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Arq. NeuroPsiquiatr. vol.2 número2

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Academic year: 2018

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CONFERÊNCIAS

A L T E R A Ç Õ E S M E N T A I S N A S C O R É I A S

J Ú L I O P A T E R N O S T R O *

U m a das cenas de "Alice n o país das m a r a v i l h a s " é a s e g u i n t e : u m g a t o aparece e desaparece, p e r t u r b a n d o Alice, a t é q u e ela lhe pede p a r a n ã o voltar mais. O g a t o vai-se e m b o r a l e n t a m e n t e , s u m i n d o p r i m e i r o a cauda, depois o corpo e, d u r a n t e certo tempo, p e r m a n e c e m a p e n a s diante dos olhos esbugalhados d e Alice, os esgares do felino. E x c l a m a , e n t ã o : " j á vi gato sem a r r e g a n h a r , m a s a r r e g a n h o s e m g a t o é u m a das coisas mais a b s u r d a s de q u e tive c o n h e c i m e n t o ! "

Q u a n d o neurologistas e psiquiatras se defrontam, os primeiros o l h a m para os segundos como n o caso de Alice. N o cérebro, freqüentemente, n a d a se e n c o n t r a que justifique as explicações ou i n t e r p r e t a ç õ e s dos psiquiatras sobre os f e n ô m e n o s psicopatológicos. C o m o pode existir " u m a r r e g a n h o " sem g a t o ? dizem então os neurologistas. N e s t e instante, p o r é m , aceitarão as m i n h a s explicações, pois vou discorrer sobre alterações mentais com le-sões cerebrais.

O l h a n d o - s e a cavidade craniana, de cima para baixo, verifica-se q u e sua a r q u i t e t u r a se divide em t r ê s c o m p a r t i m e n t o s ósseos b e m diferençados, cor-r e s p o n d e n t e s aos t cor-r ê s p a v i m e n t o s ou a n d a cor-r e s desccor-ritos pelos a n a t o m i s t a s : occipital, t e m p o r a l e frontal. Nesses p a v i m e n t o s alojamse os t r ê s s e g m e n -tos da m a s s a encefálica: 1) no a n d a r p o s t e r i o r : bulbo, p r o t u b e r a n c i a anular, cerebelo. 2) no a n d a r m é d i o : núcleo optostriado, lobos occipitais, temporais, da ínsula e hipocampo. 3) no a n d a r a n t e r i o r : lobo frontal.

E s s a divisão tripartida corresponde à distribuição de funções. A H i s -tologia, m e l h o r que a A n a t o m i a , revela-nos certos s e g m e n t o s regionais d o encéfalo, como o lóbulo préfrontal e o estriado, p o r exemplo, com e s t r u -t u r a s celulares p r ó p r i a s e, p o r -t a n -t o , com especialidade de funções. P a r a avaliar a delicadeza dessas funções e a finura dos c o m p o r t a m e n t o s p o r ela d e t e r m i n a d o s , b a s t a l e m b r a r q u e n u m a g r a m a dessa m a s s a encefálica encer-r a m - s e tencer-rinta milhões de células ganglionaencer-res e t encer-r i n t a mil q u i l ó m e t encer-r o s de fi-brilas (inclusive o tecido conjuntivo).

Conferência realizada e m 14 d e n o v e m b r o de 1943, n o C u r s o de E x t e n -são Universitária de Clínica N e u r o l ó g i c a da F a c u l d a d e N a c i o n a l de Medi-cina, o r g a n i z a d o pelo D r . A. A u s t r e g é s i l o Filho.

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N o bulbo, n a protuberância, no cerebelo e n c o n t r a m - s e aa principais funções do instinto, isto é, a tendencia p a r a a c o n s e r v a ç ã o individual e p r o p a -gação da espécie. Circulação, respiração, digestão, r e p r o d u ç ã o , equilíbrio e controle dos m o v i m e n t o s involuntários constituem elementos da vida instin-tiva, cujos centros e s t ã o no c é r e b r o posterior. N o cérebro central se ela-b o r a m e se c o n d e n s a m as emoções. A dor, o pavor, o choro, a cólera, o riso, a alegria, as nossas paixões, o n o s s o entusiasmo pela beleza, enfim esses f e n ô m e n o s complexos da vida sentimental que f o r m a m o t e m p e r a m e n t o têm, n o t á l a m o e terceiro ventrículo com especialidade, o seu c e n t r o . É o seg-m e n t o da afetividade. N o lobo frontal realiza-se a síntese das funções que caraterizam a inteligência.

M a s o m e c a n i s m o do encéfalo, a e n g r e n a g e m de suas funções desde as mais superficiais às mais ocultas, n ã o respeita aquela divisão tripartida, diante das e x u b e r a n t e s vias de comunicações que entrelaçam os s e g m e n t o s . Estes n ã o t r a b a l h a m s e p a r a d a m e n t e , m a s e m bloco, e essa unidade funcional do encéfalo j a m a i s deve ser esquecida a o t r a t a r m o s das afecções dos núcleos d a base.

Sabe-se que a sensibilidade e a motricidade de n o s s o c o r p o t ê m sua r e p r e s e n t a ç ã o total ao comprido d a s duas circunvoluções que m a r g e i a m a cisura de R o l a n d o e que essa r e p r e s e n t a ç ã o se distribui, de a c o r d o c o m u m velho símbolo, c o m o se fosse u m h o m e m que tivesse a cabeça v o l t a d a para o lago silviano e as p e r n a s para a circunvolução p a r a c e n t r a l .

