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O conceito de fato museal e o Museu da Língua Portuguesa / The concept of museal fact and the Museum of the Portuguese Language

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O conceito de fato museal e o Museu da Língua Portuguesa

The concept of museal fact and the Museum of the Portuguese Language

DOI:10.34117/bjdv6n11-452

Recebimento dos originais: 20/10/2020 Aceitação para publicação: 20/11/2020

Bianca Manzon Lupo

Doutoranda e Mestre em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo (FAU USP). Especialista em Museologia e Colecionismo pelo Centro Universitário Belas

Artes de São Paulo (FEBASP). Arquiteta e Urbanista (FAU USP). Membro do Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus (ICOM-BR). Docente nos cursos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e Universidade Nove

de Julho (Uninove).

UMC. Rua Dr. Cândido Xavier de Almeida e Souza, nº 200. Centro Cívico. Mogi das Cruzes, São Paulo. CEP: 08780-911

E-mail: bianca.lupo@usp.br

RESUMO

A definição dos princípios teóricos que delimitam a museologia enquanto disciplina parte de discussões desenvolvidas sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Nesse contexto, o pensamento de Waldisa Rússio Guarnieri contribui para a compreensão das especificidades da museologia a partir da elaboração do conceito de fato museal, que enfatiza a importância da relação entre homem, objeto e cenário para o estabelecimento das relações museológicas. Se por um lado o fato museal ainda se mostra consistente para o pensamento contemporâneo da museologia; por outro, vem sendo criadas diversos museus que adotam tecnologias da comunicação para a exposição de acervos baseados em bancos de dados digitais nas décadas recentes. Logo, o principal objetivo deste artigo é investigar de que maneira se reelabora o conceito de fato museal em instituições desassociadas de acervos materiais, com base no caso do Museu da Língua Portuguesa (São Paulo, 2006). O Museu foi escolhido pela originalidade no uso das tecnologias da comunicação para exposição do patrimônio imaterial no Brasil, tendo influenciado a formação de outras instituições brasileiras. Adotaremos como metodologia: pesquisa bibliográfica, levantamento dos projetos de arquitetura e museografia, entrevistas semi-estruturadas com profissionais que contribuíram para a criação do Museu, análise de dados quantitativos relativos ao público e coleta de depoimentos dos visitantes (considerando o período anterior ao incêndio de 2015). Esse material pretende subsidiar a investigação sobre o desenvolvimento do conceito de fato museal no caso do Museu da Língua Portuguesa.

Palavras-chave: Museu da Língua Portuguesa, Fato museal, Teoria museológica

ABSTRACT

The definition of theoretical principles that delimit museology as a discipline was mainly developed in the second half of the 20th century. In this context, the thinking of Waldisa Rússio Guarnieri contributes to better understanding the specificities of museology from the elaboration of the concept of museal fact, which emphasizes the importance of the relationship between man, object and scenario for the establishment of museological relations. If, on the one hand, the museal fact is still consistent for contemporary museology thinking; on the other hand, several museums have adopted the use of communication technologies for exhibiting

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digital collections. Therefore, the main objective proposed for this article is to investigate how the concept of museal fact is reworked in institutions that are not associated with material collections, based on the Portuguese Language Museum (São Paulo, 2006). The Museum was chosen for its originality in the use of communication technologies for exhibiting intangible heritage in Brazil, having also influenced other Brazilian institutions. The methodologies adopted are: bibliographic review, research of architectural and exhibition design, realization of semi-structured interviews with professionals who contributed to the Museum´s creation, analysis of quantitative data related to the Museum´s public and collection of testimonials from the visitors (considering the previous period until the 2015 fire). This material is intended to support an investigation about the development of museal fact in the Museum of the Portuguese Language.

Keywords: Portuguese Language Museum, Museum fact, Museological theory

1 INTRODUÇÃO

A definição dos princípios teóricos que delimitam a museologia enquanto disciplina parte de discussões desenvolvidas sobretudo ao longo da segunda metade do século XX. Diante desse contexto, destaca-se o pensamento de Waldisa Rússio Camargo Guarnieri (1935-1990), cuja contribuição para a discussão dos pressupostos teóricos da museologia apresenta destaque para a consolidação do campo museológico brasileiro. Com efeito, o pensamento da autora assume notoriedade por distanciar-se das concepções tecnicistas tradicionalmente associadas ao colecionismo material, encarando a museologia em seus aspectos interdisciplinar e social. Em diálogo estabelecido com pensadores europeus, tais como Zbynek Stránský e Anna Gregorová, Waldisa Guarnieri entende que os museus se desenvolvem e acompanham os processos de formação da cultura humana. A definição do fato museal assume centralidade no pensamento da autora, compreendendo a relação assumida entre homem, objeto e cenário como o objeto principal de estudo da museologia.

Se, por um lado, o fato museal ainda se mostra consistente para se pensar a museologia na contemporaneidade; por outro, observa-se uma série de transformações pelas quais os museus vêm passando nas décadas recentes em função de um complexo contexto que inclui a pluralização do conceito de patrimônio cultural, a formação de museus baseados em bancos de dados digitais e a ampla utilização de recursos expográficos tecnológicos e interativos, que assumem destaque para garantir a comunicação entre museu e público. Dessa maneira, abre-se a possibilidade de desassociação da instituição museológica dos objetivos de salvaguarda, conservação, tutela e exposição de coleções materiais, propondo a reflexão sobre a possibilidade de estruturação institucional a partir da exibição de acervos digitais mediada pelas novas tecnologias da comunicação. O referido contexto de mudanças, que se acentuam nas primeiras

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décadas do século XXI, indica a necessidade de se repensar sobre a base teórica e metodológica previamente estruturada.

Por essa razão, emerge a pergunta que estruturará o desenvolvimento deste artigo: de que maneira se reelabora o conceito de fato museal em face do uso de novas tecnologias expográficas para a exibição de acervos digitais? Para tanto, escolheu-se como objeto de análise o caso do Museu da Língua Portuguesa (MLP), dada a originalidade assumida por essa instituição no contexto brasileiro e a influência desse caso para a constituição de outros tantos museus sem coleções materiais, mediados pelas novas tecnologias da comunicação, tais como: o Museu do Futebol (São Paulo, 2008), o Paço do Frevo (Recife, 2013), o Museu Cais do Sertão (Recife, 2014) e o Museu do Amanhã (Rio de Janeiro, 2015). Para tanto, o artigo será estruturado em dois momentos principais: primeiramente, a análise do conceito de fato museal proposto por Waldisa Rússio e a reflexão sobre esse conceito mobilizada a partir do estudo de caso em questão.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa adotou a metodologia do estudo de caso com o objetivo de analisar a aplicabilidade do conceito de fato museal para a exposição de acervos digitais, com base no estudo do MLP. Essa metodologia foi selecionada por adequar-se à complexidade do objeto e à necessidade de coleta de variadas fontes de evidência, beneficiando-se “do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados” (YIN, 2001, p. 10). Numa primeira etapa, a pesquisa partiu do levantamento de referências bibliográficas, com o intuito de aprofundar o entendimento da contribuição teórica de Waldisa Rússio Camargo Guarnieri e suas reverberações para a constituição do campo disciplinar da museologia, com foco na compreensão do conceito de fato museal. Já a segunda etapa teve como objetivo analisar empiricamente caso do MLP, partindo da definição de eixos temáticos, concebidos a partir do estudo teórico, e da seleção de metodologias complementares específicas, como indica a tabela 1.

