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Contributo das TIC para o ensino-aprendizagem na disciplina de História

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Academic year: 2020

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DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR TERCEIROS

Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas as regras e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de autor e direitos conexos. Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo indicada.

Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em condições não previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do RepositóriUM da Universidade do Minho.

Licença concedida aos utilizadores deste trabalho

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações CC BY-NC-ND

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DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.

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Contributo das TIC para o ensino-aprendizagem na disciplina de História RESUMO

As escolas públicas do Estado do Rio Grande do Sul estão desatualizadas em Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). As salas de aulas atuais continuam sem recursos eletrônicos, baseadas no sistema de ensino do século passado, usando o quadro verde e giz. O que a escola possui são computadores em laboratório para pesquisa com acesso à internet e alguns equipamentos portáteis, instalados para um período determinado de aula, sendo depois retirados e guardados novamente, causando transtorno e perda de tempo. Partindo desta problemática, realizamos um estudo de caso sobre o uso das TIC na disciplina de História. Partiu-se do referencial teórico sobre as TIC aplicadas ao ensino (GUTIERREZ, 2004; WESTON; BAIN, 2010; ALMEIDA; VALENTE, 20111; LIMA, 2012), destacando-se o histórico do uso da tecnologia no ensino, a questão das fontes utilizadas e das narrativas construídas. A investigação empírica consiste em estudo de caso (YIN, 2001; AMADO, 2014) realizado com turma de 9º ano de escola pública no interior do estado do Rio Grande do Sul – Brasil. Trata-se de metodologia de caráter qualitativo, baseada na observação e intervenção do pesquisador, incluindo a aplicação de questionários, a interação via rede social, a elaboração de vídeos e o registro em Diário de Bordo. Como principais resultados, observamos que, embora presentes na vida do estudante, as TIC ainda podem ser mais potencializadas no ensino. É preciso investir em tecnologias inovadoras a par de métodos de trabalhos também inovadores mesmo que articulados com os mais tradicionais, buscando-se o saber acumulado em harmonia com as novas tecnologias. Há um grande potencial no uso das TIC, conforme ficou demonstrado pela produção da turma ao longo do período letivo.

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ICT contribution to teaching and learning in the History subject ABSTRACT

The state schools of Rio Grande do Sul are outdated in Information and Communication Technology (ICT). Today's classrooms remain without electronic resources, based on the education system of the last century, using the green board and chalk. What the school has are laboratory computers for research with internet access, and some portable equipment, installed for that particular period of class, are then removed and stored again, causing inconvenience and waste of time. Based on this problem, we seek to conduct a case study on the use of ICT in the discipline of history. It departs from the theoretical framework on ICT applied to education (GUTIERREZ, 2004; WESTON; BAIN, 2010; ALMEIDA; VALENTE, 20111; LIMA, 2011), highlighting the history of the use of technology in education, the question of sources used and the narratives constructed. The empirical investigation consists of a case study (YIN, 2001; AMADO, 2014) conducted with a 9th grade public school class in the interior of the state of Rio Grande do Sul - Brazil. It is a qualitative methodology, based on the researcher's observation and intervention, including the application of questionnaires, interaction via social network, the elaboration of videos and the logbook. As main results, we observed that, although present in the student's life, ICT can still be potentiated in teaching. It is necessary to invest in innovative technologies alongside traditional methods, seeking accumulated knowledge in harmony with new technologies. There is great potential in the use of ICT, as demonstrated by class production throughout the school year.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 1

2 O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM E AS TIC ... 5

2.1 Breve histórico ... 6

2.2 TIC em debate: potencialidades e dificuldades ... 16

3 AS TIC E O ENSINO DE HISTÓRIA ... 35

3.1 As fontes e as TIC ... 36

3.1.1 Fake news, credibilidade e construção da história ... 45

3.2 As narrativas ... 52

4 APRESENTAÇÃO DA METODOLOGIA ... 65

5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ... 73

5.1 ANÁLISE DOS DADOS ... 73

5.1.1 Quanto ao perfil do aluno ... 74

5.1.2 Quanto ao uso da tecnologia ... 78

5.1.3 Quanto às mídias utilizadas ... 80

5.1.4 Quanto às fontes consultadas ... 83

5.1.5 Quanto aos aspectos didáticos e de conteúdo ... 87

5.1.6 Quanto às interações efetuadas ... 94

5.1.7 Quanto aos materiais produzidos ... 99

5.1.8 Quanto à estrutura narrativa e ao uso das TIC... 103

5.1.9 Quanto às percepções sobre o uso das TIC ... 106

5.2 A título de síntese ... 112 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 118 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 124 Apêndices ... 128 APÊNDICE I – Questionário I ... 129 APÊNDICE II – Questionário II ... 131

APÊNDICE III – Questionário III ... 132

APÊNDICE IV – Questionário IV ... 133

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Johannes Gutenberg, considerado o pai da imprensa ... 10

Figura 2 – Modelo de comunicação unidirecional ... 13

Figura 3 – Modelo de comunicação multidirecional ... 14

Figura 4 – Site da Biblioteca Digital Mundial ... 24

Figura 5 – Cena do filme “O Nome da Rosa”, de Jean-Jack Annaud (1986) ... 36

Figura 6 – Observador e observado: as fontes não são neutras ... 39

Figura 7 – Site oficial do movimento terraplanista ... 48

Figura 8 – O youtuber Felipe Neto em seu canal na internet ... 55

Figura 9 – Os bichos do jogo Pókemon em ação: ferramenta narrativa ... 59

Figura 10 – O personagem “Squirtel”, do jogo PókemonGO ... 60

Figura 11 – Atividade de pesquisa com a mídia social Facebook ... 83

Figura 12 – Postagem com fotos da II Guerra Mundial ... 85

Figura 13 – Fotografias feitas pelos alunos ... 92

Figura 14 - Fotografia produzida na visita ao Museu Militar de Panambi – RS ... 100

Figura 15 - Imagem inicial da apresentação das fotografias ... 100

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Uso da tecnologia pela turma em casa ... 76 Gráfico 2 – Síntese das respostas ao Questionário 2 ... 77

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1 INTRODUÇÃO

A utilização das TIC ocorre em diversos ambientes da sociedade. A escola também deve priorizar as TIC no ensino para incrementar a formação do aluno, além de incorporar novas contribuições com mudanças também nos aspectos didáticos e pedagógicos, tornando a aula mais atrativa para quem ensina e para quem aprende. Segundo Almeida e Valente (2011, p. 74) quando o aluno “não consegue progredir (...) cabe ao professor orientar o aluno para empregar as funções e operações propiciadas pelas TIC”. Assim o aluno pode reorganizar, buscar informações e, entre outras atividades, fazer a socialização dos trabalhos.

A partir de uma nova visão de educação se criam as condições para integração das tecnologias ao currículo que possam contribuir para o uso das TIC no sistema educacional, e lançou-se um desafio aos alunos para responderem à modernização e inovação, utilizando as TIC. Com a integração das TIC ao currículo, novas habilidades foram desenvolvidas e geraram transformação em sala de aula. A investigação procurou responder às seguintes questões:

Problema

O problema de que partimos pode ser formulado da seguinte maneira:

Como as TIC podem contribuir para o ensino-aprendizagem na disciplina de História?

Subdividimos o problema nas seguintes questões que orientam as etapas da investigação:

- Quais as principais contribuições conceituais para a discussão sobre o uso das TIC no ensino?

- Quais as ferramentas didáticas que podem potencializar o uso das TIC em sala de aula com vistas à aprendizagem dos alunos?

- Que atividades letivas se beneficiam do uso das TIC por parte dos alunos?

- Que estratégias e metodologias de trabalho melhor se ajustam ao uso de TIC nas aulas de História?

