

que entremeia a ignorância e a certeza, conforme Leão Bruno:

(...) é longo e o espírito pode achar-se no estado de:

1.Ignorância = ausência de qualquer conhecimento;

2.Dúvida= conhecimento alternativo, incluindo o sim e o não;

3.Improbabilidade= prevalência do conhecimento negativo;

3.a. Probabilidade = prevalência do conhecimento positivo;

4.Convicção= quando os motivos afirmativos já não podem ser

abalados por motivos contrários;

5.Certeza=Conhecimento afirmativo absolutamente triunfante.23

Francesco Carnelutti24 é o articulador moderno do conceito de lide e

deixa ricas contribuições a todos que se embrenham nas searas do direito

processual, mas em nada supera o que trouxe à tona a partir de seus estudos

sobre a verdade.

21 FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito Processual Penal. Coimbra: Ed.Coimbra, vol.1, 1974, p.193-194. 22 TUCCI, José Rogério Lauria. Do corpo de Delito no Direito Processual Penal Brasileiro. São Paulo:

1978, p. 91.

23 LEÃO BRUNO Antonio, Psicologia do Testemunho, Separata dos Arquivos da Polícia Civil de São Paulo,

14:51, 2º semestre 1947.

24 Francesco Carnelutti possui “um largo trajeto por vários ramos do direito até terminar sua carreira na

(36)

Pela busca mais profunda da Filosofia angariou uma riqueza peculiar,

no final de sua carreira, “(...) comprometida com a interdisciplinaridade, a

multidisciplinaridade , (...) mais propriamente, a transdisciplinaridade”25. Em

1965, com bases científicas, evoluiu em seu pensamento, sobre a matéria,

demonstrado em seus escritos “Verdade, dúvida e certeza”:

Nos meus estudos sobre processo, com a Prova Civile, falei de

verdade, assinalando, como escopo do processo, a investigação da verdade substancial e, como resultado, a obtenção de uma verdade formal. Mas não era embora algo comum, uma distinção fundada. A verdade não é, e nem pode ser senão uma só: aquela que eu, como outros, chamava de verdade formal, não é a verdade. Nem eu sabia, naquele tempo, que coisa fosse e por que, sobretudo, nem com o processo, nem através de algum outro modo, a verdade jamais pode ser alcançada pelo homem.26

O autor também cita o filósofo Heidegger que o ajuda a concluir que

a verdade de uma coisa nos foge até que não possamos conhecer todas as

outras coisas e, assim, não podemos conseguir senão um conhecimento

parcial dessa coisa. Carnelutti passa a admitir que para conhecer a verdade da

coisa, necessita-se conhecer, (tomando-se uma moeda) tanto a sua cara como

sua coroa e tanto como é a coisa como o que ela não é . O autor pontua:

(...) que a verdade está no todo, não na parte; e o todo é demais para nós (...)Mais tarde isso me serviu para compreender, ou ao

25MAILE, Michel. Uma Introdução Crítica ao Direito. Trad. Ana Prata.Lisboa: Moraes, 1979, p.56.

26 Textos originalmente publicados na Revista di Diritto Processuale. Verità, dubbio e certezza. Padova:

(37)

menos a tentar compreender, por que Cristo disse “Eu sou a verdade”.

Portanto, a minha estrada, começada por atribuir ao processo a busca da verdade, deveria ter substituído a investigação da verdade pela da certeza.27

Mesmo o conceito de certeza para Carnelutti adveio após, a polêmica

com Calamandrei, advinda da obra de Lopez de Oñadena, na contraposição

entre certeza e justiça, na época cita o autor que o seu conceito ainda não

estava formado e ele mesmo escreve:

Já naquela época tinha intuído a virtude das palavras, mas a evidente derivação de “certeza” do latim cernere, uma vez que traduzi cernere como ver, enganou-me. Necessitaram os anos, muitos anos, até os últimos, isto é, até que escrevi Diritto e Processo, até que me acolhesse o significado originário de cernere,

não aquele de ver, mas o de escolher. A certeza, escreveria então, implica em uma escolha: e isso provavelmente, foi o passo decisivo para compreender, não só o verdadeiro valor do seu conceito, mas também o drama do processo.