O espaço o c u p a d o pela sensibilidade n a cortiça cerebral n ã o está em p r o p o r ç ã o com a e x t e n s ã o da superfície corporal que representa, m a s sim com o n ú m e r o de n e u r ô n i o s que a d e t e r m i n a d a região c o n t é m . A polpa dos dedos, por exemplo, e m b o r a possua u m a superfície m u i t o m e n o r que a da espádua, t e m u m a localização cerebral m u i t o maior, devido precisamente à riqueza e x t r a o r d i n á r i a de seus receptores sensoriais. D a m e s m a forma e pelos m e s m o s motivos, a e x t e n s ã o das localizações m o t o r a s n ã o está em p r o p o r ç ã o com o t a m a n h o ou o n ú m e r o dos músculos, m a s com a riqueza de sua inervação. A m u s c u l a t u r a do tronco, por exemplo, ocupa u m l u g a r m í n i m o na cortiça cerebral, e n q u a n t o que o polegar e o índice exigem, só para eles, u m a superfície considerável, quase d o t a m a n h o da que c o r r e s -p o n d e à -perna. A com-plexidade e o valor -psíquico dos m o v i m e n t o s deter-m i n a deter-m a deter-maior ou deter-m e n o r extensão de localização na cortiça. Depreende-se daí que essa maior extensão, pelo simples fato de ser maior, se t o r n a mais facilmente atingível, q u a n d o os processos m ó r b i d o s se instalam no encéfalo. A m ã o , " e s s e cérebro externo do h o m e m " , segundo o feliz p a r a d o x o de K a n t , merece a l g u m a s considerações, pois ela t r a d u z em m o v i m e n t o s

espe-ciais ( c o m o os coréicos, os atetóticos, os de enrolar pílulas d o s parkinsonianos), várias enfermidades do sistema e x t r a p i r a m i r a d a l .

A a p t i d ã o p a r a formar u m a pinça com o polegar e o índice, de e n o r m e i m p o r t â n c i a n o c o m p o r t a m e n t o da m ã o , aparece a p ó s q u a r e n t a s e m a n a s do nascimento. Depois dos q u a t o r z e meses ela deixa de ser u m elemento pro-visório da função de locomoção, para se t o r n a r no m e l h o r e mais útil instru-m e n t o de conquista da realidade. Mais que a vista e o ouvido, a instru-m ã o ensina à criança conhecer os objetos e detalhar suas partes. N a d a como " a p a l -par as coisas", dizemos nós adultos, q u a n d o q u e r e m o s sentir a realidade. Sem a m ã o , os cegos n ã o se instruiriam, " n ã o e n x e r g a r i a m " .

L o n g e de ser u m a função e l e m e n t a r e primitiva, c o m o descrevem os manuais, o t a c t o é o p r o d u t o de u m a laboriosa e profunda análise. P e r m i t e p e n e t r a r no interior das coisas, e n q u a n t o a vista, por exemplo, se d e t é m quase s e m p r e na superfície do objeto. A v a r a que se introduz na á g u a j u r a

aos olhos que está quebrada; a mão nos ensina a ser prudentes. Ai de nossos colegas cirurgiões, apesar da técnica maravilhosa dos raios X, se não fossem as mãos que controlam os segredos do abdome, mal aberto por uma

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O olfato, o g o s t o , a visão e o ouvido c o n t r i b u e m p a r a a elaboração das funções mentais superiores, com as formas de conjunto ou a c h a m a d a " p e r -cepção s i n c r é t i c a " de R e n a n ou a " G e s t a l t q u a l i t ä t " da atual escola de K o h l e r , m a s a m ã o , na verdade, é que precisa os c o n t o r n o s e c o n t r o l a a realidade. Dela depende o p r o b l e m a social da "habilidade m a n u a l " t ã o i m p o r t a n t e p a r a a seleção profissional e os testes de psicotécnica.

O s m o d e r n o s estudos de a n a t o m i a cerebral localizam n o estriado o c e n t r o da "habilidade m a n u a l " . M a s , em vez de se admitir, como a n t i g a m e n t e , que as c o n t r a ç õ e s inúteis e descontroladas e r a m apenas u m a insuficiência desse ó r g ã o , hoje, g r a ç a s a o s estudos de M o n a k o w e von E c o n o m o , sabe-se que elas estão d i r e t a m e n t e s u b o r d i n a d a s à influência da cortiça cerebral.

A s relações do estriado e cortiça, as funções centrífugas e centrípetas devem ser consideradas, q u a n d o o b s e r v a m o s os doentes do sistema extra-piramidal. U m coréico ou u m parkinsoniano, com m ã o s que n ã o controlam a realidade, têm, como s o b r e c a r g a aos distúrbios da cortiça alterada, falsas e insuficientes percepções sincréticas que mais ainda p e r t u r b a m o funciona-m e n t o da atividade inteligente.

Q u a n d o falamos em localização cerebral das faculdades mentais, é claro que n ã o p r e t e n d e m o s a p o n t a r com a vareta, n o e s q u e m a d o cérebro, o local da consciência ou da vontade. A consciência da m ã o , por exemplo, n ã o está localizada, m a s sim os seus c o m p o n e n t e s psíquicos, isto é, as m e m ó r i a s ou e n g r a m a s dos seus m o v i m e n t o s que c o n c o r r e m , com t o d a s as o u t r a s m e -mórias, à elaboração da consciência. A m e s m a coisa se dá com a v o n t a d e ou a inteligência, resultados finais de u m vasto t r a b a l h o cerebral.