Tabela 1. Materiais e métodos. Baseada em: DUARTE, 2004 e MATTOS, 2005. Elaborada pela autora.

Tabela 1. Materiais e métodos Etapa 1. O fato museal

Metodologias de pesquisa Fontes selecionadas

Levantamento bibliográfico sobre o conceito de fato museal, formulado por

Waldisa Rússio, e sua contribuição para a teoria museológica. Estudo do processo de transformação dos museus

na contemporaneidade. BRUNO, 2010 e 2014; CERÁVOLO, 2004; CHOAY, 2001; GOMES, 2013 e 2015; GOUVEIA e PEREIRA, 2016; GUARNIERI, 1990; HUYSSEN, 2000; RAGONE, 2018; SARRAF, 2019; STRÁNSKY, 1980;

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TEIXEIRA, 2014.

Etapa 2. O Museu da Língua Portuguesa Eixos

Temáticos Questões principais Metodologias de pesquisa

1 A língua portuguesa

como objeto

Como surgiu a ideia de se criar um museu dedicado à

língua portuguesa? Como foi concebido o

acervo apresentado pelo museu?

Levantamento bibliográfico, incluindo a análise de estudos

precedentes sobre o MLP e artigos. Realização de entrevistas

com profissionais. 2 O público

do MLP museográfico estabelece Que relação o design com o público no MLP?

Análise de dados quantitativos sobre o público recebido pelo

MLP. Pesquisa de

campo: realização de entrevistas não-

Que papel as tecnologias da comunicação assumem nesse

contexto?

dirigidas com os visitantes. Observações in loco. 3 A arquitetura da Estação da Luz: cenário ou documento?

Por que o Museu da Língua Portuguesa foi implantado na

Estação da Luz? Como ocorreu a relação entre

os projetos de arquitetura e museografia?

Análise dos projetos de arquitetura e museografia. Levantamento bibliográfico complementar, incluindo estudos

precedentes, matérias jornalísticas, artigos em periódicos especializados em arquitetura entre outras fontes.

Observações in loco.

As metodologias complementares incluíram a busca em website institucional, observações in loco, análise dos projetos de arquitetura e museografia (a partir de material fornecido pelo estúdio ARTE 3), pesquisa bibliográfica, realização de entrevistas semi-estruturadas com profissionais relacionados à criação do museu (Antônio Risério, Larissa Graça, Pedro Mendes da Rocha e Roberto Pinho), análise de dados quantitativos de visitação do MLP e coleta de depoimentos não estruturados com trinta visitantes, realizada no dia 01 de março de 20151. O estudo se restringe ao período anterior ao incêndio que ocorreu no Museu em dezembro do mesmo ano. Com base nesses materiais e na metodologia de análise proposta, buscou-se confrontar os pressupostos teóricos enunciados por Waldisa Rússio à experiência do MLP, enfrentando o problema da constituição de museus baseados na exposição de acervos digitais a partir da expografia mediada pelas tecnologias da comunicação.

3 O CONCEITO DE FATO MUSEAL

A partir dos anos 1960, evidencia-se um processo de crítica à capacidade de representação dos museus tradicionais, a partir do qual se consolidou o desejo pela permeabilidade do espaço museal, de modo que a relação com o público se tornou o foco principal a ser buscado pelas instituições. No âmbito teórico, o pensamento sobre a museologia

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social e a nova museologia nasceu das discussões acerca da função social dos museus, propondo maior participação e diálogo entre instituição e sociedade (TEIXEIRA, 2014; GOUVEIA e PEREIRA, 2016). A possibilidade de reconhecimento do papel dos museus para a elaboração da memória dos bens culturais passou a incorporar a “preocupação marcante com a participação do museu na formação do cidadão” (CÂNDIDO, cf. GOMES, 2013, p. 18). A filiação da estruturação museal aos vieses antropológico e sociológico buscou incluir as micro histórias (coletadas por meio de depoimentos, entrevistas e testemunhos) como parte integrante dos processos de preservação. Como base das ideias relacionadas à nova museologia, situa-se o pensamento de Waldisa Rússio Camargo Guarnieri (1935-1990), cuja contribuição, pioneira no Brasil, permitiu a abordagem da museologia inserida no campo dos estudos sociais. Deste modo, observa-se a desassociação de enfoques tecnicistas, tradicionalmente voltados para processos de formação e conservação de acervos materiais, em detrimento da valorização de aspectos interdisciplinares e sociais para a consolidação da museologia enquanto campo disciplinar autônomo.

A aproximação da museologia aos estudos sociais está presente na dissertação de mestrado de Waldisa Rússio, intitulada “Museu: um aspecto das organizações culturais num país em desenvolvimento” (1977); e, igualmente, em seu artigo, “Museologia e museu” (1979). Sua abordagem questiona a autoridade acadêmica tradicionalmente legitimada para julgar e atribuir valores aos objetos museológicos. Para tanto, Guarnieri considera que os processos de atribuição de significados a objetos são dados culturais, tendo em vista que “a preservação do patrimônio cultural é um ato e um fato político” (GUARNIERI, cf. GOMES, 2015, p. 7). Em sua concepção, está presente o entendimento do “museu como processo”, resultando de práticas sociais. Em alguma medida, o museu pode ser considerado um cenário construído a partir da vontade sociopolítica humana para o desenvolvimento de suas ações. Sua abordagem teórica é capaz de propor a inserção do museu na lógica da produção cultural, sendo o próprio museu considerado como um produto cultural da sociedade. Outro aspecto importante é a visão ampliada sobre o tema da educação patrimonial, buscando a inclusão do meio social nas práticas institucionais.

A consolidação da teoria museológica foi gestada e divulgada principalmente ao longo das décadas de 1970 e 1980, relacionando-se à criação e do Comitê Internacional de Museologia (ICOFOM, 1977) (CERÁVOLO, 2004). A publicação periódica de artigos científicos na revista Museological Working Papers (MuWoP) contribuiu grandemente para a consolidação do campo museológico. Diante desse contexto, o pensamento de Waldisa Rússio apresenta grande relevância para a formulação da teoria museológica, contribuindo para a

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legitimação da museologia como disciplina acadêmica. Para tanto, fundamenta-se em elementos basilares da formulação teórica clássica, partindo da premissa de que instituições museais devem se dedicar à preservação, manutenção e comunicação do patrimônio cultural ao enfatizar a importância da “informação trazida pelos objetos em termos de documentalidade, testemunhalidade e fidelidade” (GUARNIERI, 1990, p. 205). Waldisa Rússio aproxima-se das concepções desenvolvidas pelos teóricos tchecos Zbynek Z. Stránský e Anna Gregorová. O pensamento de Stránsky se volta para a formulação teórico-metodológica da museologia, como demonstra o artigo “Museologia – ciência ou apenas trabalho prático?”, publicado na MuWoP nº1 (STRÁNSKY, 1980). Para Gregorovà, porém, o enfoque principal adotado foi a própria instituição museal.