Carnelutti cede a vitória a Calamandrei, que como se sabe, falava em

um juízo da verossimilhança à coisa julgada (V.Cap. I, 1.2.2) e não verdade

formal. Notável, entretanto, é a grandeza de Carnelutti que reconhece no final

de sua carreira o acatamento de novo posicionamento, negando a verdade

formal, porque a verdade em si “jamais pode ser alcançada pelo homem”, a

27COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao Verdade, dúvida e certeza de Francesco Carnelutti

(38)

dita formal, por evidente, em sendo um mero reflexo no espelho, não é

verdade. O processo, porém, continua tendo conteúdo, mas é de outra coisa

que se trata”.28

O rompimento de Carnelutti com o passado externa em seus escritos

um espírito não acomodado e assentado em falso patamar intocável,

sobretudo envolvido por uma relevante responsabilidade ética. Sua obra

testemunha a veemente preocupação com seu tempo e sua gente .

É reconhecido pelo autor que a investigação da verdade (impossível ao

alcance humano) deveria ser substituída pela investigação da certeza, advinda

ao julgador a partir de discernimento criterioso, o qual impenderia na escolha

de opção cabível ao caso concreto. É mister, se reafirmar para essa dinâmica,

os conceitos pré- citados, nas seguintes palavras:

(...) a verdade está no todo, mas ele não pode, pelo homem, ser apreensível, ao depois, a não ser por uma, ou algumas das partes que o compõem. Seria, enquanto vislumbrável como figura geométrica, como um polígono, do qual só se pode receber à percepção algumas faces. Aquelas da sombra, que não aparecem, fazem parte- ou são integrantes- do todo, mas não são percebidas porque não refletem no espelho da percepção. Ademais, esta figura multifacetada, por evidente, não pode ser tomada- ou confundida-

(39)

com apenas uma das suas faces. Por isto, sem que se fira o princípio da não contradição.29 (V. Prólogo)

Em que pese a nova formulação preconizada por Carnelutti, imbuída de

responsabilidade ética que fica externada quando rompe com posições do

passado, optando em não acomodar-se em falsa segurança e notoriedade

intocável; apresentaremos a posição de outras vozes eminentes que se

dispuseram também ao estudo da verdade.

Propondo um paralelo entre a busca da verdade processual e a verdade

histórica ou científica temos no entendimento de Luigi Ferrajoli, quando cita

John Dewey, que a busca da verdade histórica, é “seletiva” no sentido de que

está sempre orientada por pontos de vista, interesses historiográficos e

hipóteses interpretativas que induzem o historiador a evidenciar alguns fatos

pretéritos em lugar de outros, a acentuar como significativos apenas alguns

aspectos, a privilegiar algumas fontes e a descuidar de ou, inclusive ignorar

outras, sem estar sequer em condições de reconhecer as distorções operadas.

O mesmo pode valer para a investigação científica, “que está condicionada

pela enorme bagagem de teorias preexistentes, que costumam resistir

tenazmente a serem desmentidas por novas observações” .30

29 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda,ob.cit p.81.“ O mesmo atributo não pode, ao mesmo tempo,

pertencer e não pertencer ao mesmo sujeito com relação à mesma coisaV. ARISTÓTELES.

Metafísica.Trad. de Leonel Vallano, Porto Alegre: Globo, 1969, Livro IV, p.86 e ss.: Livro X, p.206 e ss.

30 FERRAJOLI, LUIGI. Direito e Razão-Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Ed. Revista dos

(40)

Para Ferrajoli, as distorções involuntárias produzidas na atividade

jurisdicional pela subjetividade do juiz resultam agravadas por três elementos:

1º) A investigação judicial costuma afetar mais no plano moral e

emocional do que os da investigação histórica ou científica:

(...) ainda que não de modo maior porque o conhecimento judicial deve chegar necessariamente a uma decisão prática. Isto intensifica o distanciamento do juiz para com os eventos que tem a tarefa de comprovar, e torna mais árdua sua serenidade de decisão, a qual resulta mais diretamente influenciada por suas convicções morais e políticas pessoais e pelos condicionamentos culturais e sociais exercidos sobre ele pelo ambiente externo.31

2º) A historiografia e as ciências naturais são capazes de autocorreção,

consoante a críticas da comunidade de historiadores e cientistas, o mesmo não

ocorre com a jurisdição.

O juiz é investigador exclusivo, no sentido de que sua competência para investigar e julgar lhe está reservada por lei, e “salvo o contraditório entre as partes que precede a sentença e afora os sucessivos graus de jurisdição, suas interpretações dos fatos e das leis não podem ser refutadas por hipóteses interpretativas mais adequadas e controladas e que se tornam ao final do processo consagradas ainda pela autoridade da coisa julgada”.32

Dessa forma o erro judiciário diversamente do historiográfico ou

científico tem conseqüências irreparáveis, especialmente se produzidas em

prejuízo do acusado, no âmbito do processo penal.

