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HABITAR A RUA E VIVER A CIDADE

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Academic year: 2021

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HABITAR A RUA E VIVER A CIDADE

HAZAN, VERA MAGIANO (1); MENDONÇA, ADALTON DA MOTTA. (2)

1. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. E-mail: verahzn@gmail.com

2. Universidade Estácio de Sá. Departamento de Ciências Sociais e Jurídicas E-mail: professor.adalton@gmail.com

RESUMO

Momentos de crise, como os que atualmente estamos vivendo no Brasil, expressam o crescimento da população que mora ou trabalha na rua, especialmente nos grandes centros urbanos. Alguns são moradores da própria cidade, outros vêm de municípios da região metropolitana e interior do estado em busca de oportunidades. Existem ainda aqueles que vivem há muito tempo nas ruas, pelos mais diversos motivos, e aqueles que evitam voltar todos os dias para casa para economizar o valor diário das passagens.

Habitar na rua e viver a cidade é, sobretudo, uma provocação para que essa discussão se amplie entre arquitetos e urbanistas e demais estudiosos da questão urbana enquanto autores dos projetos de espaços públicos nas grandes cidades. A partir da perspectiva de uma cidade mais aberta e inclusiva, esse trabalho propõe discutir a ocupação democrática do espaço público, o mobiliário urbano como objeto de interação e integração entre moradores da cidade, e a cidade como abrigo que permite as mais diversas vivências, ocupações e apropriações, independente do poder aquisitivo, da idade e do gênero.

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Cartola- Sim Todos erram neste mundo Não há exceção Quando voltam à realidade Conseguem perdão Porque é que eu Senhor Que errei pela vez primeira Passo tantos dissabores E luto contra a humanidade inteira Composição: Cartola e Oswaldo Martins

Habitar a rua e viver a cidade

Manhã quente num dia normal no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro. Uma senhora canta e distribui lanches aos novos moradores de rua, recém ingressos nas fileiras dos mais de 75% novos habitantes da cidade. (Albernaz, 2017). Segundo o Programa de Apoio e Inclusão Social à População de Rua na cidade do Rio de Janeiro, o número total de moradores de rua vem aumentando ano a ano: saltou de 5.580 em 2013 para quase 15 mil em 2016, isto é, praticamente triplicou em três anos.

Dados da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH, 2017) informam que muitos dormem no Centro para ficar perto do trabalho, economizar na passagem ou no aluguel. Para atender a essa demanda de pernoite, a Prefeitura do Rio dispõe de 38 abrigos próprios, 22 conveniados e dois ‘hotéis acolhedores’. Ao todo são 2.177 vagas disponíveis, número insuficiente para atender aos cerca de 15 mil indivíduos cadastrados pela Secretaria.

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Quando se fala em habitar a rua não se restringe à ocupação dos moradores de rua. Em função dos problemas sociais e econômicos atuais, há cada vez um número maior de pessoas trabalhando nas ruas e ocupando os espaços da cidade. São trabalhadores formais e informais que circulam e permanecem em certos pontos, atribuindo vitalidade aos espaços públicos.

Mas, qual a infraestrutura que a cidade oferece para essas pessoas? Não há sanitários públicos, pontos de água, nem sombreamento. As calçadas não são largas o suficiente para compartilhar o espaço entre pedestres e ambulantes, e em função da crise a informalidade aumenta, e o compartilhamento do espaço se torna ainda mais complexo.

Fazendo uma retrospectiva da evolução urbana do Rio de Janeiro, pode-se observar que a cidade já foi bem mais receptiva aos seus moradores e visitantes. Os chafarizes, as fontes d´água e as marquises proporcionavam uma urbanidade que já não se encontra mais. As praças eram espaços de encontro, trocas de mercadorias e referência dos bairros. Sentia-se a urbanidade de forma presente através dos espaços públicos, que proporcionavam vivências coletivas entre os moradores e trabalhadores do bairro.