O pensamento de Waldisa Rússio incorporou, para além das referências internacionais, a contribuição de sua graduação em Direito e de sua titulação de mestrado e doutorado em Ciências Sociais. Rússio se tornou a primeira pesquisadora no Brasil a defender dissertação e tese na área da museologia, destacando-se não só em sua atuação profissional como museóloga, mas também na criação do Curso de Especialização em Museologia, inicialmente concebido em convênio com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. A autora propõe, no artigo “A interdisciplinaridade da museologia”, publicado na MuWoP n º2 (1981), o conceito de fato museal como objeto de estudo privilegiado da museologia. O fato museal se estrutura em torno do tripé homem-objeto-cenário, considerando o homem como “sujeito conhecedor” (RÚSSIO, cf. BRUNO, 2014, p. 1), o objeto como “tudo o que existe fora do homem e a partir de sua consciência” (RÚSSIO, cf. BRUNO, 2010, p. 205) e o cenário como “a base necessária à atividade museológica, uma condição na qual o fato se processa, se realiza” (GUARNIERI, cf. BRUNO, 2010,p. 206). Em suas palavras:

A Museologia é uma ciência nova e em formação. Ela faz parte das ciências humanas e sociais. Possui um objeto, um método especial, e já experimenta a formulação de algumas leis fundamentais. O objeto da museologia é o fato museal ou fato museológico. O fato museológico é a relação profunda entre o homem, sujeito conhecedor, e o objeto, parte da realidade sobre a qual o homem atua. Essa relação comporta vários níveis de consciências, e o homem pode apreender o objeto por intermédio de seus sentidos: visão, audição, tato (RÚSSIO, 1981, cf. BRUNO, 2014, p. 1).

Conforme aponta Sarraf, “o fato museal permanece ainda como a principal contribuição da autora para a teoria museológica” (SARRAF, 2019, p. 267). Publicado inicialmente em artigos do ICOFOM, o fato museal tornou-se um objeto de estudo independente a partir do artigo “O objeto da museologia” (1983), redigido para ser publicado no MuWoP, mas que por várias circunstâncias nunca foi lançado. A abordagem relacional prevista na definição de

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Waldisa delineia um processo de inversão hierárquica da valorização concentrada nos espaços e nos objetos, amplificando a possibilidade de significação dos comportamentos humanos e contribuindo para a afirmação de reflexões sobre processos de visitação que ocorrem no espaço museal como objeto de trabalhos teóricos. Essa perspectiva se diferencia, por exemplo, do pensamento de Stránský, para quem a coleção museal é entendida como testemunho e documento de um tempo. A materialidade dos acervos assume protagonismo para o autor, já que os objetos são entendidos como portadores de referências históricas. Por sua vez, Gregorovà destaca a possibilidade de compreensão histórica dos objetos a partir da relação estabelecida entre o homem e a realidade. Apesar de ser possível a tessitura de distinções entre os pensamentos dos autores, os três teóricos assinalam a relevância atribuída ao museu enquanto lugar que permite o desenvolvimento de ações museológicas.

A abertura do pensamento incorporado pelo fato museal pode ser considerada uma importante chave de leitura que permite a análise do complexo contexto de transformação que as instituições museais vem enfrentando nas décadas recentes. A partir da segunda metade do século XX, é possível vislumbrar notável alargamento do conceito de patrimônio histórico e ampliação do fenômeno da musealização (CHOAY, 2001; HUYSSEN, 2000). Nas décadas seguintes, observa-se o aumento significativo do nível de prestígio e interesse alavancado por museus, considerados como âncoras de projetos de revitalização urbana e assumindo funções progressivamente mais diversificadas (RAGONE, 2018). O museu passa a se relacionar intensamente com os fenômenos do turismo de massas e do entretenimento cultural. Com efeito, distingue-se a larga experimentação da cenografia expográfica e das tecnologias da comunicação para o desenvolvimento de projetos museográficos, contribuindo para a criação de instituições a partir de bancos de dados digitais. Esse contexto de transformações suscita uma série de questionamentos acerca do fato museal na contemporaneidade. Para o artigo proposto, investigaremos os processos de constituição do fato museal em museus mediados pelas tecnologias da comunicação, tomando como base o caso do MLP.

4 O MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA

O Museu da Língua Portuguesa nasceu a partir de uma parceria entre o governo do Estado de São Paulo e a Fundação Roberto Marinho – instituição privada, sem fins lucrativos, vinculada ao Grupo Globo, principal conglomerado midiático do país. A instituição se aproxima às tecnologias da comunicação como estratégia para a musealização da língua portuguesa, entendida como patrimônio imaterial. Para tanto, como indica seu próprio website institucional, o MLP afirma que: “muito mais que aplicar as tecnologias ao espaço expositivo

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por puro deleite de modernidade, o MLP adota tal museografia a partir de um dado muito simples: seu acervo, nosso idioma, é um patrimônio imaterial, logo não pode ser guardado numa redoma de vidro e, assim, exposto ao público” (MUSEU, acesso em 21 set. 2014). Os esforços de pesquisa empreendidos pela instituição giravam em torno de atividades como a coleta de depoimentos e a produção audiovisual de vídeos, filmes e conteúdos relacionados à memória da língua portuguesa, passíveis de acesso por meio das soluções de museografia audiovisual e interativa. A estruturação do MLP desenvolve questões que podem se associar à nova museologia, tendo em vista a intenção de mostrar que o cidadão “é o verdadeiro proprietário e agente modificador da Língua Portuguesa” (MUSEU, acesso em 26 out. 2016). O MLP nasce num contexto de institucionalização do patrimônio imaterial, por meio do Decreto nº 3551/2000, que cria o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e o Programa Nacional do Patrimônio imaterial. É importante destacar o contexto de ampliação das ações de patrimonialização da diversidade linguística empreendidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pelo Ministério da Cultura no Brasil, nas duas primeiras décadas do século XXI. Essa discussão deve ser compreendida de acordo com a consolidação dos debates sobre a defesa dos direitos linguísticos no pós Segunda Guerra Mundial, incluindo a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (1996), a Convenção sobre a Diversidade das Expressões Culturais (2001), a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial (2003) e a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2006). Em paralelo, a Carta sobre a Preservação do Patrimônio Digital (2003) contribuiu para a legitimação e o estabelecimento de diretrizes para a sua preservação. Ademais, sua implantação deve considerar o contexto de estruturação do campo museal brasileiro que se consolida nas primeiras décadas do século XXI, a partir da aprovação da Política Nacional de Museus (PNM), em 2003; da criação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram/MinC), em 2009, e da criação da Lei de Planos Museológicos/ Estatuto de Museus a partir da Lei n° 11.904/2009.

Considerando as discussões em andamento sobre o tema do patrimônio imaterial, é importante pontuar que a criação de um museu dedicado à língua portuguesa suscitou uma série de debates no âmbito acadêmico. Conforme pontuam vários de autores (SOBRINHO, 2011; PFEIFFER, 2013; RODRIGUES, 2014; PEREIRA, 2017; BRAGA, 2019), as políticas voltadas para o reconhecimento da diversidade cultural linguística, no âmbito brasileiro, tinham como objetivo o resgate do apagamento da multiculturalidade linguística existente no país. Segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), havia mais de 274 línguas indígenas faladas no Brasil, para além de línguas crioulas, de sinais, de

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origem africana e faladas por descendentes de imigrantes europeus; muitas das quais correm o risco de desaparecimento (PEREIRA, 2017, p. 13). Conforme dados da UNESCO (2010), o Brasil ocupa a terceira posição no ranking dos países com maior número de línguas ameaçadas de extinção, segundo o Atlas Interativo das Línguas em Perigo (PEREIRA, 2017, p. 13). Estima-se que, desde o início da colonização europeia, no século XVI, eram faladas cerca de 1200 línguas no território que hoje corresponde ao Brasil e, atualmente, restam cerca de 180 dessas línguas em atividade. Nesse contexto, para os autores, não seria prioritária a criação de um museu dedicado à língua portuguesa, falada por milhões de brasileiros, para além da comunidade internacional.

