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Autolesão, suicídio e género em contexto prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais

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Academic year: 2020

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Raquel Santos Ribeiro

Autolesão, Suicídio e Género em

contexto prisional: a perspetiva dos

profissionais prisionais

outubro 2017

Uminho | 2017

Raquel Santos Ribeiro

Autolesão, Suicídio e Género em conte

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a dos profissionais prisionais

Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

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Raquel Santos Ribeiro

Autolesão, Suicídio e Género em

contexto prisional: a perspetiva

dos profissionais prisionais

outubro 2017

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Crime, Diferença e Desigualdade

Trabalho realizado sob a orientação de

Professora Doutora Manuela Ivone Cunha

Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

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2

DECLARAÇÃO

Nome: Raquel Santos Ribeiro

Endereço electrónico: raquel_ribeiro_024@hotmail.com

Número do Bilhete de Identidade: 14553489 8 ZZ9

Título da dissertação: “Autolesão, Suicídio e Género em contexto prisional: a perspetiva dos profissionais

prisionais”

Orientador: Professora Auxiliar com Agregação Manuela Ivone Cunha

Ano de conclusão: 2017

Designação do Mestrado: Mestrado em Crime, Diferença e Desigualdade

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTE TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, ___ /___ /_____

____________________________ Nome completo

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LISTADEABREVIATURASESIGLAS

EPSCB feminino – Estabelecimento Prisional Santa Cruz do Bispo – feminino EPSCB masculino - Estabelecimento Prisional Santa Cruz do Bispo – masculino PIPS – Programa Integrado de Prevenção do Suicídio

PNPS – Plano Nacional de Prevenção do Suicídio TS – Tentativa de Suicídio

TSR – Técnico Superior de Reeducação SPS – Sociedade Portuguesa de Suicidologia

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AGRADECIMENTOS

Aos pilares da minha vida, aos meus pais, por tudo o que fizeram e continuam a fazer por mim, por todos os sacrifícios, por não me deixarem desistir nos momentos de fraqueza. Só se tornou possível graças a vocês.

Ao meu irmão, por ser para mim um exemplo de ser humano que me enche de orgulho todos os dias.

A toda a família e aos amigos mais próximos que acompanharam direta ou indiretamente todo o meu percurso académico.

À Professora Doutora Manuela Ivone Cunha, orientadora de uma das maiores aventuras da minha vida. Obrigada pela paciência, pela dedicação e sobretudo, pelos conselhos quando tudo era confuso na minha cabeça. Por todos os incentivos e correções, por tudo.

Queria também agradecer, de coração, a todos os profissionais (desde as direções aos Corpos de Guardas Prisionais) dos Estabelecimentos Prisionais de Santa Cruz do Bispo masculino e feminino, que tão bem me receberam e pelo respeito que demonstraram pelo meu trabalho. Não posso deixar de referir três belíssimas profissionais que me marcaram de uma forma especial, que me fizeram rir, que me ajudaram, que me secaram lágrimas, inclusive. Minhas queridas Anabela Pereira, Flora Novais e Manuela Novais, gosto muito das três, na altura em que me senti mais perdida, foram vocês me ajudaram a levantar, um obrigado sincero.

À Guarda Alexandra Costa, nunca me esquecerei das suas palavras, ainda fico com o coração apertado ao relembrar. Obrigada acima de tudo, por ter confiado.

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RESUMO

Autolesão, Suicídio e Género em Contexto Prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais

Os estudos existentes sobre os fenómenos de autolesão e (tentativas de) suicídio centram-se na exposição dos fatores de risco que o contexto prisional representa na vida do indivíduo e na forma como estes influenciam e potenciam estas práticas, sendo que tais estudos procuram definir padrões/ perfis de reclusos possivelmente suicidários. O objetivo desta dissertação é de outra natureza. Procurou-se compreender de que forma vários profissionais prisionais (desde Guardas Prisionais, Técnicos Superiores de Reeducação e membros do corpo clínico) percecionam e lidam com estes comportamentos (autolesivos/suicidários) e se o fazem de forma diferenciada consoante o género de pessoas recluídas. Para isso, no total foram realizadas 23 entrevistas junto de profissionais ao serviço do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (masculino) e do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (feminino).

No que concerne aos resultados e tendo por base o discurso dos profissionais, constata-se algumas tendências. Encontramos profissionais com discursos ainda assentes em ideias de senso comum e enraizadas socialmente, como “quem se quer suicidar não diz que o vai fazer”. Mas acima de tudo, ainda encontramos no coletivo de todos os profissionais entrevistados (e com outros com os quais apenas existiu a oportunidade de estabelecer conversas informais), a ideia de que quem comete violência autodirigida, nomeadamente a autolesão, o faz com um propósito essencialmente instrumental, o qual passa por chamar atenção e/ou para a obtenção de algo, seja o indivíduo recluído homem ou mulher.

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ABSTRACT

Self-Harm, suicide and prison context gender: the prison professional’s perspective

Self-Harm and (attempt) suicide studies usually focus on risk factors generated by prison in prisoners’ life, and on how these risks can induce and potentiate such practices. These studies try to define prisoners’ profiles that could potentially be suicidal. However, this dissertation has a different goal. It aims to understand the views held by different categories of prison personnel (prison guards, re-education personnel, and clinical staff) on prisoner’s self-injury and suicidal behaviour; it also aims to understand how they deal with these behaviours, and whether they deal with them differently according to the prisoners’ gender.

In order to do that, twenty-three interviews to prison staff members were conducted in both Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (a male prison) and Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (a female prison).

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11 ÍNDICE

Lista de abreviaturas e siglas ... 3

Agradecimentos ... 5

Resumo ... 7

Abstract ... 9

Introdução ... 15

PARTE I: Revisão da Literatura... 19

1.1. Comportamentos Autodestrutivos: A problemática em torno de uma multiplicidade de conceitos ... 20

1.1.1. Automutilação, Autolesão e Autoagressão: Evolução Etimológica ... 21

1.1.2. Autolesão em Contexto Prisional ... 22

1.1.2.1. Autolesão e Género ... 23

1.1.2.2. Autolesão: ato apelativo/manipulativo? ... 24

1.2. O suicídio é um objeto transversal a várias ciências. ... 26

1.2.1. Autores e respetivas definições de Suicídio ... 26

1.2.2. Suicídio em Contexto Prisional: Efeitos da Reclusão ... 27

Tabela nº1: Fatores de Risco (DGS, 2013, pp. 46-50) ... 28

Tabela nº2: Fatores de Proteção (DGS, 2013, p. 50) ... 31

1.2.2.1. Suicídio e Género: Perfis... 31

1.2.2.2. Plano Integrado na Prevenção do Suicídio ... 33

1.3. Autolesão e Suicídio: fenómenos relacionados? ... 40

CAPÍTULO II: CONTEXTO PRISIONAL - PROFISSIONAIS PRISIONAIS .... 41

2.1. O papel do Técnico Superior de Reeducação ... 41

2.2. O papel do/a Guarda Prisional ... 43

CAPÍTULO III: METODOLOGIA ... 47

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3.2. Opções e limitações metodológicas ... 48

3.3. Procedimentos no terreno ... 51

3.4. Caracterização dos entrevistados ... 55

PARTE II: INVESTIGAÇÃO EM CONTEXTO PRISIONAL ... 59

CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ... 60

4.1. Estabelecimento Prisional Santa Cruz do Bispo Masculino ... 60

4.2. Estabelecimento Prisional Santa Cruz do Bispo Feminino ... 61

4.3. Entrevistados e Análise dos Dados ... 62

4.3.1. Perceção dos profissionais face aos comportamentos autolesivos e suicidários ... 64

4.3.2. Significados atribuídos pelos profissionais aos comportamentos autolesivos e suicidários... 68

4.3.3. Estratégias e Mecanismos de coping implementados pelos profissionais ... 74

4.3.4. Impacto dos comportamentos autolesivos e suicidários nos profissionais e nos reclusos ... 80

4.3.5. Assistência prestada pelos Serviços Clínicos afetos aos Estabelecimentos em casos de comportamentos autolesivos/suicidários ... 89

4.3.6. Plano Integrado na Prevenção do Suicídio ... 94

4.4. Discurso dos profissionais em função do género ... 101

4.5. Articulação/Relação entre os diferentes profissionais ... 103

Parte III: Discussão e considerações finais ... 111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 119

ANEXOS ... 123

Anexo nº1: Intake Screening ... 123

Anexo nº2: Ofício da DGRSP ... 126

Anexo nº3: Consentimento Informado ... 128

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Anexo nº5: Guião de Entrevista semi-diretiva para Guardas Prisionais ... 134 Anexo nº 6: Guião de Entrevista semi-diretiva para membros dos Serviços Clínicos137

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INTRODUÇÃO

Em 1867, Fontes Pereira de Melo, político português da segunda metade do século XIX, aprovou uma nova reforma penal que consistia na abolição da pena de morte, tornando Portugal num dos países pioneiros relativos a esta medida.