Um bom exemplo é a Praça Sersedelo Corrêa, chamada “Praça dos Paraíbas”, entre as ruas Hilário de Gouveia, Siqueira Campos e Av. Copacabana, que por muito tempo foi um ponto de encontro de trabalhadores vindos do Nordeste, que tinham nesse espaço uma referência, pois nas décadas de 40 e 50, em função do dinâmico mercado imobiliário na região, o bairro foi tomado pela construção civil. O Rio de Janeiro era capital federal, e a demanda por novas edificações atraiu um grande número de migrantes nordestinos, que trabalhavam de segunda a sábado, e folgavam aos domingos. Como ainda não conheciam a população local, reuniam-se na Praça para ouvir rádio, escrever cartas com o auxílio dos poucos alfabetizados, e receber notícias e mercadorias trazidas por outros migrantes.

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No calor, refrescavam-se nas fontes e chafarizes, e a urbanidade podia ser reconhecida nesse cotidiano.

Atualmente, a situação é bastante diferente. Os espaços, que eram considerados extensão dos apartamentos, encontro das crianças e dos namorados passaram a ser área de disputa de grupos, e espaço de preconceitos. A ideia da cidade como abrigo foi sendo substituída por zonas de conflito e medo, e o conceito de urbanidade foi se perdendo.

O reconhecimento da diversidade

Se o urbanismo contemporâneo tivesse como meta transformar a cidade num grande abrigo da diversidade, com infraestruturas de apoio para que todos pudessem usufruir melhor das cidades, possivelmente existiriam menos tensões e conflitos nos espaços públicos. Policiais, pipoqueiros, sorveteiros, feirantes, camelôs, prostitutas, artistas, namorados, crianças, moradores de rua etc teriam o mesmo acesso aos banheiros públicos, às fontes d´água potável, às pérgolas, entre outros equipamentos, permitindo uma maior permanência nas ruas e praças da cidade.

O fato é que a sociedade contemporânea reconhece o indivíduo, mas não a experiência do outro, especialmente se ela foge aos padrões estabelecidos. Por isso, apesar do reconhecimento da fragilidade das políticas públicas nas áreas de educação, habitação e assistência social, não se compreende a negação de moradores de rua à oferta de abrigos. Há que se entender melhor o que é morar na rua e viver a cidade como a sua casa. Segundo dados fornecidos pela Arquidiocese do Rio de Janeiro, a maior parte da população de rua é formada por pessoas com algum desequilíbrio, seja ele fruto de vícios ou de violência doméstica.

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Segundo Silva & Gutierrez (2013), o "estar na rua", sugere a diminuição do contato com a família, com as atividades anteriores e a criação de novos vínculos na rua. O ser que habita a rua passa a desenvolver uma outra concepção de mundo. Habitar a rua implica a exposição à violência e à criminalidade, além da diminuição da expectativa de vida. Torna-se necessário e urgente criar redes de solidariedade e novas estratégias de sobrevivência na cidade. Saber manipular a invisibilidade e a vulnerabilidade social constitui agora um novo mapa para a existência na cidade. Enfim, a normalidade do mundo torna-se uma falsidade. (Pereira, 2012).

Nesse sentido, quando se pergunta como é o habitar na rua, percebe-se a tristeza do indivíduo quanto à sua condição, onde a depressão, alcoolismo, drogadição são dados comuns ao universo dos entrevistados. Na maioria das vezes, nota-se o ato de conviver com os riscos, sofrer algum tipo de violência ou ser acolhido “pelo pessoal do Programa Segurança presente” do Governo do Estado em parceria do Sistema Fecomércio-RJ. Há uma mudança na percepção sobre a cidade, um novo locus de medo.

Diferente da casa, a rua não é interpretada como local para morar. Quem opta por habitar a rua, e não um dos mais de trinta equipamentos sociais de acolhida, tem que criar uma série de discursos e estratégias para “escapar do programa” e permanecer “em liberdade”. Se, em alguns casos, há uma história de vícios ou violência por trás, em outros, ainda que em menor número, é uma opção de vida independente e dificuldade de lidar com regras e rotina. Esses indivíduos desenvolvem uma estratégia de sobrevivência, seja através de redes de solidariedade, seja através de habilidades. Ainda que a rua não ofereça segurança, perspectivas de proteção ou valorização da vida humana, há aqueles que preferem estar na rua a mudar de rotina. (Chachamovich: 2007).

