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A criança com TDAH na escola: fracasso escolar ou uma maneira singular de relação com o saber?

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Academic year: 2018

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EDUCAÇÃOKJIHGFEDCBA

E M D E B A T E

Marilete Geralda da Silva]

Sylvie Delacours Lins2

A c r i a n ç a c o m T D A H n a e s c o l a :

f r a c a s s o

e s c o l a r o u u m a

m a n e i r a s i n g u l a r d e r e l a ç ã o

c o m o s a b e r ?

R e s u m oZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

T D A H é a s ig la do T r a n s t o r n o de D é f ic it de A t e n ç ã o lH ip e r a t iv id a d e . É c o n s id e r a d o p e lo

M a n u a l D ia g n ó s t ic o eE s t a t í s t ic o d a s D o e n ç a s M e n t a is ( D S M - I V ,1995)c o m oZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAu m p r o b le m a de s a ú d e

m e n t a l. S e u s s in t o m a s a p a r e c e m no in í c io do d e s e n v o lv im e n t o da c r ia n ç a es e t o r n a m m a is g r a v e s

p o r o c a s iã o do c o m e ç o de s u a v id a e s c o la r . S u a s m a n if e s t a ç õ e s v a r ia m de a c o r d o c o m af a ix a e t á r ia

dos u je it o em u it o in t e r f e r e m na s u a a d a p t a ç ã o er e n d im e n t o e s c o la r e s , q u e , p o r s u a v e z , c o la b o r a m p a r a os e u f r a c a s s o n e s t e c o n t e x t o . P e n s a m o s n ã o s e r s u f ic ie n t e u m a a b o r d a g e m n e u r o p s iq u iá t r ic a

p a r a c o m p r e e n d e r o s p r o b le m a s q u e e s t e s s u je it o s a p r e s e n t a m na e s c o la ed e f e n d e m o s u m a n o v a

le it u r a da s it u a ç ã o de f r a c a s s o da c r ia n ç a c o m T D A H no c o n t e x t o e s c o la r . U m a le it u r a q u e r e t ir e a

ê n f a s e d a s s u a s f a lt a s ed e f ic iê n c ia s , s e ja m e la s n e u r o ló g ic a s e / o u s o c io c u lt u r a is eq u e id e n t if iq u e

a s s u a s c o m p e t ê n c ia s ( P E R R E N O U D , 2 0 0 0 ) . A lé m d is s o , q u e c o m p r e e n d a a s u a a t iv id a d e e a do

p r o f e s s o r , r e f le t in d o s o b r e o q u e n ã o e s t á f u n c io n a n d o . U m a le it u r a q u e C h a r lo t ( 2 0 0 0 ) c h a m o u de

" p o s it iv a ':

Palavras-chave: T D A H , f r a c a s s o e s c o la r , r e la ç ã o c o m s a b e r , le it u r a p o s it iv a .

A b s t r a c t

C h i l d r e n w i t h T D A H i n s c h o o l : f a i l u r e o r a u n i q u e w a y o f r e l a t i n g t o k n o w l e d g e ?

A D H D is t h e a c r o n y m o f t h e A t t e n t io n D e f ic it / H y p e r a t iv it y D is o r d e r . I t is c o n s id e r e d b y t h e

D ia g n o s is a n d S t a t is t ic a l M a n u a l o f M e n t a l D is e a s e s ( D S M - I V ,1995)a s ap r o b le m o f m e n t a l h e a lt h .

I t s s y m p t o m s a p p e a r in t h e b e g in n in g o f t h e c h ild r e n 's d e v e lo p m e n t and it b e c o m e s m o r e s e r io u s

in t h e b e g in n in g o f t h e ir s c h o o llif e . I t s m a n if e s t a t io n s v a r y a c c o r d in g t o t h e in d iv id u a l's a g e g r o u p

and t h e r e is a g r e a t in t e r f e r e n c e in t h e ir a d a p t a t io n and s c h o o l p e r f o r m a n c e , w h ic h c o lla b o r a t e f o r t h e ir f a ilu r e s in t h is c o n t e x t . Web e lie v e itis n o t s u f f ic ie n t an e u r o lo g ic a l and p s y c h ia t r ic a p p r o a c h ,

t o c o m p r e h e n d t h e p r o b le m s t h a t t h e s e in d iv id u a ls m a y p r e s e n t a t s c h o o l and we d e f e n d a n e w