Neste sentido, torna-se pertinente mencionar, num leque de 122 regras consideradas as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, aquela que é para Nelson Mandela a primeira:

todos os reclusos devem ser tratados com o respeito inerente ao valor e dignidade do ser humano. Nenhum recluso deverá ser submetido a tortura ou outras penas ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância (…)1.

Contudo, fenómenos como a autolesão e o suicídio colocam sempre a questão da liberdade que o indivíduo tem, sobre si mesmo, para se autodestruir, seja através de comportamentos sem fins letais, como com esses mesmos fins.

Anualmente, em Portugal, são mais de mil os cidadãos que colocam termo à vida. Para lidar com este problema, foi elaborado e implementado em 2013 um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (PNPS), que será avaliado ao fim de quatro anos, ou seja, em 2017. Dentro da temática, o contexto prisional apresenta-se com uma subpopulação de risco que necessita, igualmente, de intervenção, estando implementado desde 2009, em contexto prisional, o Plano Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS).

E se falarmos em números absolutos, no mundo e em termos anuais, se ocorrerem 1 000 0000 suicídios, ocorrem o dobro em comportamentos autolesivos que podem ser, por muitos, considerados como tentativas de suicídio (TS).

1 http://www.dgsp.mj.pt/paginas/documentos/informacoes/Legislacao/RMTR-ONU.pdf, acedido em julho

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Em termos de literatura científica, é a nível internacional que existe uma maior consistência e debate sobre estes fenómenos. Contudo, são discursos centrados, maioritariamente, no perfil do recluso suicidário, nos fatores de risco assentes numa instituição totalitária que deixa o indivíduo vulnerável/deprimido. No caso desta dissertação trata-se de conhecer discursos, representações e experiências de profissionais dos serviços prisionais face a estes fenómenos, desde Técnicos Superiores de Reeducação (TSR) a Guardas Prisionais (homens e mulheres) e a membros dos corpos clínicos (enfermeiros e médicos).

A metodologia utilizada na investigação é de cariz qualitativo, tendo sido efetuadas entrevistas semiestruturadas a vários profissionais dos Estabelecimentos Prisionais de Santa Cruz do Bispo feminino (EPSCB feminino) e masculino (EPSCB masculino)2, procurando interpretar/compreender, através das experiências/carreiras profissionais, de que forma é que estes percecionam, representam e lidam com os comportamentos autolesivos/suicidários e se o fazem de maneira diferenciada consoante o género de pessoas recluídas. Primeiramente foram analisados processos físicos individuais de modo a conhecer, no geral, o tipo de populações que encontramos recluídas em cada instituição. De seguida, foram analisados processos/autos de notícia que permitiram conhecer situações concretas de autolesões, tentativas de suicídio e consumações do ato. Esta análise prévia permitiu que o guião de entrevistas fosse elaborado de uma forma mais concreta e consistente.

A presente dissertação encontra-se norteada segundo três partes, onde se incluem quatro capítulos. A primeira parte destina-se a uma revisão da literatura e, como tal, o primeiro capítulo corresponde a um enquadramento/evolução conceptual da violência autodirigida, onde se encontram noções e evoluções terminológicas de conceitos como autolesão, suicídio e perspetivas de vários autores sobre os fenómenos em questão. Sendo esta uma investigação que tem como foco a perspetiva profissional dos agentes prisionais, o segundo capítulo permitirá ao leitor conhecer os quadros legais e os perfis que são traçados para estes.

2 Dentro do leque de entrevistas do EPCSB masculino, incluem-se profissionais afetos à Clínica de Psiquiatria

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No que concerne à segunda parte, é realizada uma abordagem empírica da investigação que ocorreu em contexto prisional. Assim, no terceiro capítulo serão explicadas questões relacionadas com a metodologia adotada, bem como os objetivos que nortearam o estudo. Chegados ao capítulo quarto, proceder-se-á à apresentação dos resultados, fazendo uma primeira abordagem às duas instituições prisionais onde se procedeu à investigação. A apresentação dos resultados será realizada de acordo com as hipóteses de partida e serão estas que darão o mote para a concretização da terceira parte, onde se encontrarão as questões alvo de discussão e as considerações finais retiradas de todo o trabalho.

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PARTE I: Revisão da Literatura

“Os comportamentos autolesivos sem intenção suicida não devem, todavia, ser desvalorizados, pois pode acontecer que o recluso, não tendo atingido os seus objetivos por este meio, enverede por uma escalada de letalidade crescente, que pode culminar na morte” (Saraiva, 1999, p.421).

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CAPÍTULO I: VIOLÊNCIA AUTODIRIGIDA:

ENQUADRAMENTO/EVOLUÇÃO CONCEPTUAL

Segundo Santos & Moreira (2014b), as prisões albergam populações com características particulares. Neste sentido, a instituição prisional implementa uma conduta mais rígida, sujeitando os indivíduos a “condições e regras opressivas e, por isso geradoras de um intenso e constante stress” (idem, p.418). Contudo, a entrada em contexto prisional, segundo Donald Clemmer (1940), corresponde a um processo de ‘prisionização3’, à assimilação mais ou menos intensa de um código prisional que corresponde a uma conduta gerada de forma informal entre reclusos, permitindo a adaptação e sobrevivência destes em meio prisional. Essa adaptação pode ocorrer de forma positiva ou negativa (Gonçalves, 1993).

A autolesão e o suicídio surgem como comportamentos que podem estar ligados ao stress vivenciado e a toda a normatividade (quer formal quer informal) que o contexto comporta.

Neste sentido, a primeira abordagem ao tema em estudo tem como propósito contextualizar e expor a evolução teórica e etimológica dos conceitos, bem como apresentar estatísticas oficiais, para uma melhor exposição da problemática.

1.1. Comportamentos Autodestrutivos: A problemática em torno de uma multiplicidade de conceitos

Na literatura ainda não existe um termo específico consensualizado para designar um tipo de violência autodirigida. Segundo Borges (2012), há uma falta quer de consenso, quer de conteúdo na literatura no que diz respeito a estes comportamentos. Assim, um dos problemas é definir o fenómeno. Se para este trabalho o termo utilizado é a autolesão, deve ter-se em conta que existem outros termos, com definições semelhantes, como: a automutilação 4 (self-mutilation), autoagressão deliberada (deliberate self-harm), autoagressão (self-harm), corte (cutting), autolesão repetida (repeated self-injury) e

3 Do inglês prisonization.

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comportamento autodestrutivo (autodestructive behavior). Esta diversidade pode existir, também em parte, pelas “diferenças conceptuais de cada cultura” (idem, p.17).

1.1.1. Automutilação, Autolesão e Autoagressão: Evolução Etimológica

Atualmente, o termo mais aceite é autolesão, contudo, em décadas anteriores era definido como automutilação. Neste sentido, torna-se pertinente compreender o que distingue estes dois fenómenos.

