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Variação lexical em português do Brasil e português europeu – análise e comparação de dados geolinguísticos relativos a fenômenos atmosféricos

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Academic year: 2023

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Universidade de Lisboa Faculdade de Letras

Variação lexical em Português do Brasil e Português europeu – análise e comparação de dados

geolinguísticos relativos a fenômenos atmosféricos.

Mestrado em Linguística Anna Carolina Barbosa Silva

2022

Dissertação especialmente elaborada/o para a obtenção do grau de Mestre, orientado/a por Profª Drª Ernestina Carrilho

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Agradecimentos

Agradeço a todos que contribuíram para a realização deste trabalho, à professora Ernestina Carrilho, pela orientação, aos professores do centro de linguística da

Universidade, que contribuíram muito para os ensinamentos adquiridos ao longo do curso e para a confecção desta dissertação, e também ao apoio e incentivo do meu marido, meus amigos e da minha família.

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Esclarecimento

Gostaria de esclarecer que sou brasileira, portanto a dissertação foi escrita no português do Brasil, entretanto podem ocorrer eventuais interferências de sintaxe europeia devido a minha presença prolongada em Portugal.

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Resumo

Enquanto componente da gramática especialmente sensível a condicionantes extralinguísticas, sócio-históricas e culturais, o léxico constitui um domínio de

diferenciação notável entre português do Brasil (PB) e português europeu (PE), que tem sido objeto de estudo frequente. São, no entanto, ainda escassos os trabalhos que

consideram esta diversidade a partir da dimensão geolinguística dos territórios brasileiro e português, uma dimensão que diversos atlas linguísticos com materiais lexicais

permitem investigar. Esses materiais reúnem um conjunto de mapas de um território que representam as realizações dos paradigmas linguísticos, sendo possível visualizar a distribuição geográfica de determinado fenômeno linguístico e isolar áreas dialectais, que são definidas pela concentração de variantes idênticas. Dentro dessa perspectiva, o presente trabalho é dedicado à análise e comparação de dados geolinguísticos

relevantes para estudar aspectos do léxico do português do Brasil e Português europeu, nomeadamente no campo semântico de fenômenos atmosféricos. Para alcançar esse objetivo, foram considerados materiais de atlas linguísticos do PE, com oAtlas Linguarum Europae(ALE) e oAtlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza (ALEPG), e do PB, com os atlas regionais Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil(ALERS),Atlas Linguístico da Paraíba(ALPB),Atlas Semântico-Lexical da Região do Grande ABC(ASLEABC),Atlas Linguístico de Sergipe(ALS) eAtlas Linguístico de Pernambuco(ALlPE) e o Atlas Linguístico do Brasil (ALIB). São estudadas, cartografadas conjuntamente e comparadas as variantes registadas relativas aos fenômenos ‘arco-íris’, ‘granizo’, ‘neblina/nevoeiro/cerração’, ‘raio’ e ‘relâmpago’, escolhidos devido à sua disponibilidade e coincidência em atlas. Com esse trabalho, pretende-se contribuir para o estudo do léxico da língua portuguesa, nas vertentes de comparação entre PB e PE e entre diferentes variedades regionais.

Palavras-chave: Dialectologia, Atlas Linguístico, Variação lexical, Português do Brasil e Português europeu

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Abstract

As a grammar component that is especially sensitive to extralinguistic, socio-historical and cultural constraints, the lexicon constitutes a notable domain of differentiation between Brazilian Portuguese (BP) and European Portuguese (EP), which has been a subject of frequent study. However, there are still few works that consider this diversity from the geolinguistic dimension of the Brazilian and Portuguese territories, a

dimension that several linguistic atlases with lexical materials allow to investigate.

These materials bring together a set of maps of a territory that represents the linguistic paradigms, making possible to visualize the geographic distribution of a certain

linguistic phenomenon and isolate dialect areas, which are defined by the concentration of identical variants. Within this perspective, the present work is dedicated to the analysis and comparison of relevant geolinguistic data to study aspects of the lexicon of Brazilian Portuguese and European Portuguese, namely in the semantic field of

atmospheric phenomena. To achieve this objective, material from linguistic atlases of the EP withAtlas Linguarum Europae(ALE) andAtlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza(ALEPG), and of the BP, with the regional atlases with Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil(ALERS),Atlas Linguístico da Paraíba(ALPB),Atlas Semântico-Lexical da Região do Grande ABC(ASLEABC), Atlas Linguístico de Sergipe(ALS) andAtlas Linguístico de Pernambuco(ALlPE), and theAtlas Linguístico do Brasil(ALIB). The registered variants relating to the

phenomenaarco-íris‘rainbow',hail’granizo’,neblina/nevoeiro/cerração'fog', raio

‘bolt of lightning‘ andrelâmpago'lightning', chosen due to their availability and coincidence in atlases, are studied, mapped together and compared. With this work, we intend to contribute to the study of the lexicon of the Portuguese language, in the aspects of comparison between BP and EP and between different regional varieties.

Keywords: Dialectology, Linguistic Atlas, Lexical variation, Brazilian Portuguese and European Portuguese.

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Índice

1. Introdução………8

2. Enquadramento teórico-metodológico: Geolinguística e variação lexical entre português do Brasil e português europeu ……….11

2.1. Português europeu e português do Brasil: léxico e variação (intralinguística e pluricêntrica)………11

2.2. Inícios dos estudos de Dialetologia e variação lexical……….14

2.3. Variação lexical e estudos geolinguísticos. Geolinguística lexical portuguesa………17

2.4. Estudos geolinguísticos comparativos PE / PB……….22

3. Aspetos metodológicos………24

3.1. Fontes dos dados analisados: atlas linguísticos – questões, inquéritos e mapas linguísticos………25

3.2. Fontes - datas de recolha, redes de inquérito e informantes………29

3.3. Corpus PB / PE em análise………32

4. Análise ………37

4.1.Análise e comentários dos mapas………37

4.1.1. Arco-íris……….35

4.1.2. Chuva de granizo/pedra………..44

4.1.3. Neblina/nevoeiro/cerração………..50

4.1.4. Raio e relâmpago………..55

4.2. Síntese de dados………..64

5. Considerações finais……….66

6. Anexos……….65

7. Referências bibliográficas………..91

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Lista de abreviaturas - ALE -Atlas Linguarum Europae

- ALEAç - Atlas Linguístico-Etnográfico dos Açores

- ALEPG -Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza - ALERS -Atlas Lingüístico-etnográfico da Região Sul do Brasil - ALIB - Atlas Linguístico do Brasil

- ALiPE - Atlas Linguístico de Pernambuco - ALPB - Atlas Linguístico da Paraíba - ALS - Atlas linguístico do Sergipe

- ASLEABC -Atlas Semântico-Lexical da Região do Grande ABC - PB - Português do Brasil

- PE - Português Europeu

- TLPGP - Tesouro do léxico patrimonial galego e portugués.

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1.Introdução

Os estudos linguísticos comparativos de Português do Brasil (PB) e Português europeu (PE) reconhecem, como os próprios falantes portugueses e brasileiros, correlações regionais com a diferenciação lexical.

Embora os tipos de estruturação do léxico sejam muito variáveis, sendo condicionados pelo próprio tipo de léxico, que depende, em larga medida, de fatores extralinguísticos, nomeadamente de ordem histórico-cultural e social, é possível encontrar algumas regularidades na sua distribuição geográfica.

(Mattos e Silva 2013: 137-138)

Em geral, o léxico tem um lugar de destaque desde sempre nos trabalhos de dialetologia. O percurso da dialetologia brasileira tem, além disso, um marco inicial que trata precisamente de diferenças lexicais entre português do Brasil e português europeu.

Data de 1826 o breve estudo de Domingos Borges de Barros, Visconde de Pedra

Branca, composto como introdução doAtlas Ethnographique du Globe, no qual o autor aponta um conjunto de formas lexicais não coincidentes entre PB e PE (Cardoso e Mota 2013).

Esta dissertação busca investigar também este tipo de variação, a partir da dimensão geolinguística no território português e brasileiro, com trabalho comparativo de atlas linguísticos relativos a fenômenos atmosféricos.