r e a d in g o f t h e c h ild r e n 's f a ilu r e s it u a t io n p r e s e n t in g A D H A u n d e r as c h o o l c o n t e x t o A r e a d in g t h a t

m a y r e m o v e t h e e m p h a s is o f t h e ir la c k s and d e f ic ie n c ie s , w h ic h can b e e it h e r n e u r o lo g ic a l o r s o c ia l

and c u lt u r a l

oties,

and it m a y id e n t if y t h e ir c o m p e t e n c ie s ( P e r r e n o u d , 2 0 0 0 ) . F u r t h e r m o r e , it m a y c o m p r e h e n d t h e c h ild r e n 'sand t e a c h e r 's e c t iv it ie s , and ar e f le x io n onw h a t is n o t w o r k in g . A r e a d in g

w h ic h C h a r lo t ( 2 0 0 0 ) n a m e d " p o s i t i v e " .

Keywords: A D H D , s c h o la r f a ilu r e , r e la t io n t o k n o w le d g e , " p o s it iv e " r e a d in g .

IP r o fe s s o r a d o D e p a r ta m e n to d e E d u c a ç ã o d a U n ív e r s id a d e F e d e r a l d o M a r a n h ã o - U F M A e d o u to r a n d a e m E d u c a ç ã o B r a s tle ir a d a U n iv e r s id a d e F e d e r a l d o C e a r á Evmail m a r ile te g e r a ld a @ ig c o m .b r

2P r o fe s s o r a d a F a c u ld a d e d e E d u c a ç ã o d aUníversidade F e d e r a l d o C e a r á Evmail: s y lv le c ll@ u fc .b r

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I n t r o d u ç ã ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

presente trabalho é fruto das nossas

re-flexões sobre o atendimento escolar de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperati-vidade (TDAH), o qual aponta cada vez mais para situações de fracasso e exclusão desses sujeitos que mesmo estando dentro, estão ex-cluídas deste contexto.

Aqui faremos um breve esclarecimento do que seja o transtorno, incluindo alguns da-dos estatísticos de sua prevalência em crianças que se encontram na escola, bem como a sua etiologia. Em seguida relataremos como a criança com TDAH é vista no contexto escolar para, logo depois, a partir de algumas considerações sobre o fracasso escolar em Perrenoud (2000) e em Charlot (2000), fazermos algumas reflexões sobre uma forma positiva de observação desta

criança nesse contexto. Desse modo iremos

proceder, por acreditarmos não ser suficiente

apenas uma abordagem neuropsiquiátrica, para compreender os problemas escolares que estes

sujeitos apresentam. Esperamos assim

contri-buir para o debate mais amplo a respeito da in-clusão escolar destas crianças e de todas as

ou-tras que tenham necessidades educativas

es-peciais ou não.

T D A H

o

TDAH, sigla do Transtorno de Déficit

de Atenção/Hiperatividade, é considerado pelo

Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças

Mentais (DSM-IV,1995) como um problema de

saúde mental, tendo-o como um distúrbio bidi-mensional envolvendo a atenção e a hiperativi-dade e/ou impulsivihiperativi-dade (BENEZIK,2002).

Benczik diz que o TDAH ocasiona um grande impacto na vida da criança no tocante

aos aspectos familiares, escolares e sociais,

pois sua característica principal é a

persistên-cia da desatenção e/ou hiperatividade, de

for-ma freqüente e severa, comparada com as de crianças da mesma idade que se encontram num nível equivalente de desenvolvimento.

A prevalência deste transtorno entre as crianças americanas em idade escolar, segundo Benczik (2002), está entre 3% a 5%. No Brasil, também foram relatadas algumas prevalências;

dentre elas está a encontrada por Barbosa

(1995). na Paraíba, através da Escala de

Con-...,-rCr\IOD/COS

ners. A pesquisa do citado autor encontrou uma prevalência de adolescentes entre 12 e 14 anos

com TDAH em torno de 3,3%. Isto significa

di-zer que, numa classe com quarenta alunos que se encontram nesta faixa etária, existe a possi-bilidade de pelo menos um ter TDAH.

