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ECLI:PT:STJ:2007:07S2449.C6

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ECLI:PT:STJ:2007:07S2449.C6

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2007:07S2449.C6

Relator Nº do Documento

Sousa Peixoto sj200710100024494

Apenso Data do Acordão

10/10/2007

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso

Público

Meio Processual Decisão

Revista. concedida a revista.

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores

(2)

Sumário:

1. O seguro de acidentes de trabalho de trabalhadores independentes só cobre os acidentes de que o trabalhador for vítima no exercício da actividade declarada na proposta de seguro.

2. Sendo a actividade declarada a pesca marítima, o contrato de seguro não cobre o acidente de viação sofrido pelo trabalhador independente quando este se deslocava no seu veículo automóvel em direcção a Nazaré, a fim de ir buscar os empregados que com ele trabalhavam na sua

embarcação, à doca do porto de pesca daquela cidade.

3. A tarefa que o sinistrado pretendia realizar tem a ver com a sua actividade de armador/empregador e não a de trabalhador independente.

Decisão Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. A ré Empresa-A, Companhia de Seguros, S. A. interpôs recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença do Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, a qual, por sua vez, a tinha condenado a pagar à autora AA, na qualidade de viúva do sinistrado BB, a pensão anual e vitalícia de € 2.320,02, com efeitos a partir de 31 de Julho de 2005, bem como as quantias de € 4.496,40 e de € 2.297,60, a título, respectivamente, de subsídio de morte e de despesas de funeral.

A recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma:

1.ª - O sinistrado era, simultaneamente, armador, enquanto proprietário da embarcação denominada "... ...", e trabalhador independente, porquanto

2.ª - Realizava, conjuntamente com os seus empregados, tarefas específicas de pescador na exploração do "... ...", constituindo a pesca a actividade que desenvolvia com fins lucrativos.

3.ª - Na qualidade de trabalhador independente, contratou com a Recorrente o seguro de acidentes de trabalho por conta própria, titulado pela apólice n° 001380009814.

4.ª - Sucede que, no momento do acidente, o sinistrado (está provado) propunha-se recolher os seus empregados, isto é, a tripulação do "... ..." que dera entrada, para reparação, na doca do porto da Nazaré.

5.ª - Consequentemente, o sinistrado agia, ao tempo do acidente, nas vestes de armador proprietário do "... ...". Logo, enquanto empregador e não na qualidade de trabalhador independente.

6.ª - Neste contexto, o acidente de que foi vítima não pode ser havido como sendo de trabalho, o que necessariamente,

7.ª - Inibe o funcionamento das garantias da apólice, as quais apenas operariam conquanto o sinistrado agisse, na ocasião, na condição de trabalhador independente e a deslocação fosse entre a sua residência e o local de trabalho, o que não foi alegado nem provado.

8.ª - Aliás, o acidente, atentas as circunstâncias em que ocorreu, apenas poderia ser havido como in itinere.

9.ª - Para tanto, seria necessário que a Recorrida alegasse e demonstrasse, em sede de

julgamento, que o sinistrado efectuava deslocação de casa para o local de trabalho, o que de todo não foi feito. Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação do Porto, de 11/12/06, in C.J., Tomo V, Ano XXXI, pág.241.

(3)

10.ª - De sorte que o acidente dos autos não preenche os pressupostos legais em ordem a ser caracterizado como sendo um acidente de trabalho.

11.ª - Relativamente à dinâmica do acidente, a matéria provada não consente outra leitura que não seja a de que o sinistrado agiu com negligência grosseira, a qual foi causa exclusiva do acidente – ver respostas aos quesitos 1.º a 5.º da B.I.

12.ª - De resto, a 2.ª instância não deixou de reconhecer "que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do sinistrado. Foi, efectivamente, ele que, ao invadir a faixa de rodagem contrária deu causa ao acidente." – ver fundamentação de direito, a pág. 20, 3.º parágrafo.

13.ª - Mais reconheceu haver existido negligência por banda do sinistrado – ver fundamentação de direito, pg. 20, 4.º parágrafo.

14.ª - Contudo, sem dizer porquê, conclui que a dita negligência não pode ser qualificada como grosseira.

15.ª - Porventura por, consoante escreveu, "...não pode o critério da gravidade das infracções naquele domínio servir para qualificar como grosseira a culpa do sinistrado num acidente de

trabalho, por não se justificar que no âmbito do regime jurídico dos acidentes de trabalho se utilizem os mecanismos usados no âmbito da legislação rodoviária”.