As autoras Almeida e Horta (2010), distinguem dois tipos de comportamentos agressivos, isto é, se por um lado existem comportamentos relacionados com práticas e crenças culturais e religiosas5, por outro, temos os que estão associados ao foro psiquiátrico, sendo que é neste segundo que se centra esta investigação. Sabemos que um comportamento autolesivo é patológico ou desajustado quando este não está relacionado com nenhum simbolismo sociocultural/ religioso.

No decorrer da investigação deparei-me com profissionais a designarem, maioritariamente, o fenómeno como automutilação; embora comecem já a surgir alguns que se lhe referem como autolesão. Contudo, em termos de serviços clínicos a autolesão surge como uma variante da autoagressão. Recorrendo novamente a Almeida e Horta (ibidem), a agressão corresponde a um comportamento que pode surgir na forma hétero (contra terceiros) e na forma auto (contra o próprio). Uma autoagressão corresponde a comportamentos contra o próprio por via de autolesões, automutilações, tentativas de suicídio e o próprio suicídio.

Devido à falta de consenso terminológico, as autoras Almeida e Horta (ibidem) fazem uma clara distinção entre automutilação e autolesão. O fator chave de distinção está na gravidade dos atos. Ou seja, se as autolesões são encaradas como lesões corporais moderadas (como: cortes, queimaduras, …) sem qualquer ideação suicida e que o indivíduo tem sobre si próprio; as automutilações correspondem a comportamentos mais graves

5 Por exemplo, “a mutilação genital feminina (MGF), também conhecida por circuncisão feminina, é a

remoção ritualista de parte ou de todos os órgãos sexuais externos femininos. Geralmente executada por um

circuncisador tradicional com a utilização de uma lâmina de corte, com ou sem anestesia …”

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(como: amputação de membros, castrações, …), onde se assiste a uma autodestruição corporal do eu, ameaçando a própria vida.

Procurando definições mais consistentes sobre estes dois fenómenos, realço a definição proposta por Menninger (1935). Este apresenta a automutilação como uma autopunição que permitiria ao indivíduo compensar-se por uma falha cometida que poderia ter uma natureza agressiva ou sexual. Por sua vez, a autolesão é definida segundo Favazza (2009 cit in Borges, 2012, p.10), como:

uma conduta desadequada que, em muitos casos, poderá representar uma tentativa desesperada de cura, de estabilidade social e, em alguns casos, de espiritualidade como também poderá ser entendida como uma forma mórbida de autoajuda, já que fornece um alívio temporário face a sintomas psicopatológicos.

1.1.2. Autolesão em Contexto Prisional

De acordo com Favazza, a autolesão é, igualmente em contexto prisional, vista como um comportamento desadequado. Contudo existem duas formas possíveis para se entender esta problemática: (1) como uma procura de estabilidade social ou (2) como uma forma de manipulação6.

O contexto prisional, para além de se apresentar mais rígido e normativo, é também um ambiente potenciador de stress, tornando os indivíduos mais vulneráveis. Neste sentido, Sykes (1958) apresenta alguns efeitos da reclusão que potenciem comportamentos autoagressivos, sendo eles: (1) privação da liberdade, de bens e serviços, (2) de relacionamentos heterossexuais, (3) de autonomia e da (4) segurança pessoal. Estas privações7 espoletam nos indivíduos sentimentos de medo, insegurança e desconfiança.

6 Este ponto será abordado no tópico 1.1.2.2.

7 É de realçar que algumas destas privações mencionadas em 1958, atualmente já não o são, pelo menos não

na integra (por exemplo, no que diz respeito à privação de relações heterossexuais, hoje em dia, o/a recluso/a pode ter visitas íntimas com o seu companheiro/a).

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De acordo com Alison Liebling (1999), a autolesão é uma estratégia de regulação que necessita de ser acompanhada por mecanismos de coping8. Outros autores completam a visão de Liebling afirmando que a autolesão possibilita ao indivíduo a sua regulação emocional, com base nesses mecanismos, de forma a dar resposta a uma situação ou emoção que esteja a atravessar no momento.

Segundo Saraiva (2014), estes comportamentos seguem um padrão de secretismo que, na maior parte dos casos, está longe de ter uma intenção suicida. Têm como referências sentimentos como a solidão; a tristeza; o tédio e a raiva, sendo que o objetivo deste comportamento é o alívio rápido de estados de angústia.

Assim, Saraiva (2006 cit in Saraiva, 2014, p.11) afirma que os comportamentos autolesivos se encontram “na oscilação entre a fantasia e a realidade, [onde] o sangrar é o alívio”. Com estes comportamentos os indivíduos pretendem baixar a tensão emocional (mais uma vez, a ideia de Alison Liebling, de regulação emocional), pretendendo resolver aquilo que para eles, no momento, corresponde a um sofrimento sem fim e que os deixa angustiados.

Em termos estatísticos, não existem dados oficiais que nos dão conta da dimensão da população prisional a desenvolverem esta prática. Contudo, “só uma fração da população prisional apresenta comportamentos autolesivos sem intenção suicida (…) durante o cumprimento a pena” (Santos & Moreira, 2014b, p.419).

1.1.2.1.Autolesão e Género

Para além de a literatura não ser clara em termos da pluralidade de conceitos, também os estudos realizados se tornam de difícil compreensão, devido aos diferentes resultados obtidos. Por exemplo, embora Lucia Zedner (1995) nos afirme que a automutilação faria parte do quotidiano das prisões femininas, não sendo verificável em contexto masculino, existem estudos realizados anteriores à afirmação, que nos mostram o oposto, ou seja, comprova-se a existência destes em contexto masculino e, pelo contrário, não se constatavam em contexto feminino.

8 “Estratégias de coping, ou enfrentamento, são esforços cognitivos e comportamentais para lidar com

situações de dano, de ameaça ou de desafio quando não está disponível uma rotina ou uma resposta automática” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Mecanismos_de_enfrentamento, consultado em abril de 2017).

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Bárbara Pimenta, em 1992, publicou um livro intitulado por “Prisão de Mulheres”, com base no projeto de investigação9 que realizou em 1987. Entre temas como: drogas, maternidade, violência, castigos, (…) abordou a questão da automutilação. Iniciou esse capítulo e passo a citar: “Engolir pilhas, cruzes, colheres torcidas é um comportamento típico de homens. As mulheres cortam os pulsos ou… bebem lixívia” (Pimenta, 1992, p.81). Recentemente, Borges (2012) afirma que, num panorama geral, 70% dos sujeitos utilizam o corte na pele como o mais comum; embora estes comportamentos não difiram em função do género e das zonas mais afetadas, sendo estas: os braços, as mãos, os pulsos, as coxas e, por fim, o estômago. Entre homens e mulheres, a diferença apenas existe na forma como o indivíduo executa o ato. Ou seja, se por um lado, os homens optam pela via das queimaduras, as mulheres optam, geralmente, pelo corte (cutting).

Com base na investigação que realizei em contexto prisional (feminino e masculino) foi possível compreender que, atualmente, o comportamento que era tipicamente masculino caiu em desuso sendo que o método mais utilizado é semelhante nos dois contextos, ou seja, corte na pele, com lâmina10.

1.1.2.2.AUTOLESÃO: ATO APELATIVO/MANIPULATIVO?

Estes comportamentos autolesivos (com ou sem fins letais) são muitas vezes situados, nomeadamente por parte dos profissionais prisionais, na órbita dos processos de manipulação por parte do recluso para obtenção de algo que pretende, como trocar de cela ou de estabelecimento prisional, por exemplo (Moreira, 2009 e 2010). Contudo, alguns autores têm vindo a chamar à atenção destes para as consequências que este argumento pode ter.

Nomeadamente Saraiva (1999 cit in Saraiva, Peixoto & Bessa, 2014b), diz-nos que a manipulação de hoje pode dar origem, em muitos casos, ao sério do amanhã (há assim

9 Sobre “Noções de Reclusão e Liberdade no interior da prisão”.

10 A lâmina é um material que o/a recluso/a pode ter em sua pose por questões de higiene pessoal. No caso

masculino, utilizam a gilete para fazerem a barba e, no caso feminino, para fazerem a depilação. Quando se pretendem auto lesionar, destroem o utensílio ficando só com a lâmina para se ferirem.