O interesse de explorar materiais geolinguísticos para investigar diferentes aspetos de diversidade ou afinidade lexical entre português europeu e português do Brasil encontra-se já em trabalhos pontuais de Cardoso (2010) e de Saramago (2019), respetivamente, sobre dados regionais dosAtlas Linguístico-Etnográfico dos Açores (ALEAç),Atlas Prévio dos Falares Baianos e Atlas Linguístico de Sergipe(ALS),o primeiro, e sobre o ALEAç e oAtlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil (ALERS), o segundo. Sem a cobertura geográfica sistemática permitida pelos atlas linguísticos, também o relativamente recenteTesouro do Léxico Patrimonial Galego e Português(TLPGP) tem permitido desenvolver o foco comparativo sobre a diversidade dialetal brasileira e portuguesa (e também galega, neste caso) no âmbito do léxico (Álvarez e Silva 2014). Nestes trabalhos, evidenciam-se, além dos contributos para um melhor conhecimento do léxico dialetal do português, pela identificação de variantes lexicais marginais ou menos conhecidas, também afinidades lexicais entre o português

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do Brasil e o português europeu em áreas geográficas específicas, com potencial interesse para o conhecimento da relação entre variação lexical e aspetos diversos da história da língua e da cultura (p. ex., origens e fluxos migratórios, outros contactos linguísticos).

O presente trabalho visa contribuir para o desenvolvimento desta abordagem geolinguística da variação lexical entre português do Brasil e português europeu,

analisando comparativamente dados de atlas linguísticos do campo semântico relativo a fenómenos atmosféricos. Para cumprir este objetivo, foram utilizados como corpora o Atlas Linguarum Europae(ALE) e oAtlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza(ALEPG) para o português europeu e oAtlas Linguístico do Brasil(ALIB) e os atlas regionais ALERS, Atlas Linguístico da Paraíba(ALPB),Atlas Semântico-Lexical da Região do Grande ABC(ASLEABC), ALS e Atlas Linguístico de Pernambuco (ALlPE) para o português do Brasil. O ALEPG e o ALE cobrem a totalidade do território português e os atlas brasileiros representam o território do Brasil (ALIB), adicionando ainda dois focos geograficamente localizados numa área do Nordeste (ALPB, ALS, ALIPE) e noutra do Sul e sudeste (ALERS, ASLEABC) – veja-se o mapa 2 no capítulo 3. Os conceitos escolhidos para investigação foram ‘arco-íris’, ‘granizo’,

‘neblina/nevoeiro/cerração’, ‘raio’ e ‘relâmpago’, por se encontrarem entre as questões comuns a diferentes atlas linguísticos e por apresentarem conjuntos de variantes interessantes para a discussão de aspetos da natureza da variação lexical, da diferenciação entre PE e PB e da correlação entre variação linguística e variação geográfica. Nesta investigação, temos como objetivo expandir o estudo da variação lexical no português, considerando dados de atlas linguísticos brasileiros publicados nos últimos anos (a nível regional e também o ALIB) e dados de projetos geolinguísticos no território português (como o ALEPG).

Analisando este tipo de elementos, aprofundamos a perspetiva de comparação entre PE e PB, considerando também a variação geolinguística que apresentam

internamente. Será assim possível verificar, por exemplo, se a variação que pode ocorrer entre as formas padrão de PB e PE também está refletida nos registos geolinguísticos.

Considerado o conjunto de variantes lexicais registadas, encontramos as mesmas variantes igualmente presentes no território português e no território brasileiro ou surgem variantes exclusivamente num destes territórios? A distribuição geográfica das

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variantes reflete áreas lexicais e/ou dialetais já conhecidas? Como se relacionam as variantes de ambos os territórios?

A dissertação está organizada como se indica a seguir. O capítulo 2.

é dedicado ao enquadramento teórico-metodológico, com particular atenção ao universo empírico do português, aspetos gerais do percurso histórico da variação de PE e PB e suas diferenças a nível lexical, do foco sobre o léxico nos estudos dialetais,

especialmente da sistematicidade e possibilidade de traçar áreas lexicais trazida pelo surgimento da geolinguística. O capítulo 3 aborda os aspectos metodológicos

considerados na compilação e análise de dados aqui apresentados, informações sobre o corpus constituído, os atlas utilizados e a escolha de questões. O capítulo 4 é dedicado à apresentação e comentário dos dados coligidos, que são cartografados em mapas

interpretativos. Considera-se, por um lado, a variação ou uniformidade lexical entre o território português e o território brasileiro e, neste último, entre as diferentes áreas geográficas representadas. Por outro lado, estuda-se a relação da distribuição de variantes lexicais no território português com a caracterização tradicional de áreas dialetais e áreas lexicais neste território. Finalmente, são apresentadas as conclusões deste trabalho.

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2. Enquadramento teórico-metodológico: Geolinguística e variação lexical entre português do Brasil e português europeu

2.1 Português europeu e português do Brasil: léxico e variação (intralinguística e pluricêntrica)

É sabido que o léxico é a componente do sistema linguístico que se caracteriza por uma maior flexibilidade, pela relação que estabelece com a realidade extralinguística e pela sua natureza “aberta”. Assim, o léxico de uma língua comumente integra novos itens que podem designar novas realidades, são criadas novas formas de designar um dado conceito ou muda o significado de um dado item. Surgem novos itens lexicais, novos pares de associação entre uma forma morfofonológica e um significado.

Assim, a variação no léxico pode também estar muito diretamente associada a mudanças socioculturais e reflete o efeito de fatores extralinguísticos, registando aspetos históricos, sociais e culturais.

Um ponto relevante a se considerar ao estudar a variação lexical do português é a caracterização pluricêntrica da língua portuguesa (cf. Soares Silva 2014, Batoréo 2014, entre outros), pois é um idioma nacional de dois países geograficamente distantes (Brasil e Portugal), com normas independentes, além de ser também língua oficial de uma série de países em África (Moçambique, Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe) e na Ásia (Timor-Leste), nos quais apresenta estatuto variável, em diferentes situações linguísticas. Neste contexto, a diferenciação entre as principais variedades nacionais é normalmente motivo de interesse e é reconhecida a importância do léxico nessa diferenciação:

Se o português do Brasil se distingue do europeu no que se refere à fonética, fonologia, morfologia e sintaxe, é no léxico, parte da gramática mais sensível às condições socio-históricas e culturais externas, que maiores diferenças se podem atestar.(Mattos e Silva 2013: 153)

A importante diferenciação lexical entre PE e PB, apesar da base comum que partilham, deve-se certamente a notáveis diferenças de condições socio-históricas e culturais, entre as quais se tem destacado o multilinguismo que ao longo dos séculos tem caracterizado o território brasileiro, configurando aí o contacto do português europeu levado pela colonização “com as numerosas línguas indígenas brasileiras, as

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diferentes línguas africanas chegadas pelo tráfico negreiro e as muitas línguas, europeias e não europeias, faladas pelos que, mais tardiamente, emigraram para o Brasil, sobretudo a partir de meados do Séc. XIX” (Mattos e Silva 2013: 145).

Segundo dados mencionados em Castro (1994), evocando a caracterização do conceito de Brasil de Houaiss (1988), no primeiro século da colonização portuguesa, o Brasil era povoado por 30 mil portugueses (e seus descendentes), um ou dois milhões de índios e 20 a 30 mil escravos negros, trazidos de Angola e da costa da Guiné. Conforme o crescimento do território, ao final do séc. XVII já eram 200 mil brancos, 400 mil negros, tendo então reduzido o número de índios para um milhão e meio. O português dos colonizadores, portanto, entrava em contacto com as línguas desses outros povos.

No âmbito dos efeitos desse acentuado contacto linguístico, Mattos e Silva (2013) afirma que o território brasileiro até meados do século XVIII era caracterizado por um multilinguismo generalizado e que, apesar de o português hoje ser a língua majoritariamente falada no Brasil, ainda existem resquícios do multilinguismo da época colonial, com línguas indígenas faladas por cerca de 0,2% da população brasileira.

Em adição aos povos indígenas, o tráfico negreiro trouxe ao país uma população africana que falava entre duzentas a trezentas línguas diferentes, sobretudo do grupo banto. Na perspectiva de Mattos e Silva (2013) essa população foi essencial para a difusão, ao final do período colonial, do antecedente histórico do atual português brasileiro popular, pela mobilidade geográfica da população escrava e diversidade de seus papéis sociais, sempre subalternos, enquanto o português do Brasil culto descende do português europeu falado pelas elites da sociedade colonial.

Já no século XIX, no Brasil também se acentuam novas ondas de contacto linguístico, devido à chegada de muitos imigrantes, falantes de línguas européias e asiáticas, integrando novos elementos linguísticos na constituição do PB. Assim, atualmente, a riqueza lexical do PB pode ser justificada pelas condições sócio-históricas e multilinguismo desde a época colonial.