16.ª - Ou seja: a Relação parece admitir que, no caso em apreço, caberia, perante os factos provados, negligência grosseira à luz da legislação estradal em vista do interesse da prevenção geral, mas que,

17.ª - Em se tratando de um sinistrado por acidente de trabalho, a gravidade das infracções às regras estradais não é determinante para a graduação da culpa. Logo, a negligência do sinistrado não pode, conclui a Relação, ser qualificada como grosseira.

18.ª - Manifestamente dois pesos e duas medidas. Enquanto um condutor em vilegiatura estará sujeito, na estrada, a um regime espartano, aqueloutro, ou o mesmo, que efectua deslocação com conexão a um possível acidente de trabalho está, por esse facto, isento do regime de austeridade. 19.ª - Clamorosa injustiça! Sendo ambos condutores e achando-se ambos em circulação em espaço sujeito ao mesmo ordenamento jurídico, qual a razão para avaliar as respectivas condutas diferentemente? Ou, ainda, por que avaliar o comportamento do condutor, na estrada, em função da qualidade em que a deslocação é efectuada?

20.ª Acaso existirá um Cód. da Estrada reservado aos sinistrados por acidentes de trabalho? É que, não existindo, estarão eles necessariamente sujeitos em absoluta igualdade de avaliação com todos os demais utentes das estradas nacionais ao único Código da Estrada conhecido.

21.ª - Proferida em 1848, a frase de Mourlon, "un bom magistrat humilie sa raison devant celle de la loi", mantém ainda hoje plena actualidade. Vale isto para exaltar que não é defensável uma

jurisprudência mecânica.

22.ª - Ao contrário do entendimento da Relação, cumpria à Apelada provar factos susceptíveis de afastar a negligência grosseira – ver fundamentação de direito, pág. 21, 1.º parágrafo.

23.ª - Neste particular, mal terá andado a Relação, por isso, [ao afirmar] que a matéria excludente do direito de reparação constitui encargo da seguradora e aqueloutra, consubstanciando o direito a que se arroga a Apelada, constitui fardo desta – ver art. 342°, n.º 1 e 2, do Cód Civil.

24.ª - Que mais haveria a aditar ao comportamento do sinistrado, para que a sua conduta, aos olhos da Relação, configurasse negligência grosseira?

25.ª - Em síntese: o sinistrado agiu com negligência grosseira e esta foi a causa exclusiva do acidente. Consequentemente, afastado está o direito de o reparar.

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Apólice, 6°, n.º 2, do DL 143/99, de 30 de Abril, aplicável ex vi do art.º 6.° do DL. 159/99, de 11 de Maio, o art.º 342°, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil; o art.. 6°, n.º 2, a) e 7.°, n.º 1, b), ambos da Lei 100/97, de 13 de Setembro, aplicáveis ex vi do art.º 2.º do D.L 155/99, de 11 de Maio.

A recorrente termina, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição do pedido. A autora não contra-alegou e, neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se a favor da negação da revista, em parecer a que as partes não responderam. Colhidos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2.Os factos

Os factos que, sem impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância são os seguintes:

1. É o seguinte o teor do AUTO DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO de fls. 100, que se reproduz parcialmente:

“(...) autos de Acidente de Trabalho nº 922/05.2TTLRA, nos quais é sinistrado de morte BB, falecido no estado de casado, natural de Santa Bárbara, concelho de Lourinhã, nascido a 25 de Setembro de 1948, filho de CC e de DD e com última residência conhecida na Rua da Bela Vista, n.º .., Ribamar, Lourinhã, verifiquei encontrarem-se presentes a viúva do sinistrado, AA, viúva, natural de Ribamar, concelho de Lourinhã, nascida a 08 de Setembro de 1949 (...) residente na Rua da Bela Vista, ..., Ribamar, Lourinhã (...) e a Sr.ª. D. EE, com procuração arquivada na Secretaria, na qualidade de representante de “ Empresa-A, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” . No início da diligência pelo Exmº. Sr. Dr. FF foi apresentada procuração e um recibo comprovativo das despesas do funeral efectuadas pela viúva, que o Exmº Sr. Procurador da República examinou, rubricou e mandou juntar aos autos.

Seguidamente e a instâncias do Exmº. Sr. Procurador da República declararam:

A VIÚVA: Que o sinistrado, seu falecido marido, no dia 30 de Julho de 2005, pelas 11.15 horas, na E.N. 242 ao Km 38,400, no concelho de Nazaré, do distrito de Leiria, quando exercia a sua

actividade de trabalhador independente, mediante a retribuição de € 644,45 x 12 meses, cuja responsabilidade infortunístico laboral se encontra transferida para “Empresa-A, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, sofreu um acidente de viação simultaneamente de trabalho, que lhe provocou a morte devido as lesões traumáticas tóraco-abdominais e dos membros, descritas no relatório de autópsia de fls. 56 a 62, que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida em 30 de Julho de 2005, conforme assento de óbito nº 96 da Conservatória do Registo Civil da Nazaré a fls. 50 dos autos.