A pesquisa foi executada na escola pública Cândido Machado, onde leciono, pertencente ao estado do Rio Grande do Sul, Brasil, município de Cruz Alta, em uma turma de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental. Para conhecê-los melhor, realizamos uma pesquisa via questionário

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para ter conhecimento sobre as tecnologias digitais e de equipamentos eletrônicos que os alunos possuiam e usavam, colhendo, assim, subsídios para um plano de trabalho didático. Com esses resultados, obtivemos suporte às atividades para implementar as TIC nas aulas.

Nossa investigação começa pela revisão da literatura. Essa tarefa tem início no Capítulo I, no qual abordamos a evolução histórica das TIC em sua relação com o ensino. Aqui, nos interessa situar o fenômeno em suas linhas gerais, preparando o terreno para aspectos subsequentes de nossa pesquisa.

Ainda no Capítulo I, adentramos as diversas visões dos autores que vêm trabalhando sobre o uso da tecnologia em sala de aula. Procuramos mostrar, neste ponto, as controvérsias envolvidas na temática abordada, como por exemplo a discussão acerca da resistência dos docentes em adotar as TIC em sua prática cotidiana.

No Capítulo II, também de cunho conceitual, trazemos a discussão sobre o uso das TIC especificamente no ensino da disciplina de História. Com isso, buscamos adentrar a especificidade de nosso objeto de estudo, demonstrando os pontos mais sensíveis de convergência entre a tecnologia e o campo da História.

Nesse sentido é que abordamos duas questões a nosso ver centrais: a) como está sendo feito o uso das fontes históricas no cenário do avanço técnico; b) como as narrativas históricas estão sendo construídas a partir do uso das TIC.

O recorte que efetuamos aqui visa a salientar os aspectos que a nosso ver podem contribuir para a investigação que nos propusemos fazer. Partimos da percepção de que a mudança tecnológica, acelerada nas últimas décadas pelo advento da internet e da comunicação online, impactou de forma profunda a maneira como se obtém e se gerencia o conhecimento. Aí está a razão de nos determos na reflexão acerca das fontes históricas.

O acesso quase ilimitado a uma gama imensa de dados em escala planetária vem abalando diversas áreas. A área da História não poderia ser uma exceção, sobretudo porque está fortemente ancorada na memória comum, nos registros e nos acervos institucionalmente preservados. Ora, é precisamente esse acervo comum que passa a ser objeto de constante revisão e questionamento em nossos dias marcados pela onipresença dos buscadores e das mídias sociais. A autoridade das fontes – oficiais, governamentais, acadêmicas – está em xeque desde que as pessoas descobriram que podem ser agentes desse processo de descoberta, o que, por si só, coloca em primeiro plano a discussão sobre as fontes, a qual nos absorve neste primeiro segmento do Capítulo II.

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Ainda no Capítulo II, buscando aproximar a reflexão das questões que interessam ao historiador, trazemos uma reflexão sobre o impacto das TIC nas formas de narrar a História. O avanço técnico fez exacerbar as possibilidades narrativas, muito além do que tradicionalmente se empregava: impressão, fotografia, vídeo, áudio, linguagem multimídia, aplicativos em dispositivos móveis – são todos recursos que se somam às possibilidades da narrativa tradicional.

Nossa abordagem, nesse ponto, procura mostrar as potencialidades do uso desses materiais, mas também destacar o que eles têm de desafiador para as práticas tradicionais da narrativa histórica. Escrever uma história não é o mesmo que narrar um fato através de imagens. Diferentes linguagens operam em lógicas próprias. É com esse entendimento que buscamos trazer, neste segmento de nossa investigação, algumas questões que merecem reflexão.

A partir dessa abordagem é que deitamos as bases para aproximar, de um lado, as potencialidades da tecnologia no ensino; de outro, as implicações de tal uso para a didática da disciplina de História.

É com base nessas discussões que avançamos, no Capítulo III, para apresentar a metodologia de nossa investigação Nesse ponto, mostramos os conceitos e métodos de que lançamos mão para coletar dados mediante emprego das ferramentas metodológicas como Diário de Campo, Questionários, Observação in loco e para adentrar o corpus de nossa análise, composto a partir de estudo de caso que enfoca o uso das TIC por uma turma de História.

Cumpre salientar que se trata de metodologia de cunho qualitativo, que se ampara em vasta tradição na área das Ciências Sociais.

Assim é que, no Capítulo IV, dedicado à descrição e análise dos dados obtidos na pesquisa empírica, adentramos propriamente a fase derradeira da presente investigação. Nela, estão reunidos os dados que colhemos ao longo dos meses de trabalho de campo, os quais são apresentados em categorias e que são interpretados com base nos conceitos expostos nos capítulos iniciais.

Dividimos este capítulo em dois segmentos, um inicial, para a descrição e análise; outro final, para a síntese que elaboramos a partir da análise prévia. Nesse ponto, procuramos descrever e interpretar de forma detalhada os principais dados que coletamos do trabalho de campo.

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Com isso, são dadas as condições para que, por fim, concluamos nossa investigação. É o que fazemos no segmento final, nas “Conclusões”, que reúnem um olhar sobre toda a trajetória de nossa pesquisa – da revisão teórica inicial aos aspectos metodológicos, passando pelos dados e análise, até chegar à síntese final. Ali retomamos o ponto de partida – a questão/problema que motivou nossa investigação – e seus diversos desdobramentos, salientando a motivação inicial e as respostas que conseguimos obter, tanto da investigação conceitual como da pesquisa empírica.

Nesse ponto, trazemos para o primeiro plano as descobertas mais relevantes de nossa investigação, assim como as eventuais lacunas que merecem ulteriores aprofundamentos.

A revolução trazida pela tecnologia afeta todas as esferas da atuação humana. É a partir dessa premissa que, nas páginas a seguir, empreendemos um olhar que busca desvelar o impacto do uso das TIC sobre a prática e a reflexão na área de História.

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2 O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM E AS TIC

A internet pode ser ferramenta útil ao processo de aprendizagem porque proporciona o acesso a uma ampla quantidade de informações e, além disso, sustenta a construção de um conhecimento significativo ao possibilitar respostas às necessidades de informação dos discentes. A presença das TIC na escola deve ter como foco promover o acesso às informações, auxiliar na construção de conhecimentos, desenvolver novas habilidades como o uso de diferentes mídias, facilitar o processo de criação de redes colaborativas de aprendizagem e propiciar melhor interação entre a comunidade escolar (alunos, professores, pais e outros).

Nos últimos anos a tecnologia tem sido um tema recorrente das reflexões de pedagogos, professores, pesquisadores e demais profissionais que trabalham com o ensino (LIMA, 2012; FAGUNDES, 2012; KHAN, 2013). Quase sempre temos um viés que busca compreender o impacto das novas técnicas sobre os processos de ensino-aprendizagem, anotando seus pontos positivos, suas carências, os riscos potenciais e as possíveis adaptações para a didática. Não faltam avanços e recuos nesse contexto, já que a técnica impõe desafios e traz desdobramentos importantes para a vida profissional e para a socialização de todos os envolvidos.

É nesse sentido que empreendemos nossa investigação que surge da observação cotidiana de nossa prática docente, num universo cada vez mais mergulhado nas relações com a tecnologia, sobretudo a digital – computadores, tablets, celulares, i-phones, entre outros. Aos poucos essa presença acentuada de aparelhos que permitem o contato imediato e descentralizado trouxe diversas questões que merecem ser investigadas, pois impactam no ensino tanto quanto as questões de conteúdo das disciplinas curriculares.

As promessas de avanços ligados à adoção das TIC são acompanhadas de temores quanto à presença das máquinas e da inteligência artificial, numa reedição dos clássicos embates entre a racionalidade fria das máquinas e as ideias humanistas (SENNETT, 2013). Superar essa dualidade representa um dos maiores desafios para todos os que atuam na educação.