Cada t e r r i t ó r i o sensorial parece que se c o m p õ e de duas partes, u m a das quais prepara o material que serve à outra. A primeira chama-se sensorial, a segunda psicossensorial; esta funciona normalmente quando a outra a excita, ou então q u a n d o a zona que a precedeu n o desenvolvimento está perfeitam e n t e í n t e g r a ou, ainda, q u a n d o n ã o está alterada p o r u perfeitam processo p a t o -lógico.

A relação que já assinalamos e n t r e o estriado e a cortiça se r e p r o d u z p a r a cada zona cerebral dos sentidos. Q u a n d o os ó r g ã o s de o r d e m inferior s u s p e n d e m o seu trabalho, as funções perceptivas do c e n t r o psicossensorial se detêm, privadas que ficam dos materiais, e m b o r a se a c h e m em perfeitas condições. E s t a m o s fartos de ouvir ou de ver que os coréicos d o r m e m t r a n -qüilamente, e eu, nos poucos casos que estou observando, t e n h o i n d a g a d o a respeito dos seus sonhos. A t é hoje n ã o consegui, inclusive n u m paciente médico, p o r t a n t o com conhecimentos superiores p a r a entender o que eu de-sejava, r e p r o d u ç ã o de sonhos p a r t i n d o de estímulos sensoriais externos. I s t o está m e induzindo a pensar, e m b o r a seja p r e m a t u r a qualquer afirmação, que g r a n d e p a r t e da r e d u ç ã o funcional do c é r e b r o nessas molestias, seja devida à falta de preparação do material para a parte psicossensorial, pois, como se verifica, a visão, o olfato, o g o s t o e a audição c o n s e r v a m - s e íntegros, de u m m o d o geral, nesses doentes.

O d e s p e r t a r da i m a g e m acústica da palavra " p e n a " , p o r exemplo, está s u b o r d i n a d a à presença das i m a g e n s visuais e tácteis da pena. Se e s t a s fa-lham, e m b o r a o objeto esteja diante do examinado, a i m a g e m verbal acústica que a simboliza não será evocada ou e n t ã o t o m a r á u m c a m i n h o indireto de-pois de certo t e m p o . Assim, p o r exemplo, a u m a coréica à qual m o s t r a m o s

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N ã o se devem considerar as localizações no sentido concreto e vulgar, m a s n o de u m a série indissolúvel de processos, cada u m dos quais t e m seu ó r g ã o específico, e s t r e i t a m e n t e unidos sob o p o n t o de vista funcional. Isola-damente, os elementos sensoriais n ã o c o n s t r o e m a i m a g e m concreta das coisas. P a r a isto, eles precisam estar coordenados. F o r m a d a s as percepções simples, atuais ou representativas, elas se c o o r d e n a m por sua vez e, s e g u n d o as leis da associação, originam p r o d u t o s mais complexos. A p r o d u ç ã o in-telectual, as vivências vão se e n g a t a n d o , multiplicando-se a t é atingir as con-cepções a b s t r a t a s , que s ã o novos p o n t o s de partida para o u t r a s c o o r d e n a ç õ e s . E a sucessão de vastas coordenações atinge o seu mais a l t o g r a u n o que d e -n o m i -n a m o s o " p e -n s a m e -n t o c r i a d o r " , isto é, o tipo de pe-nsar que g e r a o co-n h e c i m e co-n t o , o qual co-nos leva a eco-ncarar as coisas de maco-neira diversa da a co-n t e r i o r e age n a sua r e c o n s t r u ç ã o .

O n d e se realizam essas vastas associações, essas delicadíssimas coorden a ç õ e s dos p r o d u t o s secoordensoriais que criam as cocoordencepções complexas t r a d u zidas pela c o n d u t a ? N ã o receamos r e s p o n d e r : nos lobos frontais. N a s v á -rias c a m a d a s das células piramidais se e n c o n t r a m o s territórios da linguagem, que se devem distinguir da área a n a t ô m i c a da palavra. A palavra pode sofrer p e r t u r b a ç õ e s n ã o s o m e n t e q u a n d o os ó r g ã o s intrínsecos de seu m e c a -nismo foram atingidos ( c o m o no caso de pacientes de afecções d o sistema extrapiramidal — p a l a v r a disártrica, escandida), c o m o t a m b é m q u a n d o se per-t u r b a m os m e c a n i s m o s que e l a b o r a m o c o n per-t e ú d o m e n per-t a l ( i m a g e n s concreper-tas e idéias a b s t r a t a s ) e, ainda, q u a n d o se i n t e r r o m p e m as vias que u n e m os c a m p o s das i m a g e n s e das noções que t o r n a m possível o processo lógico.

A incapacidade de e n c o n t r a r as palavras adequadas aos objetos e a sua substituição por o u t r a s de significado diverso, a tendência à perseveração que e n c o n t r a m o s nos coréicos de H u n t i n g t o n , s ã o exemplos categóricos deste caso.

P o d e - s e considerar a l i n g u a g e m c o m o a síntese da inteligência, pois é ela que t r a n s f o r m a em símbolos as emoções, os sentimentos, a conduta e estados representativos. Q u a n d o suas áreas cerebrais são atingidas pelo p r o -cesso m ó r b i d o , t o d o o p a t r i m ô n i o m e n t a l do indivíduo se desmantela. N ã o i m p o r t a que as zonas sensoriais c o n t i n u e m funcionando, o material p o r elas recolhido n ã o é mais utilizado, p o r q u e n ã o só faltam símbolos, como o m e canismo da formulação dos juízos complexos em séries lógicas se i n t e r r o m -pe. N u m g r a u incompleto é a afasia. N u m g r a u completo, a demência ou o estado definitivo e irremovível a que c h e g a m os doentes, n a ú l t i m a etapa dos processos m ó r b i d o s degenerativos.