Sobre a etiologia deste transtorno,

pes-quisas apontam para alguns fatores tais como:

hereditariedade, substâncias ingeridas na

gra-videz, sofrimento fetal e exposição das crianças

pequenas ao chumbo.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ importante

ressaltar-mos que, apesar do TDAH ser um transtorno muito pesquisado, elas ainda não são

conclusi-vas a este respeito (ROHDE& MATTOS,2003).

Os sintomas do TDAH aparecem, geral-mente, no início do desenvolvimento da criança e tornam-se mais graves quando do início da sua vida escolar, pelo fato de o aprendizado

exi-gir-Ihes habilidades de atenção concentrada,

de perceber, de discriminar eventos e detalhes e de permanecer sentada durante as aulas. Tais exigências tornam-se muito difíceis de serem cumpridas pela maioria dos sujeitos com TDAH, sem a ajuda das pessoas ou sem modificar a di-nâmica da qual participam.

Benczik assim sintetiza as características da criança com TDAH:

[...] demonstram níveis de atenção inapro-priados para a idade, são impulsivas e geral-mente superativas, apresentam dificuldades para seguir regras e normas. Podem apre-sentar também problemas de conduta, agres-sividade, pobre rendimento escolar ou pro-blemas de aprendizagem e dificuldades sociais, especialmente relacionados com os amigos e conflitos na família. Essas crianças apresentam também baixa tolerãncia à frus-tração, dificilmente aceitam um "não". E, em geral, têm uma percepção negativa de si ~esmos, em razão das repetidas frustrações vividas. A auto-estima dessas crianças, ge-ralmente é baixa (2000, p. 26).

A síntese da autora mostra, além das

características, as conseqüências que o TDAH

traz para a percepção que a criança tem de si e para as interações que estabelece na escola, na família e com os amigos. O que justifica o esfor-ço de pais, professores e outras pessoas que interagem com este sujeito, para compreende-rem o que se passa com ele e tentar ajudá-lo.

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A c r i a n ç a c o m T D A H n a e s c o l azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

As manifestações do TDAH variam de

acordo com a faixa etária da criança e com o seu

nível de desenvolvimento. Na idade

pré-esco-lar, costumam aparecer os sintomas caracterís-ticos do transtorno tais como: déficit de aten-ção, atividade motora excessiva e falta de con-trole. Na idade escolar, além da persistência destes sintomas, há o aparecimento de outros - os secundários - que acabam por afetar as

re-lações interpessoais e a aprendizagem escolar.

Os sintomas primários, em situação de grupo (a

classe). interferem negativamente na

percep-ção dos estímulos da aula, na estruturapercep-ção e

execução das tarefas, no relacionamento com

os colegas e professores. Esta interferência faz com que cada vez mais a criança estabeleça uma relação com o aprendizado, que, se não for compreendida, poderá desembocar no chamado

"fracasso escolar". Na adolescência, os sinto-mas secundários poderão se apresentar

exacer-bados, dando espaço para o aparecimento de

condutas anti-sociais e baixa auto-estima. Goldstein e Goldstein, ao comentar sobre o comportamento da criança com TDAH na es-cola, chamada por eles de hiperativa, dizem:

Uma das observações mais comuns feitas por professores do curso elementar s.obre crianças hiperativas é a de que parecem estar sonhando acordadas. Essas crianças não estão devaneando, mas estão interes-sadas em alguma coisa diferente daquilo que o professor possa estar focalizando no momento. A criança hiperativa geralmente está envolvida numa atividade mais impro-dutiva durante a aula e o recreio que as

outras crianças. O comportamento da

criança hiperativa é desigual, imprevisível e não-reativo às intervenções normais do professor. A criança hiperativa pode ter-minar uma lição do dia e é incapaz de com-pletar uma tarefa similar no dia seguinte. (... ). Freqüentemente isto resulta em inter-pretar o comportamento da criança como desobediência. Isto é, a criança consegue fazê-Ia, mas simplesmente decide não fazê-10.Assim o professor pressiona ainda mais. Para a maioria das crianças hiperativas, porém, essa interpretação é incorreta e, pelo fato de a criança não estar intencionalmente

apresentando esse comportamento, as

tentativas de forçar a questão não são bem-sucedidas. O resultado é a crescente frus-tração para o professor e para a criança

(GOLDSTEINZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& GOLDSTEIN, (2001, p. 108-109).