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espaços públicos como a própria casa, o que se vê são visões preconceituosas que acabam por estigmatizar esses indivíduos e tornar sua inserção na sociedade ainda mais difícil.

Para idosos e crianças, a situação é um pouco diferente. Por um lado, a sociedade se penaliza dessa condição, e por outro questiona o porquê do abandono. Para o idoso, o perigo da rua repousa na fragilidade dos seus anos de vida. Já para a crianças e adolescentes é visto como risco do descaminho e da vulnerabilidade do ambiente. Se as ruas proporcionam o desamparo, a violência e o alcoolismo, por que os serviços de atendimento in loco são feitos, em sua maioria, por grupos voluntários ou religiosos e não por equipes profissionais multidisciplinares? As políticas públicas de “acolhimento” são comprovadamente caras e pouco eficazes. Além de não resolverem o problema de reinserção social, não reduzem as tensões entre os diferentes grupos de moradores da cidade.

A cidade como abrigo x políticas de ‘limpeza urbana’

Se a cidade fosse realmente um grande abrigo, capaz de permitir as mais diversas permanências em suas ruas e demais espaços públicos, minimamente deveria oferecer uma certa infraestrutura para seus moradores. Numa sociedade imagética como a nossa, que valoriza a aparência, o poder aquisitivo e outros tantos valores materiais, compreende-se o incômodo que causa o que está fora da ordem. Não à toa, foi criada a SEOP – Secretaria Municipal de Ordem Pública, que atua em diversas frentes – da fiscalização de camelôs e estacionamento irregular à ocupação dos espaços públicos, visando resguardar a imagem da cidade maravilhosa, limpa e bonita.

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A urbanidade desses projetos de referência, entretanto, não foi importada. O mobiliário urbano se resumiu em bancos, postes de iluminação pública e caixas de lixo. Banheiros públicos e

pontos de água sequer foram imaginados. Enquanto isso, os designers europeus continuam projetando bebedouros públicos, espaços sombreados, bancos confortáveis e o Papa Francisco manda construir uma lavanderia popular no Vaticano, pensando na população pobre, nos moradores de rua e nos imigrantes que chegam diariamente à Itália à procura de abrigo. Na ‘Lavanderia do Papa Francisco’, aberta em abril de 2017, o serviço é oferecido gratuitamente para que essas pessoas possam lavar, enxugar e passar suas roupas e lençóis, de forma a terem mais dignidade e respeito do resto da sociedade.

Se a nossa sociedade dá tanto valor à aparência, por que as cidades brasileiras não oferecem esses serviços? O banheiro público não é importante somente para quem vive na rua, mas também para quem trabalha e vive a rua. Até mesmo trabalhadores formais como os próprios guardas da ordem pública necessitam de sanitários e precisam beber água no calor do verão carioca. Talvez eles tenham maior facilidade em encontrar quem os ofereça esses ‘benefícios”, mas e quem trabalha ou mora na rua de forma irregular?

Em função dessa questão, algumas organizações voluntárias e religiosas tentam cuidar da aparência dos moradores de rua, imaginando que assim eles possam não só se sentir mais acolhidos pela sociedade como ter um bem-estar. Membros do ‘Projeto Voar’ e do grupo religioso ‘Toca de Assis’ cortam cabelo, fazem curativos e “alimentam a alma” com aulas de yoga e um café da manhã ‘reforçado’ nas praças da cidade. Na Praça São Salvador, em Laranjeiras, por exemplo, todas quartas-feiras de manhã, reúnem-se cerca de 200 pessoas, em sua maioria homens jovens e negros, para receber o café da manhã.

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Segundo o próprio site da SMASDH, no último dia 27 de outubro, a Prefeitura do Rio iniciou um projeto piloto de intervenções urbanísticas, paisagísticas e de controle urbano em áreas estratégicas de bairros turísticos da cidade. O ponto de partida foi Copacabana, onde foram realizados serviços de manutenção como recuperação de calçadas, melhoria na iluminação pública, poda de árvores, padronização dos canteiros, reforço na fiscalização do comércio ambulante e atuação junto à população em situação de rua e crianças, jovens e mulheres em situação de vulnerabilidade social.