Subimos, com esta síntese, os t r ê s a n d a r e s da cavidade craniana, o n d e vivem o instinto, a afetividade e a inteligência. B o n s vizinhos q u a n d o há h a r m o n i a e n t r e eles; m a u s , desastrosos parceiros quando ela se r o m p e . N o ú l t i m o andar, os lobos frontais g o v e r n a m a c o n d u t a pelas inibições. E , c o m o e n c e r r a m as funções mais delicadas e complexas, n ã o deixam de sofrer as conseqüências de a l t e r a ç õ e s que se p a s s a m nos p a v i m e n t o s inferiores. F u n c i o -n a m quase s e m p r e como sismógrafos dos t e r r e m o t o s que c o m e ç a m a se i-ns- ins-talar nos cérebros central e inferior.

A equipe de escol que m e precedeu neste lugar já se referiu à anatomia, histologia e fisiologia patológicas e às afecções do sistema extrapiramidal. J á sabem, p o r t a n t o , quais os territórios cerebrais atingidos e os q u a d r o s clí-nicos que eles a p r e s e n t a m .

O s sintomas m e n t a i s que d e c o r r e m daquelas modificações histofisiológicas e que se s o b r e a j u n t a m aos o r g â n i c o s , p o d e m ser a g u d o s ou crônicos. Para melhor facilidade descritiva escolhi dois tipos de afecções: uma aguda, infecciosa, a Coréia de Sydenham; outra crônica, degenerativa, a Coréia de

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O seguinte caso clínico dá u m a idéia das alterações m e n t a i s n u m a d o e n -ça a g u d a do sistema extrapiramidal.

C. M., sexo feminino, 14 anos, branca, residente nesta cidade. Essa mocinha adoeceu em novembro do ano passado e esteve sob meus cuidados profissionais de 20 de abril a 15 de agosto deste ano.

Filha primogênita de pais brasileiros, da classe média. Tem dois irmãos menores sadios. O pai morreu aos 48 anos, de doença pulmonar, quando Creusa tinha 12 anos. A mãe, com quem mantive contacto durante a doença da filha, é sadia, calma, segura de seus atos, ativa. De estrutura corporal pícnica, ao contrário de seu falecido esposo, cuja fotografia revelou-me um tipo de tendência leptossômica. A filha herdou esta estrutura. A mãe teve abortos, seus exames de sangue foram sempre negativos e disse-me que, em sua família, só um tio sofreu de doença mental, o qual passou alguns anos internado num Sanatório. Quanto aos parentes do esposo, lembra-se de uma irmã deste, já falecida, que sofria de ataques epiléticos. Não colhi outros dados sobre antecedentes psicopáticos da família da paciente.

Creusa nasceu após gestação e parto normais. Aos 6 meses, sob regime alimentar arti-ficial, teve impetigo generalizado. Passou bem do 1.° ao 4.° ano de vida. Com quatro anos contraiu sarampo e, em seguida, impetigo e um antraz no pescoço que a debilitaram muito. Nessa ocasião, durante um mês apresentou várias "poussés" de temperatura. Banhos e for-tificantes fizeram a menina recuperar a saúde e, aos 7 anos, matriculou-se na escola. O aprendizado escolar primário se fêz normalmente, tendo perdido um ano, devido a uma doença intestinal, cuja etiologia não consegui apurar.

Aos 12 anos terminou o curso, justamente quando seu pai faleceu. Suas regras apare-ceram em 4 de setembro de 1942, aos 13 anos completos e compareapare-ceram regularmente até

1.º de janeiro deste ano, quando se interromperam. Até setembro deste ano permaneceu amenorréica, isto é, durante o período da doença à qual atendi.

Quando a vi pela primeira vez, limitou-se a responder poucas perguntas. Calada, sentou-se na cadeira e assumiu uma atitude negativista, embora me olhasse de soslaio, com certa ex-pressão de môfa. A única frase foi: "não me compreendem".

Contou-me a mãe o seguinte: Creusa era muito agarrada ao pai e chorou muito a sua morte, tornando-se, há pouco mais de um ano, irritadiça, "nervosa", com tendência a se isolar e rir à toa. Dá gargalhadas sem motivo, na rua ou no cinema, falando alto e fazendo caretas para os estranhos. Cuidadosa até então no vestir-se, tornou-se desmazelada. Freqüentemente a mãe era obrigada a chamar-lhe atenção para abotoar o vestido e pentear o cabelo, embora se demorasse muito tempo diante do espelho. Ultimamente, a mãe não a compreendia: ora ela estava muito alegre, exagerada no falar, ora se entristecia e permanecia muda. Tornara-se desastrada, "quebrando muita louça", "deixando as torneiras abertas". Não há anormalidade quanto ao sôno. Recentemente brigava muito com os irmãos, e destruia os seus brinquedos.

