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“Instruam o operário”: projetos, disputas e demandas por instrução para trabalhadores na imprensa do Engenho de Dentro (1890-1905)

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

“Instruam o operário”:

Projetos, disputas e demandas por instrução para trabalhadores na imprensa do Engenho de Dentro (1890-1905)

Niterói – RJ 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

“Instruam o operário”:

Projetos, disputas e demandas por instrução para trabalhadores na imprensa do Engenho de Dentro (1890-1905)

CAMILLA ESTEVAM DANTAS GOMES

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Diversidade, Desigualdades Sociais e Educação.

Orientadora: Profª. Drª Alessandra Frota Martinez de Schueler

Niterói – RJ 2019

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CAMILLA ESTEVAM DANTAS GOMES

“Instruam o operário”: Projetos, disputas e demandas por instrução para trabalhadores na imprensa do Engenho de Dentro (1890-1905)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação.

Banca examinadora:

________________________________________________________

Profª. Drª. Alessandra Frota Martinez de Schueler (Presidente/UFF)

_______________________________________________________ Profª. Drª. Laura Antunes Maciel (UFF)

_______________________________________________________ Profª. Drª. Márcia Cabral da Silva (UERJ)

_______________________________________________________ Prof. José Antônio Sepúlveda (UFF – Suplente)

_______________________________________________________ Profª. Drª. Irma Rizzini (UFRJ – Suplente)

Niterói – RJ 2019

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Dedico esta dissertação aos meus avós Irany, Durval e Francisco, trabalhadores da Rede Ferroviária Federal e parte da história ferroviária. Dedico também à pequena Manuella, fruto da história da família Estevam.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar agradeço aos meus avós, Irany e Durval Estevam, por terem agraciado minha mãe com grandes histórias que despertaram em mim o desejo de conhecer mais sobre história do Engenho de Dentro. Em seguida, agradeço ao meu avô Francisco, nordestino, maquinista da Rede Ferroviária Federal, que deixou de herança para o meu pai as memórias construídas a seu respeito, as memórias reinventadas.

Depois, agradeço a minha mãe por todo empenho e dificuldades que envolvem a maternidade, por toda sua dedicação e vontade de me tornar uma mulher mais forte, destemida e dona dos meus próprios desejos. Também agradeço ao meu pai por todas as palavras de incentivo, investimento na minha formação e por me fazer acreditar no meu potencial, suas palavras foram fundamentais para que eu chagasse até aqui.

Passados os agradecimentos à família de sangue, chegou a hora dos agradecimentos à família de alma. Agradeço à Alessandra, mais uma das figuras maternas que fazem parte do meu percurso de vida, por ter me ensinado tanto sobre determinação, por me mostrar que a vida é cheia de percalços, por ter me dado outro lugar para chamar de meu, por ter aberto às portas de sua casa e de sua vida para mim, além de ter me presenteado com Deise e Xuxu, seres de muita luz, que fazem meu caminhar mais feliz.

Agradeço muito à Renata, minha mãe em outras vidas, sem ela o percurso teria sido muito mais pesado, seu abraço, afago e ensinamentos sobre classe, feminismos e sobre a vida me possibilitaram caminhar com mais segurança. Agradeço à Rebeca, a flor, minha irmã, por me fazer compreender o sentido de representatividade, por me ensinar a fazer pesquisa, por todas as leituras atentas, por me dar força e por me fazer sentir capaz. Agradeço à Jéssica, minha outra irmã, por cada roda de samba, por cada risada, sem esses momentos o processo teria sido ainda mais difícil. Agradeço à Luísa, Manuella e Sofia, aos meus potes de luz, vocês são parte disso tudo, a existência das três me impediu de fraquejar e me incentivou a continuar lutando por um mundo melhor para vocês. Não poderia deixar de agradecer a outra figura feminina muito especial para o meu processo de construção intelectual e profissional, minha querida Glória Guedes, pois, se ela não tivesse feito parte da minha trajetória escolar, talvez, vocês não estivessem lendo essa dissertação.

Não poderia deixar de agradecer aos companheiros de percurso da Pós- Graduação: Patrícia, Lene, Dani, Leo, Hélio, Bruna, Sully, Ilka, Munique, obrigada por

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terem me feito sorrir, por contribuírem para a minha pesquisa, vocês me ensinaram o sentido da palavra companheirismo. Obrigada minhas amigas Ana, Flávia Rodrigues, Flávia Pires e Zoraia por terem estado comigo mesmo quando eu continuei faltando e adiando cada encontro programado. Agradeço também aos queridos Jucinato Marques, Vinicius Monção, Marcelo Gomes, Cíntia Borges e tantos outros intelectuais que estiveram comigo e me ensinaram muito sobre fazer pesquisa, muito obrigada!

Agradeço aos meus amores e parceiros de vida Josi, Jully e Renata (mais uma vez, obrigada), sem vocês nada, nada mesmo, faria sentido, fomos força, foco, fé e muita gargalhada. Também agradeço aos queridos professores, e amigos, Irma Rizzini e José Antônio Sepúlveda por me ensinarem que a academia está para além das normas, ela cabe em um abraço apertado, em uma cerveja no bar, em um banho de rio e em tudo que nos fizer bem.

Agradeço à minha orientadora, Alessandra Schueler (mais uma vez), por todo ensinamento, parceria, dedicação, afago, afeto, compreensão, atenção, por cada leitura atenta, por ser uma mulher incrível, minha inspiração. Agradeço à Ana Carolina, a profissional que me ajudou no processo de exaustão psicológica, sem ela, minha angústia e ansiedade teriam interrompido a pesquisa.

Agradeço à minha querida Márcia Cabral, por me inspirar como intelectual, por ser tão doce, por ter me recebido de braços abertos em seu grupo de pesquisa, você e suas meninas são incríveis, potência feminina em volume alto. Agradeço também a professora Laura Maciel, por ter feito parte do processo de produção desse trabalho, suas contribuições foram fundamentais. Não poderia deixar de agradecer a parceria da minha amiga – e sempre professora – Elisângela Barbosa pelo cuidado e atenção na revisão do texto.

Muito obrigada aos meus companheiros de Grupo de Pesquisa História Social da Educação, em especial à professora Claudia Alves e aos companheiros de orientadora, Ian Cavalcante e Regina Coeli. Agradeço também aos queridos Felipe, Fátima, e Cristiano por serem sempre nosso ponto de referência na secretaria do Programa de Pós-graduação em Educação. Agradeço à Capes, sem seu auxílio financeiro essa pesquisa não sairia do campo das ideias.

Agradeço ao meu santo de fé, meu São Jorge, pela proteção e aos meus companheiros de pesquisa que já estão em outro plano: Maia Maciel, Elisa Sheid, Pinto

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Machado e Ernesto Nogueirol, saber sobre a vida de vocês foi o combustível para a minha roda girar, para me fazer dar o máximo de mim nas páginas a seguir.

Por fim, agradeço a cada pessoa que passou pela minha vida ao longo desses dois anos, vocês agregaram força e potência para que eu me mantivesse inspirada, até quando a política e o retrocesso me faziam esmorecer. Vocês me mantiveram de pé quando uma parte do país escolheu voltar no tempo, bater continência para o preconceito e vestir a camisa de torturador.