Segundo Teyssier (1982), graças a esse multilinguismo, existe um vocabulário extenso de palavras que são utilizadas no PB e que se distanciam do PE, tendo origem no contacto estabelecido em diferentes períodos: há as palavras de origem tupi, principalmente na fauna e na flora, devido ao contacto com os índios no período colonial:maracujá, capivara, caju, sabiá e mandiocasão alguns exemplos. Mais tarde, a chegada de escravos vindos da África traz ao Brasil um vocabulário de origem

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diversa, em que duas línguas se destacam: o ioruba da Nigéria, que trouxe palavras como orixá, vatapá e acarajé e o quimbundo, de Angola, com vocabulário como caçula,cafuné, senzala e samba.

Além das diferenças ocasionadas pelo percurso histórico-social, também importantes diferenças em aspetos naturais (na fauna e na flora, por exemplo) e culturais (como aspetos da religião e festividades, gastronomia, por exemplo) reforçam uma evidente distinção e terão, naturalmente, mais visibilidade e impacto no campo lexical do que em outros. Sublinha-se também normalmente a maior diversidade lexical exibida pelo PB, devido a “uma tendência criativa e a uma abertura sem preconceitos em relação aos estrangeirismos e aos neologismos” (Mattos e Silva 2013: 154). Numa breve caracterização das relações de semelhança ou de diferença entre PE e PB no plano lexical, Villalva e Silvestre (2014) descrevem várias situações, entre as quais: (i) casos de diferenciação a partir de uma origem lexical comum, levada para o Brasil, integrante do português (europeu) no século XV e seguintes (jogarem PB vs.deitar, atirarem PE, por exemplo); (ii) escolhas lexicais independentes na base (dada a diferenciação histórico-cultural de ambos os territórios), resultando por vezes de opção por empréstimos com diferentes origens (PB:concreto, de ingl. concrete vs. PE: betão, de fr. béton) ou, mesmo, por latinismos diferentes. Pode-se citar também conhecidos pares de designações (padrão) distintas de objetos do cotidiano, comocomboio, fato, casa de banho, telemóvel em PE vstrem, terno, banheiro, celularem PB, respetivamente.

No âmbito da investigação do pluricentrismo do português, tem também estado em foco o estudo da variação lexical entre PE e PB. Segundo Soares da Silva (2014), é preciso investigar até que ponto as variáveis lexicais podem ser relacionadas com a variação pluricêntrica e qual é a sua relevância para mudança linguística. Do ponto de vista da sociolinguística cognitiva, a investigação do pluricentrismo tem algumas questões fundamentais, orientadas pelo autor: a relação entre cultura, cognição e variação linguística nacional e o desenvolvimento de métodos empíricos que irão ser capazes de dar conta da multidimensionalidade de variação de significados em línguas pluricêntricas, como a variedade linguística afeta o significado e como estabelecer equivalência semântica entre os itens lexicais. O autor realiza estudos acerca da diversidade lexical entre PE e PB, nomeadamente a partir de investigação dos campos lexicais do futebol e do vestuário, comprovando uma tendência de evolução divergente nos últimos 70 anos (Soares da Silva 2010, 2014, i.a.). A pesquisa permitiu a

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investigação de outros campos semânticos, de interesse mais antigo culturalmente, verificando-se uma diminuição da uniformidade ao longo do tempo, reforçadora da hipótese de divergência entre PB e PE (Soares da Silva 2018).

Pelo fato de ter essa característica pluridimensional, existe uma longa tradição de estudos do contraste lexical PE/PB nas suas normas Conforme Villalva e Silvestre (2014), boa parte do léxico para as duas variedades nacionais é partilhado, além de diferentes situações configuradoras de diversidade lexical, como exemplificado acima.

Os autores notam, no entanto, que as diferenças lexicais ocorrem principalmente em contexto informal e oral - portanto, o acesso ao tipo de dados relevante é crucial para complexificação deste tipo de estudo comparativo.

[…] o uso formal da língua, que procura respeitar as prescrições gramaticais, mostra muito menos diferenças entre as duas variedades do Português do que os usos menos constrangidos socialmente, e que são também os que ocorrem tipicamente na oralidade. No entanto, o acesso aos dados relevantes é muito dificultado pela inexistência (ou mesmo pela impossibilidade) de bases lexicais que registrem, de forma sistemática e pesquisável, usos linguísticos em contextos informais.(Villalva e Silvestre 2014: 46)

Justifica-se assim o interesse de expandir os estudos lexicais comparativos PE-PB integrando a variação interna de cada território, o que é possível explorando recursos que permitem a comparação controlada, em relação a determinados itens, da variação dialetal, como é o caso dos atlas linguísticos. Dada a disponibilidade, relativamente recente e em atualização, de novas bases de dados geolinguísticas disponíveis em Portugal e no Brasil, é possível explorar uma linha de investigação da diversidade lexical PE-PB integradora dos avanços que caracterizam os estudos dialetais lexicais em PE e em PB.

2.2. Inícios dos estudos de Dialetologia e variação lexical

Este estudo considera aspectos de variação lexical entre PB e PE integrando evidência e registos de estudos geolinguísticos. Explora assim um tipo de dados fundamentais para estudos comparativos mais exaustivos, beneficiando dos recursos produzidos numa das áreas de estudo em que a variação lexical tem sido investigada. De

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facto, nos estudos dialetais, que se ocupam da variação linguística em correlação com o espaço, o estudo do léxico tem tido um lugar de destaque desde as fases iniciais.

Conforme reflexão de Luna (2018) inicialmente e até o final do século XIX, o estudo do léxico e também do léxico dialetal tinha um caráter basicamente descritivo e assentava sobretudo numa interpretação etimológica, semântica e contrastiva de variantes individuais, da sua distribuição e da sua origem. Mas mesmo antes do início da geolinguística, já existia uma atenção especial aos estudos lexicais sobre os dialetos, ainda que a análise de dados de falas populares da variação linguística tivesse bases técnicas muito heterogêneas e subjetivas, cada dialetólogo utilizava um método diferente em suas pesquisas. Os materiais utilizados eram normalmente coletados de fontes escritas, ocasionando uma limitação aos estudos da variação linguística. Na segunda metade do século XIX, começa a ser comum a coleta de dados recolhidos pelo investigador em determinado lugar, de forma presencial ou por correspondência.

O desenvolvimento da lexicografia dialetal do Português europeu também reflete este tipo de caracterização, própria do período que antecede o desenvolvimento da geolinguística. Segundo Santos (2018), as especificidades lexicais da diversidade linguística do português são objeto de interesse de muitos estudiosos no próprio processo de codificação da língua. A consideração do léxico “marginal” tem relevância desde as primeiras gramáticas (veja-se Oliveira 1536/2000: 210-211,apudSantos 2018:

331), tanto para ilustrar a mudança linguística como para observar as diferenças sociais e regionais. Palavras consideradas vulgares e suas “correções” já eram registradas sob a forma de glossários mesmo em obras de ortografia no final do século XVI e no século XVII, surgiu o primeiro trabalho organizado da estrutura dialetal do território português, na qual também são invocadas diferenças no uso de certas palavras (em Regras da língua portuguesa, de Jerónimo Contador D’Argote – Argote 1725). É também no século XVIII, em 1712-1718, que é publicado o “primeiro grande dicionário português”

(Correia 2009: 114), oVocabulário portuguez e latinode Rafael Bluteau, que apresenta numerosíssimos elementos de léxico regional e apreciações sociolinguísticas. A importância dada por esta obra ao léxico regional é sublinhada ainda pela publicação de um suplemento em 1728, que, de acordo com Ferreira (1994: 109), constitui a primeira recolha de vocabulário dialetal, sob o título “Vocabulario de palavras e modos de fallar do Minho e Beira”.

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O interesse lexicográfico por variantes do léxico patrimonial conservado na memória da língua também se encontra no Diccionario da Lingua Portugueza de António Morais Silva, uma obra de final do século XVIII, referência incontornável da lexicografia portuguesa. No final do século XIX, o Novo dicionário da língua portuguesa de Cândido de Figueiredo apresentou uma parte do léxico português que ainda estava inexplorada, incluindo léxico regional, segundo o próprio autor, mais de 30000 vocábulos recolhidos na “linguagem popular das províncias e ilhas” (Figueiredo 1899: v-vi, apud Santos 2018: 335).