Estava se preparando para o exame de admissão ao ginásio, mas, como nas aulas tor-nara-se turbulenta e não "prestava atenção", tirando más notas, a mãe, que recebia queixas

freqüentes do diretor, resolveu tirá-la do colégio, dizendo-lhe que "como castigo não a mandaria mais para o estudo, e que, afinal de contas, ela serviria para lavadeira". A mãe falara "lavadeira" como podia dizer "cozinheira", mas o interessante é que a mocinha, tomando a

peito a admoestação materna, resolveu "lavar as roupas de casa", coisa que nunca fizera, até então. Há seis meses não ia à escola, saía freqüentemente de casa e procurava estar só na companhia de rapazes, fato que, de uma feita, mereceu acerba recriminação da mãe. Isto au-mentou extraordinariamente a hostilidade entre ambas. O resultado do exame do liquor ape-nas revelou uma discreta pleocitose: 3 cels. por mm.3

; albuminose de 0,30. Confesso, não atinei com esse resultado. As reações sorológicas da sífilis foram negativas.

Fiquei sem diagnóstico definitivo. Admiti, à primeira vista, devido à etapa endocrínica por que ela estava passando, e à alteração do lar conseqüente à morte do pai, o qual a mimava, em contraste com a mãe, que se inclinava para os outros dois filhos, tratar-se de um caso de disendocrinia e desajustamento familial. Mas, ao mesmo tempo, certos siptomas — desleixo no vestir, dificuldade em se abotoar e se pentear, permanência longa diante do espelho — alterações acentuadas da conduta, advertiam-me prudência.

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Destaco, então, como sinais premonitórios: distúrbios da conduta e do instinto; enfra-quecimento das propriedades inibitórias do lobo frontal. Durante a manifestação neurológica da doença notamos: ligeiros distúrbios da atenção (verificados pela prova de Bourdon) e certa irritabilidade do humor, manifestada principalmente na presença da mãe. Prova evi-dente das relações psicológicas complexas, isto é, das áreas especializadas da cortiça com os cérebros central e posterior.

A associação de idéias também se tornou lenta. È claro que evitamos qualquer teste es-crito, para não entrar em jogo o fator emocional diante das dificuldades impostas pelos mo-vimentos coréicos. Às perguntas simples de geografia, capitais de paises, de estados, demorou em responder, e, outras vezes, disse-me que não sabia. Mas, depois do restabelecimento, as mesmas perguntas tiveram respostas certas e prontas. Não houve alterações da memória, mas as inibições desde a fase pré-neurológica foram evidentes. Inicialmente não dei atenção ao liquor, porém, depois, lembrei-me que nesses casos costuma haver albuminose e linfocitose discretas.

Na sua família não houve casos de coréia. É uma paciente de sistema nervoso frágil, e o impetigo rebelde que, desde os primeiros dias de vida se manifestou, induz-me a classificá-la como de fraca resistência às infecções. Um fato que não devo deixar de salientar entre os fatores desencadeantes dessa enfermidade aguda, é o choque emocional. A paciente, segundo informação de sua mãe, principiou a adoecer após a morte do pai. Este tinha especialmente para ela um valor especial; n a família, foi quem mais a cumulou de carinhos.

Referí-me, l i n h a s a t r á s , a o a s s u n t o de seleção do p e s s o a l . Citarei de p a s s a g e m u m caso o b s e r v a d o p o r m i m q u e se relaciona c o m a M e d i c i n a do T r a b a l h o . E m b o r a , p r a t i c a m e n t e , n o n o s s o país a interferência do p s i c ó -logo e p s i q u i a t r a n e s s a s q u e s t õ e s a i n d a seja insignificante ou nula, n ó s clí-nicos d e v e m o s , pelo m e n o s p o r solidariedade h u m a n a , c o n t r i b u i r p a r a q u e os p a c i e n t e s n ã o sejam p r e j u d i c a d o s em seus direitos de t r a b a l h a d o r e s .

V., parda, 16 anos, fisicamente bem constituida. Trabalhava numa pequena fábrica de caixas de papelão. Seu mister consistia, há dois anos, em passar cola em papéis. Ganhava como tarefeira.

Em novembro ú'timo principiou a reduzir sua produção e esperdiçar cola, fato que, além de diminuir seu salário, serviu de base para admoestações do patrão e de um seu irmão mais velho. Este achava que V. se tornara vadia, devido ao namoro que mantinha com um rapaz. A moça tornou-se irritada, malquista pelas companheiras de trabalho, porque não dava "ven-cimento" (sic), isto é, as prejudicava no serviço. Tais serviços, como sabem, são taylorizados. Cada operária completa a parte da outra, de modo que V. foi considerada como "mau ele-mento". V. está hoje se tratando de coréia, com injeções de salicilato de sódio. Seu pre-juízo no trabalho foi conseqüência da doença que estava se instalando.

O s m o v i m e n t o s a n o r m a i s das m ã o s c o n s e q ü e n t e s a doença infecciosa do s i s t e m a n e r v o s o t r a z e m , pois, c o m p l i c a ç õ e s psicológicas, e devo l e m b r a r que e s t a s , p o r sua vez, influem d e s a s t r o s a m e n t e n a d e s t r e z a . Q u e r o dizer que, q u a n d o n o s r e l a t a m u m a h i s t ó r i a d e falta de habilidade m a n u a l , n ã o d e v e m o s a d m i t i r d e s d e l o g o a existência de s i n t o m a p r o d r ô m i c o de u ' a m o -léstia do sistema e x t r a p i r a m i d a l , pois, f r e q ü e n t e m e n t e , e s t a d o s emocionais crônicos, d e s a j u s t a m e n t o s de a m b i e n t e s familial e social a l t e r a m a d e s t r e z a .

A n a l i s e m o s a g o r a os s i n t o m a s m e n t a i s da doença d e g e n e r a t i v a : a C o r é i a de H u n t i n g t o n . T r a t a - s e de u ' a m o l é s t i a q u e a p a r e c e n a i d a d e a d u l t a ou senil, de t r a n s m i s s ã o h e r e d i t á r i a direta e h o m o m o r f a e c o m distúrbios m e n -tais p r o g r e s s i v o s .