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Que a vida seja Leve Livre Lenta Que seja Pluma Que seja Plena Que valha a pena Que tenha gosto de poema

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RESUMO

GOMES, Camilla Estevam Dantas. “Instruam o operário”: Projetos, disputas e

demandas por instrução para trabalhadores na imprensa do Engenho de Dentro (1890-1905). 2019. 124f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de

Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.

O presente trabalho tem como objetivo central compreender de que maneira a instrução era apresentada nas folhas publicadas por e/ou direcionadas aos trabalhadores, no[s] subúrbio[s] da cidade, com especial atenção ao bairro do Engenho de Dentro. Almeja-se perquirir quais projetos, disputas e demandas eram postas, no campo da instrução, por esses sujeitos, considerando suas experiências no mundo das letras. A pesquisa teve como ponto de partida a análise dos periódicos A Tribuna (1890), O Echo Suburbano (1901) e A União Operaria (1904-1905), apreendendo-os não somente como um espaço de amplificação das carências e necessidades da população dos distritos suburbanos, mas também como importante lugar utilizado por operários, professores e jornalistas para a difusão da cultura letrada e da formação intelectual dos e para os trabalhadores. Por meio da análise dos impressos, buscamos lançar luz sobre as motivações dos trabalhadores em publicarem nessas folhas, considerando o ato da leitura e da escrita como uma estratégia de luta por espaço de expressão e divulgação de seus ideais políticos e sociais. Dessa maneira, nos preocupamos em evidenciar o processo de desenvolvimento do movimento operário nos arredores da Estrada de Ferro, cotejando, em especial, as propostas enunciadas pela União Operaria do Engenho de Dentro, bem como as disputas e tensões que homens e mulheres viviam no decorrer das colunas assinadas por eles na imprensa. A partir desses aspectos, espreitamos a trajetória de alguns personagens, dentre eles, a professora, presidente do Partido Operário Independente e responsável pela criação de escolas operárias, Elisa Scheid, perseguindo seu percurso no magistério, na cidade do Rio de Janeiro, e suas reflexões sobre a importância da instrução para que os operários alcançassem a liberdade. Sendo assim, a trajetória da docente foi nossa janela para esmiuçar as ideias e perspectivas propostas por ela e por seus companheiros para formação intelectual dos trabalhadores, no subúrbio do Rio de Janeiro.

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ABSTRACT

GOMES, Camilla Estevam Dantas. “Instruam o operário”: Projetos, disputas e

demandas por instrução para trabalhadores na imprensa do Engenho de Dentro (1890-1905). 2019. 124f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de

Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.

The main objective of this work is to understand how the instruction was presented in the leaves published by and / or directed to the workers in the suburb of the city, with special attention to the neighborhood of Engenho de Dentro. It is desired to investigate what projects, disputes and demands were placed, in the field of education, by these subjects, considering their experiences in the world of letters. The research had as its starting point the analysis of the periodicals A Tribuna (1890), The Suburban Echo (1901) and the União Operaria (1904-1905), seizing them not only as a space for amplifying the needs and needs of the population of the suburban districts, but also as an important place used by workers, teachers and journalists for the diffusion of literate culture and the intellectual formation of and for the workers. Through the analysis of the printed matter, we seek to shed light on the motivations of the workers to publish in these sheets, considering the act of reading and writing as a strategy of struggle for space of expression and dissemination of their political and social ideals. In this way, we are concerned to highlight the process of development of the workers' movement in the vicinity of the Railroad, in particular, the proposals enunciated by the Union Operaria do Engenho de Dentro, as well as the disputes and tensions that men and women lived in the course of the columns signed by them in the press. From these aspects, we look at the trajectory of some characters, among them the teacher, president of the Independent Workers 'Party and responsible for the creation of workers' schools, Elisa Scheid, pursuing her teaching career in the city of Rio de Janeiro, and her reflections on the importance of instruction for the workers to achieve freedom. Thus, the trajectory of the teacher was our window to scrutinize the ideas and perspectives proposed by her and her companions for the intellectual formation of the workers, in the suburb of Rio de Janeiro.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Escola Anexa às Oficinas (1907) ... 50

Figura 2 - Mapa do entorno da Estação do Engenho de Dentro – 1904. ... 56

Figura 3 - Planta das Oficinas do Engenho de Dentro (1907). ... 58

Figura 4 - Mapa da região do distrito de Inhaúma. ... 71

Figura 5 - Antonio Augusto Pinto Machado. ... 80

Figura 6 - Elisa Scheid. ... 92

Figura 7 - Retrato de Elisa Sheid. ... 97

Figura 8 - Fachada da União Operaria do Engenho de Dentro e alguns alunos da Escola Elisa Scheid. ... 104

Figura 9 - Elisa Scheid. ... 105

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LISTA DE QUADROS:

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

POI Partido Operario Independente

UOED União Operaria do Engenho de Dentro EFCB Estrada de Ferro Central do Brasil

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 16

- CAPÍTULO 1- Pelo Bem Geral dos subúrbios: projetos, disputas e demandas por instrução para trabalhadores na imprensa do Engenho de Dentro ... 25

1.1. O subúrbio a todo vapor: o processo de desenvolvimento e urbanização do Engenho de Dentro.... ... 26

1.2. Instruir para formar os trabalhadores das Oficinas do Engenho de Dentro... 36

1.3. O poder da palavra em prol dos operários das Oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil... ... 55

- CAPÍTULO 2- A União Operária do Engenho de Dentro em prol da instrução do operariado suburbano ... 66

2.1. Companheiros a’ lucta, pois só a união faz a força! ... 66

2.2. União Operaria do Engenho de Dentro: uma sentinela da liberdade ... 75

2.3. A instrucção do operario nas páginas dA União Operaria ... 83

- CAPÍTULO 3 - Elisa Scheid: entre as salas de aula e a liderança operária ... 88

3.1. Elisa Scheid, uma operária das letras ... 89

3.2. O Partido Operario Independente e a liderança operária a favor da instrução ... 97

3.3. Para além da sala... ... 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 111

FONTES: ... 117

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Poderíamos começar a introdução com muitos autores, citando algumas das referências utilizadas para o desenvolvimento do presente estudo, mas escolhemos começar da origem dessa pesquisa, a história da autora desta dissertação.

Nascida em 21 de abril de 1992, era ano de Fora Collor e ela, ela só queria ver o mundo. Nascida na região portuária da cidade do Rio de Janeiro, em uma maternidade localizada na Rua Venezuela, pertinho da Pedra do Sal. Diferente do normal, nasceu e foi parar na recepção, levada por uma enfermeira, para que seus familiares pudessem conhecê-la e assim começa a história desse estudo, uma família suburbana e outra nordestina, os motores para a construção dessas linhas.

Filha de um nordestino e uma carioca, neta de dois nordestinos, um mineiro e uma fluminense. Seu avô paterno era maquinista da Rede Ferroviária Federal na cidade de Mossoró, minha avó costureira; já o avô materno escriturário e avó era chefe de sessão da Rede. Assim, em meio às histórias da infância de sua mãe, desde a sua vinda de Guaratinguetá para a Abolição, bairro onde reside desde que nasceu, surge o desejo de saber mais da história daquele lugar, que trás no nome a potência do chão suburbano. Vizinha do que um dia abrigou as Oficinas da Estrada de Ferro D. Pedro II e, posteriormente, mais precisamente em 1889, passou a se chamar Estrada de Ferro Central do Brasil. Seu cotidiano pela cidade sempre foi cortado pela Rua das Oficinas, Rua Henrique Scheid e tantos outros logradouros do Engenho de Dentro e a Abolição. Na infância seu maior desejo era saber por que aquele lugar se chamava Abolição/Engenho de Dentro, e agora, com o mestrado, conseguiu dar conta, pelo menos em partes, se saber a sua história, a história do lugar onde mora, da história dos meus avós.