Nestes termos, ao abrigo do artº. 20º, nº1, al. a) da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro,

regulamentada pelo Dec. Lei nº 143/99, de 30 de Abril, a beneficiária viúva do sinistrado, reclama para si, da entidade Seguradora, uma pensão anual e vitalícia no montante de € 2.320,02 desde o dia seguinte ao da morte (31 de Julho de 2005) e até perfazer a idade da reforma por velhice e a partir daquela data ou no caso de doença física ou mental que a afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho a pensão anual e vitalícia no montante de € 3.093,36

Mais reclama da Seguradora, ao abrigo do artº 22º, nº1, al. a) da Lei 100/97, para si a quantia de € 4.496,40, respeitante ao subsídio por morte.

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2.997,60 respeitante à reparação por despesas de funeral, uma vez que houve transladação. A SEGURADORA: Que não assumimos qualquer responsabilidade pelo acidente dos autos, dado que a deslocação efectuada pelo sinistrado não está no âmbito da sua actividade profissional. No entanto reconhecemos o salário de € 664,45 x 12 meses (…)”.

2. A autora AA era casada com o sinistrado BB, conforme certidão de casamento junta aos autos. 3. O sinistrado BB era, pelo menos desde 29 de Abril de 1997, proprietário de uma embarcação de pesca, de nome “.. ...”, conforme Título de Propriedade emitido pela Capitania do Porto de

Peniche, cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 83.

4. Era na exploração dessa embarcação, com a colaboração de seus empregados, que desenvolvia a sua actividade piscatória com fins lucrativos.

5. O sinistrado, armador que era, também executava trabalhos específicos de pescador na referida embarcação, nessa sua qualidade (de armador, trabalhador independente ou por conta própria), celebrou com a ré Empresa-A, Companhia de Seguros, em 07 de Março de 2001, um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho.

6. O sinistrado, indicou, então, como sendo sua actividade predominante e natureza dos trabalhos, a pesca marítima em geral, bem como o nome da sua embarcação e indicou, ainda, como sendo vários os locais onde executava os trabalhos como trabalhador por conta própria ou trabalhador independente que era.

7. O salário transferido para a seguradora, aliás já reconhecido por esta, era de € 664,45 x 12 meses.

8. Estando a responsabilidade infortunística laboral transferida para a ré seguradora Empresa-A, Companhia de Seguros, S. A. a coberto da apólice do ramo acidentes de trabalho, com o n.º 0013.80.009814.

9. No dia 30 de Julho de 2005, cerca das 11h15, na Estrada Nacional 242, ao quilómetro 38, o malogrado sinistrado BB conduzia o veículo automóvel da sua propriedade, de matrícula PM, no sentido Famalicão-Nazaré.

10. Nas mesmas circunstâncias de tempo e espaço, no sentido Nazaré-Famalicão, circulava o veículo pesado de matrícula ZR, conduzido por GG.

11. Ocorreu o embate entre os veículos referidos, do qual, como consequência directa, resultaram lesões tóraxo-abdominais dos membros do sinistrado, descritas no relatório de autópsia de fls. 56 a 62, as quais foram causa directa e necessária da sua morte, verificada em 30 de Julho de 2005, conforme assento de óbito junto a fls. 50 dos autos.

12. Aquando do acidente em questão, o sinistrado deslocava-se para a doca do porto da Nazaré. 13. Ia buscar os seus empregados, ou seja, a tripulação da sua embarcação “... ...”, à referida doca, onde dera entrada, por via marítima, nesse mesmo dia, proveniente do Porto de Peniche, para ser alvo de trabalhos de manutenção e reparação, como acontecia anualmente.

14. Os trabalhos de manutenção e ou reparação em causa ocorreram entre o dia 01.08.2005 e 25.08.2005 conforme factura emitida pelo Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (Delegação dos Portos do Centro).

15. No dia 3 de Março de 2006, teve lugar a tentativa de conciliação, onde estiveram a autora e a ré seguradora.

16. No decurso da mesma, a ora ré “Empresa-A, Companhia de Seguros, S. A.”, aceitou o salário para si transferido no montante de € 664,45 x 12 meses, mas não assumiu qualquer

responsabilidade pelo acidente dos autos, invocando que a deslocação efectuada pelo sinistrado não estava no âmbito da sua actividade profissional.