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uma rotulagem11 do recluso, como sendo um ser manipulativo, isto porque a autolesão é considerada um comportamento desviante, por não ir ao encontro das normas institucionais. Uma vez definido este comportamento como um caso de manipulação, torna-se complicado, para o profissional, distanciar-se e trabalhar a questão de outra forma). Neste sentido, não se devem desvalorizar estes comportamentos autolesivos, “pois pode acontecer que o recluso, não tendo atingido os seus objetivos12 por este meio, enverede por uma escalada de letalidade crescente, que pode culminar na morte” (idem, p.421).

Existem, segundo Saraiva (2014) quatro fatores podem originar uma diversidade de interpretações quando se fala em comportamentos autolesivos. Correspondem a reforços positivos e negativos, de cariz automático e social. Segundo Zetterqvist, Dahlstrom & Svedin (2013 in Saraiva, 2014), o reforço automático negativo corresponde a travar sentimentos desagradáveis, por sua vez, o reforço automático positivo é quando o indivíduo pretende relaxar. Relativamente aos reforços sociais, o negativo é quando o indivíduo pretende evitar, por exemplo, certos lugares/locais, enquanto o positivo tem como componente o auxílio, o pedir de ajuda.

Em contexto prisional, segundo os discursos dos profissionais, o reforço que está mais presente é o reforço social negativo, ou seja, muitas vezes, por motivos de dívidas ou desacatos nas alas, os indivíduos cometem comportamentos autolesivos como fuga destes locais, de modo a evitar colegas com quem estão com problemas.

Contudo, “o mais importante é mesmo ouvir o que os doentes usualmente têm para dizer: “prefiro a dor do corpo à dor da alma”” (Saraiva, 2014, p.11).

11 Segundo Becker (1963, p.9), a teoria da rotulagem associada ao conceito de desvio diz-nos que “o desviante

é aquele ao qual este rótulo foi aplicado com sucesso e o comportamento desviante é aquele ao qual a coletividade atribui este rótulo”.

12 Segundo Goffman (cit in Machado, 2008, p. 98) e de acordo com a teoria da rotulagem um dos conceitos

básicos é a negociação que “resulta sempre de uma relação de poder, que implica margens de manobra, tanto da parte do desviante como de quem reage ao desvio”.

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1.2. O suicídio é um objeto transversal a várias ciências.

Segundo dados oficiais da Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio corresponde a cerca de metade das mortes violentas que todos os anos se registam em termos mundiais, tratando-se desde logo de um problema de saúde pública.

Em termos epistemológicos, o fenómeno do suicídio é alvo de estudo por parte de várias ciências, tendo o sociólogo Émile Durkheim iniciado em 1897 uma investigação científica sobre a problemática. Até então, o assunto era debatido através das diferentes impressões que as pessoas tinham sobre o ato.

Segundo Albert Camus, “o suicídio é a grande questão filosófica do nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental da filosofia13”. Assim, “o suicídio é um fenómeno complexo e multifacetado fruto da interação de fatores de ordem filosófica, antropológica, psicológica, biológica e social” (DGS, 2013, p.3).

Nos tópicos que sucedem, pretende-se explanar a evolução terminológica deste fenómeno, bem como enquadrá-los em termos do contexto prisional.

1.2.1. Autores e respetivas definições de Suicídio

Procurando definir o fenómeno, atendendo à perspetiva de vários autores, Émile Durkheim diz-nos que corresponde a uma “morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo cometido por um indivíduo que conhecia o resultado desse comportamento” (Saraiva, Peixoto & Sampaio, 2014a, p.42).

Por sua vez, Erwin Stengel, define-o como um “ato de autolesão fatal” (ibidem). Vaz Serra diz-nos que, em Portugal, o suicídio corresponde a uma “autodestruição por um ato deliberadamente realizado para conseguir esse fim” (ibidem). Edwin Shneidman, considerado como o pai da suicidologia14, caracteriza o fenómeno como sendo um “ato consciente de autoaniquilação induzida, mais bem compreendido como uma doença

13http://www.sparknotes.com/philosophy/sisyphus/section1/page/3/ , consultado em maio de 2017. 14 Existe em Portugal, a Sociedade Portuguesa da Suicidologia (SPS), consultar http://www.spsuicidologia.pt/.

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multidimensional num indivíduo carente que entende o suicídio como uma maneira de resolver o problema” (ibidem).

Nos anos de 1986 e 1998, trabalhos realizados pelo Organização Mundial de Saúde (OMS), em Copenhaga e Genebra, respetivamente, o suicídio é caracterizado como um ato deliberado, com um desfecho fatal, sendo que o indivíduo conhecia as consequências desse mesmo ato.

David Mayo (1992 in Saraiva, Peixoto & Sampaio, 2014a) apresenta quatro elementos-chave para a existência do suicídio, sendo eles: (1) tem de existir a morte; (2) que tem de ser cometida pelo próprio indivíduo; (3) esta morte pode ocorrer de forma ativa ou passiva e (4) implica, obrigatoriamente, a intencionalidade de colocar termo à vida.

Por sua vez, Nock; Nock e Favazza (2009 e 2010 in Borges, 2012) salientam que o suicídio tem por base três paradigmas: (1) ideação suicida (pensamento que o indivíduo tem em colocar termo à vida); (2) plano suicida (quando o indivíduo idealiza os métodos pelos quais quer ou pretende colocar termo à vida) e (3) tentativa de suicídio (quando o indivíduo implementa comportamentos que lhe são prejudiciais e que têm como intenção colocar termo à vida).

Apesar de em contexto prisional estar, desde 2009, implementado o Programa Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS)15, existe igualmente, um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (PNPS), que decorre desde 2013 até 2017, onde o fenómeno é descrito como uma “morte provocada por ato levado a cabo pelo indivíduo com intenção de pôr termo à vida” (idem, p.44).

1.2.2.SUICÍDIO EM CONTEXTO PRISIONAL:EFEITOS DA RECLUSÃO

Quando abordamos questões como a autolesão e o suicídio, devemos ter em conta os fatores de risco que estão subjacentes às problemáticas. Só assim é possível trabalhar questões de intervenção em grupos de risco, como é o caso da subpopulação presente em contexto prisional. Neste sentido, a Direção Geral de Saúde (DGS), ao elaborar o PNPS,

(30)

28

categorizou os fatores de risco em: (1) individuais; (2) socioculturais e (3) situacionais. A tabela que se segue apresenta esses mesmos fatores de risco.

Categorias

Individuais Socioculturais Situacionais

Idade Estigma, valores culturais e atitudes

Desemprego

Sexo Isolamento Social Acesso a meios letais Estado Civil Barreiras no acesso aos

cuidados de saúde

Acontecimentos de vida negativos recentes Profissão Influência nos media

Resiliência Urbana/Rural Comportamentos autolesivos e Tentativas de Suicídio anteriores Perturbação Mental Resiliência e Vulnerabilidade da personalidade Doenças Físicas História Familiar Fatores Neurobiológicos

(31)

29

Fatores como a idade, o sexo, o estado civil e a perturbação mental serão retratados no subtópico seguinte (1.2.2.1. Suicídio e Género: Perfis) a partir de Alison Liebling, onde será visualizada uma forma diferente de categorizar, por exemplo, o estado civil e a perturbação mental que, para Liebling, são fatores sociais e não individuais.

Relativamente aos fatores categorizados como socioculturais, em contexto prisional, o isolamento social pode ser entendido de duas formas: (1) isolamento social externo16 e (2) isolamento social interno. Quando Gonçalves (1993) refere a boa e a má adaptação ao contexto prisional, podemos refletir sobre a questão de que, em parte, a boa adaptação do recluso ao contexto também pode ser má, na medida em que, para ser realmente boa, este tem de se integrar em grupos já estruturados e obedecer a um código oculto estipulado entre reclusos. Neste sentido, a pressão do grupo (para pertencer ou por já estar integrado e não se identificar, por exemplo) pode espoletar comportamentos autolesivos ou suicidários.