O que os autores querem dizer é que os sujeitos com TDAH não conseguem selecionar os estímulos e focalizar a sua atenção em

situa-ções em que as outras crianças geralmente o

fazem como numa explicação do professor, por exemplo. Além disso, há uma inconstância nas suas produções e uma imprevisibilidade no seu

comportamento que podem ser interpretados

como desobediência e não como uma maneira

de se conduzir, o que traz conseqüências para a interação professor-aluno.

Estes autores acrescentam ainda que,

apesar de não terem um bom desempenho

es-colar, as crianças com TDAH têm potencial para

aprender como as crianças consideradas

nor-mais, porém com o passar dos anos escolares, as suas dificuldades de atenção e de

estrutu-ração e execução das tarefas acarretam um

efeito negativo sobre o seu progresso escolar.

(GOLDSTEIN& GOLDSTEIN,2001).

Os problemas comportamentais ou

emo-cionais vivenciados pela criança com TDAH são

problemas secundários, "conseqüência de sua

incapacidade de satisfazer as exigências na

sala de aula. Esses problemas muitas vezes se desenvolvem em respostas a fracassos

freqüen-tes e repetidos" (GOLDSTEIN E GOLDSTEIN,

2001, p. 109). A irritação e a agressividade, a

depressão e o retraimento que estas crianças

apresentam podem surgir como resposta a esta situação.

U m a f o r m a p o s i t i v a d e o b s e r v a ç ã o d a c r i a n ç a c o m T D A H n a e s c o l a

Pelo que foi descrito acima sobre o trans-torno e sobre o comportamento da criança com TDAH, a sua escolarização será mesmo marca-da pelo insucesso e pelo sofrimento. Mas será que não existe realmente uma outra maneira de olhar para esta criança que não a veja como um sujeito a quem falta algo que facilite o seu aprendizado? Para que possamos responder a esta pergunta, temos que ir além da explicação médica sobre o que acontece com estes sujeitos,

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pois a compreensão do processo

ensino-apren-dizagem necessita que busquemos outros

sa-beres e outras perspectivas. A razão desta bus-ca é por sabermos que o ser humano é multifa-cetado e a educação é um processo complexo e não tão simples de ser explicado. Comecemos, então, a esclarecer o fracasso escolar sob o pon-to de vista cultural e social sem com isso pre-tender esgotar a compreensão deste fenômeno, mas apresentar uma outra maneira (dentre mui-tas) de compreendê-lo.

Perrenoud diz que o fracasso escolar é uma realidade fabricada e que ele é definido "como simples conseqüência de dificuldade de

aprendizagem e como expressão de uma falta

"objetiva" de conhecimentos e de

competên-cias". Mas para que possamos compreendê-Io é

preciso entender que resulta da forma e das

normas de competências que a escola institui - as excelências. A escola hierarquiza as exce-lências, porém estas hierarquias não estão pre-sentes só neste contexto. Há hierarquias de ex-celência no trabalho, na arte, no esporte ... Elas classificam os sujeitos de acordo com as suas competências. Isto quer dizer que há desigual-dades de competências entre os sujeitos e

es-tas desigualdades, Perrenoud nomeia como

"desigualdades reais" :

Presentes em todas as sociedades, as desi-gualdades reais de capital cultural apre-sentam-se, primeiramente, como capaci-dades desiguais de compreensão e de ação, revelando um poder desigual sobre as coisas, os seres e as idéias. Nem todos os indivíduos que coexistem em uma socie-dade, tanto as crianças quanto os adultos, enfrentam as situações da vida, sejam elas banais ou extraordinárias, com os mesmos meios intelectuais e culturais. Essa desi-gualdade existe tanto nas sociedades sem escola como nas sociedades altamente es-colarizadas, mas a emergência da forma escolar modifica o estatuto, a natureza e a

visibilidade das desigualdades culturaisZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( 2 0 0 1 , p . 1 8 ) .

Pelo exposto, estas desigualdades ficam

evidentes na relação que cada sujeito estabele-ce com a realidade. Elas lhe imputam mais ou menos poder nestas relações. Tais

desigualda-des ganham novas características e maior

evi-dência na forma escolar de instituir as competên-cias. Segundo este autor, a escola é o lugar privi-legiado de dar ênfase às desigualdades reais.