O projeto piloto, intitulado “Transformando meu quadrado”, foi definido em reuniões com entidades comerciais e de moradores da região, tendo à frente a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) e o SindHotéis-RJ, e coordenado pela primeira-dama Sylvia Jane Crivella, idealizadora do projeto, segundo a qual um dos principais objetivos é assegurar “uma cidade mais limpa, mais organizada e mais agradável para morar e visitar”.

Para o coronel Paulo Amendola, secretário municipal de Ordem Pública, a recuperação dos espaços públicos está entre os projetos que contribuem para a elevação dos níveis de segurança, uma vez que “ambientes malconservados, desorganizados, com vendedores ambulantes não autorizados, lixo nas ruas e outras violações são propícios a pequenos delitos. A Prefeitura está dando um exemplo de esforço, e é importante que todos se sintam motivados e envolvidos”. (SMASDH. 26/10/2017)1

Esses projetos resgatam uma função higienista de outros tempos, ampliando a vulnerabilidade social dos idosos, crianças e adolescentes que, em situação de risco, tendem a fugir das ‘acolhidas’. Vale ressaltar também que o papel legal da Secretaria de Assistência Social seria promover os Direitos Humanos e não os demover. Da mesma forma, a Secretaria responsável pelo combate à violência e qualidade de vida do idoso deveria olhar não só para o idoso em situação regular, mas também em situação de rua. A experiência do coronel Paulo Amendola, criador do Batalhão de Operações Policiais Especiais - BOPE, associada à

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competência em controle de situações de alto risco com elementos de grande periculosidade2

também talvez não seja compatível com o cargo que ora representa.

A necessidade de ações polivalentes que privilegiem a redução de danos, e não a simples relocalização de pessoas é comumente apontada na vasta literatura dessa problemática sociológica. A complexidade indica a redução de estigmas em torno dessa população, e não a sua criminalização, como tem sido visto.

As intervenções oficias na rua seguem um padrão: “policiais, mídia, destruição, promessas, mas, “a cracolândia anda” e tudo se restabelece novamente. O que fica é a impressão de uma política da “produção de morte da população de rua via Estado”. (BARBOSA, 2017, p. 156). Para compartilhar esse conceito, a antropóloga Taniele Rui fala em sua obra “Corpos Abjetos: etnografia em cenários de uso e comércio de crack” sobre como os atuais gestores de cidades como São Paulo se aproveitam desses fatos para ganhar espaço na mídia, com ações que “revestem-se de uma ‘força tarefa’ que age em ‘casos extremos” – ‘o que não se confunde com as ações corriqueiras executadas pela Administração Municipal”. (Rui, 2012, p. 178).

Existem exceções, mas o entendimento gestor das políticas urbanas, tanto em São Paulo, quanto no Rio de Janeiro, segue um modelo que mescla assistência social com estratégias de combate e “atuação junto à população em situação de rua”, como o já mencionado projeto “Transformando Meu Quadrado”, com o objetivo de cuidar das comunidades e transformar a vida das pessoas. A primeira dama chama de ‘quadrado’ a quadra, a unidade de vizinhança, aquela área próxima às moradias, onde tem a praça, o comércio, a escola.

Na mesma lógica, o prefeito do Rio sobe a favela da Rocinha, depois de mais um tiroteio, e promete emassar os furos das balas perdidas e ‘dar um banho de loja’ na favela. (O Globo, 26/09/2017). É claro que não deve ser fácil para o dono da casa, repleta de furos de balas perdidas, lidar com essa situação diariamente, mas será que essa é a prioridade da favela?

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Enquanto isso, os equipamentos de educação, cultura e esportes se mantém fechados em função da violência, e a estética da limpeza urbana e da ordem pública parece prevalecer nas ações dos governantes, a exemplo do projeto ‘Tolerância Zero’, idealizado pelo ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani e pelo comandante da polícia da cidade, William Braton, que a partir de pesquisas geradas pelo Manhattan Institute na década de 1980, prometeu acabar com a criminalidade da cidade.