(41)

Completa ainda Luigi Ferrajoli, pontuando que :

(...) por causa da exclusividade das competências, do sigilo da instrução e da relativa irreparabilidade do erro judicial (salvo os graus de julgamento e as hipóteses extraordinárias da revisão) nem a revisão, nem a ciência jurídica nem a jurisprudência são idôneas para exercer sobre o juiz um controle comparável ao desenvolvido sobre o cientista ou o historiador pela comunidade dos estudiosos. Isto torna tanto mais indispensável o controle sobre a jurisdição por meio da crítica externa, livre e isenta de preconceitos, e tanto mais intoleráveis os obstáculos opostos ao seu exercício: normas sobre desacato aos juízes, sigilo no sumário, (...).33

3º)O último elemento destacado pelo autor, no que concerne a distorção

subjetiva da verdade processual, está ligado à:

(...) deformação profissional específica do juiz”, isto advindo dos filtros jurídicos interpostos entre o juiz e a realidade do mundo das normas, dentro dos quais deverão estar subsumidos os fatos que se têm a comprovar. (...), isto equivale a um sistema de esquemas interpretativos do tipo seletivo, que recorta os únicos elementos do fato que reputa penalmente “relevantes”e ignora todos os demais; esta disposição de ler a realidade sub specie juris gera uma forma especial de incompreensão, às vezes de cegueira a respeito dos eventos julgados, cuja complexidade resulta por isso mesmo simplificada e distorcida” .34

Pelo observado, reiteramos a tese inicial de que é inatingível a

reconstrução dos fatos, que corresponde à verdade processual, ou à judicial,

33 FERRAJOLI, LUIGI, ob.cit., p.68. 34 FERRAJOLI, LUIGI, ob.cit., p.48.

(42)

que quando muito representa a certeza judiciária não absoluta ou a verdade

provável, senão a possível.

Entretanto, se o objetivo do processo é efetivar a justiça, e que hoje é

descrita por alguns autores como fim social e nesse sentido é considerada

como noção ética fundamental e não determinada 35, não se pode falar em

produção de justiça sem que se busque descortinar a verdade atingível.

Contudo, a busca da verdade não significa o fim do processo e não

pode-se concluir que o juiz apenas deva decidir quando a tiver encontrado,

nas palavras de Ada Pellegrini Grinover “verdade e certeza são conceitos

absolutos, dificilmente atingíveis no processo ou fora dele”.36

A despeito do que vimos sobre o conceito de certeza apresentado por

Carnelutti, e o exercício de discernimento esperado do julgador para a obtenção

de um caminho antes de prolatar a sentença, é forçoso ressaltar que o intelecto

desconhece certeza. As faíscas da dúvida por certo, não lhe deixam sossegar.

No que tange à persecução penal, como então aquiescer-se diante de

uma sentença condenatória que se perpetua com todos os sucedâneos que dela

35 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco (coords.) Dicionário de

Política.Trad. Carmem C. Varrialle e outros 5.ed..Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p.660-661.

36 GRINOVER. Ada Pellegrini. A marcha do processo. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal

(43)

advém sem a verdade íntegra ter sido perquirida, nem a certeza plena

atingida?

Segundo a melhor doutrina o processo se destina a assegurar a

efetividade do direito e esse direito não pode ser confundido com o direito

subjetivo da parte, posto que o julgador, na marcha do procedimento criminal,

faz incidir normas jurídicas que não têm a ver com direitos subjetivos. No

entanto, essa óptica não satisfaz a outras correntes37 que sustentam ser o

processo um instrumento da Justiça em garantia da liberdade, mas mesmo

nesse último entendimento não há também sentido a premissa de que o

processo penal tem como fim único a busca de verdade mas sim que ele é um

instrumento ou meio para alcance da verdade processual estampada de forma

criteriosa pela pena do julgador.(V. Cap. VII)

1.2.1.1 A verdade formal

Antes de nos depararmos com o conceito de Carnelutti de que a

verdade formal não é verdade, parecia firmada a idéia de que verdade formal

era representada pela reprodução jurídica dos fatos a serem perquiridos se

exaurindo com as provas e manifestações trazidas pelas partes, sendo mínima

ou até inexistente a iniciativa do juiz na produção das provas.