O subúrbio, que é e foi morada dos Estevam, sua família materna, e dos Dantas Gomes, a família paterna, foi lugar de figuras pouco célebres, tanto para a academia, como para nós, suburbanos. Ao longo da sua trajetória acadêmica se preocupou em levar um pouco do que aprendia na faculdade para casa, para seus pais, pois, sempre acreditou ser importante dividir tudo que aprendia com eles, já que ambos nunca haviam entrado em uma Universidade antes de sua matrícula, e depois para a formatura, na vida.

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17 Sendo bolsista de iniciação científica por quase toda a graduação, pesquisou durante muito tempo as iniciativas de intelectuais negros acerca da instrução na conjuntura do pós-abolição. Seu primeiro encontro na academia foi com José do Patrocínio, homem que atuou como boticário, foi jornalista, fundou escola, sonhou em voar num balão e residiu no Engenho de Dentro no fim da vida. Toda e qualquer novidade da pesquisa era motivo de orgulho e felicidade para Dilma e Beto, seus pais, e para ela, aquilo era como voar no balão do Patrocínio, era voltar no tempo. Mal sabia ela que era só o começo dessa viagem até o século XIX e o advento da República...

Para os mais céticos da academia os parágrafos acima soariam como uma tentativa de apresentar uma trajetória linear, mas apenas procuramos dar conta da experiência da autora enquanto moradora do entorno da localidade onde funcionaram as Oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil para refletir sobre projetos, disputas e demandas por instrução para trabalhadores na imprensa do Engenho de Dentro (1890-1905). Dessa maneira, nos aproximamos das perspectivas apontadas Edward P. Thompson quando o autor destaca que a educação é uma prática social que se edifica a partir dos conhecimentos existentes nas experiências vividas pelos sujeitos históricos e estão vinculadas com as relações sociais desses indivíduos1.

Escolhemos começar pelo o que Lima Barreto já fez ao longo de suas obras – Clara dos Anjos, por exemplo – , talvez com menos acidez e qualidade, mas com muita vontade de acertar, escolhemos contar um pouco de sua vida e da vida dos e nos subúrbios. As crônicas2 de Lima Barreto permitem que seus leitores, de maneira geral, sejam eles pesquisadores ou não, construam um imaginário acerca dos indivíduos que habitavam as terras suburbanas do Rio de Janeiro, ainda nas primeiras décadas do século XX.

Na sua crônica intitulada O trem dos subúrbios, por exemplo, Afonso Henriques de Lima Barreto, descreve a tela, O vagão de terceira classe3, que de acordo com a análise do cronista carioca, tal composição muito tinha em comum com os nossos trens

1 THOMPSON, Edward Palmer. Os românticos: a Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2002.

2 Conforme destaca Resende (2016), a crônica brasileira surge, no século XIX, como um espaço

dedicado, nos jornais, ao comentário desses próprios jornais acerca do cotidiano da cidade. Sendo assim, esse formato de texto se apresenta, quase que indissociavelmente, vinculado à imprensa, com o intuito de representar a rotina da cidade para o leitor.

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18 de segunda classe4, porém os passageiros de estampa homogênea, daquele vagão, se diferenciavam dos nossos, em função da heterogeneidade das figuras que circulavam nos trens suburbanos cariocas. Conforme descreve o autor, para sentir a amargura do destino, faltava aos suburbanos usuários da segunda classe profundeza de sentimento.

[...] Aquelas caras tristes, tangidas pela miséria, oprimidas pelo exaustivo trabalho diário; aquele cachimbar de melancolias; aquelas mulheres com xales à cabeça, e magras crianças ao colo – tudo aquilo me ficou; mas não foram só os detalhes que aí deixo e cuja exatidão não garanto inteiramente, que me calaram fundamente n’alma. O que me impressionou mais foi a ambiência que envolve todas as figuras e a estampa registra, ambiência de resignação perante a miséria, o sofrimento e a

opressão que o trabalho árduo e pouco

remunerador traz às almas. [...]5

Ao longo do texto, são apresentados alguns perfis de passageiros que circulavam nas estações de trem. No início da tarde, eram os rapazes de instrução descuidada e as passeadeiras suburbanas, que ocupavam os bancos das composições. Mais à tardinha, os trens, que faziam o caminho de volta para os subúrbios da Central, eram ocupados por burocratas, militares, “meninas de Normal e da Música, tudo de cambulhada, ficando a fisionomia do trem muito confusa, de forma que é difícil tirar um traço seguro dela” (BARRETO, 2017, p. 231).

Em virtude das muitas mudanças de endereço, ao longo da vida, Lima Barreto, residiu em diferentes localidades na cidade do Rio de Janeiro. Na primeira mudança, a família partiu de Laranjeiras para o Flamengo, buscando os banhos de mar, na tentativa de uma melhoria no quadro de saúde de Amália Augusta, sua mãe, que, à época, enfrentava uma tuberculose. Em seguida, fixaram logradouro na região central da cidade, na rua das Marrecas, próximo à praia de Santa Luzia. Depois das duas mudanças, a professora de primeiras letras não apresentou melhora e a família buscou

4 As estações de trem dos subúrbios eram servidas por dois tipos de trem, aqueles que tinham apenas duas

paradas, uma na estação de Cascadura e outra no Engenho de Dentro, o chamado trem de pequeno

percurso, e os trens que baldeavam em todas as estações, conhecidos como os trens de subúrbio. Além da

distinção de percurso, havia a distinção de acomodação, “até o final do século XIX, os carros de passageiros eram divididos em três classes, sendo utilizada, posteriormente, apenas a divisão entre a primeira e a segunda classe”. No ano de 1907, por exemplo, a tarifa dos trens de subúrbio da primeira classe custava $300 réis e o da segunda, popularmente conhecido como trem dos operários, pelo fato de terem um número significativo de passageiros, nos horários da madrugada, custava $200 (SCHWARCZ, 2017, p. 170).

5 BARRETO, Lima. O trem de subúrbios. Gazeta de Notícias, 21 de dezembro de 1921. In: Lima Barreto:

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19 os ares do subúrbio de Boca do Mato, para curar a moléstia da matriarca da família. Contudo, a mudança não foi suficiente para a sua recuperação e os Lima Barreto retornaram para a região central da cidade, inicialmente, no bairro do Catumbi e, depois, em Paula Matos, bairro localizado entre Rio Comprido e Santa Teresa6.

Com o falecimento de Amália Augusta, em 1887, Lima Barreto passou por muitos endereços de estalagem, na região central do Rio de Janeiro, circulando pelos cafés, confeitarias, além de iniciar sua produção em periódicos estudantis7. A partir do ano de 1902, em virtude da loucura do pai, Lima Barreto e a família se mudaram novamente e passaram a residir nas proximidades da estação ferroviária do Engenho Novo8 e, posteriormente, em 1903, o escritor, jornalista e funcionário público aposentado9 se muda para Todos os Santos, onde viveu até o fim da vida.