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A nova urbanidade das ruas

Ed Sheeran - Photograph

Loving can heal Loving can mend your soul And is the only thing that I know I swear it will get easier Remember that with every piece of ya And is the only thing we take with us when we die. Amar pode curar Amar pode remendar sua alma E é a única coisa que eu sei Eu juro que fica mais fácil Lembre-se disso com cada pedaço seu E é a única coisa que levamos com a gente quando morremos Composição: Ed Sheeran / Johnny McDaid

A urbanidade de uma cidade pode ser reconhecida quando esta se mostra como espaço de integração social, onde seus moradores e visitantes interagem naturalmente e usufruem dos espaços urbanos sem distinção. A ocupação recente de espaços públicos por grupos de artistas, estudantes e profissionais da cultura mostrou a importância desses espaços para uma maior integração entre segmentos diferentes.

Num momento em que, por um lado, a diversidade da população se evidencia, e por outro, movimentos conservadores pregam a volta da censura, os espaços públicos têm grande força, sobretudo quando são usados como o espaço para manifestações coletivas e encontros de grupos com os mesmos interesses.

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espaços em prol dos grupos dominantes, apesar de haver o reconhecimento da informalidade como um caminho, em momentos de crise econômica e social.

Como a política age sobre o corpo? São várias as conexões entre a ausência de políticas sociais e econômicas e as circunstâncias que levam as pessoas às ruas. Pode-se pensar, também, em propor dispositivos e estratégias que minimizem esse modo de habitar a cidade. É fato que as grandes cidades, do Brasil e do mundo não estão, nem têm interesse em se preparar para dar um bom acolhimento aos que estão fora do sistema.

Xenofobia, neonazismo, fascismo e intolerância fazem parte desse novo menu do ‘biopoder’, que reconhece no outro, nas diferenças um problema, e não uma solução. Manifestações culturais e políticas são reprimidas, a população de rua recolhida, e os imigrantes deslocados para campos fora das cidades. As ruas, praças e parques públicos recebem ‘banhos de loja’, os guardas municipais brigam por armamento, e a população se tranca em suas ‘jaulas weberiadas’ vulneráveis, mas “racionais”. O “ethos” perde o sentido de “amparo” e dá lugar ao sentido de retórica, apenas. O cuidado de si dá lugar à deficiência social.

Em tempos tenebrosos, cada um de nós pode ficar desabrigado ou em circunstâncias difíceis. O antigo problema ainda reside no direito ao trabalho e à habitação. O Estado nega a existência dos sem-teto, dos sem-abrigo, tratados, em muitos casos, como clientes de políticas públicas assistencialistas religiosas ou oficiais, que trabalham de forma paliativa, para resolver o mínimo.

Pessoas sem abrigo, sem lavanderias, sem bebedouros, banheiros, armários para guardar seus pertences ou equipamentos mínimos para suportar certas condições. Alguns libertos de instituições como hospitais, prisões, fugindo da violência doméstica ou de abusos. Outros expulsos das favelas pelo tráfico, pela milícia ou pela crise econômica. Alguns no limiar entre a drogadição, alcoolismo ou problemas de saúde.

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oportunidade de trabalho.

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Conclusões e tensões nos espaços públicos

Seu Jorge - Problema Social

Se eu pudesse eu dava um toque em meu destino Não seria um peregrino nesse imenso mundo cão Nem o bom menino que vendeu limão e Trabalhou na feira pra comprar seu pão Não aprendia as maldades que essa vida tem Mataria a minha fome sem ter que roubar ninguém Juro que nem conhecia a famosa funabem Onde foi a minha morada desde os tempos de neném É ruim acordar de madrugada pra vender bala no trem Se eu pudesse eu tocava em meu destino Hoje eu seria alguém Seria eu um intelectual Mas como não tive chance de ter estudado em colégio legal Muitos me chamam pivete Mas poucos me deram um apoio moral Se eu pudesse eu não seria um problema social Se eu pudesse eu não seria um problema social Composição: Seu Jorge.

O paradigma da normalidade social é uma construção cuja base repousa em estereótipos e representações sociais que explicitam o ser que habita a rua como vítimas, dependentes, abjetos e criados e recriados pela lógica hegemônica do discurso de poder. Enfim, a normalidade do mundo é uma falsidade. (Pereira, 2012). A rua mora no ser que habita a cidade, e também poder ser fonte de inspiração. Caminho e descaminho. Tristeza e alegria. Seu Jorge, Ed Sheeran e Cartola saberiam responder.