A s s e g u i n t e s o b s e r v a ç õ e s de M e g g e n d o r f e r o f e r e c e m n o s u m q u a d r o e x -pressivo das a l t e r a ç õ e s m e n t a i s n a C o r é i a de H u n t i n g t o n :

CASO 1 — Max Kramer, operário. Foi bom aluno. Aos 35 anos trabalhava como confeiteiro quando, perdendo as sensações gustativa e olfativa, abandonou essa profissão. Ca-sara-se S anos antes, e empregou-se num estaleiro, onde se tornou conhecido como um homem

muito nervoso e facilmente irritável. Contraiu pneumonia e, paulatinamente, instalaram-se os

sintomas da Coréia de Huntington, que lhe impediu de ganhar a subsistência e o fêz perambular pelos hospícios pelo resto de sua vida.

Sua linguagem é confusa, penosa. Suas frases são constantemente interrompidas pelos movimentos da cabeça. Só por muito pouco tempo, consegue, pela vontade, impedir os mo-vimentos. Durante o sono torna-se tranqüilo. É lúcido, tem consciência da moléstia, sabe que sua mãe e sua tia sofriam do mesmo mal e que jamais recuperará a saúde. Percebe também

que não pode fixar conhecimentos novos. A associação de idéias é lenta; queixa-se de que o taquitoscópio é muito rápido. Na execução da prova de Bourdon, demora e falha muito. Só faz cálculos com algarismos abaixo de 10. Associa as idéias de modo peculiar, por

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Realiza sem dificuldade os atos simples da vida cotidiana e também sabe cumprimentar militarmente, ameaçar os outros. Antes, era bom pai de família. Recebe as visitas de seus parentes com sentimentalismo. Geralmente, se isola dos companheiros de internação, aparen-tando ser um indivíduo que não se interessa pelos fatos do seu pequeno mundo, exceto para comer. Come brutalmente, mantendo assim um certo peso corporal. O seu armário é uma gaveta de sapateiro: nela se encontram, misturados, alimentos, papel, tabaco. Completamente desarranjado no vestir, sujo. Anda sempre atrasado: é o último a se levantar pela manhã, o último a se deitar à noite. Para ser examinado é preciso que o arrastem à sala do médico. Nenhum doente quer ser seu vizinho na mesa, pois suja tudo, come muito devagar e é estaba-nado, devido naturalmente à inquietude motora.

O paciente tem consciência de sua incapacidade, de suas falhas. Às vezes, ainda não lhe perguntamos nada e responde de antemão: "isso é muito difícil para mim", "sou fraco no cálculo", e, quanto à sua história anterior, costuma repetir, sem nos dar atenção às perguntas: "disso sabe minha esposa". É cheio de suscetibilidades, julga-se constantemente ofendido. Se outro doente o olha casualmente, logo admite que o está provocando. Se o servente prepara o banho para um doente antes do dele, queixa-se amargamente e isso não sai de seu pensa-mento durante semanas, não havendo razões que o tranqüilizem. Quando denuncia essas coisas, se excita extraordinariamente e atinge a uma tal tempestade de movimentos, que não pode mais falar. O interesse pela sua família, porém, é constante. Sai com licença, várias vezes, viaja sozinho, de trem e a pé, para as visitas domésticas e volta sempre no dia marcado.

CASO 2 — Teodoro Welten foi um comerciante inteligente e hábil. Era muito sociável, alegre. Vivia numa boa roda de amigos, embora se tornasse, às vezes, "nervoso", colérico, es-trilando por um não-nada, mas não guardava ressentimentos.

Como progredisse numa cidade do interior, vendeu bem a sua casa de negócio e insta-lou-se em Hamburgo. Aqui, a sua vida de comerciante não foi feliz. Aceitou então um lugar de contador numa firma. Trabalhava muito e, aos 46 anos, aquelas crises anteriores de cólera, tornaram-se quase diárias. Numa noite, agitou-se sem motivo no leito, rasgou os lençóis e depois dormiu. Começou então a andar vacilando e muitos o supunham embriagado. A moléstia desenvolveu-se rapidamente. Os movimentos involuntários, as excitações psíquicas assumiram grandes proporções. Em casa, começou a quebrar cadeiras, rasgou as cortinas, agrediu, quase estrangulando a esposa e, pulando uma janela, saiu de cuecas na rua gri-tando que "queriam matá-lo". Foi internado num hospício.

Exceto a inquietação motora, seu organismo é normal. A linguagem é lenta, monótona, amiúde incompreensível. Psicologicamente, porém, é lúcido, sabe que sua doença é incurável. Não encontra palavras para nomear certas coisas; um morcego é "um bicho que voa de noite", uma cobra é "um animal venenoso da floresta", etc. A associação de idéias oferece um modo peculiar de reação. Assim: veneno — para matar; quilo — para pesar; medo — no corpo; ladrão — na prisão; cisne — na água, etc. São reações fixadas.

Sua memória de fatos anteriores à doença é perfefta. Guarda relativamente bem seus conhecimentos escolares. Pelo exame dos conceitos abstratos, também, certo grau de con-servação, embora, às vezes, não os diferencie; assim, " e r r o " e "mentira" são mais ou menos a mesma coisa. Não alcança o sentido de provérbios comuns, não entende historietas singelas, descritas numa série de fotorafias.