É também só na segunda metade do século XIX que se desenvolve uma linha de investigação que tem por objeto as variedades não-oficiais, e enfim, dialeto e língua são colocados em um mesmo patamar. Os trabalhos pioneiros da Dialetologia em Portugal, de José Leite de Vasconcelos, vão depois constituir, ao longo de quase toda a primeira metade do séc. XX, um importante acervo de dados de linguagem popular e regional, entre os quais consta também um importante acervo lexical, reunido em parte nos seus Opúsculos e que alimentou, postumamente, a constituição do Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos.

No Brasil, de acordo com Isquerdo (2018), os estudos sobre léxico do português do Brasil iniciaram no século XIX, tinham como objetivo a busca de uma identidade para a língua nacional e debatiam sobre as características da variante do português.

Eventos importantes para a história do país, como a independência (1822) e a proclamação da república (1889) tiveram influência nos estudos lexicográficos de caráter regional. Os primeiros dicionários brasileiros tiveram como objetivo comum apresentar a língua como brasileira e se diferenciar da língua portuguesa levada pelos colonizadores no século XVI, as condições históricas do século XIX favoreceram o fortalecimento de uma identidade nacional. Apesar disso, em termos lexicográficos, os dicionários eram apenas usados como complementos das obras portuguesas, até a década de 1930, em que surgem os primeiros dicionários gerais brasileiros

Segundo levantamento de Cardoso & Mota (2013), a dialectologia brasileira iniciou com a publicação de um texto de Borges de Barros, Visconde de Pedra Branca, que faz um breve estudo comparativo de léxico do PB e do PE, como referido na Introdução. As primeiras fases, nas quais são produzidos marcos da dialetologia brasileira, como O dialeto caipira de Amadeu Amaral (1920), O linguajar carioca (Antenor Nascentes, 1922) e A língua do Nordeste(Mário Marroquim, 1934), antes do

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desenvolvimento da geolinguística, caracterizam-se também pela produção de glossários e dicionários sobre as particularidades do léxico regional e vocabulário do PB.

2.3.Variação lexical e estudos geolinguísticos. Geolinguística lexical portuguesa

Os estudos de variação lexical regional apresentam considerável elaboração a par do desenvolvimento da geolinguística, que como metodologia dialetológica surgiu graças a publicação do Atlas Linguistique de la France, entre 1902 e 1910 (cf. Ferreira et al 1996). Como conjuntos de mapas que registam sistematicamente a distribuição geográfica de variantes linguísticas para os paradigmas linguísticos investigados, os atlas linguísticos trouxeram novas expansões do estudo do léxico dialetal, desde a possibilidade de visualizar a distribuição geográfica das variantes lexicais, assim como a oportunidade de renovar a forma de registro documental da língua viva. A par das primeiras publicações geolinguísticas, houve um desenvolvimento de estudos lexicais baseados nesses dados. A geolinguística teve um papel essencial para investigação da variação lexical regional pois graças a ela foi possível coletar os dados lexicais em locais antes pouco explorados de um modo sistemático, organizado por questionários numa rede de inquéritos distribuídos ao longo de um território. Os mapas com esses dados permitiram uma análise e um registro mais detalhado de áreas de variantes, contribuindo para uma caracterização mais precisa de elementos do léxico das variedades regionais, que normalmente não são registrados em dicionários tradicionais e que anteriormente eram ignorados.

Em Portugal, o Inquérito Linguístico de Boléo, implementado pelo dialetólogo Manuel de Paiva Boléo, é precursor da geolinguística que veio a desenvolver-se com a formalização de vários projetos de atlas linguísticos portugueses ou que incluem o português europeu. Apesar de Portugal ainda não dispor de um Atlas Linguístico nacional publicado, foram realizados inquéritos dialetais em campanhas, hoje concluídas, para diferentes atlas linguísticos nos quais o português está representado (ALEPG, ALLP, ALEAç, ALE, ALiR) e que têm alimentado diferentes tipos de investigações dialetais. Em todos estes projetos o foco lexical está representado nos próprios questionários, de organização lexical. No Brasil, conforme Cardoso & Mota (2013), a primeira iniciativa concreta para o desenvolvimento de um Atlas linguístico foi dada por Nelson Rossi com a publicação do Atlas Prévio dos Falares Baianos, um

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atlas do estado da Bahia, região nordeste do país, em 1963. Enquanto os trabalhos anteriores de dialectologia possuem um caráter monodimensional, os Atlas mais recentes têm destaque por serem pluridimensionais e considerarem aspectos sociolinguísticos, como a faixa etária, escolaridade, idade e classe social dos falantes.

Entre os anos de 1996 e 1998, elabora-se o projeto Projeto ALIB (Atlas Linguístico do Brasil), com objetivo de recolher dados linguísticos de todo o país e com caráter pluridimensional. Neste recurso, encontra-se também um registo sistemático de determinados aspetos da variação lexical.

Brasil e Portugal possuem, pois, material relevante em vários Atlas linguísticos, tendo como principais o ALIB para o PB e o ALEPG para o português europeu. A rede de pontos do ALIB conta com um total de 250 localidades distribuídas por todo o Brasil. Em 2014, houve a publicação dos dois primeiros volumes do ALIB, publicados pela EDUEL. Essas informações foram retiradas do web site oficial do ALIB (https://alib.ufba.br/).

Além do ALIB, existem outros Atlas que registam material do português brasileiro de regiões, estados ou cidades do país. Após o primeiro atlas regional ser publicado, o Atlas prévio dos Falares Baianos (APFB), em 1963, surgiram outros: O Atlas linguístico de Sergipe, lançado apenas em 1987 por dificuldade de financiamento, mas seguindo imediatamente o APFB quanto à recolha de dados, e mostrou avanços quanto a metodologia, apresentando os primeiros passos em direção a pluridimensionalidade, sistematizando informação sobre o sexo dos informantes. A seguir, foram publicados: a primeira parte de quadro do esboço de umAtlas Linguístico de Minas Gerais, em 1977, dois primeiros volumes, de três do Atlas Linguístico da Paraíba(ALPB), em 1984, e os dois volumes do Atlas Linguístico do Paraná(ALPR) em 1994. Após o surgimento do projeto ALIB em 1996, novos atlas foram publicados, o Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil (ALERS), em 2002, o Atlas Linguístico Sonoro do Pará em 2004, uma edição em CD e a primeira publicação de atlas sonoro referente ao PB, oAtlas Linguístico de Sergipe - II (ALS-II) em 2004, o Atlas Linguístico do Mato Grosso do Sul (ALMS) em 2007 e o Atlas Linguístico do Ceará(ALECE) em 2010. (cf. Cardoso e Mota, 2013)

Conforme Ferreira (1994), para a geolinguística portuguesa, o principal atlas de referência é o ALEPG (Atlas Linguístico Etnográfico de Portugal e da Galiza).

Entretanto, as primeiras referências de recolha de materiais sistematicamente comparáveis foram provenientes do ILB, já citado anteriormente, e do ALPI, o Atlas

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Linguístico da Península Ibérica (ALPI), que inclui Portugal em sua rede de pontos e teve seu primeiro e único volume publicado em 1963. O Atlas Linguistique Roman (ALiR), por sua vez, reúne dados de 110 localidades portuguesas continentais e insulares e teve seus inquéritos iniciados em 1987, segundo informações do website do CLUL. De caráter apenas nacional, além do ALEPG existem o Atlas Linguístico do Litoral Português(ALLP) e oAtlas Linguístico-Etnográfico dos Açores(ALEAç).

Trabalhos relativamente recentes apresentam comparações lexicais entre PB/PE com base em recursos geolinguísticos. Por exemplo, Venâncio e Neiva (2017) investigam a natureza e a origem das denominações em dialetos brasileiros em algumas respostas de inquéritos do ALIB, considerando uma perspetiva histórica e etimológica das palavras e constatando que no Brasil há grande influência das línguas de contato para a formação de novos vocábulos. Assim, os resultados deste estudo confirmam uma riqueza genealógica do português do Brasil e os autores defendem que muitas das variantes encontradas são resultado do contato do português com outras línguas, como o tupi e línguas românicas, concluindo que os elementos africanos e indígenas deixaram uma marca no léxico brasileiro, assim como os elementos românicos trazidos pelos portugueses.

O tratamento conjunto de dados de atlas linguísticos do PE e do PB é apresentado em Cardoso (2010), que realiza uma análise dos dados encontrados no Atlas Linguístico-Etnográfico dos Açores (ALEAç) Atlas linguísticos regionais do Brasil, nomeadamente o Atlas linguístico de Sergipe (1987) e o Atlas prévio de falares baianos (1963) e observa que ambas as regiões utilizam os mesmos itens lexicais para os conceitos investigados, facto que pode ser justificado pela imigração de famílias açorianas para o Brasil. O mesmo tipo de trabalho comparativo PB/PE com base em atlas linguísticos é também apresentado por Saramago (2018) (sobre estes dois trabalhos, ver adiante, secção 2.4).