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dos governantes, deixam de funcionar. A Biblioteca Parque, localizada na Av. Presidente Vargas, junto ao Campo de Santana e à Estação Central do Brasil, fechada há alguns meses, era um dos equipamentos públicos mais democráticos da cidade. Sua localização estratégica, seu ambiente acolhedor, seus recursos acessíveis a várias faixas de idade e formações suscitaram a vontade de uma população normalmente excluída participar dessa iniciativa. A antiga gestão não pedia documentos, e providenciou chinelos para aqueles que continuavam

descalços. Se a princípio alguns estranharam ver moradores de rua monopolizando os sofás das videotecas, por outro lado pode-se constatar que com o tempo eles começaram a respeitar os limites do espaço e usufruir da Biblioteca como qualquer outra pessoa.

Esse trabalho se propôs discutir a ocupação democrática da cidade, com o espaço público como objeto de interação e integração entre seus moradores, e a cidade como abrigo que permite as mais diversas vivências, ocupações e apropriações, independente do poder aquisitivo, da idade e do gênero.

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Referências bibliográficas

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNCICAS, ABNT. http://dgi.unifesp.br/sites/comunicacao /pdf/ entreteses/guia_biblio.pdf

ALBERNAZ; Bruno. Número de moradores de rua com curso superior cresce 75% em um ano, no Rio. Jornal o Globo, g1-rio. 10/04/2017.

PMCRJ - Programa de Apoio e Inclusão Social à População de Rua.

BARBOSA, Aline Ramos. Vida nua: biopolítica na gestão da população de rua. Tese de doutorado apresentada na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília, 2017.

CARERI, Francesco. "Caminhar e Parar". São Paulo: Gustavo Gili, 2017.

CHACHAMOVICH, E.; TRENTINI, C.; FLECK, M. P. A. Qualidade de vida em idosos: conceituação e investigação. In: NERI, A. L. (Org.). Qualidade de vida na velhice: enfoque multidisciplinar. Campinas: Alínea, 2007. p. 61-82.

CRIVELLA, Marcelo. https://marcelocrivella.com.br/primeira-dama-anuncia-projeto-para-estimular-a-solidariedade-nos-cariocas/. Rio de Janeiro, 29/03/2017.

ERBOLATO, R. M. P. L. Relações sociais na velhice. In: FREITAS, E. V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p. 956-964.

GEHL, Jan. Cidades para Pessoas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2013.

INSTITUTO DE PESQUISA ENOCÔMICA APLICADA, IPEA. http://www.ipea.gov.br /portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29303. Brasília, 2017.

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blogspot.com.br /2012/04/nao-e-normal-morar-na-rua.html?m=0. (Mimeo). 2 de abril de 2012.

PROJETO VOAR. Jornal O Globo. Projeto oferece aulas de ioga ao ar livre para moradores de rua do Rio; veja vídeo10 de abril de 2017. https://g1.globo.com/rio-de- janeiro/noticia/projeto-oferece-aulas-de-ioga-ao-ar-livre-para-moradores-de-rua-do-rio-veja-video.ghtml

REZENDE Sidney. Matéria: “Sylvia Jane Crivella apresenta projeto social pela primeira vez”. http://www.srzd.com/. Rio de Janeiro, 29/03/2017.

RUI, Taniele Cristina, Corpos abjetos: etnografia em cenários de uso e comércio de crack. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. IFCH. Universidade Estadual de Campinas. SP. 2012.

SALDAÑA; Paulo GOYENECHE Emiliano. Cracolândia é um círculo em que todos são culpados. Jornal Folha de São Paulo. 22-09-2017. http://temas.folha.uol.com.br/crianca-do-dia/cracolandia/cracolandia-e-um-circulo-em-que-todos-sao-culpados-diz-matheus-12.shtml

SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E DIREITOS HUMANOS, SMASDH. http://www.rio.rj.gov.br/web/smasdh. Rio de Janeiro, 2017.

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