Vamos buscar autores que nos ajudem a explicar sobre as tecnologias digitais na transformação, informação e as novas possibilidades de expressão e comunicação que hoje se apresentam e que não existiam, como a leitura online e navegação de hipertextos. As TIC trazem novos modelos de se comunicar. Por exemplo a escrita, que é tradicionalmente linear e sequencial, pode apresentar-se agora como multimodal, quando várias conexões de comunicação trabalham em conjunto na hipermídia (LEMKE, 2002).

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Veremos que essa mudança foi-se processando de forma intermitente ao longo da história da educação, ligada ao uso de determinados instrumentos naturais e artificiais (McLUHAN, 1979) que contribuíram para moldar as formas de socialização e de conhecimento.

As TIC tornam-se uma ferramenta importantíssima no processo de aprendizado, permitem informações que sustentam o conhecimento com novas habilidades na comunicação, nas redes colaborativas, na comunidade escolar e com todas as pessoas se envolvendo na criação de novas habilidades.

Todavia, para que possamos avançar, é preciso darmos perspectiva ao nosso olhar, a fim de melhor compreender as relações entre o ensino e a tecnologia. Um olhar sobre o desenvolvimento histórico das tecnologias permite-nos avançar na compreensão de seu impacto sobre o cenário da educação atual. É o que faremos no próximo segmento.

2.1 Breve histórico

Desde os primórdios, a técnica esteve associada ao ensino. A palavra falada, início da tradição oral, contava com a memória como suporte principal. As sociedades tradicionais, que passavam o conhecimento de forma não sistemática pela fala, apoiavam-se na repetição das histórias em torno dos ciclos da natureza (ELIADE, 1992a; 1992b; GOODY, 2012).

A longa tradição da oralidade é um cenário especulativo no que diz respeito à pré-história da humanidade, já que a pré-história propriamente só começa a ser registrada de maneira ordenada quando os registros escritos passam a ser utilizados. Mas as sociedades ágrafas, que ainda existem no mundo e que serviram de base para os estudos antropológicos, oferecem uma aproximação valiosa para se entender como era esse universo sem a palavra escrita basicamente, era um universo apoiado na memória e na repetição (GOODY, 2012; ELIADE, 1992a). Um universo circular, marcado pela sucessão dos ciclos da natureza e pela visão do sagrado. Eis um vislumbre desse mundo a partir da perspectiva de Mircea Eliade, em seu já clássico “Mito do eterno retorno” (1992a):

Qual seria o significado da vida para um homem que pertence a uma cultura tradicional? Acima de tudo, significa viver de acordo com modelos extra-humanos, de conformidade com determinados arquétipos. Viver em conformidade com os arquétipos significava respeitar a “lei”, pois a lei era apenas uma hierofania primordial, a revelação in illo tempore das normas da existência, feita por uma divindade ou um ser místico. E se, por meio da repetição de gestos paradigmáticos e através de cerimônias periódicas o homem antigo conseguia (...) anular o tempo, ainda assim ele vivia em harmonia com os ritmos cósmicos. Podemos até dizer que

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ele entrava nesses ritmos (basta que lembremos como a noite e o dia são “reais” para ele, assim como as estações, os ciclos da lua os solstícios). (ELIADE, 1992a, p. 89, grifos no original)

A escrita quebra esse ciclo ao permitir que a memória se apoie nas notações, o que trouxe mais segurança às trocas – econômicas e simbólicas – que passaram a acontecer desde então. Para nossa investigação, é importante reter essa diferença entre ambos os universos, já que elas evidenciam o impacto que a mudança técnica tem sobre as relações e a cultura humana, pois se trata justamente disso: de uma mudança técnica significativa para a cultura humana, em que hoje, de tão familiarizados com ela, nem nos darmos conta dessa dimensão técnica representada pela escrita.

Sobre a diferença entre fala e escrita, Jack Goody (2012, p. 54), lembra-nos:

Muitas vezes nos esquecemos de que uma sociedade puramente oral tem uma abordagem diferente à linguagem do que aquela que existe quando a escrita intervém. A linguagem é evanescente e não pode ser estudada, analisada, revista da mesma maneira que Eliot descreve na frase “a luta interminável com palavras e significados”. Essa é normalmente uma experiência com a escrita, mas muito raramente, se é que ocorre alguma vez, com a fala. Essa é a diferença entre os dois registros: a fala é intempestiva, a escrita envolve “pensamento”, reflexão sobre o que escrevemos, mesmo que seja apenas porque o que foi escrito passa a ser um objeto material.

Já na Antiguidade Clássica, a invenção da escrita foi recebida com desconfiança pelos pensadores gregos que viam na disseminação da nova técnica, na célebre passagem de Sócrates, em Fedro, o enfraquecimento da faculdade da memória (PLATÃO, 1986).

A escrita parece ter sido o primeiro passo na revolução do conhecimento, permitindo o registro ao longo do tempo e do espaço. Se antes o homem estava preso ao seu presente, dado o registro precário da memória que caracterizava as sociedades tradicionais, a invenção da escrita permitiu-lhe superar o tempo e o espaço, registrando o pensamento – e o conhecimento – de forma duradoura.

Os rituais das sociedades primitivas registrados por Jack Goody (2012a; 2012b) revelam parte desse impacto: “a escrita torna a fala “objetiva”, transformando-a em um objeto de inspeção visual além da inspeção auditiva; é a mudança do receptor do ouvido para os olhos, e do produtor da voz para a mão” (2012a, p. 57).

Mas ela, a escrita, também teve consequências mais profundas sobre a própria essência do ser humano e de seu convívio em sociedade. O impacto da escrita foi muito além da questão da memória: teve ecos na autopercepção do indivíduo e na organização da sociedade.

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Para nossas sociedades que foram amplamente educadas a partir da palavra escrita, essas questões nem sempre são claras: é como se estivessem naturalizadas, tal é a presença da palavra escrita em nossa cultura. Tal naturalização torna por vezes obscura a relação entre pensamento e linguagem e as implicações que o registro oral e escrito tem sobre a maneira como nos comunicamos e como entendemos o mundo.

A escrita é monológica. Sua natureza nos remete à atividade privada:

Escrever ocorre em privado. Construímos uma autobiografia, como um diário, em privado. A privacidade significa que não enfrentamos o problema de uma comunicação direta e imediata com o público, o problema de interrupção ou sua supressão autoritária; temos a paz e o lazer para construir. (GOODY, 2012b, p. 124)

A fala é dialógica. Sua natureza faz apelo à intervenção e atenção constante ao interlocutor.

O discurso oral não funciona assim; o orador está sendo interrompido constantemente porque, a não ser em situações autoritárias, o discurso oral é dialógico e interativo. De um ponto de vista, não há nenhuma separação real entre o orador e o público. Todos são oradores, todos são ouvintes (de certo tipo) e a conversação prossegue com começos e pausas, muitas vezes com frases incompletas e quase sempre com narrativas não terminadas. (GOODY, 2012b, p. 125)

Monologismo da palavra escrita e dialogismo da palavra falada são aspectos importantes a considerar quando olhamos para a história da educação. Afinal, o mestre que fala e é interrompido pelo estudante está em posição bem diversa daquele que escreve e dialoga apenas consigo mesmo. Ambas as situações, que implicam o uso de instrumentos tidos como “naturais”, não propriamente tecnológicos – a fala e a escrita – são na verdade expressões de um uso técnico, em sentido amplo: a voz projeta o pensamento tal como a escrita, mas ambas as situações diferem quanto à possibilidade de feedback da audiência, entre outras diferenças.

Avançando mais um pouco, temos a tradição dos copistas dos mosteiros medievais, lugares que concentraram durante séculos o conhecimento do mundo ocidental. Baseada na fiel reprodução da tradição acumulada nos livros, a tarefa dos copistas remete-nos a uma relação de transmissão de informações – quanto mais fiel à fonte, melhor. A relação entre a palavra escrita e a fala altera, segundo alguns autores, de forma indelével o conteúdo do conhecimento.