Perrenoud acrescenta ainda que existem desigualdades que ocorrem em áreas ignoradas pela escola (no esporte, na música, na arte, na capacidade de resolver problemas, etc) e outras que coincidem com as competências que a es-cola valoriza, como ler, escrever e calcular. A partir deste esclarecimento sobre as desigual-dades, ele conclui que quando a criança fracas-sa na escola, este fracasso é sempre relativo a

estas hierarquias de excelências instituídas.

Mas ele reconhece que há desigualdades reais

de desenvolvimento e de capital cultural antes de qualquer escolarização que devem ser leva-das a sério (PERRENOUD,2001). A saída para

que se leve a sério essas desigualdades seria a

forma diferenciada de se trabalhar na escola. "Diferenciar é, pois, lutar para que as desigual-dades diante da escola atenuem-se e, simulta-neamente, para que o nível de ensino se eleve" (PERRENOUD,2001, p. 09).

Há algo na discussão de Perrenoud sobre o fracasso escolar que nos ajuda a entender o desempenho das crianças com TDAH. Este algo está no momento em que ele esclarece sobre as competências que a escola valoriza e as que ig-nora. Será que as crianças com este transtorno são competentes em algo que não é valorizado pela escola, que não faz parte da sua hierarquia de excelência? A intuição e a criatividade po-dem estar fora desta classificação ...

Um outro ponto da discussão deste autor que nos faz refletir é que, a partir dele, podería-mos concluir que as crianças com TDAH

fracas-sam na escola, porque suas desigualdades de

capital cultural e de desenvolvimento provavel-mente não são levadas a sério e pelo tratamen-to não-diferenciado dado a elas nesta institui-ção. Mas esta conclusão não nos traz a idéia de falta? Ou seja, falta algo a estes sujeitos, para que o aprendizado ocorra. Além do mais, seria suficiente prestar atenção e identificar somente as competências destas crianças que a escola

não valoriza? Não seria importante também

prestar atenção naquilo em que ela fracassa? Charlot (2000) poderia nos ajudar a

res-ponder um pouco mais tais questões. Ele diz

que o fracasso escolar não existe como objeto de pesquisa "o que existe são alunos fracassa-dos, situações de fracasso, histórias escolares

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que terminam mal" (CHARLOT,2000, p. 16) e são esses fenômenos que devem ser analisa-dos. Ao fazer uma crítica às sociologias da re-produção dos anos 1960 e 1970 e ao modo como

foram interpretadas, diz que o fracasso escolar

não pode ter como causa somente a origem so-cial da família e que os alunos em situação de fracasso não são deficientes socioculturais. Este autor propõe que, para explicar o fracasso esco-lar, é preciso levar em consideração muitos

ou-tros fatores, além das desigualdades

sociocul-turais: requer a análise de condições de apro-priação do saber. Afirma:

Resumamos. Para analisarmos o fracasso escolar, devemos levar em consideração:

• O fato de que ele "tem alguma coisa a ver" com a posição social da família - sem por isso reduzir essa posição a um lugar em um momento socioprofissional, nem a família a uma posição;

• A singularidade e a história dos indi-víduos;

• O significado que eles conferem à sua po-sição (bem como a sua história, às situações que vivem e à sua própria singularidade); • Sua atividade efetiva, suas práticas; • A especificidade dessa atividade, que se desenrola (ou não) no campo do saber (CHARLOT, 2000, p. 23).

Podemos perceber que estas condições

apontam para um esforço maior do pesquisador, ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

para compreender as situações de fracasso es-colar, pois tiram a ênfase da posição social dos sujeitos, ao mesmo tempo em que a consideram e trazem a importância da história e singulari-dade dos sujeitos e os significados que dão a suas práticas.

Ao dizermos que há deficiências sociocul-turais, estamos imputando uma falta ao sujeito, segundo este autor. Quando o aluno está em

si-tuação de fracasso, faltas são efetivamente

constatadas (diferença entre este aluno e os ou-tros, diferença entre o que o aluno conseguiu fazer e o que se esperava, etc). Charlot diz que

poderíamos nos interessar pela atividade do

aluno e do professor, interrogar-nos sobre o que aconteceu e em que e onde a atividade não fun-cionou, ao invés de focalizarmos nossa atenção nas faltas. Ele explica como acontece, quando raciocinamos em termos de deficiências:

[...] Mas não é assim que se faz, quando se raciocina em termos de deficiências. Ao cons-tatar uma "falta" no fim da atividade, essa falta é projetada, retroprojetada, para o início dessa atividade: faltam ao aluno em situação de fracasso recursos iniciais, intelectuais e culturais, que teriam permitido que o apren-dizado (e o professor ...) fosse eficaz. Ele é deficiente (CHARLOT, 2000, p. 27).