Os estudos da variação lexical adotaram muitas vezes e tradicionalmente, no tratamento geolinguístico, uma abordagem centrada na associação entre uma designação e um conceito, em investigações onomasiológicas ou, menos frequentemente, semasiológicas. A onomasiologia é a investigação das formas a partir do conceito. O desenvolvimento desses estudos dentro da geografia linguística foi motivado pelo grande número de termos regionais recolhidos pelos inquéritos linguísticos, criando uma necessidade de os investigar mais profundamente. A onomasiologia encara uma

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multiplicidade de conceitos que formam um conjunto e a semiologia, por outro lado, considera a palavra isolada no desenvolvimento de sua significação, e não tem um caráter individual, trata de uma estrutura. Portanto, a onomasiologia é conhecida como o campo das designações, enquanto a semasiológica é conhecida como o campo das significações.

Uma outra abordagem, surgida mais recentemente nos estudos geolinguísticos, no seio dos atlas ALE e, mais tarde, do ALiR, é a variação de teor motivacional. Essa abordagem investiga de modo muito especial a importância da relação entre a etimologia de uma determinada palavra e seus aspectos extralinguísticos. A motivação é entendida como o significado das formas lexicais pré existentes usado para criar uma nova designação, essa abordagem é importante para o entendimento da relação entre linguagem e cultura (cf. Carrilho e Piuri 2019). Alguns exemplos de estudos iniciais dessa abordagem que podem ser citados são o de Barros Ferreira (1987) e a sua análise de variação lexical de base motivacional na designação de insetos e de Alinei (1997, 2002) com pesquisas aplicadas das motivações mágico-religiosas em dialectos europeus. O estudo da motivação semântica permite também analisar os padrões comuns de conceptualização explorados no âmbito da semântica cognitiva, isto é, uma eventual distribuição de metonímias e metáforas que são compartilhadas por mais de uma língua e cultura (Julià 2018).

O estudo das estruturas lexicais e investigação das áreas lexicais foi também possível graças à existência das novas bases de dados construídas a partir dos projetos de geolinguística. É disso exemplo, fundamental na caracterização da estrutura dialetal da variação lexical no território português, o trabalho de Cintra (1962) a partir do ALPI.

Neste trabalho, Cintra analisou elementos do vocabulário menos utilizados pela língua comum, relacionados com a criação de gado, beneficiando da possibilidade de identificação cartográfica de áreas lexicais a partir de dados de um atlas linguístico.

Antes de Cintra, o primeiro passo na definição da estrutura lexical portuguesa foi dado por Herculano de Carvalho (1953), no estudo Coisas e Palavras, que analisa vários tipos lexicais relativos a métodos de debulha de cereais no território português e se baseou no Inquérito Linguístico por correspondência de Paiva Boléo. Para um melhor conhecimento da verdadeira estrutura lexical da paisagem portuguesa, Carvalho, tal

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como depois Cintra, teve preferência por estruturas lexicais menos usadas em grandes centros, a fim de encontrar conteúdo menos conhecido.

Destes trabalhos, emerge a distinção muito precisa de Cintra (1962) de três áreas lexicais que são normalmente destacadas no território português, tal como sintetizado em Carrilho e Piuri (2019: 169):

i) “a oposição a que alude Herculano de Carvalho, entre um Norte e um Sul de Portugal, quando a uma designação latina […] se opõe nos falares meridionais uma designação árabe” (Cintra 1962: 90-91), um tipo de contraste que é possível encontrar na distribuição geográfica das variantes segar e ceifar para ‘cortar os cereais’ (Segura 2013) ou soro e almece (Cintra 1962) para ‘parte aquosa que se separa do leite depois de coagulado, no processo de fabrico do queijo’;

ii) “uma faixa ocidental, mais ou menos larga, que se estende do Minho até ao Algarve”, na qual se observa “a persistência de determinado tipo lexical que está a ser combatido por outro, proveniente do centro da Península” (Cintra 1962: 91), oposição evidenciada por pares como maninha e machorra, para ‘(vaca, ovelha, cabra, etc.) estéril’, ou queixo e barba, para

‘parte inferior da cara’, e evidenciada também em mapas linguísticos de alcance peninsular em Dubert e Sousa (2009);

iii) a mais significativa “oposição lexical entre duas regiões: a do noroeste e oeste, mais ou menos estendida para sul e para leste […]; a do sul, leste e nordeste […]. Na primeira destas duas regiões conservam-se tipos lexicais particularmente arcaicos […]. O Sul e o Leste caracterizam-se pela generalização de inovações de vários tipos” (Cintra 1962: 91-92). Este é o tipo de contraste representado em Cintra (1962) pelas oposições entre anho vs.

cordeiro e borrego, cabrito vs. chibo, úbere vs. amojo, mugir vs. ordenhar ou espiga vs. maçaroca.

Ademais, os atlas linguísticos são também recursos fundamentais para o presente trabalho pois serão utilizados na análise e comparação de dados entre português brasileiro e português europeu. Graças a eles, é possível ter um panorama linguístico dos componentes que coexistem com as formas padrão e explorar sua origem

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e etimologia, investigando relações na distribuição de variantes lexicais nos territórios português e brasileiro.

2.4.Estudos geolinguísticos comparativos PE / PB

Nesta última secção, são considerados os trabalhos que expandem o alcance territorial de um projeto geolinguístico para uma observação e caracterização conjunta de PE e PB (ou partes dos territórios correspondentes). Trata-se de estudar a variação linguística geográfica além de fronteiras nacionais, em certa medida comparável à estrutura subjacente a projetos transnacionais, como o ALiR e o ALE, para os quais foram, em geral, aproveitados dados pré-existentes, que foram depois elaborados e sintetizados nos aspetos de variação relevantes, para realização conjunta de mapas linguísticos combinatórios de materiais provenientes de diferentes fontes. Estes estudos tornaram-se importantes para a construção de um conhecimento sobre léxico do português nos dois lados do oceano, a relacionar com a caracterização pluricêntrica do português, e certamente contribuem também para a análise de questões sobre variação ,e inovação lexical e história da língua portuguesa.

Como referido acima, o estudo comparado da variação lexical presente em (alguns) atlas linguísticos brasileiros e portugueses foi objeto dos estudos apresentados em Cardoso (2010) e Saramago (2019). Cardoso (2010) realizou uma comparação entre aspectos lexicais relativos a criação de gado com base em materiais do Atlas Linguístico e Etnográfico dos Açores (ALEAç), publicado em 2001 a partir de dados recolhidos nas últimas décadas do século XX, e os atlas brasileiros que contém representação da Bahia e do Sergipe, o Atlas Prévio dos Falares Baianos, de 1963, o Atlas linguístico de Sergipe, com dados coletados na década de 1960 e publicado em 1987 e referências do ALIB aos estados, com objetivo de investigar a relação entre o léxico açoriano e brasileiro. Os conceitos investigados foram ‘cria de ovelha’, ‘rabo’ e ‘em chifre’ e observou-se uma coincidência entre a preferência de uso para os falantes dos Açores e da Bahia e Sergipe, pelas variantes “borrego”, “rabo” e “mocha”, respectivamente. Por um lado, se pode perceber que existe uma identidade Açores/Bahia-Sergipe nestas escolhas. Por outro lado, a relação de tal unidade com aspetos externos precisaria de ser ainda compreendida, na medida em que a região de Bahia e Sergipe estudada no artigo da autora não se caracteriza por uma intensa imigração açoriana, que ocorreu na região sul do Brasil, principalmente nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, entre

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os séculos de XVII e XIX. Mas é também certo que seriam ainda necessários mais dados para que se possa concluir mais seguramente sobre a realidade desta relação.

Uma publicação que investiga a influência linguística açoriana na região sul do Brasil é o trabalho de Saramago (2018), que utiliza também dados do ALEAç e do Atlas Linguístico Etnográfico da Região Sul (ALERS), publicado em 2011. Este autor realiza um trabalho comparativo entre os dois domínios linguísticos, e faz algumas considerações ao final: nas áreas da Madeira, Açores e Brasil, existem vocábulos em comum que são considerados hoje pelos dicionários como regionalismos, arcaísmos já em desuso, mesmo no centro difusor do léxico, Portugal.