Nas memórias de Santo Agostinho, temos alguns flagrantes do quadro do ensino durante a Idade Média: valorizava-se a retórica a partir da leitura dos clássicos gregos e latinos. Os alunos eram conquistados pela habilidade do mestre em transmitir as lições, em aulas que

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se concentravam no comentário sobre as escrituras sagradas e sobre os assuntos de ciência: “Não me esforçava por aprender o que o bispo dizia, mas só reparava no modo como ele falava” (SANTO AGOSTINHO, 1996, p. 141).

Mas aqui ainda estamos no âmbito da palavra escrita à mão. Apesar de representar um grande avanço para a cultura humana, ela ainda é um processo lento e especializado, cujo impacto sobre a sociedade e sobre as formas de transmissão de conhecimento se circunscreve à capacidade dos copistas. Os mosteiros medievais concentram poder porque são os responsáveis pela transmissão do conhecimento acumulado. Durante séculos, eles representaram a instituição responsável pela disseminação do conhecimento, das letras, da ciência, fazendo a ligação entre a Antiguidade Clássica e a Idade Moderna. No cenário clássico, o ensino ainda era fortemente marcado pela performance do mestre, num processo não-linear:

Antes de os livros serem amplamente distribuídos, o ensino não era linear. Os professores ensinavam o que sabiam, da maneira que lhes parecesse melhor. Cada professor, portanto, era diferente, e quando um deles adquiria reputação de sabedoria, originalidade, ou, ainda, oratória emocionante – não necessariamente de informação acurada – os estudantes corriam para ele. Como um adorado rabino ou padre em uma cidade pequena, ele era considerado algo que não se podia conseguir em nenhum outro lugar. Seus estudantes, por sua vez, recebiam uma educação – e às vezes desinformação – única para essa turma específica. (KHAN, 2013, p. 78)

A velocidade com que o conhecimento se disseminou sofreu forte impulso no século XV, com a novidade trazida pela invenção da prensa de tipos móveis por Johannes Gutenberg, em cerca de 1450. Se antes o conhecimento era restrito a uma elite encastelada nos mosteiros medievais, agora, com o advento da imprensa e no contexto do Renascimento, tudo muda.

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Figura 1 – Johannes Gutenberg, considerado o pai da imprensa

Fonte: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Johannes_Gutenberg.jpg

A invenção da imprensa, segundo o pensador Marshall McLuhan (1979), trouxe uma nova maneira de organização da sociedade. Ela influenciou a fundação dos estados modernos, os ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, o império da lei sobre a tradição. Isso porque ela contribuiu para disseminar o conhecimento em um novo patamar, inerente à capacidade de reprodução da palavra impressa.

A Igreja e o Estado Absolutista perceberam esse caráter revolucionário da imprensa desde o início, e as perseguições havidas nesse período são a crônica de uma luta que só terminou com a Revolução Francesa na Europa, mas se estendeu de diversas formas em nosso país, ainda colônia de Portugal naquele momento. Há uma longa história de cerceamento à liberdade de expressão e informação no Brasil Colônia (BAHIA, 1990; SODRÉ, 1999), pois o acesso a esses bens simbólicos sempre representou poder e, em decorrência disso, uma ameaça ao status quo.

Nelson Werneck Sodré (1999) aponta que não foi outro o motivo da implantação tardia da universidade e da imprensa no Brasil: ao contrário das colônias espanholas, que conheceram imprensa e universidade bem antes, a então colônia portuguesa se manteve mais “dócil” e sujeita à exploração na medida mesmo de sua ignorância. Na então colônia portuguesa, o material impresso era visto como essencialmente “pecaminoso”, veículo potencial de revoluções, alvo dos mais renitentes censores e da mais arraigada perseguição:

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Instrumento herético, o livro foi, no Brasil, visto sempre com extrema desconfiança, só natural nas mãos dos religiosos e até aceito como peculiar apenas ao seu ofício, e a nenhum outro. As bibliotecas existiam nos mosteiros e colégios, não nas casas de particulares. Mas ainda aquelas foram pouquíssimas, de livros necessários à prática, constituindo exceção mesmo os edificantes. (SODRÉ, 1999, p. 11)

Daí o atraso da disseminação da imprensa e da universidade na colônia. Esse cenário é diferente quando olhamos para o ensino em outras partes do mundo a partir da invenção dos tipos móveis por Gutenberg.

O ensino, embora sempre tenha tido um cunho elitizado, sofreu o impacto da invenção da imprensa: livros publicados em diversos países passaram a ser conhecidos no mundo todo. Dissemina-se a informação e o conhecimento com velocidade muito superior ao ritmo anterior, marcado pela memória e pela reprodução manual. Com isso, universaliza-se a ciência, formando-se aos poucos uma nova elite intelectual, marcada pelos valores burgueses da era pós-absolutista.

Durante séculos, essa verdadeira revolução silenciosa se desenvolveu nas sociedades ocidentais, moldando a percepção e a reprodução do conhecimento em sala de aula e fora dela.

A escola que floresceu nesse período tem na escrita e no livro didático o seu paradigma básico: é regida pela palavra escrita, que organiza e categoriza a realidade em segmentos compartimentados, marcados pela hierarquia, e ainda fortemente ligada à fixação mnemônica.

Nesse longo período, que vai das primeiras universidades na Idade Média até a disseminação do ensino universal resultante do Iluminismo e da Revolução Industrial, as escolas dedicam-se sobretudo à reprodução do saber. São espaços voltados para a memorização do conhecimento acumulado, com vistas à sua reprodução no mundo do trabalho que aos poucos começa a se delinear a partir da Revolução Burguesa. Livro, lousa, quadro negro, alfarrábios, giz e voz: eis os principais instrumentos utilizados nessa tarefa, nos níveis elementares da educação, e que moldariam a cultura do ocidente até os dias atuais.

As transformações trazidas pela Revolução Industrial no século XVIII somaram-se de forma constante, resultando em descobertas científicas de grande impacto para a organização prática da vida social e do conhecimento – já no século XIX, a disseminação do uso da eletricidade, por exemplo, revolucionou a vida nas cidades, ampliando de forma vertiginosa a velocidade de comunicação.

Já na metade do século XX, o capítulo final desta breve história tem início: a revolução da chamada era pós-industrial, quando o computador passa a concentrar as potencialidades

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técnicas em velocidade exponencialmente maior do que se dava no período anterior. Algumas décadas mais tarde, com o advento da internet e sua exploração comercial já nos anos 1990, temos o cenário atual da transformação tecnológica, cujo impacto se faz sentir em todas as esferas da vida.

Para muitos, a instantaneidade permitida pela comunicação online trouxe-nos novamente para um cenário pré-Gutenberg marcado pelo imediatismo, pela oralidade, pela singularidade da experiência tribal.

Nessa linha de raciocínio, alguns estudiosos levantam o argumento de que estamos de alguma forma voltando ao estado de coisas anteriores à invenção da imprensa e da própria escrita: o mundo estaria ficando muito parecido com a sociedade ágrafa. A tese de que a sociedade contemporânea está se tornando muito parecida com o mundo anterior à revolução da escrita, quando a informação circulava mediante fofoca, que ditava o comportamento social, foi levantada pelo pesquisador Thomas Pettit, conforme relato de Caio Túlio Costa (2014, p. 84):

Essa teoria é de autoria do professor dinamarquês Thomas Pettit, da Universidade do Sul da Dinamarca. Para ele, a web nos faz regressar a um estado pré-Gutenberg. Estado este definido pelas tradições orais: informações em fluxos e c. Ela ecoa, de certa forma, a teoria da modernidade líquida de Zygmunt Bauman, outro pensador fundamental no entendimento da realidade, para quem os conceitos, antes sólidos, na atualidade se amoldam a cada situação, assim como os líquidos se ajustam e tomam a forma de seus receptáculos.