37 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro:Forense, 1970,

(44)

Esse entendimento residia no fato de ser o processo um instrumento de

encerramento de litígios e restabelecimento da paz social. Para verdade

formal ser obtida o Estado-Juiz contenta-se com a verdade projetada pelas

partes não usa de sua energia no sentido de apurar ex officio a veracidade dos

fatos.

O acolhimento desse pensamento teve certo predomínio no âmbito do

processual civil, e o próprio Código de Processo Civil deixa-o transparecer

em vários de seus dispositivos, pois a regra geral, é a de que se o réu não

contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor

(art.319 do CPC). Há outros exemplos ínsitos nesse ordenamento que

arrimam o conceito: quanto ao depoimento pessoal da parte, em esta

recusando-se a depor, aplica-se a pena de confissão (art.343, par.2º, do CPC);

ou até quando não for feita impugnação, por uma das partes do processo, no

que diz respeito à autenticidade de assinatura e veracidade de documento

produzido pela parte adversa, do seu silêncio se firma presunção de que o tem

como verdadeiro (art. 372 do CPC).

Apesar da legislação apresentada, é bom que se ressalte, que não se

trata, a verdade formal, de verdade destituída de qualquer suporte probatório,

até porque a presunção em espécie deve ser fruto de dedução lógica

condizente com um fundo de verdade extraído das provas apresentada por

(45)

No entanto, na linha processual moderna Ada P.Grinover, aduz que

(...) diante da colocação publicista do processo, não é mais possível manter o juiz como mero espectador da batalha judicial. Afirmada a autonomia do direito processual e enquadrado como ramo do direito público (...)sua função jurisdicional evidencia-se como um poder-dever do Estado, em torno do qual se reúnem os interesses dos particulares e do próprio Estado.38

Novamente na lição de Ada P. Grinover temos:

(...) no campo do processo civil, embora o juiz não mais se limite a assistir inerte à produção das provas, pois em princípio pode e deve assumir a iniciativa destas (CPC, arts. 130, 341), na maioria dos casos (direitos disponíveis) pode satisfazer-se com a verdade formal, limitando-se a acolher o que as partes levam ao processo e eventualmente rejeitando a demanda ou a defesa por falta de elementos probatórios .39

Já no processo penal essa verdade formal não se resulta em efetiva

aplicação, não se gera confissão presumida de fato delituoso, pois o silêncio

do réu é amparado por garantia constitucional de permanecer calado, art.5º,

LXIII da CF ( Cap. IV, 4.2), mesmo no tocante a fatos incontroversos, não se

impede ao juiz penal em proceder a investigação, já que lhe cabe colher a

prova com o objetivo de conhecer a realidade dos fatos.

38 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Candido R.Teoria

Geral do Processo.14.ed..rev.e atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p.64.

(46)

Está pacificado que no direito processual penal se busca a verdade não

formal, mas isto não impede que esta também encontre guarida em nosso

ordenamento processual penal; v.g. quando fatos evidenciam, por novas provas,

a responsabilidade do réu que tinha sido absolvido. Transitada em julgado a

sentença absolutória, é incabível falar-se em revisão pro societate, pois o

ordenamento em seu artigo 621 do CPP e ss não acolhe tal procedimento.

Na intenção de firmarmos ainda mais esse conceito de verdade formal

aludido acima, temos, outrossim, o perdão do ofendido, manifestado nas

ações penais privadas, bem como a possibilidade de transação penal,

introduzida pela Lei do Juizado Especial Criminal (Lei 9.099/1995) onde as

partes e o poder judiciário declinam da tarefa de melhor instruir o processo,

na busca da verdade sobre o fato determinado, em detrimento até da

realização da Justiça, que se consubstanciaria nessa descoberta da verdade, o

qual só se alcançaria por meio do devido processo legal.40

1.2.1.2 A verdade material e a judicial

Na doutrina mais antiga a verdade material é um dos mais

significativos princípios do processo penal, mais conhecido por “verdade

40A transação penal implicaria admissão de culpa e aceitação de pena, sem apuração da verdade material,

(47)

real” ou “verdade substancial”. O seu valor jurídico impendia na aplicação

certeira desse princípio. Procedia-se na busca da verdade com o propósito de

ir ao encontro de um porto seguro e superior ao do território no qual

assenta-se a verossimilhança fática.41

Prevaleceu-se por tempos o entendimento de que o princípio da verdade

material, ou princípio da investigação42 correspondia à regra em razão da qual

o juiz velava pela conformidade da postulação das partes com a verdade real,

a ele revelada pelos resultados da instrução criminal.