Charlot (2000, p. 30) propõe uma nova

maneira de analisarmos as situações de

fra-casso na escola que não seja pela constatação das faltas. Esta maneira seria o que ele deno-minou de "relação com o saber". Ele enfatiza

que, quando analisamos estas situações de

fracasso em termos de falta e de deficiências

socioculturais, estamos fazendo uma" leitura

negativa" das situações. Ao contrário,

quan-do tentamos compreender a experiência dos

alunos, a sua interpretação do mundo e a sua

atividade, estamos fazendo uma "leitura

po-sitiva". Portanto, tentarmos compreender o

sujeito a partir da sua relação com o saber, é

fazer uma leitura positiva e não, negativa. É

tomar, fundamentalmente, uma nova postura

epistemológica e metodológica diante do

fra-casso do aluno.

Compreendemos que tomar uma nova

postura epistemológica é percebermos sujeito e

objeto do conhecimento numa nova relação.

Nela, o sujeito é ativo (porque desejante) e

constrói significados de si e da realidade, na qual é situado e se situa. Tomar uma nova

pos-tura metodológica é debruçarmos (como

pes-quisador, como educador) sobre os movimentos dos sujeitos implicados nesta relação em dire-ção ao saber (aluno, professor, pesquisador), ou seja, na relação de saber.

Ao analisar, a partir deste novo olhar, as situações de fracasso na escola - a leitura posi-tiva - das crianças com TDAH, não estaríamos

compreendendo mais estes sujeitos na sua

re-lação com o saber? Não estaríamos colaborando para que o seu aprendizado ocorra com menos sofrimento?

Charlot, ao fazer definições de relação com o saber, assim se expressa:

[... ] a relação com o saber é o conjunto das relações que um sujeito mantém com um objeto, um "conteúdo de pensamento", uma

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atividade, uma relação ínterpessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma oca-sião, uma obrigação, etc., ligados de certa maneira com o aprender e com o saber; e, por isso mesmo, é também relação com a linguagem, relação com o tempo, relação com a ação no mundo e sobre o mundo, relação com os outros e relação consigo mesmo en-quanto mais ou menos capaz de aprender tal coisa, em tal situação (2000, p. 81).

o

que este autor está querendo dizer é

em que a relação com o saber implica mais que uma situação linear onde há um sujeito que en-sina e outro que aprende. Implica numa relação de sujeito e realidade, sujeito e mundo e dos significados que ele atribui a si e à realidade.

Charlot ainda acrescenta que a relação

com o saber está relacionada com o "desejo de

saber", com a "representação do saber" e

"re-lações de saber". Em relação ao desejo de sa-ber, ele diz que "O conceito de relação com o saber implica o de desejo: não há relação com o saber senão a de um sujeito; e só há sujeito

"desejante" (CHARLOT,2000, p. 81). O desejo

mobiliza o sujeito, mas um sujeito que está no mundo se relacionando com os outros e com ele mesmo. E as atividades, os objetos e as situa-ções só têm sentido para este sujeito se provo-cam um desejo (desejo do mundo, desejo do outro, desejo de si mesmo, desejo de aprender). Portanto, as crianças com TDAH e para além deste transtorno também são sujeitos deseian-tes e esta dimensão deve ser levada em consi-deração na sua relação com o saber.

Os sujeitos possuem suas representa-ções do saber. Charlot (2000), usando a definição de D. Jodelet (1989), define as representações

como "realidades mentais" que fazem ver os

objetos e as vezes destes, se tornando conteú-dos de pensamento. Ele diz que as representa-ções estão incluídas na relação com o saber. E exemplifica que a relação com o saber inclui, por exemplo, a idéia do bom aluno e do bom profes-sor. As representações incluem crenças, valores,

atitudes, opiniões, imagens. As crianças com

TDAH também possuem representações do que

seja saber e é com estas representações que se

relacionam com o saber. Entender as suas re-presentações a partir da singularidade de cada criança, a nosso ver, é dar um outro passo na compreensão da sua relação com o saber.