Porém, a proposta do MLP partia de outra premissa em discussão ao longo dos anos 1990, voltando-se para as perspectivas abertas pela globalização, o entusiasmo com as novas tecnologias da comunicação, o incentivo ao turismo cultural e a difusão dos processos de abertura econômica em nível mundial. Sua proposta não se vincula estreitamente, portanto, a uma ideia de resgate de línguas em processo de extinção, mas sim ao fortalecimento da comunidade internacional formada por países que partilham a língua portuguesa, que originou a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP, 1996), da qual participam Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste2. Em paralelo, sinaliza-se o processo de internacionalização da indústria do entretenimento brasileiro, em particular no que diz respeito à Rede Globo, envolvida na estruturação da Sociedade Independente de Comunicação (SIC), primeiro canal privado de televisão em Portugal, que se tornaria um consumidor em potencial da programação brasileira, em particular de seu principal produto de exportação, a Brazilian telenovela (BRITTOS e BOLAÑO, 2005). Em 1999, foi lançado o principal projeto de internacionalização das Organizações Globo, a TV Globo Internacional (TVGI), voltada principalmente para o público de brasileiros que vivem no exterior e para portugueses. No ano seguinte, foi criada a Divisão de Negócios Internacionais (DNI) e procurou- se expandir a distribuição de conteúdo para a CPLP com o lançamento da Multichoice Angola.

A ideia de conceber um museu sobre a língua portuguesa foi resgatada pela FRM de um projeto originalmente proposto para a região sul da Bahia na década de 1990: o Museu Aberto do Descobrimento (MADE), por ocasião da “celebração” dos 500 anos do Brasil, que não chegou a ser realizado. De acordo com o antropólogo Roberto Pinho, principal idealizador do MLP como um projeto inserido no MADE, havia a intenção de se criar “um museu didático, não um museu acadêmico. É para o povo entender, não é um museu para intelectuais” (PINHO, 2020). Originalmente, o MLP seria “um grande museu de recursos audiovisuais,

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didático, alegre, repleto de situações envolventes, que levará o leigo ao conhecimento da história da nossa língua. Como e onde nasceu, como evoluiu, os caminhos que percorreu, as influências que sofreu e as que provocou, as contribuições que recebeu das línguas indígenas” (PINHO e SANTANA, 1994, p. 211). A FRM vislumbrou, com o deslocamento do MLP para a cidade de São Paulo, uma possibilidade de contribuir para o incentivo à educação não-formal no Brasil, perspectiva alinhada a seus projetos empreendidos desde 1977. Conforme explica a arquiteta Larissa Graça, gerente de projetos na área de Patrimônio e Cultura da FRM:

Desde a criação da Fundação Roberto Marinho, em 1977, a área de patrimônio foi uma das primeiras a ser desenvolvida. [...] Podemos citar quatro fases de ações: a primeira, mais voltada à conscientização; a segunda, à restauração de monumentos. Mas percebemos que a restauração não é sustentável por si só. Então, a terceira fase buscou a associação entre patrimônio material e imaterial, com a criação de espetáculos de luz e som... E a última fase, a da criação de museus, como elementos de destaque de aspectos culturais, constituição de marcos arquitetônicos e criação de espaços de reflexão e diálogo (GRAÇA, 2019).

Em São Paulo, o MLP foi implantado no Edifício da Estação da Luz, construído em 1867 pela Companhia São Paulo Railway, sendo responsável pelo escoamento da produção de café do interior do estado ao porto de Santos. Projetado pelo arquiteto inglês Charles Henry Driver, o edifício apresenta importância histórico-arquitetônica, tendo sido tombado em nível estadual (Condephaat, 1982); municipal (Conpresp/DPH, 1991) e federal (IPHAN, 1996) (SOUKEF, 2000). Na década de 1990, o edifício necessitava de uma intervenção de restauração para retomar sua eficiência e apresentava problemas decorrentes da passagem do tempo (KÜHL, 2008). Nesse período, o Projeto Polo Luz associou-se à implantação do Programa Monumenta (1995), tendo contribuído para a reforma do edifício da Pinacoteca do Estado de São Paulo, a instalação da Sala São Paulo no Complexo Cultural Júlio Prestes e a restauração da Estação da Luz. Logo, pensou-se na possibilidade de se vincular o edifício a usos culturais, quando “surgiu a ideia de transformar o edifício da Estação da Luz num centro de cultura relacionado à celebração da língua portuguesa” (ROCHA, cf. LUPO, 2015, p. 146-147). Para a realização do projeto de intervenção no patrimônio edificado, foram contratados os arquitetos Pedro e Paulo Mendes da Rocha.

Na ocasião da concepção do MLP, é importante pontuar que havia pouca difusão internacional das iniciativas já existentes voltadas para a criação de museus e monumentos dedicados à língua no mundo. Como exemplo, pode-se citar o Afrikaans Taal Museum and Monument (1975), na África do Sul; o monumento ao idioma russo, em Belgorod (Rússia); o Obelisco dos Ideogramas, em homenagem aos idiomas indígenas, em Bamako (Mali) e o Shaheed Minar, em homenagem aos mártires do movimento linguístico em Dhaka

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(Bangladesh) (TALL MUSEUM AND MONUMENT, 2016). Por essa razão, a criação do MLP foi desenvolvida com bastante liberdade. A FRM optou pela contratação do designer norte-americano Ralph Appelbaum, cuja obra se tornou internacionalmente conhecida pela criação de projetos museográficos que incorporavam a noção de design integrador como estratégia fundamental para o desenvolvimento de museus narrativos baseados no uso das tecnologias da comunicação (MIGLIORE, 2020).

Partindo do trabalho conjunto entre arquitetos, designers e consultores científicos, o museu narrativo busca conferir protagonismo ao visitante, participante ativo do espaço expositivo, por meio da conexão entre o indivíduo, a arquitetura e a mídia tecnológica. A obra de Ralph Appelbaum inclui uma série de projetos que transitam entre a apresentação cenográfica de acervos materiais – a exemplo do Museu Memorial do Holocausto (Washington, 1993) e o Hall of Biodiversity no American Museum of Natural History (Nova Iorque, 1996-98) – e a criação de espaços voltados para a criação de ambientes midiáticos, desassociados de acervos materiais – como o Rose Center for Earth and Space (Nova Iorque, 2000). Appelbaum já tinha colaborado com a Rede Globo/ FRM em outros projetos – tais como o Memorial e Arquivo Histórico (Porto Alegre, 1998-2000) e a Exposição 50 anos de TV e + (São Paulo, 2001). Uma das principais estratégias adotadas pelo designer busca criar espaços imersivos a partir da associação entre cenografia expográfica e uso de tecnologias da comunicação. Dado esse contexto de criação, procederemos à investigação do fato museal no MLP a partir da análise do tripé fundamental proposto por Waldisa Rússio: objeto, cenário e sujeito conhecedor.