É notório que na missão da persecutio criminis pode o processo penal

vulnerar inestimáveis direitos, dentre outros, o status libertatis; então nunca

foi exauriente, apenas, a aparência de verdade.

Na adoção do princípio da verdade material, pretendia-se reproduzir o

fato objeto de acusação, que pertencia ao mundo externo, sem artifício,

presunção ou ficção, pois só assim o juiz passaria a conhecer a verdade como

era, despida de qualquer artificialismo.43

Nesse entendimento matemático, que relembra as formulações de

verdade defendidas por Descartes (V. Cap.I, 1.1.5.) preleciona Nicola F.

41BIANCHINI, Alice. Verdade real e Verossimilhança fática. São Paulo: BoletimIBCCRIM, ano 6, n. 67,

junho 1998, p.10.

42 DOTTI, René Ariel. Princípios do processo penal. Revista dos Tribunais 687:258. São Paulo: Ed. Revista

dos Tribunais, janeiro de 1993.

43ACKEL FILHO, Diomar. Verdade formal e verdade real. São Paulo: RTJESP, Lex n.111, março- abril

(48)

Malatesta que em matéria penal não se pode contentar com quaisquer provas

fornecidas, se não em que elas sejam as melhores que se possam ter em

concreto e ainda quando a lógica das coisas não autorizem a acreditar que

devam existir outras bem melhores.44

Nessa linha de raciocínio há também a sustentação de que o processo

por ser movido no interesse público, a condenação deve ser imposta como

providência jurisdicional justa e solução pertinente ao pedido do autor da

ação.

Nessa busca da verdade material, também está repercutido que, no

sistema probatório de livre convicção ou da persuasão racional acolhido pelo

processo penal, está vinculada a decisão do julgador à avaliação e ponderação

das provas apresentadas e existentes nos autos (quod non este in actis non est

in mundo). E ainda para que essa busca da verdade material fique mais

reforçada, considera-se ainda a prova da alegação que incumbe a quem a

fizer, e o próprio juiz nos termos do art. 156 do CPP poderá no curso da

instrução ou antes de proferir a sentença determinar,“de ofício”, diligências

para dirimir dúvida sobre ponto relevante, e ainda após encerramento da fase

instrutória, ordenar diligências para sanar qualquer nulidade ou suprir falta

que prejudique os esclarecimentos da verdade nos termos do art. 502 do CPP.

44 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria penal. Trad. Paolo Capitanio. 3.ed

(49)

Há de se reconhecer, entretanto, que é perversa, mesmo que por mais se

tente negar, a robotização atribuída ao julgador, por vezes até lhe alijando da

condição humana indescartável também em um juiz45, o que não lhe imuniza

de qualquer deslize, e não lhe garante o encontro de decisões justas na medida

em que envidar maior esforço para tal.(Capítulo VII, 7.4)

Por décadas prevaleceu-se o entendimento de que o ideal de justiça

somente seria atingido quando a sentença estivesse fundada na “verdade

material”. Essa busca era como a espinha dorsal do processo, reiterando-se,

era tida como fim dele e não meio, hoje a verdade a ser atingida pelo processo

penal segue alguns parâmetros que por vezes sacrificam-na, mas resguardam

direitos e garantias protegidos pela Constituição Federal. (V.Cap. VI, 6.2)

Nesse entendimento mais recente, considera-se igualmente que a

verdade deve ser alcançada; inclusive a seriedade de tal perquirição, no curso

do processo penal, impende sacrifício e esforços extenuantes, entretanto,

fica-se patente a impossibilidade de reprodução fática completa no campo

probatório.

O emprego da verdade “substancial”, “real”, ou “material” que retrata

as minúcias indissociáveis não se afina com a realidade processual em que

atuamos. É de raridade a sua contemplação em toda a sua pureza.

45Nesse sentido BRUM, NILO Barros. Requisitos retóricos da sentença penal. São Paulo: Ed. Revista dos

(50)

Mutatis mutandis já que mencionamos haver no processo penal também

nuances de verdade formal (Ver Cap.I, 1.2.1.1), no processo civil, no mesmo

compasso, há presença da verdade material, nos moldes já especificados;

citamos o art.130 do CPC onde temos que o juiz poderá de ofício ou a

requerimento das partes determinar provas necessárias à instrução do

processo 46, portanto não é lógico mais afirmar que o processo civil prima tão

somente pela verdade formal e o processo penal pela verdade material.