Estaríamos de certa maneira retornando a uma comunicação construída com base na lógica da fala, em lugar da lógica da escrita. A imediaticidade, a emotividade, a interatividade e outras características da oralidade tenderiam a se fazer mais presentes nas trocas comunicacionais agora possibilitadas pelo advento das mídias sociais.

Os estudiosos da Comunicação advertem-nos acerca da mudança do modelo ora em curso (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013; COSTA, 2014). Antes o processo de comunicação era regido pela emissão de informações de maneira unidirecional, de uma fonte para vários receptores, como na comunicação via jornal ou televisão, ou bidirecional, de um para um, como na comunicação telefônica. Nesse contexto, a comunicação tendia a ser unívoca, privilegiando o emissor. Era a base para a hierarquia nos processos de trocas simbólicas. Com a emergência da internet na metade da década de 1990 e com a subsequente invenção das redes sociais, o modelo foi alterado de forma indelével.

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A Figura 2 sintetiza o modelo que predominou nos processos de comunicação até a metade do séc. XX.

Figura 2 – Modelo de comunicação unidirecional

Fonte: http://www.e21.com.br/blog/

Os grandes meios de comunicação da era pré-digital, como jornal, rádio e televisão, seguiam grosso modo o modelo acima, marcado pela emissão de um para muitos, com pouca possibilidade de resposta – feedback – por parte da audiência. Mas agora a comunicação pode ser efetuada de maneira multidirecional, com vários emissores e receptores em permanente troca de posição, de forma imediata. Trata-se de uma comunicação mais rápida, em que as mudanças são assimiladas ao processo sem intermediação necessária das instituições até então válidas – o Estado, a grande mídia, a academia –, e marcada pelo particularismo.

O modelo de comunicação foi subvertido, passando de uma situação fortemente hierárquica, de cima para baixo, para uma configuração multimodal, mais “horizontal” – em que pesam as novas fontes de poder representadas pelos grandes grupos da comunicação online, como Google, Facebook, Apple etc.

A Figura 3, abaixo, representa o modelo multimodal e multidirecional que caracteriza a comunicação em rede e online. Pode-se observar que, diferentemente do modelo anterior, aqui temos uma comunicação de todos para todos, de forma simultânea.

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14 Figura 3 – Modelo de comunicação multidirecional

Fonte: https://pt.depositphotos.com/

Ao subverter o modelo tradicional de trocas simbólicas, a comunicação digital trouxe diversas mudanças para a organização social, afetando todas as esferas da atuação humana – aí incluído o ensino. A Figura 3 sintetiza essas mudanças, mostrando os vários pontos de contato dos indivíduos entre si, num desenho extremamente complexo de interações e trocas simbólicas.

Para ilustrar o esquema representado na figura acima, há diversos exemplos que podem ser trazidos nesse contexto de mudança: a luta entre os taxistas e os motoristas de aplicativos, o confronto entre a rede hoteleira e os aplicativos de aluguel, o embate entre as faculdades de educação presencial e aquelas de ensino à distância, a luta da mídia tradicional – grandes grupos de jornal, rádio e televisão – para encontrar um novo modelo de negócio, frente aos gigantes do Vale do Silício.

Em termos mcluhianos, são embates que revelam a fronteira entre o mundo regido pela lógica da palavra escrita e aquele onde a comunicação se baseia na troca imediata de sinais típica da comunicação oral. São todas atividades que sofreram fortemente o impacto das novas tecnologias, que afetam as relações de trabalho e a economia global de forma crescente e que decretam o fim de várias atividades e o começo de outras.

As consequências de tal mudança estão sendo sentidas ainda hoje, em diversas esferas da vida em sociedade: a organização do trabalho, a estruturação das relações afetivas, a

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organização do conhecimento – todas as faces da vida social e da própria natureza humana se ressentem da revolução trazida pela comunicação online.

Talvez a experiência mais comum para os docentes nos dias de hoje seja a de conquistar a atenção de sua turma, roubada pela fixação de crianças e adolescentes nas telas dos celulares... Eis aí a imagem que resume o dilema trazido pelo avanço técnico e a invasão das TIC no cotidiano, desde o início deste milênio.

Se antes a preocupação era com a falta de criatividade e o pensamento único, resultantes da organização centrada na palavra escrita, hoje a situação se inverteu: o excesso de informação e a dispersão dele resultante, o questionamento da autoridade do professor e a perda das referências institucionais é que trazem os maiores dilemas para a educação.

A mudança de paradigma vem sendo estudado por uma série de pesquisas, em diversas áreas. A educação, em particular, tem sentido o impacto da mudança técnica. A interatividade possibilitada pelo ensino a distância, a dispersão da atenção dos alunos, o questionamento da autoridade do professor: eis algumas das questões importantes que a mudança tecnológica trouxe para o debate sobre o ensino.

Salientamos que, por se tratar de um processo ainda recente, é preciso cautela na avaliação do que pode ser proveitoso para a educação da gama de avanços técnicos. Afinal, nas palavras de McLuhan, “o homem cria a ferramenta; a ferramenta recria o homem”. Por isso mesmo, é necessário investigar em que ponto a mudança tecnológica impacta sobre as relações humanas, particularmente as de ensino na presente investigação: só assim nos parece possível acolher os avanços históricos de forma condizente com os objetivos da educação.

Em outras palavras, não se trata de adotar uma postura tecnicista, que vê na tecnologia a resposta para todas as questões da humanidade. Muito antes pelo contrário, trata-se de envidar esforços para entender como a tecnologia impacta nas questões humanas, mas partindo do fato de que hoje a reflexão acerca desse fenômeno é incontornável. Negar a realidade é uma postura contraproducente para o debate, daí a necessidade de encará-la de frente, em seu contexto histórico e com todas as suas peculiaridades. A reflexão crítica sobre as TIC pode nos levar a um patamar diferenciado de abordagem para as questões do ensino que tanto nos ocupam como professores e pesquisadores.

Neste breve histórico, procuramos mostrar a relação muito peculiar que se estabelece desde os primórdios até nossos dias entre as ferramentas técnicas e o seu uso em sala de aula. Essa relação tem potencial revolucionário, mas apresenta diversas dificuldades para sua efetiva

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utilização, o que tem gerado uma série de debates entre os estudiosos. É o que veremos no segmento seguinte.

2.2 TIC em debate: potencialidades e dificuldades

Comecemos este espaço com uma citação:

O velho modelo de sala de aula simplesmente não atende às nossas necessidades em transformação. É uma forma de aprendizagem essencialmente passiva, ao passo que o mundo requer um processamento de informação cada vez mais ativo. Esse modelo baseia-se em agrupar os alunos de acordo com suas faixas etárias com currículos do tipo tamanho único, torcendo para que eles captem algo ao longo do caminho. Não está claro se este era o melhor modelo cem anos atrás; e, se era, com certeza não é mais. Nesse meio-tempo, novas tecnologias oferecem uma esperança de meios mais eficazes de ensino e aprendizagem, mas também geram confusão e até mesmo temor; com exagerada freqüência, os recursos tecnológicos não fazem muito mais do que servir de maquiagem. (KHAN, 2013, p. 9, grifo no original)

Para Salman Khan, a escola do futuro tem relação inextricável com o uso da tecnologia e da comunicação online. A sala de aula virtual ofereceria uma resposta necessária para o ensino, sobretudo em países do terceiro mundo, onde o acesso ao conhecimento é dificultado por condições estruturais precárias. Ao vencer as barreiras espaciais e temporais, as aulas online seriam a alternativa mais adequada para a alfabetização em diversos níveis de ensino.

Ao trazermos esse autor para o debate, indicamos já nessa escolha uma questão interessante: o fato de Khan ser oriundo do mercado financeiro, tendo despertado para as questões do ensino por mero acaso – começou a dar aulas a uma prima em dificuldade com a matemática, e a partir disso se tornou uma referência para o ensino mediado pelas TIC, sobretudo quando obteve o apoio do multimilionário Bill Gates para a criação de uma universidade online, a Khan Academy. Hoje, a Khan Academy tem uma versão em português e cobre um cem número de disciplinas. O acesso é mundial, levando conhecimento gratuito a todos os que se dispuserem a aprender.