5 LÍNGUA PORTUGUESA: OBJETO MUSEOLÓGICO

A abordagem da língua portuguesa como patrimônio imaterial voltou-se, segundo o diretor executivo Antônio Carlos de Moraes Sartini, para a intenção de “mostrar a língua portuguesa como o grande elo da identidade cultural brasileira e mostrar ao visitante que ele é o proprietário dessa língua” (ARAÚJO, 2006). A não apresentação de acervos materiais, porém, acentuou o papel assumido pela produção de conteúdos audiovisuais que interpretassem a narrativa museal proposta. A construção do objeto museológico demandou o trabalho de uma equipe multidisciplinar de profissionais, incluindo sociólogos, museólogos, especialistas em língua portuguesa e artistas. Logo, a opção pelo uso das tecnologias da comunicação sugeriu a incorporação de aspectos do patrimônio imaterial que não poderiam ser alcançados pela exibição de coleções materiais: oralidade, sonoridade e pluralidade dos modos de falar. O conceito trabalhado pelo Museu busca conscientizar os visitantes de seu papel na formação do próprio patrimônio cultural, em constante processo de transformação. Aproxima-se, dessa maneira, às

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teorias relacionadas à museologia social e demonstra preocupação com a participação do sujeito na constituição do patrimônio cultural.

Com o MLP, a FRM pretendia trazer “ao país um novo conceito museográfico, que alia tecnologia e educação” (FRM, 2020). Por essa razão, a participação de Ralph Appelbaum foi fundamental para a criação da narrativa museal no processo de estruturação do próprio museu, dada a sua experiência com o uso de tecnologias digitais para a criação de ambientes expositivos a partir da exploração de recursos multimídia e interativos. Essa perspectiva se vincula aos processos de ampliação e democratização do acesso ao conhecimento, ao mesmo tempo que deriva de experiências associadas à promoção de marcas e à fusão entre o espaço comercial e o espaço expositivo. Conforme narra o depoimento de Antônio Risério, antropólogo responsável pela idealização do projeto:

Começaram as reuniões com o Ralph Appelbaum, o arquiteto que projetou, entre outras coisas, o planetário de Nova York3. [...] O Ralph me perguntou: “O senhor quer uma

Real Academia da Língua Portuguesa?”. Respondi: “Não, isso já existe4. O que eu quero

é um parque de diversões da linguagem”. Falei do planetário novaiorquino. Ele sorriu e disse: “Sei, você quer um Linguatarium do português brasileiro” (RISÉRIO, cf. COHN, 2019).

Na ocasião da criação do MLP, havia relativamente poucas experimentações do uso das tecnologias da comunicação aplicadas ao espaço expositivo no Brasil dignas de nota, apesar da experiência de projeções audiovisuais criadas no Cine Caverna, por ocasião da Mostra do Redescobrimento (São Paulo, 2000), e da exposição 50 anos de TV e + (São Paulo, 2001), concebida pelo próprio Appelbaum em parceria com a Rede Globo. O conceito de museu narrativo desenvolve a teatralização do espaço museal, na qual o visitante assume o papel de protagonista para a descoberta do espaço. O escritório busca a criação de “museus interpretativos, isto é, museus que ajudam as pessoas a entender a história humana. Didaticamente, a encenação é importante” (CYPRIANO, 2001). Por essa razão, sua estratégia projetual se aproxima ao espaço cinematográfico, pretendendo emocionar e causar sensações no público. O MLP foi estruturado a partir de um texto elaborado pelo antropólogo Antônio Risério, intitulado “Estação da Luz da Nossa Língua” (RISÉRIO, 2020). O desenvolvimento dessa narrativa serviria de base para a criação do percurso cenográfico. Segundo Risério:

O Museu da Língua Portuguesa foi radicalmente high tech. O Ralph [Appelbaum] falava em todas as reuniões: alta tecnologia. O desafio era esse. Nós vamos expor palavra, como se expõe palavra? Com jogos visuais, de alta tecnologia. [...] Desde o início, a gente achava que só podia ser pelo caminho da interatividade. Tinha uma mesa que conseguiram realizar5. Colocar o quê nessa mesa? Eu até falei na reunião...

podemos fazer a mesa das etimologias. Tudo era direcionado para a interatividade. [...] A ideia era fazer um museu 100% interativo (RISÉRIO, 2020).

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O acervo museal se compôs a partir de conteúdos audiovisuais produzidos para a exibição nos dispositivos expográficos projetados para o MLP. Dentro do elevador panorâmico de acesso, Antônio Risério e Arnaldo Antunes criaram uma instalação sonora na qual as palavras “língua”, “boca” e “palavra” eram repetidas, enquanto o visitante vislumbrava a escultura Árvore das Palavras, criada pelo artista plástico Rafik Farah. Para exibição no auditório, José Miguel Wisnik e Antônio Risério desenvolveram o filme Idiomaterno, dirigido por Tadeu Jungle e Marcelo Presatto, para introduzir o tema do museu a partir da filiação entre o português falado no Brasil e sua matriz lusitana. Na sequência, foi criado um espetáculo de luz e som, dirigido por Marcello Dantas, na Praça da Língua, a partir da curadoria de José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski. Na Grande Galeria, foram concebidos onze filmes dirigidos por Marcello Dantas e Carlos Nader, que eram projetados simultaneamente ao longo do corredor. Em Palavras Cruzadas, sob coordenação de Isa Grinspum Ferraz, o roteirista Marcello Macca criou os conteúdos das telas multimídia com base em textos de especialistas no idioma. Para o mesmo espaço, foi projetado um grande painel com informações históricas sobre as influências do português lusitano, das línguas indígenas e africanas sobre o idioma falado no Brasil, com base na pesquisa do professor Ataliba de Castilho. Igualmente, foram produzidos conteúdos audiovisuais para exploração interativa no Mapa dos Falares, com a intenção de mostrar variações de sotaques regionais. Por fim, Marcelo Tas, Russ Rive, Liana Brazil e o etimologista Mário Viaro conceberam a mesa interativa Beco das Palavras, que seria um jogo etimológico sobre a língua portuguesa.

Como vemos, os conteúdos audiovisuais produzidos especialmente para o MLP estruturam a coleção digital do museu. Outros arquivos complementares eram criados por ocasião de exposições temporárias, além da realização de publicações periódicas de artigos relacionados à língua portuguesa em seu website, o que se aproximaria de uma estratégia de divulgação científica, “embora não seja clara a relação entre essas produções e as atividades museais” (BITTENCOURT, 2015, p. 115). O incêndio sofrido pelo MLP em 2015 escancarou essa dinâmica, tendo em vista que a destruição do edifício não provocou perdas em termos de acervo. Conforme veiculou a mídia na ocasião, “diferentemente de outros centros culturais tradicionais, o espaço não tem acervo tombado. É conhecido principalmente pela memória de suas exposições e material digital. [...] A maior parte do material de pesquisa e roteiros tem cópia digital e pode ser recuperada por meio de backups” (PRADO, 2015, p. 1).

Apesar de a seção Palavras Cruzadas exibir objetos materiais dentro de vitrines como estratégia para ilustrar as diferentes matrizes culturais que contribuíram para a formação do português brasileiro, esses objetos não pretendiam assumir o papel de acervos materiais.