A investigação diligente permite anular a participação iníqua das partes,

quando tendem a desvirtuar o verdadeiro significado e conhecimento das provas,

e ainda dosar os limites dessa participação então, terminando na mesma linha

que começamos “a verdade material há de ser uma verdade judicial

processualmente válida”47 nas palavras de Jorge Figueiredo Dias; de modo que

completa Ada Pellegrini Grinover o princípio da verdade material significa hoje

simplesmente a tendência a uma certeza próxima da verdade judicial.48

Pelo exposto os dogmas da verdade formal e material parecem meio

estremecidos na óptica moderna, porque já brilharam numa época de

46Há vários outros dispositivos que mencionam a verdade material também na seara do Processo Civil. V.

alguns deles: art. 342, 255, 440 do CPC; Lei n. 5.478/68, que dispõe de alimentos art.5º, par.7º.

47 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Processual Penal.Coimbra.Ed.Coimbra, v.1º, 1974, p.193-194. 48GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal

(51)

intervenção estatal mais premente49, então a verdade é atributo obtido de um

juízo, não de uma prova50, sendo demarcado pela justiça como fundamento.51

1.2.2. A Verossimilhança

“A realidade não é uma régua, nem uma série de caixas: não tem marcas distintas, nem conhece separações absolutas52”.

Fernando Pessoa

A expressão “verossimilhança” (verisimilitude) é significativamente

empregada por alguns juristas a propósito da “verdade” no processo, como

prelecionou Piero Calamandrei.53

Já K. R. Popper 54 escreve que : o “poder de explicação”, “relevância”

ou conteúdo de “verdade” de uma proposição é o elemento da definição da

“verossimilhança” ou de aproximação da verdade, o que permite elucidar a

atividade científica, ou priorizando o fulcro deste estudo, a atividade

49 Nesta escola processual mais contemporânea temos na lição de Ada Pellegrini Grinover: “ o poder- dever

do juiz ao esclarecer os fatos( consiste em) aproximar-se do maior grau possível de certeza...(efetivando assim sua) missão de pacificar com justiça” in ob.cit., p.80.

50CARNELUTTI, Francesco. Principi del processo penale. Napoli: Morano, 1960.

51 COSSIO, Carlos. Teoria de la verdad jurídica. Buenos Aires: Editorial Losada, 1954, p.215.

52 PESSOA, Fernando. A essência do comércio- Teoria e prática do comércio in “Obras em prosa”, Rio de

Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p.626.

53 CALAMANDREI Piero. Veritá e verosimiglianza nel processo civile. Rivista de Diritto Processuale,

1955, p.6 e ss.

54Karl Popper apud FERRAJOI, Luigi, LUIGI. Direito e Razão-Teoria do Garantismo Penal. São Paulo:

(52)

jurisdicional primando por elucidar os fatos que estão sendo perquiridos na

seara do processo penal.

A reconstituição dos fatos sub judice, a ser buscada pelo julgador, se

constitui em uma missão sujeita a equívocos, no entender de Alice

Bianchini55, já que sempre será feita de forma indireta, por meio de uma

atividade probatória que não é imaculada ou isenta.

No entendimento da autora, sanada a fase da instrução criminal, surgem

para o juiz diversas possibilidades de configurações verossímeis, muitas vezes

contraditórias. O magistrado, no entanto, na posse desses materiais

heterogêneos tem por tarefa proclamar a verdade fática.

O fato, tão logo, é apresentado ao juiz, este elabora um juízo preliminar

que deveria ter um valor provisório ou elementar. Esta primeira hipótese pode

ir se reforçando e vir a tornar-se probabilidade para mais tarde transformar-se

em certeza.

No dizer de Luis Alberto Warat temos que:

A verossimilitude mostra a ilusão da verdade, porém não os seus determinantes. O raciocínio retórico é eficaz pela ilusão de verdade provocada, sendo pelo valor que está por trás da miragem, fazendo-a mfazendo-anifestfazendo-ar-se destfazendo-a formfazendo-a, fazendo-a verdfazendo-ade que é estfazendo-abelecidfazendo-a fazendo-atrfazendo-avés de um processo, não necessariamente corresponde à verdadeira

55 BIANCHINI, Alice, Verdade real e Verossimilhança fática. BoletimIBCCRIM, ano 6, nº.67, junho 1998,

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