Por fim, a relação com o saber tem a ver com a relação de saber. Charlot chama de rela-ções de saber as relarela-ções sociais sob o ponto de vista do aprender. Ele exemplifica que este tipo de relação existe entre o médico e o paciente, entre o engenheiro e o operário, etc, e que esta relação é fundada sobre as diferenças de saber. Porém, segundo ele, o médico, o operário, o en-genheiro são sujeitos que mantêm uma relação com o saber e ela é dependente da sua posição social. Sabendo-se que a relação com o saber é uma relação social que por sua vez também é relação de saber, os sujeitos estão imersos nes-sas relações. Ele esclarece:

ocupar tal ou qual lugar nas relações sociais, estar engajado em tal ou qual tipos de relações de saber é ser autori-zado, incentivado e, às vezes, obrigado a investir em certas formas de saber, de atividades ou de relações (...) Cada um ocupa na sociedade uma posição, que é também uma posição do ponto

de vista do aprender e do saber

(CHARLOT,2000, p. 85).

Ele exemplifica este esclarecimento con-tando o caso de um caminhoneiro que sintonizava o rádio do seu carro em uma emissora que tocava predominantemente música erudita. Todas as ve-zes que deixava o volante, o caminhoneiro tinha o cuidado de não deixar o rádio sintonizado na refe-rida emissora, para não sofrer "gozações" por parte dos colegas que o substituíam ao volante. A partir deste exemplo, fica claro que, pelo lugar que um caminhoneiro ocupa nas relações sociais, se torna estranho e até cômico o seu interesse por música erudita, ou seja, a sua relação de saber não está condizente com a sua posição do ponto de vista do aprender e do saber.

Mas o autor alerta que devemos ter o

cuidado para não interpretarmos tal posição

em termos deterministas, pois ao mesmo tempo

em que o sujeito é presa dessa situação, é

também capaz de se libertar dela. As crianças com TDAH também ocupam posições sociais que implicam em relações com o saber e

rela-ções de saber. Cabe a nós, educadores,

procu-rar entender que tipo de engajamento com o

saber elas estabelecem a partir das suas

rela-ções sociais.

89ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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C o n s i d e r a ç õ e s F i n a i szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA A partir das reflexões acima

colocamo-nos em defesa de uma nova leitura da criança com TDAH na escola, pois uma abordagem

mé-dica (neuropsiquiátrica), acreditamos não ser

suficiente para compreender as suas dificulda-des no contexto escolar. Uma leitura que tire o

foco das faltas, dos transtornos e dos déficits

(falta de atenção, falta de controle da impulsivi-dade, falta de maturidade ...); uma leitura que

identifique suas "competências" mesmo que

estas não sejam valorizadas pela escola e, além disto: que observe a atividade desta criança, do professor, refletindo sobre o que acontece, em que e onde as suas atividades não estão funcio-nando. Observar a atividade da dupla profes-sor-aluno é implicar o outro também no processo ensino- aprendizagem, sem culpabilizá-Io, é

tam-bém consíderá-Io como um sujeito nesta relação.

Mudar a leitura desta maneira é tentar

compreender a singularidade da criança com

TDAH na sua "relação com o saber". Mas para que o nosso intuito seja alcançado (seja como

pesquisadores e/ou educadores) precisamos

partir da consideração de que esta criança é um sujeito multifacetado, por ser ativo, desejante, histórico, que se situa e é situado no mundo, por isso a compreensão dos seus fracassos e

di-ficuldades escolares requer uma abordaçem

teórica que agregue saberes que dêem conta não só de aspectos biológicos, mas também de aspectos psicológicos, sociais, políticos e eco-nômicos implicados neste processo. Neste ar-tigo, apenas iniciamos uma reflexão e aponta-mos um caminho possível de se fazer isto. Há ainda muito que percorrer.

R e f e r ê n c i a s B i b l i o g r á f i c a s

BENCZIK,Bellini Peroni.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAT r a n s t o r n o de D é f ic it

deA t e n ç ã o / H ip e r a t iv id a d e - A t u a liz a ç ã o D ia g -n ó s t ic a e T e r a p ê u t ic a . São Paulo: Casa do

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i-c a s em t r a n s t o r n o de d é f ic it de a t e n ç ã o / h ip e r a

-t iv id a d e . Porto Alegre: Artmed, 2003.

Referências

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