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Conforme indicava o próprio texto de legenda presente no local, “neste espaço, você não encontra objetos típicos de museus: únicos, muito antigos e de valor monetário alto. Estão expostas peças cotidianas, coisas concretas feitas por falantes de mundos indígenas, africanos, europeus, jogos, culinária e afeto” (KARNAL, Leandro, cf. exibido no MLP em 2015). É importante destacar que o MLP foi concebido antes do Estatuto dos Museus, responsável pela regulamentação das instituições e processos museológicos no Brasil, que tornava obrigatória a definição do plano museológico institucional6. Considerando a ausência de normativa

específica na ocasião de sua criação e o caráter experimental assumido pelo MLP, tornou-se possível pensar numa instituição com ampla liberdade para a configuração de seu objeto museal, desvinculada das matrizes teóricas tradicionalmente consolidadas no âmbito da museologia, de modo a contribuir para sua própria reflexão.

6 ESTAÇÃO DA LUZ: CENÁRIO OU DOCUMENTO?

A seguir, investigaremos o cenário no qual se desenrola a experiência do MLP: a Estação da Luz. A inserção do MLP no edifício permite uma singular sobreposição de significados entre os temas da língua portuguesa e a própria arquitetura, como demonstra o título do roteiro criado para o Museu, “Estação da Luz da Nossa Língua”. Conforme consta no Decreto nº 50.322/2005, que estabelece a implantação do MLP, o interesse pela Estação da Luz considera que o edifício é “um dos cartões postais da cidade de São Paulo” e “um dos mais significativos monumentos arquitetônicos do país”. Segundo o website institucional, sediar o MLP em São Paulo leva em conta o fato de a cidade possuir a “maior população de falantes de português do mundo” (MUSEU, acesso em 04 nov. 2020). A Estação da Luz, em particular, foi considerada “um dos principais pontos de passagem dos imigrantes que chegavam ao país e, até hoje, é um espaço dinâmico de contato e convivência entre várias culturas e classes sociais, abrigando sotaques vindos de todas as partes do Brasil” (MUSEU, acesso em 04 nov. 2020).

Apesar dessa associação simbólica, a escolha da Estação da Luz para a implantação do MLP não partiu do grupo de arquitetos. Conforme o depoimento de Pedro Mendes da Rocha, “quando surgiu a ideia de fazer um museu na parte administrativa da Estação da Luz, a gente até se perguntou se não seria melhor modernizar e manter os escritórios da CPTM. Mas não coube a nós opinar” (ROCHA, 2020). Para alguns de seus idealizadores, sobretudo os vinculados ao projeto do MADE, o MLP poderia ser implantado em qualquer outro lugar. Segundo Risério, “o Ralph perguntou para mim: ‘o que é mais importante, a arquitetura ou o museu?’ Eu respondi: ‘é o museu, Ralph. O prédio pode ser outro.” (RISÉRIO, 2020). Entretanto, a transposição de sentidos promovida pela “Estação da Luz da Nossa Língua” foi

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tomada como princípio poético para o desenvolvimento do projeto de arquitetura. Segundo Pedro Mendes da Rocha, “surgiu a ideia poética de associar o prédio em que o museu estava instalado... fazer uma referência poética, a ideia de que a estação onde as pessoas se encontram é o lugar do inusitado, de gente chegando, de gente saindo...” (ROCHA, 2020). A referência é retomada no próprio vídeo projetado na Grande Galeria, cujo início e final apresentam a imagem de um trem abrindo suas portas. Além disso, o projeto de arquitetura incorporou sugestões do discurso narrativo de Appelbaum, buscando a criação de experiências espaciais. Para Pedro Mendes:

A conceituação, a expertise do Appelbaum foi a base conceitual desse museu. [...] Ele não é arquiteto, mas o teatro tem essa figura, o mise en scène, o cara que põe em cena. Ele, estudando o edifício, identificou quais seriam os espaços com maior potencial de experiência. Principalmente agora, com o advento dos computadores acessíveis, qualquer um pode consultar documentos e enciclopédias. A ideia é que o museu deve provocar experiências que você não terá na sua casa. Experiências espaciais, instalações que só aquele espaço de grandes proporções vai proporcionar (ROCHA, 2020).

O circuito museal adota esquema de circulação dirigida, criando um percurso único que “conduz o espectador através da história a ser contada” (LAPA, 2011, p. 111). Logo, o público começa sua visita subindo pelo elevador até o terceiro andar e percorre, sequencialmente, espaços linearmente dispostos em direção ao térreo. Essa distribuição espacial contribuiu para a prefiguração de efeitos cênicos museográficos, como a rotação do telão do auditório revelando o espaço Praça da Língua. Ainda, a criação de um museu destituído de coleções materiais implicou na elaboração de um programa arquitetônico específico, formulado por equipe multidisciplinar, que previu a instalação de foyer, auditório, saguão, café, área educativa e de pesquisa e áreas administrativas. Merece destaque a inclusão de salas de edição de imagens e central de controle dos equipamentos tecnológicos no programa arquitetônico, em função da necessidade de produzir e garantir a manutenção de elementos audiovisuais. O projeto privilegiou a criação de espaços expositivos, que ocupam mais de 50% das áreas do museu, em detrimento de áreas destinadas a reservas técnicas, conforme indica a tabela 2:

Tabela 2. Cálculo de áreas. Museu da Língua Portuguesa7

Programa Térreo 1º Pav. 2º Pav. 3º Pav. Total %

Área expositiva 274,21m² 448m² 1305,9m² 959,23m² 2987,34m² 52,5%

Área de circulação, sanitários, educação, pesquisa e administração

183,29m² 735,46m² 240,1m² 139,27m² 1298,12m² 22,8%

Edição de imagens - - 110m² - 110m² 2%

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Café 251,16m² - - - 251,16m² 4,4%

Lobby 311,05m² - - - 311,05m² 5,5%

Área total 1567,23m² 1183,46m² 1656m² 1098,5m² 5688,78m²

Outro aspecto importante para a elaboração do projeto de arquitetura foi o diálogo com os órgãos de preservação patrimonial. O partido arquitetônico adotado considerou que a ala oeste da Estação da Luz o deveria sofrer menos intervenções em relação à ala leste, acometida por um incêndio em 1946, que não apresentava suas configurações originais. Por essa razão, elementos do programa que exigiam espaços mais amplos foram localizados na ala leste, enquanto espaços mais compartimentados ficaram na ala oeste. Os arquitetos propuseram a abertura de um longo corredor que mostrasse o volume do edifício da Estação da Luz – a Grande Galeria – e a criação de rasgos nas lajes para a instalação dos elevadores e acessos por escadas. Segundo Pedro Mendes, “os órgãos de preservação foram bastante condescendentes com as intervenções na ala destruída pelo incêndio, enquanto a ala oeste deveria ser preservada o máximo possível” (ROCHA, cf. LUPO, 2015, p. 146-147). Dessa maneira, foram criados alguns espaços que dialogassem com a Estação da Luz, como a seção O projeto de restauro e na vista da Estação da Luz ao final do percurso; em contraponto a espaços de imersão, caracterizados pelo escurecimento do ambiente interno, iluminação teatralizada e implantação de gadgets tecnológicos (Figuras 1 e 2).