Em termos situacionais, o fator “acesso a meios letais” em contexto prisional torna-se uma problemática muito acentuada, na medida em que, mesmo quando os objetos cortantes lhes são retirados por proteção, o recluso se realmente o quiser fazer, arranja uma outra via de obtenção, que resulta, por exemplo, de trocas de objetos ou de empréstimos de lâminas (material mais utilizado na autolesão) entre reclusos. Dos dois estabelecimentos prisionais em estudo, era no contexto feminino que a retirada dos objetos suscetíveis de autolesão funcionava com mais sucesso. Isto porque, tratando-se de um edifício relativamente novo e onde ainda não se faz sentir tanto a sobrelotação, as reclusas habitam, maioritariamente, em celas individuais. Neste sentido, quando se dá o alerta para a retirada dos objetos cortantes, é aberta a cela e todo o material que puder ser utilizado para esse fim, é retirado até ordem em contrário (pelo menos enquanto o risco ainda estiver presente). Claro está que isto não impede que não obtenha o material por outras reclusas, mas a vigilância é mais fácil e eficaz porque a reclusa está sinalizada e é seguida mais de perto.

Apesar de os fatores de risco entre população geral e a subpopulação prisional serem semelhantes, ao contexto prisional acrescenta-se uma particularidade, que os autores Saraiva, Peixoto e Sampaio (2014b, p.415) descrevem como uma convergência de três elementos, sendo eles: (1) a privação de liberdade; (2) meio gerador de violência hétero e autodirigida e (3) vulnerabilidade da população prisional. Segundo estes autores, esta

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30

prática associa-se “geralmente a reclusos depressivos, com constrição cognitiva, que perderam a esperança e não conseguem perspetivar outra saída para o seu sofrimento que não a morte” (idem, p.421).

De acordo com Heney (1996), é devido a esta perda que muitas reclusas têm comportamentos quer autolesivos quer suicidários, na medida em que estas perdas potenciam o stress que se traduz na “incapacidade de adaptação e aquisição do seu novo estatuto (…) [e consequente,] ocorrência de comportamentos suicidários” (Haycock, 1986

cit in Moreira, 2010, p.57). Neste sentido, segundo Goring (1913), o desejo de morrer

aumenta em indivíduos que se depararam com o contexto prisional e com toda a tensão e stress que este contexto comporta.

Pese embora a necessidade de intervir nos fatores de risco, diminuindo-os, existem fatores de proteção que devem ser trabalhados, potenciando reforços positivos de regulação emocional, valorização pessoal e de sentimentos de pertença a grupos, onde se incluem os familiares.

Na tabela seguinte, encontramos os fatores de proteção que a DGS considera serem alguns dos fundamentais.

Categorias

Individuais Familiares Sociais

Capacidade de resolução de problemas e conflitos; Bom relacionamento familiar; Ter emprego; Iniciativa no pedido de ajuda;

Suporte e apoio familiar; Facilidade de acesso aos serviços;

Noção de valor pessoal; Relação de confiança; Articulação entre os serviços de saúde com instituições de serviço social e comunitário;

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31 Abertura para novas

experiências e aprendizagens; Valores Culturais; Estratégias comunicacionais desenvolvidas;

Pertença a uma religião;

Empenho em projetos de vida;

TABELA Nº2:FATORES DE PROTEÇÃO (DGS,2013, P.50)

Em contexto prisional, é notório o distanciamento que se vai criando entre as famílias e os reclusos durante o cumprimento da pena, sendo necessário trabalhar para o fortalecimento destas relações. O facto de terem uma ocupação laboral também ajuda a terem o tempo ocupado. Como na altura me disse um guarda prisional (por outras palavras, mas com a mesma ideia) “se estiverem ocupados, não pensam no que não devem17”.

No que concerne ao fator “capacidade de resolução de problemas e conflitos”, na categoria de individuais, o contexto prisional pode repensar a sua forma de trabalhar este aspeto. Após estar em contacto direto com os profissionais e com as suas expetativas, estes expuseram-me sentimentos de frustração por apenas conseguirem trabalhar para o indivíduo, em prol das necessidades e vontades destes, mas não com eles18.

1.2.2.1.SUICÍDIO E GÉNERO:PERFIS

Liebling (1994) afirma que, “a maioria dos estudos têm-se centrado na busca de um perfil que enumera determinadas características associadas com o suicídio, mas nenhum explica essa conexão”, por exemplo, alguns autores traçaram um perfil de recluso suicidário, caracterizando-o como “homem branco, com 22 anos de idade, preso por um

17 Referindo-se claramente a fenómenos de autolesão e/ou pensamentos suicidários.

18 Relacionando com comportamentos autolesivos/suicidários, foram vários os profissionais a referir que, por

exemplo, quando lhes é negado o acesso imediato aos serviços clínicos, o/a recluso/a recorre à autolesão a fim de cumprir o seu interesse/objetivo de ir efetivamente aos serviços em questão.

(34)

32

crime relativamente pouco grave, não envolvendo violência” (Moreira, 2010, p.54), contudo, não há indicação de um perfil suicida feminino, nem explicam de que modo é que o suicídio pode ter ligação com o padrão comum de um jovem ocidental19.

Em 1992, Liebling através de características demográficas e sociais, traça um perfil suicidário que tem como objetivo a previsão e prevenção de futuros suicídios em contexto prisional. Neste sentido, como características demográficas apresenta:

1. Idade: destaca os adolescentes como os mais vulneráveis ao fenómeno, sendo que Kennedy (1984), num dos seus estudos, afirma que as idades de risco20 são compreendidas dos 20 aos 30 anos.

2. Género: em contexto prisional, existem poucos estudos com amostras femininas (talvez pela reduzida taxa de mulheres recluídas). Contudo, na população em geral, o homem comete 2 a 4 vezes mais o suicídio, isto porque a mulher tenta-o ctenta-om méttenta-odtenta-os mententa-os letais, ctenta-omtenta-o: tenta-overdtenta-oses atenta-o invés de armas e estrangulamentos.

3. Etnicidade: Liebling, apoiando-se num estudo realizado por Scott-Denoon, (1984) revela que questões associadas à origem étnica são fatores com pouco relevo para estabelecer uma hipótese ou perfil suicidário.

Relativamente às características sociais:

4. Estado Civil: quer em contexto prisional, quer na população em geral, o grupo mais vulnerável são as pessoas solteiras (divorciados, viúvos, …). Segundo Saraiva, Peixoto e Bessa (2014), as relações/casamentos são vistas como um nicho de segurança21.

5. Fundo Psiquiátrico: Questões como consumo abusivo de álcool, histórias de vida ligadas a comportamentos autolesivos ou suicidários, consumo de drogas e

19 Em termos estatísticos, só a partir do ano 2009 é que os dados oficiais das taxas anuais de suicídio em

contexto prisional começam a ser apresentadas segundo o género, distinguindo assim homens e mulheres (tanto para portugueses como para estrangeiros). Consultar tabela nº3: número de suicídios ocorridos em contexto prisional português entre os anos 2009 e 2016.

20 Na população geral, as taxas de suicídio em termos de idade são compreendidas entre os 15 e os 44 anos. 21 Corresponda a uma Rede de Apoio Social, que permite ao indivíduo estar integrado socialmente.

(35)

33

isolamento social, são fatores que aumentam o risco suicida no individuo. A depressão também representa um fator de risco.

Num estudo realizado entre 1902 e 1911, Smalley (1911) observa o fenómeno do suicídio a partir da premissa do crime que o indivíduo cometeu, afirmando que o suicídio não pode ser trabalhado apenas segundo a hipótese de insanidade do indivíduo. Neste sentido, alerta que o facto de um indivíduo cometer um crime de forma impulsiva, pode induzir que o mesmo comporte algum tipo de doença mental.