O movimento de mudança da região central da cidade para os subúrbios não foi uma exclusividade da família do escritor Lima Barreto. A trajetória da família retrata parte de um cotidiano dos moradores da cidade do Rio de Janeiro, ao longo do final do século XIX para o início do século XX. A partir da abolição da escravatura e a proclamação da República, as terras cariocas passaram por importantes alterações10, no que tange à sua organização demográfica, em virtude do aumento populacional, tanto na região urbana como nos subúrbios da cidade.

Naquele período, a cidade do Rio de Janeiro atravessou um processo de urbanização que se constituiu a partir de demolições e abertura de ruas e, dessa forma, a geografia da cidade acabou passando por transformações importantes, que resultaram numa crise habitacional, em especial, para os cariocas que pertencentes às classes trabalhadoras. Nesse sentido, a imprensa – tanto a de grande circulação como a local –

6 BELCHIOR, Pedro. Tristes subúrbios: literatura, cidade e memória na experiência de Lima Barreto

(1881-1922). Dissertação (Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, Niterói, 2011.

7 Nesse período, Lima Barreto escreveu para o jornal A Lanterna, um pequeno jornal estudantil, fundado

por Júlio Pompeu de Castro e Albuquerque, além de contar com a colaboração de Bastos Tigre (BELCHIOR apud RESENDE; VALENÇA, 2004).

8

Ver BARBOSA (2017); BELCHIOR (2011); SCHWARCZ (2017).

9 Em virtude da doença do pai, Lima Barreto precisou assumir as responsabilidades financeiras da casa e

da família, assim, não chegou a concluir o curso de Engenharia Civil na Escola Politécnica e ingressou no funcionalismo público, através do concurso para o cargo de amanuense, na Secretaria de Guerra, no ano de 1903, se aposentando da função em 1919 (BELCHIOR, 2011).

10 A primeira mudança de ordem territorial pela qual a cidade passou foi a divisão entre distritos urbanos

e distritos suburbanos. Santos (2011) destaca que a divisão do município em áreas urbanas e suburbanas10 foi formalizada antes mesmo da Reforma Pereira Passos (1902-1906) por meio do decreto nº 1034ª, de 1 de setembro de 1892, que se apresentava com o intuito de regulamentar o serviço policial do Distrito Federal.

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20 se apresentava como um lugar importante para os cariocas exporem as mazelas que assolavam a cidade nos anos posteriores à proclamação da República.

Dessa maneira, a partir da breve biografia de Lima Barreto, daremos início à nossa viagem em direção ao Engenho de Dentro para investigar as questões que vinham sendo apresentadas pela imprensa local, em especial, aspectos relacionados às lutas dos trabalhadores no campo da educação. Nesse sentido, o intuito do presente trabalho é investigar de que maneira, homens e mulheres que ali residiam e/ou trabalhavam, atuaram em prol da instrução dos operários e das classes populares fosse através de iniciativas como estabelecimentos de ensino particulares e/ou públicos, fosse por meio da imprensa, com o intuito de impulsionar a formação intelectual e política dos operários, considerando o fato de que naquele momento para os homens saber ler, escrever e contar significar mais do que estar incorporado ao mundo das letras, mas também ter seus direitos políticos minimamente garantidos, tendo em viste que somente letrados poderiam exercer o direito do voto.

Sobre tal aspecto, Marialva Barbosa aponta para o fato de a leitura ter passado a ser, naquele momento, um hábito nas cidades, fosse debaixo dos postes iluminados, nas praças, nas ruas, nas avenidas ou nos jardins, o que mostra que a leitura se configurava como mais um espaço de sociabilidade entre trabalhadores e trabalhadoras da cidade. Ainda de acordo com a autora, a partir da década de 1880, a imprensa dos grandes centros passou por uma considerável diversificação, em que proliferaram não só a produção de jornais diários, mas também revistas, periódicos críticos e literários, além de impressos que tratavam, exclusivamente, dos mundos do trabalho.

Sendo assim, através das experiências de trabalhadores com a imprensa, buscamos apreender e evidenciar como a instrução era apresentada nas folhas publicadas por e/ou direcionadas aos trabalhadores, no[s] subúrbio[s] da cidade e como operários, professores e jornalistas utilizavam a imprensa como espaço para formação moral, política e intelectual. Nessa perspectiva, esta pesquisa tem a proposta de ampliar os estudos acerca da experiência dos trabalhadores com o mundo das letras, lançando luz sobre as ações por eles propostas no campo da instrução por meio das páginas da imprensa.

Sobre tal perspectiva, o estudo de Ana Luiza Costa nos possibilitou compreender que os impressos, fossem jornais ou revistas, se configuravam como um importante espaço de formação e repercussão dessas iniciativas, pois, apresentavam circulação mais

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21 ampla e democrática que o livro, especialmente se tratando das classes trabalhadoras enquanto público leitor, sendo sua leitura e a escrita politizadas, não se dando de maneira mecânica e, tampouco, ouvidas de forma displicente. Os trabalhadores se reuniam em espaços diversos para lerem e compartilharem suas histórias, que também eram aquelas reproduzidas nas páginas dos jornais.

Dessa maneira, recorremos à imprensa suburbana, a partir das páginas dO Echo Suburbano e dA União Operaria – tendo em vista que ambos apresentavam redação com logradouro fixado no Engenho de Dentro – para perquirir o que vinha sendo publicado sobre instrução e quais debates e iniciativas educacionais eram levantadas por esses sujeitos, especialmente, nas páginas da dita imprensa suburbana. Sobre a prática do jornalismo nos subúrbios, Leandro Mendonça (2017) destaca que no meandro das décadas de 1880 e 1940 alguns dos bairros localizados no entorno da Estrada de Ferro Central do Brasil apresentaram um significativo envolvimento com a imprensa, tendo sido criados nesse momento cerca de 100 títulos de periódicos locais, uma quantidade expressiva para aquela região que, naquele momento, experimentava a consolidação de seu processo de urbanização e possibilitava, para aqueles que possuíssem algum tipo de capital pecuniário e/ou simbólico, para o estabelecimento de redações jornalísticas, tipografias, escolas, bibliotecas, entre outros empreendimentos relacionados à experiência e ao desenvolvimento da cultura letrada.

Além da imprensa suburbana, também nos debruçamos sobre a imprensa de grande circulação, a partir das páginas dA Tribuna, para pavimentar nosso percurso em direção as ações mais institucionalizadas para a instrução dos operários das Oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil e dos que residissem em seu entorno, ainda na década de 1890. Sobre esse aspecto é importante destacar que, ainda nas últimas décadas do século XIX, os impressos com redações localizadas nas ruas da região central passaram a dedicar algumas colunas e/ou páginas das publicações às demandas dos moradores dos subúrbios, tendo sido inúmeras as publicações que se propuseram a dar conta das questões da população residente naquela região.

É fundamental salientarmos que os discursos dA União Operaria, dO Echo Suburbano e dA Tribuna se aproximavam, especialmente, no que dizia respeito às questões da formação intelectual, moral e política, por meio da instrução da classe trabalhadora suburbana. Porém, embora as publicações se aproximassem nesses aspectos, também se distanciavam em outros, sobretudo no que se refere: à sua

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22 circulação, ao público para os quais se direcionavam, às demandas apresentadas por essas publicações ao longo de suas páginas, à longevidade da circulação dos impressos e à sua representatividade na cena do periodismo carioca.

Partindo da perspectiva da aproximação entre as publicações, Antônio Augusto Pinto Machado – que se apresentou como uma figura notável na cena do movimento operário carioca – representou um papel importante na imprensa, com especial atenção à sua atuação na coluna publicada nas páginas dA Tribuna, acerca do cotidiano suburbano e, em seguida, ao longo das folhas dA União Operária.