Nessa mesma linha, temos ainda o trabalho de França Neto (2018), que estabelece uma relação de comparação entre variantes lexicais do português do Brasil e do português europeu, utilizando o ALEPG para o PE e o Atlas Linguístico da Paraíba e o ALERS para o PB. Os itens lexicais ‘arco-íris’ e ‘córrego’ presentes nos dados destes atlas, tiveram suas variantes desvendadas e comparadas em abordagem geolinguística.

Como considerações finais, é constatado que no universo da pesquisa, existem mais registros de variantes de denominações populares dentro dos atlas brasileiros, o que demonstra como a língua falada pode atravessar a norma escrita com grande diversidade.

Partimos assim da identificação de uma articulação inicial do desenvolvimento da geolinguística e dos recursos que esta constituiu com as novas possibilidades de estudar a variação lexical regional. Com o presente trabalho, propomos reforçar a extensão deste tipo de investigação a um estudo comparado de variação lexical entre PB e PE, com base em materiais de atlas linguísticos destas duas variedades linguísticas, na esteira de trabalhos anteriormente apresentados, como os de Cardoso (2010) e Saramago (2018).

(24)

3. Aspetos metodológicos

Este capítulo apresenta os aspetos metodológicos norteadores desta pesquisa, face ao objetivo principal, um estudo comparativo da diversidade lexical entre o português do Brasil e o português europeu, considerando a variação regional interna que ambas as variedades de português apresentam. Assim, para este propósito, a pesquisa assenta em materiais de atlas linguísticos brasileiros e portugueses, uma vez que, como evidenciado no capítulo anterior, estes recursos geolinguísticos oferecem um acesso sistemático a formas precisas de variação lexical distribuída geograficamente e incluem, em geral, dados do domínio conceptual aqui considerado, relativo a fenómenos meteorológicos.

Os atlas linguísticos desenvolvidos para o português do Brasil e para o português europeu revestem-se, no entanto, de algumas especificidades que será importante considerar no trabalho comparativo que aqui se apresenta. A investigação da diversidade lexical “supra nacional” a partir de dados publicados ou recolhidos no âmbito de diferentes atlas linguísticos aproxima-se da abordagem metodológica na base da elaboração de atlas linguísticos “de segunda geração” (Contini 2012: 345), como o Atlas linguistique roman (ALiR) ou o Atlas Linguarum Europae(ALE). Como nestes atlas, são realizadas sínteses lexicais interpretativas que assentam em dados de diferentes fontes. Neste trabalho foram considerados, para o português do Brasil, materiais publicados no primeiro volume do Atlas linguístico do Brasil (ALiB) e em diferentes atlas brasileiros regionais, identificados na secção 3.1 deste capítulo; para o português europeu, considerando as fontes geolinguísticas elencadas na secção 3.1, foram investigados dados recolhidos em inquéritos dialetais realizados no âmbito dos Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza (ALEPG) e doAtlas Linguarum Europae (ALE), assim como dados de mapas linguísticos pontuais já elaborados a partir destas mesmas bases de dados. O corpusem investigação neste trabalho resulta assim de um recorte de materiais respeitantes a questões comuns a estes atlas linguísticos no domínio conceptual de fenómenos meteorológicos. Para a análise destes materiais, apresentar-se-á, no capítulo 4, uma síntese comparativa da variação lexical encontrada, com registo cartográfico sintético dos dados tratados ao longo dos territórios brasileiro e português.

Assim, este capítulo apresenta os aspetos metodológicos que orientaram a constituição do corpus em investigação e está organizado da seguinte maneira: primeiro,

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serão apresentadas as fontes consideradas dos dados que formam o corpus - questionários e mapas linguísticos sobre fenómenos meteorológicos extraídos de atlas linguísticos brasileiros e portugueses, em seguida, consideram-se comparativamente as especificidades metodológicas destes atlas linguísticos, com ênfase sobre as redes de inquérito e os perfis de informantes. Finalmente, a última secção apresenta sinteticamente os elementos organizadores da análise comparada desenvolvida neste trabalho: as questões e os conceitos selecionados e a rede de inquérito combinada a partir dos atlas estudados.

3.1. Fontes dos dados analisados: atlas linguísticos – questões, inquéritos e mapas linguísticos

O campo semântico escolhido, fenómenos meteorológicos, encontra-se normalmente representado em diferentes atlas linguísticos, o que permite reunir conjuntos de materiais comparáveis em perspectiva geolinguística. Os atlas portugueses e brasileiros coincidem apenas em parte no registo de dados relevantes pelas diferenças existentes nos respetivos questionários, relacionadas com a caracterização destes atlas.

Enquanto o questionário do ALE possui um caráter mais geral por investigar mais de uma língua, o ALEPG e o ALIB, como atlas de foco nacional, apresentam questionários mais extensos e específicos. Os atlas regionais do Brasil têm questões ainda mais específicas. Os questionários dos atlas também se distinguem na identificação principal de cada fenômeno, como ocorre emchuva de pedra(ALIB) egranizo (ALE/ALEPG).

Em alguns casos, é já possível aceder a alguns mapas interpretativos que representam a variação lexical em conceitos deste campo semântico – são desta natureza os dados que aqui são investigados para o território brasileiro, assim como os materiais portugueses provenientes do ALE. Noutros atlas, apesar de existir informação sobre a presença de questões relativas a este campo semântico no questionário linguístico, os materiais obtidos não estão ainda publicados em mapas, existindo contudo nas bases de dados dialetais correspondentes. Assim, para alguns dados do território do português europeu, são elaboradas sínteses lexicais e apresentam-se os mapas correspondentes, a comparar com os dados obtidos para o território brasileiro.

Para melhor visualização comparativa das fontes consideradas na seleção de dados, apresenta-se, num primeiro momento, os quadros que registam os capítulos de

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questionário e/ou mapas publicados relevantes em diferentes atlas linguísticos dos territórios brasileiro e português1:

atlas capítulo de Questionário Questões Mapas

ALIB Fenômenos atmosféricos 7-21 L01-L03

APFB Terra --- ---

ALPB A terra 001-043 001-043

ALS Terra --- 1-12

ALPR Terra: a) Natureza, fenômenos

atmosféricos, astros, tempo 001-058 201-208

ALERS Fenômenos Atmosféricos 042-068 C021-040

AS-LRG

ABC Fenômenos atmosféricos 7-21 7-38

ALMS Fenômenos atmosféricos 044-066 21-53

ALiPTG Fenômenos atmosféricos 7-21 5-10

ALMESEMT Fenômenos atmosféricos 7-21 ---

ALMASPE Fenômenos atmosféricos 7-21 3-9

Encarnação

2010 Fenômenos atmosféricos 1.2.1-14 7-20

ALECE A terra 001-025

---

AGeLO Astros e Tempos 7-20 1-6

ALiPE Fenômenos atmosféricos 9-21

04-15

Astros e Tempo 22-33

Figueiredo Jr 2019

Fenômenos atmosféricos 7-21 Astros e Tempo 22-38 --- Quadro 1: capítulos de questionário e/ou mapas publicados do PB.

1Existe um maior volume de atlas linguísticos com questionários de fenômenos atmosféricos, especialmente regionais do Brasil, entretanto, a consulta desses materiais é limitada pela falta de disponibilidade de acesso online ou

presencial no CLUL.

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atlas capítulo de Questionário Questões Mapas

ALEPG

A.1 O céu e a atmosfera (O céu e os

corpos celestes; a atmosfera). 1-49

--- C.4 O tempo

ALPI sequência em vol. II-E* / II-G+ *425-438 --- ALE A.1..2 O universo: o tempo, o

vento e os estados atmosféricos 6-21 vários

ALLP

A.1 O céu e a atmosfera (O céu e os

corpos celestes; a atmosfera). 1-49

--- C.4 O tempo

ALEAç

A.1 O céu e a atmosfera (O céu e os

corpos celestes; a atmosfera). 1-49

--- C.4 O tempo

Quadro 2 : capítulos de questionário e/ou mapas publicados do PE.

Houve uma seleção entre os atlas disponíveis, em que se priorizou a facilidade de acesso e dados do questionário referente a fenômenos atmosféricos semelhantes entre si. Como referido acima, os questionários que servem de base às recolhas realizadas no âmbito destes capítulos não são integralmente coincidentes, mas alguns conceitos referentes têm presença constante nos diferentes atlas. Assim, no quadro a seguir, apresenta-se uma síntese dos conceitos que constam dos questionários do ALiB e do ALEPG, assinalando-se igualmente a sua presença no ALE e num subconjunto de atlas regionais brasileiros que servem de fonte ao presente trabalho.