Em contexto português, o período em que existe uma maior predisposição do indivíduo para cometer um ato suicida decorre nos seus primeiros dias de reclusão, podendo manter-se até ao primeiro ano e meio de cumprimento da pena. Moreira (2010, p.54) afirma que “68,8% dos reclusos cometem o suicídio durante este período, 11,7% dos quais nos primeiros dias de reclusão”. Sendo ainda que,

a tipologia do suicida prisional em Portugal encontra-se bastante vincada. (…) este trata-se, na sua maioria, de um recluso do sexo masculino, mais jovem, solteiro ou divorciado e recém-condenados. O facto de ser jovem torna-o mais vulnerável atorna-o risctorna-o de ideaçãtorna-o suicida, uma vez que não possui tantos recursos quer a nível interno, quer externo (Santos, 2013, p. 10).

Contudo, a prevenção em contexto prisional “implica atuar não apenas sobre o indivíduo e as suas fragilidades, mas também sobre o meio e mecanismo carcerário” (Saraiva, Peixoto & Sampaio, 2014b, p.423).

1.2.2.2.PLANO INTEGRADO NA PREVENÇÃO DO SUICÍDIO

De acordo com o que foi dito anteriormente, a nível nacional encontra-se implementado um plano de prevenção do suicídio, PNPS, que teve a sua origem em 2013. O PNPS é composto por duas fases, com distribuição temporal. Isto é, a primeira fase decorreu no primeiro ano de implementação do plano (2013/14), sendo que a segunda é de 2014 a 2017. Em termos populacionais, para além da intervenção junto da população em

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34

geral, especificam-se os seguintes grupos de risco: profissionais de saúde; adolescentes; população idosa; população prisional; forças de segurança; lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais/transgéneros (LGBT) e pessoas com deficiência intelectual (DGS, 2013).

Muito embora no PNPS estejam elencadas medidas gerais e específicas de como prevenir o suicídio em contexto prisional, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) dispõe de um Programa Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS), também ele já mencionado em fases anteriores.

O PIPS22 surge como resposta à problemática que tem vindo a ser definida, desde o risco/vulnerabilidade dos reclusos ao suicídio, em contexto prisional. Entre os períodos de 1983 a 2008, os dados oficiais23 divulgados sobre os suicídios em contexto prisional, expressavam a necessidade de intervir sobre o fenómeno e, neste sentido, surge o PIPS, implementado desde 2009.

O seu objetivo visa “o enfoque sobretudo ao nível da resiliência interna dos indivíduos que revelam maior risco no cometimento do ato suicidário ou que façam parte dos grupos particularmente vulneráveis ao cometimento do ato suicídio” (DGSP, 2009, p.9).

Tendo em conta estes indivíduos ou grupos vulneráveis, o programa apresenta os grupos-alvo de intervenção em três categorias: (1) reclusos/as com uma história de vida com adoção de pensamentos e comportamentos com intenção suicidário (no interior ou exterior do contexto); (2) reclusos/as que pertencem a grupos vulneráveis e com risco de cometerem atos suicidários, dentro do próprio contexto prisional e (3) reclusos/as com pensamentos autodestrutivos (não apresentam a intenção de colocar termo à vida mas é considerado um comportamento de risco). Relativamente à estratégia de prevenção do suicídio, adotada pelo PIPS, podemos observar, através de um esquema-síntese (disponível no manual do programa), que este se divide em duas fases/dois níveis.

De seguida, poderá observar-se a imagem nº1 que expõe de uma forma gráfica a estratégia integrada do PIPS, a nível Local.

22 Segue as bases do Plano Preventivo Multidimensional, dos EUA, adaptando toda a informação e

instrumentos da National Center on Institutions and Alternatives (NCIA) ao contexto português (Hayes, 2005).

23 Entre os anos 2000 e 2008, o número total de suicídios em contexto prisional foi de 125 (DGRSP cit in

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35

IMAGEM Nº1:ESTRATÉGIA INTEGRADA DE PREVENÇÃO DO SUICÍDIO –NÍVEL LOCAL

(DGSP,2009, P.32).

O nível I tem por base detetar os sinais/sintomas de alerta e proceder, caso exista algum caso suspeito (presença de risco de ideação suicida) ou quando se dá o próprio ato suicida. O nível II dá continuidade ao nível I, através de profissionais com

uma formação específica em suicidologia, e implementa o PIPS numa fase de alojamento do recluso e não apenas no seu ingresso (observável no nível I).

No quadro de avaliação do recluso, “o momento de início de reclusão é a fase oportuna para fazer a deteção precoce de sinais e sintomas de alerta de risco de suicídio/vulnerabilidade ao ato suicida perpetuado intramuros” (idem, p.13).

Dentro do programa encontramos grupos de trabalho que foram constituídos internamente, como se pode constatar pela imagem nº2, que será exposta de seguida.

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36

IMAGEM Nº2: ORGANIGRAMA DE ESTRATÉGIA INTEGRADA DE PREVENÇÃO DO

SUICÍDIO –NÍVEL NACIONAL (DGSP,2009, P.32)

Estas equipas têm como objetivo “estudar e construir o(s) instrumento(s)/ procedimento(s) mais adequados a adotar” (ibidem). Independentemente destes grupos, existem as Equipas de Observação Permanente (EOP) que coordenam o programa de norte a sul. A nível nacional, o Conselho de Prevenção do Suicídio (CNPS) destaca três Grupos de Operacionalização Regional (GOR), um a norte, outro no centro e a sul de Portugal. Cada grupo subdivide-se em serviços específicos, que são: (1) Serviços de Vigilância; (2) Serviços de Educação e Ensino e (3) Serviços Clínicos.

Na altura do seu ingresso, o recluso é avaliado, passando por um conjunto de procedimentos. No que concerne aos Serviços de Vigilância, o rastreio/sinalização é realizado segundo uma check List de Alerta. Este procedimento deve ser efetuado antes do recluso entrar em zona prisional (de preferência a par da ficha de entrada, momento de ingresso). Este método é implementado com todos os reclusos, independentemente da sua situação jurídica. O objetivo deste procedimento é “aferir o grau de risco suicidário/vulnerabilidade ao cometimento do ato suicida” (idem, p. 16).

Dentro deste nível I e depois do recluso realizar esta check list de alerta, fazem uma avaliação mais densa do risco. Esta avaliação é feita segundo a

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37

estratégia/procedimento de Intake Screening24. Este procedimento acaba por ir ao encontro do anterior, ou seja, “identificar o risco suicidário/vulnerabilidade ao cometimento do ato suicida por parte da população reclusa recém-entrada25”.

Contudo, “este instrumento convoca uma maior densidade técnica, pretendendo objetivar comportamentos para-suicidários que possam ser relevantes para uma prevenção mais apropriada” (idem, p.17).

De modo a finalizar os procedimentos do nível I, realizam um diagnóstico, que consiste numa avaliação clínica do recluso. Neste âmbito, todos os procedimentos vão ao encontro do Manual de Procedimentos para Prestação de Cuidados de Saúde. Sumariamente, é realizada uma consulta médica de admissão (num prazo máximo de 3 dias/ primeiras 72 horas) e “sempre que se verificar necessário, o recluso é referenciado para outras especialidades, de acordo com a sua patologia” (idem, p.18).

Em suma, cada um dos instrumentos/procedimentos visa identificar o risco suicidário/vulnerabilidade ao ato suicida por parte dos (as) reclusos (as)/ detidos (as) entrados (as) e, por decorrência, antecipar o grau de responsividade necessário e adequado para cada recluso (a)/detido (a) (idem, p.15).

De seguida, depois de passar por estes procedimentos e, de acordo com a fase de avaliação, a Equipa de Observação Permanente (EOP), já numa fase de alojamento e com a intervenção dos Serviços de Educação e Ensino e os Serviços Clínicos, classificam os resultados em graus, que podem ser de:

1. Baixo Risco: corresponde ao regime comum, onde não existem dados que comprovem que seja necessário, o recluso ser incluído no PIPS.