Desse modo, a partir de tais aspectos, é importante evidenciarmos que as publicações apresentadas, ao longo do presente estudo, contemplavam projetos comuns, principalmente, com relação à formação intelectual da classe trabalhadora; ainda que seus proprietários e redatores não estivessem, explicitamente, vinculados às mesmas redes de sociabilidade, como foi o caso de Ernesto Nogueirol, por exemplo, cujo impresso O Echo Suburbano, de sua propriedade, também tinha o intuito de lançar a pena sobre os aspectos que ilustravam a cena suburbana.

No que diz respeito ao recorte temporal do presente trabalho, este encontra-se relacionado às fontes utilizadas no decurso de nossa pesquisa. Sendo assim, as iniciativas capitaneadas por figuras como Antonio Augusto Maia Maciel e Dionísio José Oswaldo de Menezes – no campo da instrução, no entorno da Estação do Engenho de Dentro, e publicadas, por conseguinte, nas páginas dA Tribuna – se apresentaram como marco inicial do embarque nesse trem em direção ao Engenho de Dentro, especialmente pelo fato de a folha ter sido uma das primeiras publicações a produzir uma coluna dedicada aos subúrbios da Central. Já o período no qual optamos encerrar nosso percurso está relacionado ao fato de a publicação e a circulação dos impressos O Echo Suburbano e A União Operaria – que encamparam substanciais discussões concernentes à instrução dos operários – terem acontecido entre os meses de agosto e outubro de 1901 e maio de 1904, bem como outras duas edições em outubro de 1905.

Ainda que tenhamos utilizado as publicações como justificativa para o recorte temporal da presente pesquisa, é importante deixar claro para o leitor que as escolhas do historiador não estão vinculadas apenas às indagações elaboradas por ele, mas também à localização e à utilização das fontes. Como aponta Carvalho (2019), ancorada nas perspectivas de Sklar e Dublin (2012), a pesquisa, em fontes primárias, através de

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23 plataformas digitais – como a Hemeroteca Digital Brasileira – possibilita o acesso a um volume consideravelmente maior de informação, frente à forma tradicional de pesquisa.

Sendo assim, quando nos deparamos com a infinidade de caminhos para desenrolar aquele emaranhado de fontes e possibilidades, optamos por realizar uma investigação que não buscasse respostas para nossas perguntas e, sim, meios para reconstruir, por intermédio das páginas da imprensa, o caminho para realizar cada uma de nossas paradas, considerando as [in]congruências entre as informações localizadas na Hemeroteca e nossos objetivos.

Dessa maneira, utilizamos a imprensa não somente como fonte, mas também como objeto, tendo em vista que, nos dedicamos a conhecer a materialidade dos impressos, considerando o contexto cujo estes estavam sendo publicados na tentativa de recuperar os motivos que levavam sujeitos populares escrever e, mais do que isso, para quem, o que e onde estes escreviam (MACIEL, 2006). Nessa perspectiva, a imprensa operária pavimentou um caminho importante para conhecermos as bandeiras hasteadas pela União Operária do Engenho de Dentro, apreendermos um pouco mais do que estava em disputa pelos trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro.

Sobre esse aspecto, os estudos de Claudio Batalha (2009; 2014) foram de extrema importância para compreendermos como o movimento operário estava sendo disseminado pelo território carioca, em especial, na Primeira República, período importante para o estabelecimento da mobilização coletiva, organização da classe operária e a formação de uma cultura associativa, balizada em um conjunto de práticas e propostas culturais das associações, das visões de mundo propagadas por meio dos seus discursos, ou seja, se tratava de um conjunto de valores compartilhados pelas organizações operárias.

Naquela conjuntura, posterior à abolição da escravidão, as relações de trabalho haviam sido redefinidas e os trabalhadores vinham buscando se mobilizar em favor do direito de edificar a criação de espaços de sociabilidade, unificação de suas iniciativas, reivindicações e protestos de trabalhadores (MACIEL, 2016). Dessa maneira, além das páginas dos jornais sobre os quais nos debruçamos de maneira mais incisiva ao longo do trabalho também recorremos a outras publicações para esmiuçar e perseguir questões apresentadas por alguns dos personagens presentes na nossa viagem, como foi o caso da professora elementar e presidente do Partido Operario Independente, Elisa Scheid.

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24 A nossa primeira parada terá o objetivo de compreender de que maneira os trabalhadores utilizavam o espaço da imprensa suburbana e de grande circulação para difundir seus ideários sociais, seus posicionamentos políticos e como espaço de formação nos subúrbios da cidade. Nesse sentido, ao longo do percurso, investigaremos o que esses trabalhadores publicavam acerca da instrução e os debates e iniciativas educacionais por eles elencados nas páginas de O Echo Suburbano e A Tribuna, considerando a expansão da malha ferroviária, o impacto da urbanização e as demandas por instrução na região do Engenho de Dentro.

Na estação seguinte, embarcaremos na composição do movimento operário dos arredores da Estação do Engenho de Dentro por meio das páginas do jornal publicado e gerido por operários e/ou sócios da União Operaria do Engenho de Dentro, A União Operaria, que reivindicavam melhores condições sociais, políticas e trabalhistas para os operários residentes na região e que tinha como uma das principais bandeiras à instrução para os trabalhadores. Nesse momento, a questão do associativismo, das demandas dos operários e o movimento trabalhista receberão maior atenção, delineando a relação entre instrução e as lutas políticas dos mundos do trabalho.

Por fim, desembarcaremos na estação Elisa Scheid, parada em que nos dedicaremos às iniciativas e lutas encampadas pela docente na imprensa operária e de grande circulação, em favor do movimento operário, perseguindo seu percurso no magistério, na cidade do Rio de Janeiro, suas reflexões, ideias e perspectivas propostas por ela, e por seus companheiros, acerca da importância da instrução para que os operários alcançassem a liberdade.

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- CAPÍTULO 1-

Pelo Bem Geral dos subúrbios: projetos, disputas e demandas por

instrução para trabalhadores na imprensa do Engenho de Dentro

[...] um jornal assignala sempre um marco no caminho do progresso: além do aproveitamento do trabalho do operario, há o aproveitamento das aptidões intellectuais dos que escrevem.11

Essa breve passagem do jornal O Echo Suburbano aponta a importância da imprensa para o desenvolvimento do presente trabalho, cuja preocupação central será compreender e evidenciar como a instrução era apresentada nas folhas publicadas por e/ou direcionadas aos trabalhadores, no[s] subúrbio[s] da cidade, com especial atenção ao bairro do Engenho de Dentro, e quais projetos, disputas e demandas eram postas, nesse campo, por esses sujeitos, a partir de suas experiências no mundo das letras.

Os periódicos se constituem não somente enquanto um espaço de amplificação das carências e necessidades da população dos distritos suburbanos, mas também como importante lugar para a compreensão da difusão da cultura letrada e da formação intelectual dos e para os trabalhadores. Assim, em consonância com a perspectiva apontada por Maciel (2006, p. 288), interessa, nessa pesquisa, lançar luz sobre as motivações dos trabalhadores em publicarem nessas folhas, considerando o ato da leitura e da escrita como uma estratégia de: luta por espaço, expressão e divulgação de “ideias, projetos [e] debates alternativos que se contrapunham ao poder, ao dominante”. Este capítulo se preocupa em compreender de que maneira os trabalhadores faziam uso de veículos da imprensa suburbana e de grande circulação, para difundir seus ideários sociais, seus posicionamentos políticos e como espaço de formação nos subúrbios da cidade. Nessa perspectiva, interessa investigar o que trabalhadores publicavam sobre educação e quais debates e iniciativas educacionais eram suscitados por eles nesses jornais.