(6)

17. O veículo conduzido pelo sinistrado saiu fora da sua mão de trânsito, tendo ido embater no referido pesado que circulava em sentido contrário.

18. O sinistrado invadiu a faixa de rodagem contrária àquela em que circulava. 19. E foi embater contra o veículo pesado que, então, nela se movimentava. 20. O qual havia encostado à berma direita, em vista a evitar a colisão.

21. O embate entre o veículo de matrícula PM (conduzido pelo sinistrado) e o veículo pesado de matricula ZR (conduzido por GG) ocorreu devido ao facto de o veículo PM ter invadido a faixa contrária e ter ido embater no veículo ZR, que se deslocava em sentido contrário.

3. O direito

Como decorre das conclusões do recurso, as quais, como é sabido, delimitam o objecto do mesmo (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC), são duas as questões que a ré pretende ver reapreciadas:

- saber se o acidente está coberto pelo contrato de seguro;

- e, no caso afirmativo, saber se o acidente ocorreu por culpa grosseira do sinistrado. 3.1 Do âmbito do contrato de seguro

Está provado que o sinistrado (marido da autora) era proprietário de uma embarcação de pesca, de nome “... ....”, a bordo da qual trabalhava, juntamente com os seus empregados, exercendo a actividade piscatória, com fins lucrativos. E também está provado que celebrou com a ré um contrato de seguros de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º 0013.80.009814.

A apólice em causa encontra-se junta a fls. 10 a 20 dos autos e a respectiva proposta consta de fls. 4 a 9 dos autos. E, como daqueles dois documentos se pode constatar, o contrato de seguro celebrado entre o sinistrado e a ré seguradora visava dar cobertura aos acidentes de trabalho sofridos pelo sinistrado enquanto trabalhador por conta própria, ou seja, como trabalhador independente, no exercício da actividade de pesca marítima.

Efectivamente, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, da apólice, que tem por epígrafe “Objecto e âmbito do contrato”, a ré seguradora obrigou-se a garantir o pagamento dos encargos obrigatórios

provenientes de acidentes de trabalho da pessoa segura identificada na apólice, em consequência do exercício da actividade profissional por conta própria, também identificada nas Condições Particulares da apólice (2) e na proposta de seguro então subscrita pelo sinistrado, ao preencher o questionário nela inserido. E, ao preencher o dito questionário, o sinistrado indicou como sua profissão a pesca marítima e, onde se pedia a descrição dos trabalhos a segurar, ele também escreveu pesca marítima.

Ora, regulando-se o contrato de seguro, antes de mais, pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas por lei (art.º 427.º do Código Comercial), é óbvio que a seguradora só ficou obrigada a pagar ao sinistrado e seus familiares as prestações decorrentes de acidentes de trabalho por aquele sofridos no exercício da actividade por ele declarada na referida proposta de seguro. A questão que se coloca é a de saber se o acidente que vitimou mortalmente o sinistrado resultou do exercício da actividade por ele declarada (a pesca marítima).

(7)

Conforme está provado, o acidente de que resultou a morte do sinistrado ocorreu no dia 30 de Julho de 2005, cerca das 11h15, na estrada nacional n.º 242, ao Km 38, quando ele se deslocava ao volante do seu veículo automóvel, com a matrícula PM, no sentido Famalicão-Nazaré, com o objectivo de ir buscar os seus empregados à doca do porto da Nazaré, onde a sua embarcação dera entrada, vinda do porto de Peniche, para aí ser alvo de trabalhos de manutenção e reparação, como anualmente acontecia.

Na Relação entendeu-se, tal como já tinha sucedido na 1.ª instância, que o acidente era de trabalho e que estava coberto pelo contrato de seguro, com a seguinte fundamentação:

- o sinistrado não era apenas pescador, também era armador e, por isso, o transporte dos seus trabalhadores fazia parte da sua actividade;

- local de trabalho é todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho (art.º 6.º, n.º 3, da Lei n.º 100/97, de 13/9);

- constando da proposta de seguro de fls. 8 que o contrato de seguro abrange a “deslocação e trabalhos no estrangeiro” e que a actividade declarada (pesca marítima) era exercida em vários locais e em vários concelhos, mal se compreenderia que o contrato não garantisse os acidentes ocorridos em deslocações ocorridas no território nacional.