Além do levantamento de conceitos coincidentes nos diferentes atlas, foram também consultadas as questões que lhes correspondem nos respetivos questionários2, para uma seleção mais exata de conceitos. O questionário ALiB é em geral seguido pelos atlas regionais do Brasil, e os que foram publicados antes do projeto ALiB, como o ALERS e o ALPB desenvolveram seus próprios questionários. Uma síntese de comparação sistemática de questões para a seleção de conceitos comuns foi realizada

2 Foram normalmente consultados os questionários publicados, que incluem a questão orientadora da recolha de dados. Excetua-se o questionário do ALEPG, constituído apenas por palavras-guia, correspondentes às designações consideradas padrão para os conceitos questionados.

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para o apuramento dos dados a analisar. Essa apuração cuidadosa foi necessária pois há termos com palavras padrão não coincidentes, mas que possuem mesmo significado como em “chuva de pedra”, no ALIB e “granizo” no ALE e ALEPG.

Após a seleção desses conceitos em questão, foram selecionados cinco itens para a análise. Foram escolhidos aqueles que possuem maior volume de mapas linguísticos, de pesquisas etimológicas e motivacionais realizadas por outros autores e são mais interessantes para o contexto da análise; esses vocábulos constam no quadro abaixo.

ALIB

Atlas de Pernambuc o

Atlas da Paraíba

Atlas de Alagoas

Atlas ABC Paulista

ALEP

G ALE

arco-íris x X x x x x x

nevoeiro/cerração/nebli

na x x x x x

raio x X x x x x

relâmpago x x x x x

chuva de pedra ou

granizo x X x x x x

Quadro 3: designações selecionadas para pesquisa e respectiva presença em Atlas.

Uma parte dos materiais linguísticos considerados encontra-se já representada em atlas linguísticos interpretativos de diferentes tipos, para o domínio brasileiro e para o território português tal como representado no ALE. A par destes materiais de mapas linguísticos (ver Tabela 1), são investigados dados do PE obtidos a partir da base de dados ALEPG (CLUL), considerados, para os efeitos deste trabalho, nos seus registos ortográficos. Para estes dados, são apresentados, no próximo capítulo, sínteses de formas lexicais e mapas interpretativos próprios. Para os conceitos ‘relâmpago’, ‘raio’,

‘granizo’, a tipificação de dados e os mapas são adaptados* de Wu (2021). A informação sobre as fontes e os formatos de registo na base dos materiais a analisar comparativamente encontra-se na tabela abaixo.

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arco-íris granizo neblina raio relâmpago ALEPG

Q. 042 Q.034 Q. 044 Q. 40 M. (Wu

2021)

Q. 39 M (Wu 2021)

ALE

Q.017 V.I, carta 6,7,8,9

Q. 019,V.I

carta 10 Q. V.I, carta

Q.014 V.I, carta 30

Q.013 V.I, carta 31

ALIB Q.17

Q.15, Carta L01

Q.21, Carta L03

Q. 9 Q.8

ALIPE

Q. 17, Carta 50

Q. 15, Carta 6 --- Q.9, Carta 04 ---

ALPB

Q.29, Carta

030 ---

Q. 23, Carta

024 --- ---

ALEAL Q., Mapa, p. Q.13, p. 135 --- Q.9, p.133 --- ALERS

Q.056, Mapa 031, p.135

Q. 054, Mapa, 029 p.131

Q.062, Mapa 034, p.141

Q.048, Mapa 023, p.119

Q.049, Mapa 024, p. 121 ASLEA

BC

Q. 17, Carta 17

Q.15, Carta 015

Q.021, Carta 021

Q. 09, Carta

09 Q. 08, Carta 08 Quadro 4: Informação sobre as fontes e os formatos de registo na base dos materiais a analisar comparativamente:

3.2 Fontes - datas de recolha, redes de inquérito e informantes

Essa seção apresentará uma breve caracterização comparativa da natureza dos dados selecionados para análise, tendo em conta aspetos metodológicos dos atlas linguísticos do Português do Brasil e Português Europeu na sua origem.

Entre os aspectos gerais principais caracterizadores desses materiais, podemos referir que os dados registados nos diferentes atlas considerados provêm de recolhas realizadas em períodos diferentes, mas todas situadas entre as décadas de 70 e 2010. os atlas do português europeu são os mais antigos entre os pesquisados – tiveram inquéritos a partir da década de 1970, enquanto o ALIB teve sua publicação em 2014.

Entretanto, entre os atlas regionais brasileiros também há os mais antigos, como o da Paraíba, com inquérito em 1979.

Quanto à cobertura territorial que possibilitam fazer, os dados destes atlas permitem um estudo linguístico de capitais e estados do Nordeste e do Sul do Brasil, enquanto os com dados portugueses cobrem toda a área continental e as ilhas, no caso do ALEPG. O ALE possui menos pontos de rede do que o ALEPG pela sua natureza continental. A cobertura territorial dos atlas regionais do Brasil permite investigação de

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áreas rurais mais afastadas dos centros urbanos. Finalmente, importa referir que os perfis de informantes representados nos diferentes atlas, apesar de não coincidirem integralmente, apresentam uma sobreposição comparável no que diz respeito à representação, em todos, do perfil do informante da dialetologia tradicional – assim, ainda que alguns atlas brasileiros apresentem uma maior diversidade de perfis de informantes, dada a metodologia pluridimensional que adotam, ainda assim oferecem informações representativas também do tipo de informante tradicional representado nos atlas monodimensionais, característico das recolhas para o território português. Para melhor organização e visualização comparativa das propriedades desses materiais, são sintetizados os elementos relevantes no quadro conforme a tabela abaixo

Atlas data de

recolha

domínio

geográfico localidades

informantes (indicar apresentação

pluridimensional ou não…)

ALIB 200?- nacional

Brasil

25 capitais dos estados

G: M + F

idade: 18-30 + 50-65 Instr: fund + univ (Capitais)

Atlas Linguístico de Pernambuco (ALiPE)

2010 regional Pernambuco

20

localidades

G: M + F

idade: 18-30 + 50-65 Instr: fund + univ Atlas Linguístico

da Paraíba (ALPB)

1979 regional Est. Paraíba

25

municípios

G: M + F idade: 30-75

Instr: analf – primário compl.

Atlas

Linguístico-etnogr áfico da Região Sul do Brasil (ALERS)

1989-199 2

regional Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul

275 rurais P-100 SC-80 RGS-95 19 urb P- 6

G: M + F idade:28- 58

instr:analf – primário compl.

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SC -6 RGS - 7 Atlas

Semântico-lexical da região do Grande ABC

20??

regional região do Grande ABC no Est.

S.Paulo

9 cidades

G: M + F

idade: 18-30 + 50-65 Instr: fund + univ

Atlas linguístico do estado de Alagoas (ALEAL)

2017 regional

Est. Alagoas 21 cidades

G: M + F

idade: 30-50 + 55-75

ALE -Pt 1975

nacional, Portugal continental

54 rurais

H ou M idade: > 50

analfabeto ou baixa escolaridade

ALEPG 1973-199

7

nacional, Portugal continental e insular

200 (176 cont + 24 ins)*

rurais

H ou M idade: > 50

analfabeto ou escolaridade primária

Quadro 5: Informações sobre os Atlas do Português do Brasil e Europeu

A cobertura desses atlas selecionados também varia de acordo com suas

especificidades. No caso do Brasil, enquanto a edição utilizada do ALIB nessa pesquisa considera apenas as capitais de cada estado, os regionais possuem dados rurais e mais específicos de cada região. As redes do Português do Brasil estão ilustradas no mapa disponível abaixo, de maneira mais simplificada para visualização superficial.

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Mapa 1: Rede de localidades do Português do Brasil de maneira simplificada. (obtido em: google maps)

Os pontos verde-escuros espalhados pelo mapa são as capitais a serem investigadas pelo ALIB, os azuis representam os pontos do estado da Paraíba, em roxo o estado de Pernambuco e amarelo de Alagoas. Os pontos em vermelho, únicos da região sudeste no estado de São Paulo são do ABC Paulista, o rosa são os pontos do Paraná, cinza de Santa Catarina e verde claro do Rio Grande do Sul.