A partir dessas questões, a pesquisa terá como ponto de partida a análise dos periódicos A Tribuna e O Echo Suburbano, em relação aos aspectos acerca do processo de desenvolvimento do Engenho de Dentro, considerando a expansão da malha ferroviária, o impacto da urbanização e as demandas por instrução, entre os anos de 1890 e 1905. Nesse sentido, a utilização de dois impressos, de períodos distintos, um de

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26 grande circulação, com escritório localizado na região central da cidade e o outro com redação localizada no Engenho de Dentro e circulação mais voltada para a mesma região, será realizada de maneiras distintas ao longo do capítulo.

A Tribuna nos possibilitará percorrer, no campo da instrução, as ações mais institucionalizadas para os operários das Oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil e do seu entorno, ainda na década de 1890; enquanto O Echo Suburbano, além de nos apresentar um pouco mais do bairro em que se localizava, contribuirá para compreendermos quais aspectos, no tocante à educação, estavam sendo discutidos e demandados por trabalhadores e habitantes, já no início do século XX, na imprensa local.

Agora que já traçamos o itinerário da nossa viagem, podemos embarcar no trem e viajar no tempo, rumo ao Engenho de Dentro.

1.1. O subúrbio a todo vapor: o processo de desenvolvimento e urbanização do Engenho de Dentro

Ao chegar a casa, levava comigo, além de um kilo de café, uma manteiga comprada no Martins, 200 réis de especiaes balas de ovo para as crianças e o primeiro numero do Echo[...].12

Seguindo as linhas escritas por Matheus, o autor da coluna Variedades dO Echo Suburbano, é possível dimensionar a importância do periódico e da imprensa, – não somente em seu próprio cotidiano, mas também na localidade do Engenho de Dentro13 – e compreender quais pautas Ernesto Nogueirol, editor e proprietário do impresso, e seus colaboradores elencavam naquelas folhas, o que permite investigar quais demandas, disputas e tensões se faziam presentes, acerca da instrução, naquela localidade.

Nessa perspectiva, o impresso é uma importante fonte para esmiuçar o processo de desenvolvimento do bairro do Engenho de Dentro, tendo em vista que fora um dos poucos jornais14 com redação instituída na localidade, além de ter encampado as reivindicações dos operários das oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil, no curto período em que foi publicado15.

12 O Echo Suburbano, Engenho de Dentro, ano 1, n. 3, p. 3, edição 17 de agosto de 1901. 13

Conforme aponta Marialva Barbosa (2010) a maior parte de leitores de jornais – como O Jornal do

Brasil, por exemplo – se fazia presente de maneira eloquente nos subúrbios da cidade.

14 No capítulo seguinte, será apresentado outro jornal, com redação localizada no Engenho de Dentro, A

União Operário do Engenho de Dentro.

15 O Echo Suburbano se apresenta como grande parte dos periódicos publicados no subúrbio da Central,

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27 O periódico suburbano se insere em um processo mais amplo e profundo de desenvolvimento e transformação da imprensa. Conforme aponta Barbosa (2010), a partir da década de 1880, a imprensa dos grandes centros passou por uma considerável diversificação, em que proliferaram não só a produção de jornais diários, mas também revistas, periódicos críticos e literários, além de impressos que tratavam, exclusivamente, dos mundos do trabalho.

Esses periódicos, ainda que não possuíssem redações, como as da chamada grande imprensa, de certa forma, reproduziam aspectos presentes nesses impressos. Mendonça (2017, p. 47) afirma que a linha editorial dessas publicações seguia a que estava sendo proposta pela imprensa brasileira, que apresentava como principal característica “o enfoque dado ao noticiário, com sua miríade de seções voltadas para segmentos específicos da população e suas múltiplas formas de experimentar a vida numa cidade que se massificava”. Assim, nos anos que sucederam a República, o ofício da pena e do papel se apresentava como um espaço na cena pública para que homens e mulheres pudessem emitir, através do mundo das letras, suas considerações sobre o cotidiano dessas localidades.

Nesse sentido, embora O Echo Suburbano não se configurasse de forma clara e objetiva como um jornal operário – e sim como uma folha que tinha “o mais ardente desejo de trabalhar pelo engrandecimento e prosperidade d’esta zona suburbana, conta[ndo] encontrar nos seus habitantes indispensavel acolhimento, a precisa

animação, para bem poder conseguir o seu desideratum”16 – as demandas elencadas

pelo impresso, acerca das necessidades do bairro do Engenho de Dentro, se confundiam com as disputas e tensões que permeavam a rotina dos trabalhadores das oficinas da Estrada de Ferro.

Já na primeira edição do jornal, na coluna intitulada O Echo Suburbano, Ernesto Nogueirol salienta que baniria a política do impresso, entretanto, não deixaria de emitir a sua opinião quando fosse preciso. Nesse tocante, Marialva Barbosa (2010) ressalta que, para além dos processos de transformação e ampliação da imprensa, especialmente no Rio de Janeiro, criou-se um novo padrão editorial dos impressos. Naquele momento,

realizada na Hemeroteca Digital o impresso teria circulado apenas entre os meses de agosto e outubro do ano de 1901, tendo sido publicado, até sua nona edição, aos sábados, as duas edições seguintes às quartas-feiras e a décima segunda edição, novamente, no sábado.

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28 os textos pretendiam, supostamente, informar, se passar por isentos, neutros, imparciais e verossímeis à realidade.

O Echo Suburbano se colocava na função de advogar a favor dos interesses dos habitantes do Engenho de Dentro, com o intuito de se pronunciar em nome desses sujeitos e “mediar as relações com os representantes do poder, visando obter mais

prosperidade”17 para a região que, no período anterior à publicação do periódico

suburbano, apontava um notório adensamento populacional em decorrência do processo de urbanização, expansão das linhas férreas e ampliação do transporte ferroviário. Dessa maneira, a imprensa suburbana, mais do que nos possibilitar acompanhar os interesses locais, nos possibilita perquirir as disputas mais amplas da configuração política e geográfica daquele território contemplado pelo periódico. Assim, o periodismo local se instaura como um importante espaço para nós, pesquisadores, porque torna possível investigarmos e, talvez, compreendermos quais disputas estavam postas nos subúrbios da cidade.

Entre as décadas de 1880 e 1940, algumas localidades suburbanas vizinhas à Estrada de Ferro Central do Brasil, dentre elas, o Engenho de Dentro, tiveram um significativo envolvimento com a prática do jornalismo. Naquele período, foram criados cerca de 100 títulos de periódicos locais (MENDONÇA, 2017), uma quantidade significativamente expressiva para a região, que vivenciava a consolidação do seu processo de urbanização e oferecia condições para aqueles que possuíssem algum tipo de capital, pecuniário e/ou simbólico, para o estabelecimento de redações jornalísticas, tipografias, escolas, bibliotecas, entre outros empreendimentos relacionados à experiência e ao desenvolvimento da cultura letrada.