Figura 1. Planta segundo pavimento. Fonte: GRUNOW, 2006, editada pela autora.

Figura 2. Planta segundo pavimento. Fonte: GRUNOW, 2006, editada pela autora.

A possibilidade de se interpretar o edifício enquanto objeto museológico pôde ser enunciada claramente por ocasião do incêndio ocorrido em 2015. Conforme veiculou a mídia

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na época, “a maior perda é arquitetônica” (PRADO, 2015, p. 1). Se, por um lado, o acervo digital do Museu é passível de recuperação, por outro, a Estação da Luz encarada como “uma grande criação pelo seu valor histórico e artístico, depositária de numerosas estratificações do conhecimento e da memória coletiva” (KÜHL, 2008, p. 183) não pode ser recuperada na sua integralidade, mesmo considerando os projetos de restauração atualmente em fase de finalização. A Estação da Luz, entendida como patrimônio histórico e arquitetônico, assume o duplo caráter de cenário e objeto museológico, conferindo aspectos de documentalidade, testemunhalidade e fidelidade à instituição do ponto de vista material, contribuindo para a constituição do fato museal no MLP.

7PÚBLICO DE MASSAS: SUJEITO CONHECEDOR

Por fim, torna-se fundamental a investigação sobre a relação estabelecida entre o público recebido pelo MLP, seu objeto e seu espaço. Como premissa fundamental, o Museu foi concebido como uma experiência voltada ao grande público de massas. Segundo o testemunho de Antônio Risério: “nesse museu, você entrava para brincar, para participar. É um museu que fala de sua vida, cultura, de sua gente. A ideia era fazer uma coisa de massas... isso era o tempo inteiro. É um ‘museu pop’, é para atrair multidão mesmo” (RISÉRIO, 2020). Esse aspecto foi incorporado pela setorização arquitetônica, ao dedicar mais de 50% da área do museu ao acesso público. A grande divulgação midiática, associada ao conjunto de prêmios internacionais conquistados8, contribuiu para a manutenção de altos índices de visitação do MLP. Como calculado a partir da tabela 3, a média mensal de visitação (2006-2014) se aproximava de 35 mil visitantes/mês9.

Tabela 3. Planilha anual de visitantes. MLP (2006-14)10

2006 491.031 2011 331.410

2007 516.805 2012 355.951

2008 461.775 2013 345.025

2009 897.632 2014 352.565

2010 385.025 Total 3.627.219

Para analisar a relação estabelecida entre o público e o espaço, foram coletados depoimentos de 30 visitantes, na saída do percurso do MLP, em 01 de março de 2015. No que diz respeito ao acervo, algumas declarações demonstraram certo estranhamento em relação à ausência de coleções materiais. As perspectivas enunciadas por esse discurso recuperavam elementos da teoria museológica tradicional, segundo a qual a principal função da instituição

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é garantir a salvaguarda, conservação e exibição de acervos materiais. Como indicam os seguintes depoimentos:

O museu pecou na falta de acervo físico. É decepcionante ver a foto do manuscrito do Camões no museu. Não há papel e documentação que não seja textual e fotográfica da língua em momentos históricos diferentes. Por mais que o tema do museu seja imaterial, o papel do museu é pesquisar objetos materiais que traduzam uma experiência e vivência histórica ou linguística de outros tempos. O português, por mais que seja uma língua, se condensa no decorrer do tempo em documentos históricos, manuscritos, letras de músicas. Apenas ler o texto é uma coisa que se pode fazer em casa11.

Eu fui com uma expectativa, para ver papeis, livros, coisas antigas sobre a língua portuguesa, algo explicando como ela nasceu, buscando coisas mais históricas, e vi coisas muito modernas para mostrar a língua. Achei que tinham muito mais coisas a serem mostradas12.

Outros visitantes valorizaram a experiência suscitada pela museografia tecnológica, especialmente o recurso da interatividade, propiciando experiências consideradas mais dinâmicas em contraponto à exposição de acervos materiais. Como demonstra o seguinte trecho: “o que mais gostei do museu é o fato de ser interativo, moderno, de não ser como o MASP [Museu de Arte de São Paulo]. Gosto mais das atividades interativas porque você tem contato direto com a proposta do museu. [...] Tem muitas coisas que chamam a atenção: luzes, sons. A vontade é de interagir13”. Na mesma direção, está o testemunho: “gostei por ser um museu moderno, ter instalações, ser interativo. Pela linguagem que eles usam nas exposições, deixando de ter só quadros... tem um pouco de tudo14”. Para outros, “é uma visita muito rica e completa. Tira a ideia que muitos ainda têm, de que exposições são só quadros, sem nenhuma interação15”. No entanto, alguns aspectos críticos foram pontuados em relação ao conteúdo audiovisual, sobretudo a falta de atualização, a baixa complexidade do conteúdo, o excessivo didatismo e o alto grau informacional. Para alguns visitantes, a experiência foi “em parte, insatisfatória. Você sai do museu com a impressão de que foi algo interessante, mas nada muito surpreendente, nem muito aprofundado16”. Outro depoimento corrobora com essa visão, conforme o trecho: “a exposição permanente conta a história de uma forma didática demais... as informações podem ser encontradas num livro. O museu poderia ser mais artístico, mais livre, e não se prender tanto a fatos17”.

Sobre a arquitetura, os espaços mais recordados pelos visitantes se relacionavam à proposição de projeções audiovisuais, produtos da premissa do design integrador, articulando museografia e arquitetura: a Praça da Língua (24%) e a Grande Galeria (18%) (Gráfico 1). Conforme indica o seguinte trecho: “o show tridimensional com projeções no teto dos poemas é muito interessante, é um dos pontos fortes do museu18”. Em ambos os casos, a presença do

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corpo do visitante é essencial para garantir a experiência cenográfica espacial, cuja singularidade depende da relação física estabelecida com o edifício.

Gráfico 1. Espaços mais recordados pelos visitantes. Dados coletados em 2015 pela autora.

Em terceiro lugar, foram recordados os seguintes ambientes: Palavras Cruzadas (12%), Linha do Tempo (12%) e auditório (12%). Os dispositivos expográficos apresentam soluções mais habituais ao público, contendo a presença de displays interativos para consulta, painéis com textos impressos e sala de cinema. Na sequência, alguns visitantes citaram a Exposição Temporária (9%), o Beco das Palavras (6%) e O projeto de restauro (6%). Alguns visitantes pontuaram que não conseguiram perceber claramente o espaço arquitetônico, possivelmente em função das soluções voltadas para a imersão e da pouca relação estabelecida entre a maior parte dos espaços internos do Museu e a Estação da Luz. Para um visitante, “lembro pouco da arquitetura. O que mais me chamou a atenção foi forma de expor do que necessariamente o espaço em si”. Segundo observações coletadas, “a instalação do museu tapa muitos elementos do edifício, a Estação da Luz poderia ficar um pouco mais exposta19”. Ainda, a seção O projeto de restauro suscitou comentários específicos sobre o edifício antigo: “gostei da parte onde há um contraste entre o interior moderno e o original... que piso maravilhoso. Lá tem informações sobre o restauro da Estação da Luz, achei sensacional20”. Outras sugestões propuseram a retomada da vista para a Estação da Luz, ao final do percurso, dizendo que a visita “poderia terminar na plataforma21”. Ademais, algumas observações foram pontuadas a respeito da dificuldade de acesso ao Museu em relação à saída do metrô Luz.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise proposta para o MLP, considerando o conceito de fato museal proposto por Waldisa Rússio, leva a algumas reflexões sobre as novas relações que se estabelecem no âmbito museológico em instituições que apresentam acervos digitais por meio da expografia tecnológica interativa. É possível pensar no fato museal nesses casos? Como se configura a relação entre homem, objeto e cenário? Em primeiro lugar, devemos pontuar que o objeto