2. Médio Risco: quando o recluso se apresenta neste grau, deve/tem que ser alojado na Unidade Residencial de Gestão do Risco (URGR), sendo integrado no PIPS. Posteriormente e consoante a avaliação obtida com o programa, pode: (1) ou ser recolocado no regime comum, sob supervisão (na medida em que o seu grau passa a ser de Baixo Risco); (2) pode manter-se na URGR, ou

24 Anexo número 1: Intake Screening

25 “Quer no ingresso do recluso(a)/detido(a) no sistema prisional [ou] por efeito de um processo de

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seja, no grau de Médio Risco ou (3) ser direcionado para o grau de Elevado Risco.

3. Elevado Risco: é quando o recluso é encaminhado para o internamento, podendo ser alojado no Hospital Prisional São João de Deus, no Hospital Geral ou numa Clínica de Psiquiatria.

Contudo, a questão do suicídio continua a estar muito presente no contexto prisional, com alguns altos e baixos ao longo dos anos, como nos comprova a seguinte tabela:

Causa da morte: Suicídio

Ano

Homens Mulheres

Portugueses Estrangeiros Portuguesas Estrangeiras

2009 15 1 - - 2010 15 3 1 - 2011 8 - - - 2012 15 1 - - 2013 10 1 2 - 2014 18 1 3 - 2015 10 - 1 - 2016 8 1 - - Subtotal: 99 8 7 0 Total: 114 suicídios

Tabela nº3: Número de suicídios ocorridos em contexto prisional português entre os anos de 2009 e 2016

Em Portugal, entre 1990 e 200726, as estatísticas prisionais deram conta da ocorrência de 259 suicídios em contexto prisional, sendo que os anos com menos registos foram 1993 e 2005, com 7 e 9 suicídios, respetivamente (Moreira, 2009). Na sequência da divulgação destes dados reconhece-se a necessidade de intervenção no problema e, neste

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sentido, surge o Programa Integrado de Prevenção do Suicídio, implementado em Portugal desde 2009. Uma das causas para a sua implementação deve-se ao facto de os suicídios consumados gerarem uma perturbação significativa na população reclusa. Os reclusos e reclusas sentem revolta e injustiça por aquilo que poderia ter sido feito de diferente, de modo a evitar o fim trágico (Moreira, 2009).

Com a implementação do programa, as estatísticas pouco se alteraram, como podemos observar pelos dados divulgados entre os anos de 2009 e 2016. O total de suicídios em contexto prisional português foi de 114 (99 homens portugueses, 8 homens estrangeiros e 7 mulheres portuguesas), registando um pico nos anos 2010 e 2014, com 19 e 22 suicídios, respetivamente. O ano com um menor registo foi em 2011, com 8 mortes por suicídio.

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1.3. Autolesão e Suicídio: fenómenos relacionados?

Em termos de relações terminológicas, tanto a autolesão é definida segundo a ideia de um comportamento autoagressivo de cariz suicidário (com o objetivo de colocar termo à vida), como o suicídio é encarado como uma autolesão fatal. Estes fenómenos relacionam-se quando o objetivo é, efetivamente, colocar termo à vida.

Smith, Cox e Saradijan (1998), afirmam que a ligação entre os fenómenos como autolesão e (tentativa de) suicídio não passa de uma crença, de um mal-entendido, até porque a percentagem de suicídios que ocorre por via da autolesão é diminuta.

Os mesmos autores explicam que, embora a autolesão crie marcas/ferimentos diretos no corpo, esses não são prejudiciais ao ponto de colocarem em causa a vida do indivíduo. Assim, “a autolesão continua o discurso da vida de uma pessoa, enquanto que uma tentativa de suicídio separa uma pessoa desse discurso, removendo o indivíduo da consciência e do ser” (idem, p.13).

Apesar de alguns autores apresentarem a autolesão como uma forma de alívio de uma dor psicológica/angústia e de o suicídio surgir como a única e última alternativa para uma dor insuportável, a efetiva correlação que se pode realizar sobre estes fenómenos é quando a autolesão toma proporções superiores, com ferimentos profundos e que levam à perda dos sentidos, podendo culminar na morte do indivíduo, por falta de assistência, por exemplo.

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CAPÍTULO II: CONTEXTO PRISIONAL - PROFISSIONAIS PRISIONAIS

Para o projeto de investigação em causa foram tidos em conta discursos de profissionais de setores/serviços como os de Educação, Técnicos Superiores de Reeducação (TSR) e os de Vigilância, nomeadamente Corpos de Guardas prisionais dos Estabelecimentos Prisionais de Santa Cruz do Bispo masculino (EPSCB masculino) e feminino (EPSCB feminino).

No capítulo II, contexto prisional – profissionais prisionais, proceder-se-á à categorização do perfil legal destes profissionais. Recorrendo à literatura e a documentos legais, nomeadamente decretos-lei, será realizada uma exposição do perfil delineado para estes profissionais, bem como as suas respetivas funções.

Uma vez que “o suicídio neste meio representa um fator de convulsão interna, afetando não só a instituição e a sua imagem pública, os guardas e outros funcionários, mas também os reclusos” (Saraiva, Peixoto & Sampaio, 2014b, p.415) e como “não existem indicadores sistemáticos e suficientemente fiáveis relativos às tentativas de suicídio e aos comportamentos [autolesivos]” (idem, p.417), torna-se fundamental dar voz a estes profissionais que lidam diariamente com a população reclusa, independentemente das suas funções,. Até porque, “prevenir o suicídio neste contexto implica atuar não apenas sobre o indivíduo e as suas fragilidades intrínsecas, mas também sobre o meio e mecanismo carcerários” (idem, p.423).

2.1.O PAPEL DO TÉCNICO SUPERIOR DE REEDUCAÇÃO

Atendendo ao Decreto-Lei 346/91, de 18 de setembro27, os Técnicos de Educação que pertencem aos quadros de pessoal da DGRSP, do Ministério da Justiça, com a designação de Técnicos Superiores de Reeducação, devem ser detentores, sem exceção, do grau de habilitação de licenciado, correspondente ao curso superior de Serviço Social ou

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habilitação equiparada (onde se incluem, por exemplo, as Ciências da Educação, a Psicologia e a Sociologia).

Procurando conhecer os requisitos e as funções que são esperadas por parte de um TSR, e consultando os concursos públicos que surgiram mais recentemente, pode constatar-se que um TSR tem

funções de natureza consultiva, de estudo, planeamento, programação, avaliação e aplicação de métodos de natureza técnica e ou cientifica que fundamentam e preparam a decisão, (…), nomeadamente as inerentes à organização, planeamento, programação e controlo em matéria de educação, ensino, formação profissional e atividades socioculturais destinadas a reclusos28.

De acordo com o decreto já mencionado, 346/91 de 18 de setembro, a principal função de um TSR é, para além do trabalho burocrático, o acompanhamento e melhoria das capacidades pessoais, académicas e laborais de cada recluso. No projeto de investigação em questão, foi possível entrevistar seis técnicos (TSR) e uma das questões passava por compreender a forma como estes se organizam entre o trabalho burocrático e o atendimento/acompanhamento individual/presencial.

Num leque de 6 técnicos, do EPSCB masculino e EPSCB feminino, embora alguns técnicos se consigam organizar de forma a repartir de forma igualitária o seu trabalho, a ideia geral é que o trabalho burocrático se sobrepõe ao trabalho de intervenção. Segundo uma TSR:

nós andamos sempre em S.O.S. e, portanto, eu gostava muito de poder dizer assim “vou programar o meu trabalho, amanhã vou (o que acontece muitas vezes), (…), vou para lá de manhã e toda a manhã fico lá disponível”, aliás eu devia estar meio dia (…) pelo menos, ou de manhã ou de tarde. Nem consigo fazer isso porque o trabalho burocrático, é tanto papel que nós somos absorvidos e muitas vezes ando ao

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reboque dos pedidos deles… ou de me apanharem aí (risos) mas ainda bem que eles o fazem de vez em quando, realmente, é-é somos poucos técnicos (…)

Como podemos observar, através desta citação ilustrativa, os TSR trabalham em função das necessidades, alertando que esta falta de organização se deve ao facto de existirem poucos técnicos para o número de pessoas recluídas nos estabelecimentos29 e, depois, porque existem prazos que são estabelecidos por outras entidades, como tribunais, por exemplo, e que são para cumprir, relativos a relatórios, a planos, … Assim, o trabalho de intervenção acaba por surgir quando solicitado pelo recluso/a por algum motivo ou problema que este queira ver resolvido.