Essa trajetória singular mostra, a nosso ver, um aspecto típico do cenário atual de uso das tecnologias: a emergência de novos atores no debate sobre o uso das TIC para o ensino. A presença sempre mais forte da geração que já cresceu no ambiente mediado pela tecnologia – a chamada Geração Y – é um dos aspectos que marcam o debate sobre a inserção das TIC nos processos de ensino-aprendizagem.

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Parece haver, num momento inicial, uma certa euforia em relação às potencialidades da tecnologia, quase como se elas representassem uma panaceia para a educação. Mas obviamente a técnica por si só não representa mais do que um meio de se chegar a algo, não podendo ser tomada como a finalidade ou mesmo o ponto mais relevante do processo. Vimos que ao longo da história do ensino a presença dos recursos técnicos foi motivo de reflexão eventual, como algo incidente. Mas essa presença ganhou novo patamar no contexto atual, marcado pela irrupção violenta de meios que revolucionaram as noções de tempo e espaço, assim como as formas de acesso ao conhecimento.

Dados recentes dão conta de um número crescente de propostas de ensino a distância, por exemplo. Tal modalidade de ensino implica diversas expertises necessárias ao perfil docente e discente, nem sempre acessíveis. Não basta apenas equipar uma escola: é preciso refletir sobre o impacto das TIC sobre os processos de ensino-aprendizagem.

Seja como for, há diversos senões no caminho da escola do futuro proposta por Khan. Um deles é a falta de acesso à estrutura tecnológica mínima em várias localidades do mundo – e o Brasil é uma delas. Outra dificuldade são as limitações dos próprios professores no trato com a tecnologia, pois esses muitas vezes tiveram sua formação no modelo mais tradicional de alfabetização. A seguir analisaremos alguns desses fatores que impactam sobre o ensino mediado pela tecnologia. Trata-se de um apanhado não exaustivo, por meio do qual prosseguimos na contextualização de nossa investigação.

No final do século XX, as tecnologias não contribuíram muito no desenvolvimento da educação, pelas dificuldades de acesso à tecnologia e pela lentidão nos sistemas. Mas, com os avanços nas últimas décadas na comunicação, pode-se instantaneamente acessar qualquer fato ocorrido no mundo.

A revolução digital tem instigado diversos estudiosos a entender e fazer uso das TIC como ferramenta de ensino (JENKINS, 2009; LIMA, 2012; FAGUNDES, 2012). São iniciativas que vão das experiências de uso da internet para educação à distância, passam por projetos de cunho educativo utilizando as mídias (Educomunicação) e chegam ao relato e reflexão sobre as experiências de educação digital no Brasil:

Uma condição fundamental para lidar com a complexidade de um novo currículo é incluir totalmente a escola na nova cultura digital: a construção dessa escola, sua estrutura, organização e funcionamento incorporados em uma cultura que privilegie e favoreça o funcionamento em rede, com a mobilidade conectando espaço e tempo. Em resumo: uma cultura em que a informação não seja massificada, mas produzida pelos próprios aprendizes no acesso e no uso de diferentes espaços, não os retendo

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aos limites do espaço tridimensional, único diretamente acessível aos sentidos da percepção humana, mas acessando e convivendo com as imensas possibilidades dos espaços digitais “n-dimensionais”, por meio dos quais nossa cognição pode desenvolver as funções de representação dos processos de abstração reflexionante operando conceitos sobre as abstrações refletidas, interagindo em redes de comunicação em tempos tanto sequenciais como simultâneos. (FAGUNDES, 2012, p. 51)

A partir das observações de Léa Fagundes, percebemos que a tarefa de adentrar o mundo da educação digital é um passo que vai muito além do óbvio representado pela adoção de estrutura tecnológica: a cultura digital diz respeito a todo o ambiente de ensino, abrangendo as formas de interagir nos diferentes espaços e alterando a percepção temporal dos agentes.

Veja-se que a autora menciona a produção dos próprios alunos nesses espaços em rede que vão além da tridimensionalidade usual. Isso implica reconhecer que a escola digital ou a educação voltada para o uso das TIC tem potencial de subverter o modelo até então reinante de ensino, modelo ainda afeito à estrutura anterior, na qual o processo de comunicação era muito mais monológico e hierárquico, conforme vimos ao repassar a mudança paradigmática do modelo comunicacional.

A visão que a autora nos entrega é a de uma nova relação, mais rica porque resultante de uma atitude mais engajada de professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem. Tudo isso está no horizonte dos que analisam o impacto das TIC em sala de aula.

Mas há, obviamente, alguns senões para que tais possibilidades se concretizem. As condições materiais em que educadores atuam na escola brasileira são um fator importante a considerar nesse contexto, já que elas representam elementos concretos da realidade encontrada pelos trabalhadores em educação e afetam diretamente as expectativas e a performance de professores e alunos.

Ignorar as condições objetivas do contexto também não ajuda. Além da infraestrutura inadequada em um grande número de escolas, aponta-se para a insuficiente formação do corpo docente, relacionada, entre outros fatores, à baixa atratividade da carreira, às difíceis condições de trabalho, à estrutura e qualidade dos cursos de formação inicial e à pouca valorização de seu ofício pela sociedade brasileira. Tampouco deixa de ser relevante a defasagem de aprendizagem dos estudantes, uma conseqüência inevitável do perverso percurso de desigualdade de oportunidades sociais, econômicas e educacionais com que vivemos, como se naturais fossem, desde o início de nossa constituição como nação. (LIMA, 2012, p. 28).

Quando se fala em termos da realidade brasileira, é sempre necessário fazer essa ressalva: lembrar o déficit histórico da educação em relação à qualidade do ensino, sobretudo

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das escolas públicas; repisar os índices escandalosamente baixos de desempenho nos testes internacionais; insistir na necessidade de valorização da carreira do magistério e de inclusão das classes mais baixas no processo educativo.

Os esforços para superar essas questões devem ser efetivados também na esfera política, pois dizem respeito à valorização do ensino como fator básico para o avanço social. Mas não é possível simplesmente esperar que as melhorias sejam trazidas pelo governo: é preciso avançar no que é possível fazer, considerando o espaço próprio da educação, os instrumentos de que dispõem as escolas e – o principal – a motivação do elemento humano.

É certo que tem havido avanços na medida em que diversos pesquisadores e mesmo pessoas leigas se juntam ao esforço de educar por meio do uso das TIC. Também é certo que as experiências com a tecnologia tendem a ser mais presentes na medida em que elas se tornam mais acessíveis em termos financeiros. Foi assim com todos os aparelhos que trouxeram bem-estar à humanidade.

Mas, novamente, os aparelhos por si sós não representam avanço em termos de educação, se não forem acompanhados pela reflexão.

Muitos dos críticos mais pertinentes apontam para o descuido de pensadores que se renderam à técnica como ápice da trajetória humana. McLuhan mesmo foi um dos alvos dessas críticas. Ao conceber a história humana como uma espécie de derivado da evolução tecnológica, ele abriu o flanco para as críticas mais diversas, sobretudo daqueles que compreendiam o caráter humanista da cultura e da educação como elemento primordial.

A nosso ver, é possível contemporizar nesse ponto, fazendo um esforço para colher os melhores frutos de ambas as tradições – tanto aquela que vê no homem o foco central do conhecimento como aquela que aponta para a tecnologia como um dos fatores mais relevantes do processo de conhecimento.

Atualmente, as tecnologias são muito rápidas, gerando facilidades para o seu uso, mas para alguns professores a incorporação das TIC na educação consiste no uso em suas práticas como apenas um suporte educativo, desconsiderando o seu uso educativo por parte dos alunos (ALMEIDA; VALENTE, 2011). Tal postura pode acarretar a mera troca de um suporte por outro, perdendo-se o principal: a potencialidade da tecnologia para o ensino, as peculiaridades que cada suporte oferece, a riqueza potencial de novos formatos e linguagens para o processo educativo.