A ré discorda, com base na seguinte argumentação:

- o sinistrado era, simultaneamente, armador e trabalhador independente;

- a deslocação que ele efectuava, quando sofreu o acidente, tinha apenas a ver com a sua qualidade de armador e não de pescador por conta própria;

- agia, portanto, nas vestes de armador proprietário da embarcação, ou seja, nas vestes de empregador e não na qualidade de trabalhador independente, não podendo, por isso, o acidente ser considerado como de trabalho;

- o contrato de seguro só cobria os acidentes sofridos pelo sinistrado, quando este agisse na condição de trabalhador independente;

- aliás, o acidente, atentas as circunstâncias em que ocorreu, só podia ser considerado de

acidente in itinere, mas não foi alegado nem provado que ele tivesse ocorrido quando o sinistrado se deslocava entre a sua residência e o local de trabalho ou vice-versa.

Vejamos se a ré tem razão.

Como já foi referido, o contrato de seguro celebrado entre o sinistrado e a ré visava garantir ao sinistrado o pagamento de uma reparação pelos acidentes de trabalho que ele viesse a sofrer como trabalhador independente, no exercício da actividade de pesca marítima. Ora, face ao

circunstancialismo em que o acidente ocorreu, é óbvio que o sinistrado não estava a exercer aquela actividade. O seu trabalho era outro. Conduzia o seu veículo automóvel com o objectivo de ir

buscar os seu empregados à doca do porto da Nazaré e essa tarefa, ainda que relacionada com a sua actividade piscatória, nada tem a ver com o seu trabalho enquanto trabalhador/pescador independente. Trata-se, sem dúvida, de uma tarefa que se prende com a sua actividade de

armador/empregador e que, por isso, não está coberta pelo contrato de seguro, dado que, como já foi dito, o risco coberto pelo contrato de seguro era restrito aos acidentes que viesse a sofrer no decurso da sua actividade como trabalhador independente.

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De qualquer modo, ainda que se entendesse o contrário, o acidente não poderia ser considerado de trabalho.

Com efeito, nos termos art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio, que veio regulamentar o seguro obrigatório de acidentes de trabalho para os trabalhadores independentes, previsto no art.º 3.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro:

“Fora do local de trabalho ou do local onde é prestado o serviço só se considera acidente o que ocorrer no trajecto que o trabalhador tenha de utilizar:

a) Nos termos da alínea a) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril; b) Entre o local de trabalho e o local de refeição;

c) Entre quaisquer dos locais referidos na alínea a) e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente e enquanto aí

permanecer para esses fins.”

O que vale por dizer, tendo em conta o disposto nos normativos legais para que o transcrito art.º 6.º remete, que só se considera acidente de trabalho o que ocorrer:

- no local de trabalho ou no local onde é prestado o serviço;

- no trajecto normalmente utilizado e durante o período ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador entre a residência habitual ou ocasional do trabalhador, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho, não deixando de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito;

- entre o local de trabalho e o local de refeição;

- entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esses fins.

Ora, como decorre da factualidade dada como provada, o acidente não ocorreu no local de

trabalho do sinistrado (que era a embarcação) e também não ocorreu em local onde ele estivesse a prestar o seu serviço de pescador. Ocorreu na estrada, quando ele se dirigia para o local onde a sua embarcação se encontrava e, nessa medida, poderia eventualmente ser considerado um acidente in itinere. Todavia, para que isso acontecesse, era necessário, antes de mais, que a autora tivesse alegado e provado que o acidente tinha ocorrido no trajecto que o sinistrado normalmente utilizava entre a sua residência e o seu local de trabalho, uma vez que tal facto era indispensável para que o acidente pudesse eventualmente ser considerado como acidente in itinere..

E, sendo assim, como se entende que é, também, por esta via, teríamos de concluir pela natureza não laboral do acidente.

3.2 Da culpa grosseira

A apreciação desta questão ficou prejudicada pela solução dada à questão anterior. 4. Decisão

(9)

Nos termos expostos, decide-se julgar procedente o recurso e absolver a ré do pedido. Custas pela autora, nas instâncias e no Supremo.

Lisboa, 10 de Outubro de 2007 Sousa Peixoto (Relator)

Sousa Grandão Pinto Hespanhol

---(1) - Relator: Sousa Peixoto (R.º 210); Adjuntos: Sousa Grandão e Pinto Hespanhol.

(2) - O n.º 1 do art.º 2.º da apólice tem o seguinte teor: “A seguradora, de acordo com a legislação aplicável e nos termos desta apólice, garante o pagamento dos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho da Pessoa Segura identificada na apólice, em consequência do exercício da actividade profissional por conta própria, também identificada nas Condições Particulares da apólice.”

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