Nesse contexto, o interesse pelas localidades suburbanas não foi uma exclusividade dos jornalistas que ali residiam ou das redações que tinham como endereço os subúrbios da Central. Os impressos localizados no centro da cidade também pautavam as demandas dos que ali viviam; foram inúmeras as publicações de grande circulação que se propuseram a dar conta das questões da população residente naquela região. Ainda na década de 1880, o Diário de Notícias, foi o primeiro impresso a publicar uma coluna dedicada aos subúrbios, intitulada “Notas Suburbanas”, porém, foi a partir da década de 1890 que essa produção se intensificou.

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29 No ano de 1890, A Tribuna criou a coluna “Fóra de Portas – Revista dos Subúrbios” que, no ano de 1907, foi remodelada e passou a ser chamada de “Subúrbios”. No ano de 1901, o Correio da Manhã, em sua edição de estreia, fez surgir a coluna Pelos Subúrbios, que circulou de maneira irregular, deixando de ser publicada, em 1902. Já em 1910, a seção recebeu outro título: “Correio Suburbano” e, posteriormente, “Subúrbios e Arrabaldes”. Em 1906, O Jornal do Brasil estreou a seção “Subúrbios”, porém, somente em 1908, o jornal se comprometeu a publicá-la regularmente, passando por uma reestruturação, no ano de 1909, e ocupando um espaço maior na publicação. Processo semelhante aconteceu com o Correio da Manhã, que teve seu título alterado para Notícias dos Subúrbios em 1914 e, novamente, em 1918, quando passou a ser chamado Nos Subúrbios (MENDONÇA, 2017).

No ano de 1906, o jornal O Paiz também se incumbiu de criar uma coluna, cujo eixo central focava-se nos subúrbios. Com título de O Paiz nos Subúrbios, a coluna circulou entre os anos de 1907 e 1909, tendo retornado, na década seguinte, sob o título de Pelos Subúrbios e, em 1918, veiculada como suplemento, O Subúrbio e Seção Suburbana. Já entre os anos de 1910 e 1917, o Diário de Notícias, A Época e o Correio da Noite também passaram a publicar colunas que contemplavam os arrabaldes da cidade (MENDONÇA, 2017).

A partir desse cenário, fica evidente que, diferente dos jornalistas das grandes folhas – que viam o subúrbio como um território lucrativo a ser conquistado e que, por vezes, reafirmavam um ideário de atraso dessa região, ao longo das colunas por eles publicadas – os jornalistas oriundos e/ou residentes dos subúrbios se tornaram produtores de conteúdos, operando como mediadores de interesses locais.

Esse jornalismo, praticado em prol daquelas localidades, também se constituiu em espaço de mediação de conflitos e disputas locais entre proprietários de jornais, políticos, proprietários de terras e trabalhadores de maior renda. De acordo com Mendonça (2017, p. 62), muitos desses sujeitos estavam “interessados em dirigir as consciências e os votos da crescente população que habitava as zonas suburbanas e que, em conjunto, formava o segundo distrito eleitoral da capital federal”.

Sendo assim, embora estudos acerca do processo de remodelação dos subúrbios apresentem a inauguração da Estrada de Ferro D. Pedro II, no ano de 1858, como marco modernizador dessa região, Sertafy (2017, p. 31) afirma que o interesse pelas terras suburbanas foi resultado de um processo anterior à ferrovia, posto que, “desde meados

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30 do século XIX, a ideia de que esse meio de transporte tornaria fácil o deslocamento passou a figurar como carro-chefe de empreendimentos comerciais que anunciavam a compra e a venda de terrenos” na região. Nesse caminho, é fundamental compreender que a chegada da Estrada de Ferro aos subúrbios representou uma importante mudança, especialmente, no que diz respeito ao deslocamento de moradores dos subúrbios em direção à região central da cidade; entretanto, não foi esse o único fator que influenciou no crescimento demográfico dos subúrbios.

A Estrada de Ferro Dom Pedro II18, conforme salientam Benchimol (1992), Abreu (2013) e Schwarcz (2017), desde a década de 1850 até a década de 1870, era composta pelas estações de Queimados, Maxambomba (atual Nova Iguaçu), Cascadura, Engenho Novo, São Cristóvão, Sapopemba (atual Deodoro), Belém (Japeri), São Francisco Xavier, Riachuelo e Todos os Santos. No ano em que foi inaugurada, tinha duas estações para tráfego: a do Campo (Central), localizada no centro da cidade, e a de Cascadura19, com outra para parada, a de Venda Grande, ambas localizadas na freguesia de Inhaúma. Já na década de 1870, o distrito apresentava outras quatro estações: Engenho de Dentro (1871), Piedade (1873), Cupertino (1886) e Encantado (1889)20.

Cabe salientar que, além da circulação de trens, na década de 1860, houve a implantação das primeiras linhas de bonde na cidade, propiciando maior locomoção, principalmente entre os bairros localizados nas freguesias urbanas21. Com a chegada dos bondes22 e o desenvolvimento das estações ferroviárias, o processo de adensamento populacional, na cidade e nos subúrbios, foi favorecido, sobremaneira, em Inhaúma – o

18

A construção da Estrada de Ferro Dom Pedro II teve o processo iniciado por meio do decreto n. 641, de 26 de junho de 1852.

19 O processo de desenvolvimento da faixa suburbana até Cascadura, em 1870, desencadeou uma

importante ampliação das estações de trem no subúrbio da cidade, sendo inauguradas, a partir de então, as estações Rocha, Derby Club, Sampaio, Quintino, Méier, Mangueira e Encantado e, no ano de 1890, a estação de Madureira (ABREU, 2013, p. 50).

20 Miyasaka (2011, p. 37) destaca que, conforme afirmativa de Moura dos Santos, “desde a década de

1870, os proprietários de fazendas, localizadas na região oeste de Inhaúma, situadas entre a Estrada de Santa Cruz e as estações do Engenho de Dentro e Cascadura, empreenderam o retalhamento e loteamento de terras” em função do desenvolvimento da ferrovia no distrito de Inhaúma.

21 ABREU, 2013.

22 A primeira linha de bondes, a Companhia Carris da Tijuca, foi inaugurada no ano de 1859, porém teve

os serviços encerrados em 1866. Dessa forma, no ano de 1868, a Botannical Garden Railroad inaugurou uma linha que ligava o centro da cidade ao Largo do Machado, na freguesia da Glória. Já em 1871, foram inaugurados dois novos ramais, um ligando Botafogo e Jardim Botânico e outro ramal para Laranjeiras; no ano de 1872, mais um ramal fazendo ligação à Gávea. Nesse sentido, os bondes representaram um diferencial na transformação da urbs carioca, em especial, nas freguesias urbanas. (ABREU, 2013; TERRA, 2013).

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31 distrito suburbano mais próximo do centro da cidade e com o maior índice de crescimento no número de habitantes entre as localidades suburbanas.