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Afinal, se a voz e a presença física do professor são fundamentais para gerar empatia – podendo ser vistos nesse sentido como instrumentos técnicos – a luz, o som, o enquadramento e a edição de um vídeo didático também são recursos que podem gerar mais ou menos empatia, a depender de sua utilização.

O que muda é apenas a dimensão, mas se trata essencialmente de um mesmo fenômeno: o corpo do professor é um instrumento de ensino tanto quanto o é o quadro negro, o vídeo-documentário, o livro didático etc. A nosso ver, a partir dessa consciência, podemos vencer os obstáculos representados pela resistência ao uso das TIC. E eles existem.

São diversos os relatos de estudos que demonstram haver forte resistência por parte dos docentes em aprender a utilizar as TIC (ALARCÃO, 2008; LIMA, 2012; KHAN, 2013). A questão merece especial atenção por parte de todos aqueles que querem ver o uso da tecnologia como um recurso a mais no processo de ensino-aprendizagem. É preciso, de alguma forma, lançar luz sobre as causas dessa resistência, buscando-se maneiras de superá-la, a fim de avançarmos no domínio e no uso criativo da tecnologia em sala de aula.

O professor não tem necessidade de ser um especialista na questão de tecnologia para depois usar o conhecimento na atividade pedagógica, ambos os domínios podem evoluir paralelamente. Experiências em Educomunicação mostram que é possível um meio-termo entre a especialização no conteúdo e o adequado uso da técnica em sala de aula, em diversos níveis de ensino.

Às vezes, basta um passo pequeno para se conquistar um avanço significativo. A familiaridade com os celulares, por exemplo, tem sido objeto de diversas experiências didáticas que visam a fazer uso das TIC em sala de aula.

Um professor tem mais facilidade em se adaptar a uma inovação se ela se encaixa na sua concepção de professor. Alarcão (2008) enfatiza que o professor que está de bem consigo mesmo tende a embarcar em ações inovadoras para o uso da TIC na educação e se concentra nas tecnologias para usar em suas práticas.

As experiências mais promissoras implicam esse comprometimento dos professores em acolher o uso das TIC, sempre de maneira crítica, a fim de que as práticas possam ser transformadas de forma positiva. Daí a importância de se considerarem aspectos como a formação do professor, seu histórico, a relação que estabelece com a tecnologia, suas concepções acerca do ensino e da didática: são todos elementos que confluem para uma

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abordagem criativa da tecnologia, sem embargo da experiência acumulada nas práticas docentes tradicionais.

Isso vai ao encontro das concepções de Jonassen (2007) e Weston e Bain (2010) e Eles referem que as TIC não são vistas como ferramentas tecnológicas, mas como ferramentas cognitivas, capazes de expandir a capacidade intelectual de seus usuários e de alterar estruturas e procedimentos, de modo que elas possam efetivamente trazer contribuição significativa. Tal concepção acolhe a ideia segundo a qual a tecnologia não é apenas um meio, mas parte integrante de todo o processo de conhecimento. Aqui temos, novamente, entre outras ressonâncias, as palavras do pensador da mídia que cunhou a expressão “aldeia global”, Marshall McLuhan (1979).

Para McLuhan, como adiantáramos no segmento anterior, os meios de comunicação são como extensões do homem. Isso quer dizer que eles funcionam como amplificadores e substitutos dos órgãos sensoriais, especializando e modificando os sentidos. A roda é uma extensão da perna assim como a câmera é uma extensão do olho, conforme professava o pensador canadense. A memória digital dos computadores seria o equivalente à nossa própria memória, assim como a inteligência artificial seria a extensão de nosso próprio raciocínio, ampliado nos suportes eletrônicos e digitais.

Conforme o estudioso, a especialização dos sentidos representada pelas invenções tecnológicas seria a responsável pelas principais transformações da sociedade ao longo do tempo. Essa concepção do papel da mídia parece promissora para que possamos entender o debate que se desenvolve acerca do uso das TIC na educação. Ela é atualizada e compartilhada por outros pensadores que veem na tecnologia um auxílio para se pensar sobre a humanidade, sem descurar de refletir acerca de suas implicações menos evidentes (JENKINS, 2009; KHAN, 2013).

Seguindo por esse caminho, não espantaria ao professor ter de lidar com uma câmera de vídeo ou com a memória eletrônica dos computadores: eles seriam, também, parte de seu “organismo”. Afinal, se o pensamento é transmitido pela fala e pela escrita, como vimos no item anterior, podemos considerá-las ambas, fala e escrita, como sendo meios de comunicação, também eles necessitando de técnicas para bem expressar o pensamento. E não é exatamente isso que faz o professor ao planejar sua aula pensando em momentos diferenciados, nos quais utiliza recursos como a exposição oral, a escrita no quadro negro, a leitura silenciosa ou em voz alta do livro didático?

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Quanto mais utilizados esses recursos, mais à vontade ele fica criando a expertise que só a experiência acumulada possibilita criar. Ao encarar seu próprio corpo e os recursos que utiliza como meios de comunicação, o docente pode lançar um olhar mais amigável para os outros recursos tecnológicos, ficando igualmente mais à vontade em sua relação com as TIC. Eis aí uma senda promissora na discussão acerca da dificuldade do docente em encarar as novas tecnologias em seu cotidiano...

Papert (1986) diz que aprendizagem inclui uma “mistura de mídias”, sofisticando o desenvolvimento da criatividade, produzindo conhecimento. Essa mistura pode ser entendida, a nosso ver, como desde aqueles elementos corpóreos, como a voz e os gestos do professor, até aqueles propriamente tomados como extensões para além do organismo humano – as câmeras de vídeo, os gravadores de áudio, os computadores e os aplicativos. Mas saber qual o meio mais indicado para determinada atividade didática ainda é um desafio que, muitas vezes, passa desapercebido para os professores.

É necessário nesse ponto adotar uma postura mais humilde, própria de todo o cientista frente à natureza: como usar esse instrumento de forma que ele expresse o que eu pretendo expressar? Quais as maneiras mais eficazes de abordar os fenômenos? Até que ponto a fala sozinha dá conta da tarefa didática de introduzir determinada temática? Qual a relação entre a linguagem escrita e a visual, na leitura, memorização e construção do conhecimento?

Todas essas são questões que impactam sobre o processo de ensino-aprendizagem e que são afetadas de forma direta pelo uso que se faça das TIC. Mas para fazê-las é preciso primeiramente se dispor a rever os métodos de ensino, a aprender as novas linguagens, a dialogar com a tecnologia em um nível muito mais profundo do que, por exemplo, a mera adoção de um aparelho celular como fonte de pesquisa.

Muitos autores consideram haver uma grande falta da alfabetização digital. Ora, para as pessoas usarem as tecnologias em contexto letivo precisam de as dominar minimamente. As TIC permitem ao educando desenvolver habilidades em diferentes esferas e trabalhos. Só por esse motivo, já seria importante considerá-las como parte das questões que merecem o olhar do educador. Mas o fato é que há motivos muito mais prementes para que se considere o uso das TIC como crucial: a dispersão provocada pelas redes sociais sobre a atenção dos alunos; a onipresença dos dispositivos eletrônicos no cotidiano da população infanto-juvenil; a sedução da linguagem multimídia da comunicação online – todos são motivos mais do que sérios para refletir sobre elas.

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Esses e diversos outros fatores contribuem para que as TIC sejam uma questão crucial no debate sobre o ensino, a metodologia e a didática, nas diversas disciplinas que compõem a grade curricular. Não é possível ignorá-las, tal a sua onipresença, dentro e fora da sala de aula. A riqueza das pesquisas que abordam as TIC está em mostrar as possibilidades que surgem a partir do uso da tecnologia em consonância com os métodos tradicionais de ensino. Pois não se trata de simplesmente adotar a técnica como se fosse a resposta mágica para os problemas da educação, mas sim de encará-la como elemento que pode contribuir para o avanço das questões inerentes às relações de ensino-aprendizagem.