3.3 Corpus PB / PE em análise

A estrutura de organização para a análise do corpus do PE e PB foi realizada da seguinte maneira: selecionadas as palavras mais relevantes entre as coincidentes dos atlas linguísticos, foi feita uma planificação de cada ponto do mapa desses atlas com as respostas correspondentes, para melhor visualização de todos os dados. Após, foi desenvolvida uma tipificação de cada conceito, com uma divisão entre as variantes obtidas em grupos. Finalmente, mapas linguísticos interpretativo para cada palavra foram concebidos tendo como base essas tipificações, com exceção dos mapas do ALEPG de “raio” e “relâmpago”, feitos por Wu (2021). Dessa forma, a análise com comentários desse material foi feita.

(33)

Os conceitos a serem analisados são “arco-íris”, “granizo/chuva de pedra”,

“raio”, “relâmpago” e “neblina/nevoeiro/cerração”. Esses termos foram escolhidos pois são eventos meteorológicos comuns e não existe grande contradição em seus significados. “arco-íris” é sempre definido como um arco multicolorido que surge no céu, o “granizo”, apesar de também ser classificado como “chuva de pedra” no ALIB, é definido por todos como uma precipitação de pedaços de gelo, “raio” e “relâmpago”

ocorrem durante uma tempestade e são representados pelos atlas como uma descarga elétrica que pode matar e um clarão rápido, respectivamente. Entretanto, existem aspectos divergentes entre “neblina/nevoeiro/cerração” que serão clarificados nos comentários da análise, pois o questionário do ALIB o define como um fenômeno que ocorre pela parte da manhã, enquanto os outros não possuem tal especificidade. Para mais, as perguntas dos questionários de cada conceito estão representadas nos quadros 7 a 11. No caso do ALEPG e do ALPB, não há perguntas para os conceitos.

‘arco-íris

ALE, Q. 017 ‘O semi circulo colorido que vemos no céu após uma tempestade’

ALIB, Q. 17 ALPE ASLEABC ALEAL

ALERS, Q. 056

‘Quase sempre, depois de uma chuva, aparece no céu uma faixa com listras coloridas e curvas (mímica).

Que nomes dão a essa faixa?’

Quadro 7 – questões formuladas para ‘arco-íris’

‘granizo/chuva de pedra’

ALE, Q. 019 ‘os grãos de gelo como pequenas pedras que caem do céu quando está frio’

ALERS, Q.054 ‘Durante uma chuva, podem cair pedacinhos de gelo. Como chamam essa chuva?

ALIB, Q. 15 ALPE ASLEABC

‘Durante uma chuva, podem cair bolinhas de gelo. Como chamam essa chuva?

Quadro 8 – questões formuladas para ‘granizo/chuva de pedra’

(34)

‘raio’

ALE, Q. 014 ‘Tem uma palavra diferente para indicar este raio de luz caindo em uma casa ou uma árvore?Que palavra é essa?

ALERS, Q. 048 ... uma luz forte e rápida que sai das nuvens, podendo queimar uma árvore?

ALIB, Q. 09 ALPE ASLEABC

... uma luz forte e rápida que sai das nuvens, podendo queimar uma árvore, matar pessoas e animais, em dias de mau tempo?

Quadro 9 – questões formuladas para ‘raio’

‘relâmpago’

ALE, Q. 013 ‘...o raio de luz muito rápido que vemos em uma tempestade’

ALERS, Q. 049 ‘...uma luz que risca o céu em dias de chuva?

ALIB, Q. 08 ALPE ASLEABC

...um clarão que surge no céu em dias de chuva?

Quadro 10 – questões formuladas para ‘relâmpago’

‘neblina/nevoeiro/cerração’

ALE, Q. 08 ...o vapor d’água no ar que rasteja no solo em dias úmidos e dificultam a visualização

ALERS, Q.

062

ALIB, Q 021 ALPE ASLEABC

Muitas vezes, principalmente de manhã cedo, quase não se pode enxergar por causa de uma coisa parecida com fumaça, que cobre tudo. Como chamam isso?

Quadro 11 – questões formuladas para ‘neblina/nevoeiro/cerração’

Outro fator essencial foi a descrição das localidades do corpus, que foram cuidadosamente avaliadas e selecionadas. Para o Português do Brasil, as redes de pontos de inquérito dos atlas dos estados de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, região do ABC

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Paulista, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e as capitais do país do ALIB foram adaptadas em um mapa próprio, para a confecção de mapas interpretativos. Os pontos do ALERS são excepcionalmente extensos, pois há um total de 275 localidades divididos em três estados. No caso do Português europeu, essa confecção própria não foi necessária, pois já existiam mapas do ALE e ALEPG com a rede de pontos, que foram colocados em conjunto para melhor visualização dos dados europeus. A base desses mapas encontra-se representada nos mapas 2 e 3.

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Mapa 2: Mapa síntese de redes de inquérito dos atlas brasileiros investigados.

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Mapa 3: Mapa do Português Europeu.

Apresentada a metodologia e o corpus escolhido para o português europeu e do Brasil com suas características, o conjunto de mapas interpretativos de cada questão está apresentado no capítulo a seguir, que analisa e irá revelar e interpretar os dados obtidos pelos inquéritos.

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4. Análise

Esse capítulo introduzirá a análise de dados dessa dissertação, que investiga as palavras referentes a fenômenos atmosféricos, na seguinte ordem: ‘arco-íris’, ‘granizo’,

‘neblina/nevoeiro/cerração’, ‘raio’ e ‘relâmpago’, os últimos dois em conjunto, por serem fenômenos similares e que ocorrem normalmente em uma tempestade. Também apresentará esses dados cartografados em mapas interpretativos, do PB e PE,

4.1. Análise e comentários dos mapas 4.1.1. Arco Íris

O ‘arco-íris’, de lat. ARCU- + lat. ĪRIS é a formapadrão para o português do Brasil e português europeu para designar o fenômeno atmosférico que consiste na formação de um círculo no céu que apresenta sete cores. No ALE, o conceito é descrito como ‘O semi círculo colorido que vemos no céu após uma tempestade’. (cf.

Questionário no Anexo 1) No ALIB e mais mapas regionais brasileiros, o conceito é apresentado com a pergunta ´Quase sempre, depois de uma chuva, aparece no céu uma faixa com listras coloridas e curvas (mímica). Que nomes dão a essa faixa?´. Ainda que

‘arco-íris’ seja a designação comum, mais representada nos dados considerados, regista-se um conjunto extenso de outras designações para esse fenômeno.

Entre os trabalhos em destaque sobre a diversidade dos nomes desse fenômeno, Alinei (1997), com base nas respostas do ALE, concluiu que as línguas europeias dispõem de centenas de designações que testemunham de diferentes camadas de motivações, com especial destaque para as motivações mágico-religiosas para

‘arco-íris’. Como vimos no capítulo 2, na secção 2,para este autor, as motivações são

‘atalhos’ que representam minimamente o referente, sendo escolhidos pelo prestígio social e popularidade que detêm. Assim, a grande variedade de motivações mágico-religiosas encontradas no ALE testemunha da grande importância que o universo mágico-religioso teve em todas as sociedades ao longo do tempo (Alinei 1997:

3). As motivações identificadas nas designações de ‘arco-íris’ no ALE são particularmente ricas, organizáveis, segundo Alinei, em tipos motivacionais que evidenciam camadas diacrônicas da religiosidade na cultura europeia em variantes com motivação de base religiosa cristã ou muçulmana, com motivação baseada em representações antropomórficas ou em representações zoomórficas, mais antigas.

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Para o Português do Brasil, Cardoso e Ferreira (1999) encontraram grande número de designações para ‘arco-íris’, com repertório extenso de motivações que deram origem a essas formas. As autoras seguem, na tipologia de variantes que consideram, os quatro grupos de motivações das designações do ‘arco-íris’ propostos por Alinei (1983) no quadro do ALE: (i) ‘arco’ como motivação principal; (ii) outras motivações do elemento principal; (iii) zoomorfismos; e (iv) antropomorfismo.

Neste trabalho, os dados registados nos mapas seguintes, respeitantes aos atlas considerados (cf. secção 3.1), apresentam também diferentes manifestações dos tipos motivacionais acima identificados. Como se pode constatar, foram cartografados dados do PB relativos aos atlas ALPB, ALIPE e ALEAL (mapa 1a), AS-LRG AB (mapa 1c) e ALERS (mapa 1d), a par dos mapas de PE do ALEPG (mapa 1f) e do ALE (mapa 1g).

Para este conceito, não foi preenchido o mapa 1b (ALiB), por ausência de publicação prévia dos materiais relevantes.

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