2.2. O papel do/a Guarda Prisional

Atendendo ao decreto-lei nº 3/2014, de 3 de janeiro, um indivíduo que pretenda concorrer a Guarda Prisional necessita de ter como requisitos de admissão ao concurso de ingresso:

1) ter no mínimo 21 anos e máximo de 28 anos;

2) para candidatas do sexo feminino, ter no mínimo 1,60m e para os candidatos do sexo masculino, 1,65m;

3) robustez física, boa constituição e boa aparência exterior;

4) considerado apto para todo o serviço militar (requisito exclusivo para candidatos do sexo masculino);

5) inexistência de sanções disciplinares graves, bem como condenações penais anteriores;

6) ter como habilitação mínima o 12º ano de escolaridade.

Procurando conhecer as funções que são esperadas por parte de um/a Guarda Prisional,

29 No EPSCB masculino existem 6 TSR (2 para a Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental, 3 para o regime

comum e 1 para a CASA); por sua vez, no EPSCB feminino existem 2 TSR, que dividem entre sio número total de reclusas.

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44

Art.º. 7.º

Competência genérica do pessoal do corpo da guarda prisional 1- Ao pessoal do corpo da guarda prisional compete, genericamente:

a) Exercer vigilância sobre toda a área das instalações afetas aos serviços durante o serviço diurno ou noturno que lhe competir por escala;

b) Observar os reclusos nos locais de trabalho, recintos ou zonas habitacionais, com a discrição possível, a fim de detetar situações que atentem contra a ordem e segurança dos serviços ou contra a integridade física e moral de todos os que se encontrem no estabelecimento;

c) Manter relacionamento com os reclusos em termos de justiça, firmeza e humanidade, procurando, simultaneamente e pelo exemplo, exercer uma influência benéfica;

d) Colaborar com os demais serviços e funcionários em tarefas de interesse comum, nomeadamente prestando, de forma exata, detalhada e imparcial, as informações que forem adequadas à realização dos fins de execução da pena, da prisão preventiva e das medidas de segurança;

e) Transmitir imediatamente ao superior hierárquico competente as petições e reclamações dos reclusos;

f) Participar superiormente, e com a maior brevidade, as infrações à disciplina de que tenha conhecimento;

g) Acompanhar e custodiar os reclusos que sejam transferidos ou que, por outro motivo, se desloquem ao exterior do estabelecimento prisional; h) Capturar e reconduzir ao estabelecimento prisional mais próximo reclusos

evadidos ou que se encontrem fora do estabelecimento sem autorização; i) Prestar assistência e manter segurança e vigilância durante o período de

visita aos reclusos, bem como verificar e fiscalizar os produtos ou artigos pertencentes ou destinados aos mesmos;

j) Desenvolver as atividades necessárias ou úteis para um primeiro

acolhimento dos reclusos, esclarecendo-os sobre as disposições legais e regulamentares em vigor no estabelecimento.

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Tabela nº4: Competência genérica do pessoal do corpo da guarda prisional30

De acordo com as competências acima referidas, “duma maneira geral, [os/as guardas prisionais] são responsáveis por zelar pelo cumprimento das instruções gerais dadas às reclusas” (art. 14º do Regulamento do Corpo de Guardas em Serviço in Cunha, 1994, p.81).

No projeto de investigação em questão, foi possível entrevistar 14 guardas prisionais, 7 do sexo masculino e 7 do sexo feminino, do EPSCB masculino e do EPSCB feminino. Com o desenrolar das entrevistas surgiu, entre outras, a questão da valorização desta carreira profissional.

Segundo um testemunho recolhido por Cunha (idem, p.84), “as pessoas não fazem ideia do que é ser guarda. Ser guarda não é só abrir e fechar portas”. Hoje em dia, este discurso mantem-se, sendo que alguns guardas chegam mesmo a afirmar que a desvalorização da sua profissão não passa pela população em geral, até porque as pessoas acham arriscado; sentem mais a desvalorização por parte do sistema/direção (referindo à DGRSP). Explicam que esta desvalorização se deve ao facto de esta ser constituída por pessoas que não são da farda e não conhecem verdadeiramente o contexto, sendo que esta falta de conhecimento leva à desvalorização do “serviço”, e à consideração que a função de um guarda é “abrir e fechar portas”31.

Contudo, na perspetiva feminina a ideia prevalece e quem o adianta é uma Guarda Prisional do EPSCB feminino, com uma experiência de 10 anos, que ao ser questionada sobre a desvalorização da sua profissão revela que “hmm, sim, é verdade”. Prossegui perguntando se o sentia apenas com os civis exteriores ao sistema e a mesma revela que, “sim, sim, tudo, mas eu penso que, que no momento em que estamos, nesta conjuntura que é mais uma crise social, que todos os elementos, seja Guarda Prisional, seja GNR, PSP, que acabam por sentir isso (pausa) mas nós aqui, acho que sim (…)”.

30http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=214&tabela=leis, acedido em julho de 2017 31 Ideia extraída de entrevistas realizadas a guardas prisionais masculinos às quais não foram autorizadas

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Ainda questionada sobre a ideia de ser apenas quem abre ou fecha celas, prossegue afirmando que,

É, a maior parte da noção que as pessoas têm é isso, não conhecem exatamente o trabalho que fazemos cá e depois há aquele, aquela linha que separa a nossa profissão dos técnicos, mas que ao mesmo tempo, por incapacidade de recursos humanos que acaba por ter todos os EP’s de Portugal, o Guarda Prisional tem que fazer (…).

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CAPÍTULO III: METODOLOGIA

As investigações anteriores colocam o foco principal no suicídio consumado e em quem o pratica, procurando testemunhos de reclusos que tenham tido comportamentos suicidários. Deslocando o enfoque dos/as reclusos/as para os profissionais que com eles/as contactam em contexto prisional, esta investigação tem como intuito compreender o modo como estes profissionais, inseridos no próprio meio, percecionam esta prática e procuram lidar com a mesma.

Como tal, reserva-se o capítulo III para expor não só os objetivos que nortearam todo o estudo, como também a metodologia adotada em todo o processo, apontando, de igual modo, as suas limitações e os procedimentos no terreno. Para finalizar será realizada uma caracterização dos entrevistados, nomeadamente em termos de carreira profissional, habilitações literárias, idades e outros dados relevantes.

3.1.Objetivos do estudo

Para este estudo, existe um objetivo principal que tem vindo a ser referido em partes anteriores, que consiste em compreender junto dos vários profissionais prisionais (desde Guardas Prisionais, Técnicos Superiores de Reeducação e membros do corpo clínico) de que forma é que estes percecionam e lidam com os comportamentos (autolesivos/suicidários) e se o fazem de forma diferenciada consoante o género de pessoas recluídas.

Paralelamente a este objetivo, surgem tópicos/hipóteses que nos permitirão conhecer ou compreender os resultados de uma forma mais concisa. Essas hipóteses são:

1. Compreender de que forma os profissionais percecionam os comportamentos suicidários e lidam com a questão do suicídio;

2. Perspetivar os significados que são atribuídos às práticas e ao modo como classificam os reclusos e reclusas com comportamentos suicidários;

3. Compreender se as estratégias e mecanismos de coping a implementar estão associadas a uma dimensão de género e se são diferentes em função do género;

Imagem

Tabela nº3: Número de suicídios ocorridos em contexto prisional português entre os  anos de 2009 e 2016
Tabela nº 5: Cronograma de Atividades do Projeto de Tese: "Autolesão, Suicídio e  Género em Contexto Prisional: a perspetiva dos profissionais prisionais”
Gráfico nº1: Caracterização dos Entrevistados  –  Parte I - Geral
Gráfico nº 2: Caracterização dos Entrevistados  –  Parte II  –  TSR
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Referências

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