Mostrar a relação possível entre a tradição acumulada pelo docente e as novas possibilidades trazidas pelas TIC parece-nos o caminho mais promissor quando discutimos as potencialidades da tecnologia. Pois não se pode ignorar a quantidade de experiência acumulada pelos professores antes do grande impacto da comunicação digital, que aconteceu já no final do século XX. Gerações de professores que foram formados pelo sistema mais tradicional de ensino ainda estão na ativa: é deles que falamos quando nos referimos à resistência em trabalhar com as tecnologias... E é absolutamente natural que seja dessa forma, já que não se pode apagar uma história da noite para o dia, e o caminho para a mudança passa pelo conhecimento e pelo hábito (SENNETT, 2013).

Mas mesmo iniciativas singelas como a pesquisa pelos buscadores de internet como Google podem trazer resultados promissores para diversas disciplinas. Veja-se o caso, a título de ilustração, do site da Biblioteca Digital Mundial, disponível a um clique em todo o planeta.

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24 Figura 4 – Site da Biblioteca Digital Mundial

Fonte: https://www.wdl.org/pt/. Captura de tela.

Só o fato de se poder acessar tal quantidade de documentos, em diversas línguas, já é por si só revolucionário: permite comparar diferentes culturas, conhecer o passado, tomar contato com línguas desconhecidas, entre outras possibilidades absolutamente inviáveis há apenas algumas décadas.

Em outro exemplo, podemos considerar que o uso, ainda que incipiente, de aparelhos como os celulares para a realização de tarefas didáticas pode ser um fator de estímulo incomparável para o aluno, que aprende a encarar a tecnologia como aliada não apenas do entretenimento, mas sobretudo do conhecimento.

Cada evolução tecnológica pode permitir que surjam novas aprendizagens, esclarecem Behar e Torrezzan (2009). Estes autores defendem o uso de materiais digitais, como, por exemplo, textos, animações, vídeos, imagens, aplicações, páginas web, de forma isolada ou em combinação, com fins educacionais. É importante notar que os autores enfatizam o surgimento de novas aprendizagens a partir do uso dos variados materiais disponíveis ao professor.

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De fato, como vimos salientando, não basta apenas usar determinada mídia. É necessário sobretudo refletir acerca desse uso, problematizando-o no contexto da educação e das áreas envolvidas com o uso das TIC. Dado esse primeiro passo, de caráter epistemológico, pode-se partir para seus desdobramentos, que são muitos, e que incidem sobre a metodologia de ensino e a didática.

Por exemplo, ao se considerar como a tecnologia afeta a temporalidade da sala de aula, temos diversos pontos para reflexão. Salman Khan (2013) propõe uma revisão profunda do tempo das tarefas, sob o ritmo de uma nova postura diante dos processos de ensino, à luz do uso das TIC. Em suas propostas, que incluem desde a revisão das atividades no período de férias até a adoção de turmas mistas, vemos como a discussão sobre as TIC é na verdade parte da discussão maior e mais importante sobre o processo de ensino-aprendizagem como um todo. É nesse contexto que ele vitupera contra o processo padrão que se vê nas escolas e universidades: “Mesmo as nossas atividades extracurriculares habituais tendem a encorajar um trilhar ordeiro por caminhos previsíveis” (KHAN, 2013, p. 241).

Para fugir da previsibilidade que tende a produzir mais do mesmo em massa, se faz necessário atentar para o impacto que um ensino aberto às TIC pode ter sobre toda a estrutura da escola.

Em parte, a rotina escolar, o pouco tempo disponível para atividades extra-classe, e a organização curricular por disciplinas não favorecem a interação entre os professores, nem mesmo dentro de uma mesma unidade escolar. As ações e políticas que promovem a inclusão das TIC na educação devem buscar influenciar estratégias que assegurem oportunidade de intercâmbio de conhecimento sobre a prática e sobre novas abordagens metodológicas, para que essa implantação cumpra com os objetivos propostos e concretize o alto potencial transformador que essas tecnologias trazem ao espaço escolar. (LIMA, 2012, p. 32)

Aqui temos a percepção de uma realidade que inclui as TIC no contexto maior em que elas estão inseridas. A reflexão sobre elas faz sentido nesse movimento permanente de refletir sobre os aspectos centrais do processo de ensino-aprendizagem – os quais vão muito além do uso eventual de recursos tecnológicos em sala de aula. Mais uma vez, cumpre registrar que falar sobre as TIC é falar, por consequência, de processos mais amplos que sempre terão importância para a reflexão docente.

Também Spinelli (2005) afirma que, na aprendizagem, os recursos digitais são refeitos infinitamente, auxiliando no aprendizado, estimulando a capacidade criadora dos alunos na elaboração de trabalhos. É de se notar a ênfase que os autores atribuem à criatividade como

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inerente ao uso da tecnologia. Este ponto merece atenção, já que todas as mudanças técnicas costumam trazer um período de experimentação inicial, sendo logo depois incorporadas às práticas mais efetivas.

Está claro que não se trata de atribuir às TIC o condão de por si sós despertarem a criatividade. Trata-se, antes, de compreender a mudança de perspectiva que elas podem fornecer a professores e alunos. Por exemplo, uma pesquisa que seja efetuada a partir do buscador Google e uma pesquisa que se baseie na biblioteca pública municipal da cidade em que se localiza a escola: há diferenças nos resultados da pesquisa? Quais são elas? Como o aluno procedeu para fazer sua pesquisa em cada caso?

Ao responder a essas e outras tantas possíveis questões em sua prática docente, o professor pode ampliar sua consciência acerca do impacto das TIC sobre sua prática, o que lhe permite aperfeiçoar seu método de ensino, ajustando aí o uso crítico da tecnologia.

Para Gutierrez (2004) o emprego das TIC desafia a sua integração para a educação do século XXI. A modernização das tecnologias está presente em todas as atividades da economia do mundo, não se vive mais sem as tecnologias em rede. Mas a integração é incipiente em sala de aula, principalmente no Ensino Fundamental e Ensino Médio. Atualmente, em muitos casos, se restringe à preparação de testes, provas, impressão de atividades e de conteúdos. Vimos no segmento anterior como uma breve história da evolução das TIC pôde nos auxiliar a compreender a sua relação com a educação e o currículo.

A inclusão das TIC com ferramenta didática é ainda controversa. Alguns autores criticam a simples inclusão das TIC na escola, como Cuban (2003). As TIC auxiliam o trabalho do professor e o aluno consegue assimilar melhor usando novos letramentos, que são explorados com uso da imagem, do som, da animação, quebrando o uso de apenas informação impressa. Mas é preciso refletir sobre esse uso, com vistas a torná-lo parte do processo de conhecimento, permitindo incorporá-lo no cotidiano do aluno, do professor e da escola.

A formação totalmente baseada na memorização não dá mais conta de preparar para a sociedade do conhecimento, sendo somente repassadora, mas precisa ser geradora do conhecimento, pois “existem diferentes aplicações que podem ser exploradas [em função] dos objetivos que o professor pretende atingir” (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p. 78).

Com o avanço das formas de busca pela internet – em buscadores como Google e Yahoo –, o conhecimento memorizado passa a ser, em parte, dispensável. Mais importante que memorizar o volume de informações que se pode acessar via Google, os processos de ensino

Imagem

Figura 1 – Johannes Gutenberg, considerado o pai da imprensa
Figura 2 – Modelo de comunicação unidirecional
Figura 5 – Cena do filme “O Nome da Rosa”, de Jean-Jack Annaud (1986)
Figura 6 – Observador e observado: as fontes não são neutras
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Referências

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