Welten se isola dos outros doentes, lê por acaso algumas revistas e freqüentemente es-tende a vista para um horizonte imaginário, como se estivesse sonhando acordado.

Suscetível, admite que os outros doentes vivem a mangar dele. Se o contrariam num desejo fútil, encoleriza-se, lança desordenadamente seus membros coréicos para os lados, agarra as pessoas vizinhas, grita, chora. Nos períodos de calma é bem visto pelos seus companheiros de hospital. Faz esforços para se manter bem composto, limpo e mantém seus objetos em ordem.

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Foi demonstrada, além da coréia, a presença de sífilis. Após o tratamento pelo neo-salvarsan, o doente, melhorado, recolheu-se a casa. Pouco tempo permaneceu, porém, fora do Hospital, devido às reações anti-sociais.

Sua fala é lenta, pesada, dificilmente compreensível, como se tivesse um objeto na boca. A intensidade da acentuação e a tonalidade das sílabas variam sem motivo.

O paciente está orientado no tempo, lugar e meio. Tem consciência da doença, sabe que sofre de moléstia hereditária, que não se curará. Designa erradamente os objetos que lhe são mostrados; outras vezes, porém, acerta. Corrige as falhas de orientação. A associação de idéias é lenta. A verbigeração é freqüente. Fixa as representações visuais, mas não as acústicas. Recorda e dá o significado de algumas datas nacionais, acredita que "o morcego é uma ave", que "a baleia é um peixe", etc. Opera regularmente com as quatro operações. Não entende as anedotas, as historietas; não dá por falta das mutilações de trechos que lhe são apresentados para ler.

Quanto à vida emocional, Buhl vive aflito, de mau humor. Anda só, não conversa com os outros pacientes. Diante dos médicos queixa-se sempre que a comida é insuficiente, embora tenha uma ração maior que os seus companheiros. Quer sair, agita-se quando lhe respondam negativamente e, de uma feita, fugiu do Hospital, indo parar em sua casa. Depois dessa fuga passou um longo período calmo e os enfermeiros consideram-no como um dos doentes mais dóceis.

N ã o r e p r o d u z i m o s o u t r a s observações porque, em linhas gerais, coincidem com as já referidas. O s distúrbios mentais p o d e m ser assim c a t a l o g a -dos, de u m m o d o r e s u m i d o :

1 — Perturbações agnósticas, apráxicas e afásicas. Agnósias do olfato e do paladar : os doentes sentem, por exemplo, cheiro de poeira em todos os objetos; a comida ora está salgada, ora doce, etc. A s perturbações afásicas talvez derivem das dificuldades g n ó t i c a s da visão, da tendência à perseveração, isto é, r e s -p o n d e r às -p e r g u n t a s com as m e s m a s -palavras. Elas caraterizam-se s o b r e t u d o pela dificuldade n a p r o c u r a das palavras. O s doentes r e c o n h e c e m os obje-tos, m a s não os d e s i g n a m . F i x a m - s e n u m a i m p r e s s ã o secundária da per-g u n t a . T o r n a m - s e circunstanciais, per-gesticuladores, pois eles m e s m o s se d ã o conta dos erros. L e m b r a m os casos de afasia amnéstica de P i t r e s . H á u m a ligação defeituosa dos centros de identificação com os das i m a g e n s s o n o r a s das palavras. A l é m da disartria, o r e s t a n t e das funções verbais dos doentes é bem conservado. As perturbações apráxicas são difíceis de ser evidenciadas nos coréicos, devido aos distúrbios m o t o r e s existentes. São instáveis: o r a as e n c o n t r a m o s , ora não. O s doentes exercem todas as atividades da vida cotidiana: acendem a luz, c u m p r i m e n t a m , a c e n d e m cigarros, e t c . Às vezes, porém, os m o v i m e n t o s coréicos i m p e d e m - n o s nessas tarefas simples. N ã o a p r e n d e m novas tarefas, e m b o r a sejam mais elementares que as e x e c u t a d a s a n t e s da moléstia.

2 — A atenção é oscilante e o principal defeito se nota quanto à concentra-ção. Devido aos m o v i m e n t o s exagerados, a excitação dos estímulos e x t e r n o s é g r a n d e . A hipervigilância e a hipotenacidade decorrem das i n ú m e r a s sen-sações tácteis, r e p r e s e n t a ç õ e s óticas, acústicas e o u t r a s r e p r e s e n t a ç õ e s se-cundárias, que i m p e d e m a p e r m a n ê n c i a no c a m p o m e n t a l da r e p r e s e n t a ç ã o principal e desejada. A p e r t u r b a ç ã o m o t o r a distrai p e r p e t u a m e n t e a a t e n ç ã o ; a dificuldade de ligação dos elementos intelectuais reduz mais ainda a con-c e n t r a ç ã o da a t e n ç ã o .