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museológico deve ser encarado de maneira ampliada, podendo incorporar bancos de dados digitais que contemplem os princípios da documentalidade, testemunhalidade e fidelidade. Portanto, a elaboração do conjunto de dados exibidos pelo museu deve contar com a participação de especialistas e pesquisadores sobre o tema, garantindo a fidedignidade e veracidade das informações prestadas, de modo a preservar o contrato comunicacional estabelecido entre visitante e instituição. A pesquisa também mostrou que esses dados passam por amplo tratamento audiovisual, incorporando a participação de designers de tecnologia, roteiristas e diretores, responsáveis pelo tratamento artístico e sonoro das informações a serem exibidas no museu. Com efeito, podemos vislumbrar certo rebatimento entre o universo da produção midiática audiovisual e o espaço museal, reforçado pela presença de artistas amplamente conhecidos pelo grande público para a produção do material em exibição22.

Novos desafios se impõem para a estruturação institucional baseada em acervos digitais, sobretudo em função do risco de obsolescência rápida de equipamentos, programas eletrônicos e mídias digitais, além dos altos custos operacionais relativos aos dispositivos, que demandam constante atualização de conteúdo. A preservação do patrimônio digital envolve desafios relacionados ao tratamento de grandes volumes de informação e à questão dos direitos autorais. Os processos de gestão da informação digital demandam infraestrutura de produção e digitalização de fontes, reunião, seleção, organização, catalogação, armazenamento, gerenciamento, preservação, recuperação, disseminação e uso da informação. A infraestrutura necessária para a realização de tais atividades demanda o uso de racks, servidores, sistemas de armazenamento de dados e backups. Para tanto, é necessária a presença de equipes especializadas em tecnologia da informação, de caráter multidisciplinar, de modo a garantir a usabilidade e o acesso às informações coletadas, para além do estabelecimento de políticas sistemáticas de seleção e descarte da informação digital (informação verbal)23. Muitos desses

processos se amadureceram nos anos seguintes à criação do MLP; apesar de que, nesse caso, a própria presença dos acervos digitais garantiu a preservação do acervo museal em função da tragédia de 2015.

A perspectiva do design integrador, amplamente trabalhada por Ralph Appelbaum em conjunto com Pedro e Paulo Mendes da Rocha, sugere uma releitura do fato museal que pode ser adaptada a museus completamente desassociados de coleções materiais. Para tanto, propõe a integração entre arquitetura-cenografia-indivíduo com o objetivo de enfatizar a perspectiva do museu- experiência. A ausência de coleções materiais sugere a necessidade de se criar uma razão significativa que justifique a presença física do visitante no espaço. Para tanto, a proposição de narrativas que se aproveitam de características arquitetônicas singulares do

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edifício – sobretudo por meio de espetáculos audiovisuais – pode ser considerada uma possível resposta a essa questão. O design integrador possibilitou a apropriação de determinados espaços “altamente arquitetônicos” (HALL, 2001): sobretudo a Praça da Língua e a Grande Galeria – os quais foram os ambientes mais recordados pela pesquisa realizada com o público. A conexão entre os projetos de arquitetura e museografia, tendo como foco garantir o engajamento do visitante, possui implicações para a própria criação do acervo digital exibido pelo museu. Como mostra a tabela 4, os produtos audiovisuais concebidos interdisciplinarmente são pensados em função da viabilidade de exposição nos dispositivos expográficos e da adequação à narrativa que conduz o percurso.

Tabela 4. O fato museal e o MLP

Arquitetura Acervo Público

Doc. Cenário Produção de conteúdo Profissionais (principais) Depoimentos24 Elevador X Instalação sonora + escultura A. Risério, A. Antunes e R. Farah - Auditório X Idiomaterno A. Risério, J. M. Wisnik, T.

Jungle e M. Presatto,

12% Praça da Língua X Espetáculo de luz e som M. Dantas, C. Nader, J. M.

Wisnik e A. Nestrovski

24% Grande Galeria X Projeção audiovisual I. Grinspum e M.Macca 24% Palavras Cruzadas X Totens interativos e painel A. Castilho 12% Beco das Palavras X Mesa interativa M. Tas, M.Viario, L. Brasil,

R. Rive

6% O projeto de

restauro

X - Arquitetos e técnicos 6%

Vista para a Estação da Luz

X - Não há informações disponíveis 2%

É verdade que a implantação do MLP na Estação da Luz parece ter sido mais uma opção conjuntural para a viabilização do projeto, previamente pensado para a Bahia, do que uma escolha do grupo de arquitetos ou dos proponentes do projeto. A restauração em andamento do edifício, incorporada ao Programa Monumenta, e a intenção do projeto Polo Luz em potencializar os usos culturais do bairro contribuíram para a realização do Museu. O resultado permite vislumbrar as disputas empreendidas entre os órgãos de preservação patrimonial e a concepção de museu-narrativo desenvolvida por Appelbaum. Apesar dos esforços de leitura da Estação da Luz da Nossa Língua, o próprio projeto arquitetônico anulou, de alguma maneira, a presença do edifício histórico por meio de ambientes escurecidos, de aparência high tech, voltados para a imersão do visitante. De acordo com os depoimentos coletados e com os dados apresentados na tabela 4, a maior parte dos ambientes do Museu incorporaram essa concepção, à exceção de O projeto de restauro e da vista para a Estação da Luz.

Ainda, vale destacar que o uso da cenografia expográfica tecnológica efetivamente garantiu a aproximação ao grande público, como foi possível vislumbrar pelos altos índices de visitação alcançados pelo Museu, alavancados por sua ampla divulgação midiática. O interesse

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pela criação de um discurso didático, voltado para o público de massas, aproxima-se ao tema da museologia social e demonstra preocupação com a participação do sujeito na constituição do patrimônio. A influência exercida pelo MLP para a criação de outras instituições no Brasil – como o Museu do Futebol, o Paço do Frevo, o Museu Cais do Sertão e o Museu do Amanhã – reforça o interesse pela reflexão sobre o fato museal, reposicionando o debate sobre o pensamento das instituições sem acervo material mediadas por novas tecnologias no Brasil. Dadas essas reflexões, observa-se a conformação de um novo contexto a partir do qual podem ser interpretados os elementos pensados por Waldisa Rússio na contemporaneidade, sugerindo novas possibilidades de atualização do conceito de fato museal aplicado às experiências museológicas brasileiras recentes.

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Tabela 1. Materiais e métodos. Baseada em: DUARTE, 2004 e MATTOS, 2005. Elaborada pela autora
Tabela 2. Cálculo de áreas. Museu da Língua Portuguesa 7
Figura 2. Planta segundo pavimento. Fonte: GRUNOW, 2006, editada pela autora.
Tabela 3. Planilha anual de visitantes. MLP (2006-14) 10
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Referências

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