3 — O curso do pensamento torna-se permanentemente interrompido e retar-dado devido à p e r t u r b a ç ã o m o t o r a ; elementos e s t r a n h o s i n t e r v e m nas liga-ções. A p e r s e v e r a ç ã o formal é freqüente. O s pacientes r e p e t e m quasi es-tereotipadamente as mesmas reações ou a mesma espécie de reação. Quando lhes p e r g u n t a m o s qualquer coisa, ficam, às vezes, c o m o que coagidos a r e s -p o n d e r frases, versos, a-prendidos n u m a fase anterior à doença. O diálogo com eles a s s u m e e n t ã o u m a feição disparatada. T r u i s m o s e repetições d a s m e s m a s conversas s ã o c o m u n s . A associação de idéias é lenta. A p e s a r da

inquietação motora, a mímica, que tem tanta conexão com o pensar, assemelha-se à dos parkinsonianos. Entre tantos movimentos, a mímica é rí-gida. E isto, provavelmente, deve-se às perturbações associativas, ao

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4 — A memória é relativamente bem conservada. Os autores embaralham m u i t o esse particular. Confabulação, falsificações, se existem, n ã o sei. A t é o presente, n ã o encontrei referências s o b r e essas alterações da m e m ó r i a n o s coréicos. À s vezes, falham c o m p l e t a m e n t e n a r e c o r d a ç ã o de c o n h e c í m e n t o s escolares os mais simples, m a s , n o u t r a s , emitem conceitos elevados s o b r e a s coisas que a p r e n d e r a m . C o m o p r o g r e s s o da moléstia, a capacidade de fix a ç ã o se reduz em conseqüência dos m o v i m e n t o s coréicos e d a " p e r t u r b a -ção disposicional" (exuberância das r e p r e s e n t a ç õ e s secundárias em r e l a ç ã o com o a t r a s o da ligação das ocorrências perceptivas e verificativas). O e s -t r e i -t a m e n -t o paula-tino do p a -t r i m ô n i o in-telec-tual, apesar d a conservação rela-ti- relati-v a m e n t e boa da m e m ó r i a , é infalírelati-vel. C o m p r e e n d e - s e facilmente que o a t r a s o e a inibição das ligações, a p e r t u r b a ç ã o disposicional freiam-lhes a mobilidade do espírito, a imaginação, que constituem, nos indivíduos sadios, u m estímulo p a r a o enriquecimento intelectual. Assim, não é r a r o que os observadores, diante dos coréicos de H u n t i n g t o n , r e c o r d e m - s e dos epiléticos e dos oligofrênicos.

5 — O juízo crítico varia muito, mas é decisivo, neste caso, o tempo de doença. N o fim, se a p a g a . A s idéias, obsessivas, nos casos p u r o s de Coréia, n ã o d e -s e m p e n h a m u m papel i m p o r t a n t e . N o início da molé-stia, à-s veze-s, -s u r g e m idéias depressivas, de perseguição e, n o fim, desenvolvemse idéias de g r a n -deza e eufóricas. N ã o há, e n t r e t a n t o , u m a sistematização desenvolvida d e s s a s idéias. É possível que as idéias obsessivas dos coréicos t e n h a m a m e s m a g ê n e s e que as fantasias dos surdos, velhos e prisioneiros. D e s a m p a r a d o s como estes, os coréicos t o r n a m - s e desconfiados, relacionam os g e s t o s e os sorrisos dos o u t r o s à sua pessoa. Q u a n d o confiam n o ambiente, g e r a l m e n t e as obsessões desaparecem.

6 — A s alucinações não desempenham papel importante nos coréicos. Existem m a i s r e c o r d a ç õ e s que, devido à insuficiência do a p a r e l h o perceptivo, dão a aparência de alucinações.

7 — A emotividade sofre mudanças paulatinas no curso da moléstia. Anos a n t e s da moléstia se declarar, os coréicos de H u n t i n g t o n s ã o classificados c o m o personalidades psicopáticas, esquizofrênicos e a t é paralíticos-gerais, devido à ansiedade, explosões, cóleras, alterações da conduta, impulsividade, certa ri-gidez afetiva e tonalidades afetivas depressivas e expansivas, que lhes alte-r a m falte-reqüentemente o h u m o alte-r . O s coalte-réicos t ê m consciência da doença; fal-ta-lhes, p o r é m , o p r ó p r i o sentimento m ó r b i d o . A maioria sabe que n ã o se cura, tem sentimentos de d e s a m p a r o e de inferioridade que os fazem se afastar do meio e e n t ã o r e s p o n d e m - n o s falsamente às p e r g u n t a s , dando-nos a impressão de imbecis. C o n s e r v a m g r a n d e interesse pela comida. Comem, d e v o r a m com u m a fome insaciável. E a maioria vegeta seus últimos dias nos Hospitais, c o m o plantas açoitadas i r r e g u l a r m e n t e pelos m o v i m e n t o s de-s o r d e n a d o de-s .

Conforme a análise psicológica e clínica que fizemos das alterações m e n t a i s nas Coréias, a sua localização se estabelece em duas regiões cere-b r a i s : estriado e cortiça cerecere-bral.

P o d e m o s a f i r m a r : não há, g e r a l m e n t e , coréicos sem p e r t u r b a ç õ e s m e n -tais. I s t o significa que a moléstia n ã o é só do estriado, pois os distúrbios meta-encefálicos n ã o explicariam j a m a i s t o d a a riqueza de s i n t o m a s mentais que descrevemos

A clínica se ajusta, neste caso, perfeitamente, às investigações histopatológicas dos últimos anos, de Kieselbach, Ruske, Stern, C. e O. Vogt, Jakob e Spatz, que interpretam a Coréia de Huntington como um processo dege-nerativo do estriado e da cortiça cerebral. Jakob e Spatz evidenciaram, além

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A Coréia de H u n t i n g t o n é u m a doença dos centros sistematicamente j u n t o s , isto é, do estriado e das c a m a d a s corticais inferiores, por isso suas manifestações clínicas são inseparáveis, quer do psiquismo como d a motilidade.

F i c a m o s , p o r t a n t o , psiquiatras e neurologistas, bem entendidos nesta m o -léstia, pois, como disse no começo, t e m o s " o s a r r e g a n h o s e o g a t o " .

Referências

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