O movimento de crescimento de ferrovias, no distrito de Inhaúma – localidade que abrigava, além do bairro Engenho de Dentro, outros seis centros populosos: Cascadura, Cupertino, Piedade, Encantado, Pilares e Praia Pequena –, se manteve ao longo das décadas finais do século XIX e dos anos iniciais do século XX. A partir da década de 1880, surgiram três ferrovias: a The Leopoldina Railway, que possuía duas estações – Ramos e Bonsucesso (1889) e outras duas paradas que, no ano de 1910, se tornaram as estações Amorim e Olaria –; a Estrada de Ferro Rio D’Ouro – que contava com as estações de Inhaúma, Engenho de Dentro e Olaria (1883); e a Estrada de Ferro Melhoramentos no Brasil – com a estação Del Castilho e a parada Vieira Fazenda (1898). Já no ano de 1903, com a venda da Estrada de Ferro Dom Pedro II para a Estrada de Ferro Central do Brasil, a E. F. Melhoramentos “passou a ser chamada de Linha Auxiliar da E. F. C. B. e inaugurou a estação de Cintra Vidal, em 1905, e as de Terra Nova, Thomaz Coelho, Cavalcanti e Zieze, em 1908”23

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Embora as ferrovias tenham apresentado um pujante crescimento, esse fato não significou que diminuíram as demandas por transporte do crescente número de moradores dos subúrbios. A partir dos dados fornecidos pelos Censos de 1872, 1890 e 1906, compreendendo os dados estatísticos como uma das muitas formas de representação da realidade24, o distrito de Inhaúma, assim como grande parte da cidade, sofreu um considerável crescimento populacional, depois da última década do século XIX. No recenseamento do ano de 1872, a cidade tinha 274.972 habitantes e estava dividida entre 19 freguesias, sendo 11 freguesias urbanas – Candelária, São José, Santa Rita, Sacramento, Glória, Santana, Santo Antônio, Espírito Santo, Engenho Velho, Lagoa e São Cristóvão – com um total de 228.743 habitantes e 8 freguesias rurais – Irajá, Jacarepaguá, Inhaúma, Guaratiba, Campo Grande, Santa Cruz, Ilha do Governador e Ilha de Paquetá – que apresentavam 46.229 habitantes, os quais, desse total, 7.444 residiam na freguesia de Inhaúma.

A partir da abolição da escravatura e do advento da República, as terras cariocas passaram por importantes alterações no que tange à sua organização demográfica e espacial, em virtude do aumento populacional, tanto na região urbana como nos

23

MYASAKA apud SANTOS, 1996, p. 493-494.

24 MARQUES, Jucinato de Siqueira. O fio e os rastros da escolarização do Distrito Federal (1890-1906).

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32 subúrbios. Nesse período, a cidade sofreu o impacto e o aprofundamento das relações capitalistas, que apresentavam novas bases imperialistas, e a intensificação da industrialização ao longo de seu território. Sendo assim, o Rio de Janeiro, com o intuito de adequar suas formas ao mercado internacional, consolidou esse processo de mudança da sua dinâmica e da aparência da cidade, no decorrer dos primeiros anos do século XX, especialmente, ao longo da reforma urbanística de Francisco Pereira Passos (1902-1906).

Nessa conjuntura, civilizar e demolir eram duas palavras de ordem nas ruas. A cidade havia se transformado em um grande canteiro de obras, na tentativa de “apagar” os resquícios daquele tempo que havia sido o Império e com intuito de mantê-la próxima dos ares esperados, de modernidade da República, e patrocinados pelo capital estrangeiro25. Como consequência desse processo de remodelação da Capital Federal, a partir da abertura e do alargamento de ruas e avenidas, tanto na região central como no subúrbio, e da chegada de praças e prédios modernos, no centro da cidade, os cortiços e as estalagens passaram a ser alvo de demolições, popularmente conhecidas como o período do “bota-abaixo”.

No ano de 1890, a cidade passou a apresentar outra conformação26, com um total de 21 freguesias, das quais 13 eram caracterizadas como urbanas, com 429.745 habitantes e 8 caracterizadas como rurais, com 92.906 habitantes, dentre os quais 17.448 residiam no distrito de Inhaúma, sendo 9.243 homens e 8.178 mulheres. Assim, no decorrer das décadas finais do século XIX, o distrito passou por uma urbanização ampliada e, consequentemente, iniciou-se um intenso processo de crescimento demográfico, econômico, comercial e social. No ano de 1906, o distrito de Inhaúma apresentou um aumento ainda mais expressivo no número de habitantes, um total de 68.557 (SCHWARCZ, 2017).

Nesse cenário, de adensamento populacional e urbanização, a população suburbana, sobretudo lavradores e comerciantes, se queixava da falta de regularidade dos trens, desde a década de 1870, sinalizando o esgotamento do sistema ferroviário frente a um vultoso crescimento demográfico da região, sobre o qual houve disputas em

25 Goldmacher (2009) destaca que, entre os anos de 1903 e 1910, a entrada de capitais estrangeiros

direcionados aos agricultores possibilitou a realização de obras públicas, especialmente na cidade do Rio de Janeiro.

26 No Censo de 1890, o quadro de freguesias urbanas aumentou, em função do acréscimo de duas

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33 torno do transporte, com pautas amplamente difundidas e discutidas na imprensa, cujas questões eram a supressão dos trens de passageiros dos subúrbios e a substituição do transporte ferroviário; o que demonstra que, para aqueles que buscavam novas opções de moradia, aquela região significava algo para além de um lugar de “refúgio”, mais: um território de disputas, tal como acontecia na região central da cidade (SERTAFY, 2017).

O debate em torno das ferrovias se dava tanto por parte dos trabalhadores, que solicitavam o aumento dos horários dos trens para que pudessem chegar aos seus postos de trabalho e se locomover pela cidade, como por parte dos investidores locais, que vislumbravam alcançar o retorno do lucro de seus empreendimentos. Essa disputa evidencia que o Engenho de Dentro representava uma alternativa de moradia para os trabalhadores se manterem próximos dos seus trabalhos e que a região também apontava uma considerável cena comercial. Sobre esse aspecto, Santos (2011) destaca que os subúrbios “também apresentavam atividades econômicas [...] [e contavam] com um número importante de pessoas [que] trabalhava[m] ali mesmo na região” (SANTOS, 2011, p. 264), fato que, possivelmente, modificou as configurações econômicas e sociais locais27.

Nesse cenário de desenvolvimento econômico da região, no ano de 1868, acontece a venda dos terrenos que abrigariam as Oficinas da Estrada de Ferro quando, logo depois da sua inauguração, faz surgir um crescente número de anúncios nos jornais sobre a venda de terrenos no entorno do mais novo empreendimento suburbano. O loteamento, além de possibilitar edificações de moradias próprias para esses novos habitantes, que haviam sido atraídos pelos rastros de urbanidade, tranquilidade da região e proximidade da ferrovia, também possibilitou uma ampliação dos ganhos de pequenos e médios proprietários de terras da região que, a partir de negociações imobiliárias,

27

A esse respeito, Miyasaka (2011) aponta que, entre os anos de 1890 e 1906, o quadro de trabalhadores do distrito se apresentou de maneira variada. Entre as categorias profissionais, foram localizados ofícios vinculados à/ao(s) agricultura, indústria, transportes, comércio, indústria dos transportes, funcionalismo militar, entre outros. O número de estabelecimentos comerciais era bastante diverso, ao longo desse período. Em 1891, esse quadro era composto por alfaiates, armarinhos, barbeiros, botequins, casas de pasto, hospedarias e cafés, padaria, cocheiros de alugar carros, fábricas de café moído e de cigarro, farmácias, ferragens, secos e molhados, funileiros, médicos, negociantes de secos e molhados, olarias de louças, de tijolos e telhas. Já no ano de 1901, a olaria de tijolos e telhas deixou de compor esse quadro; os comércios de madeiras e materiais e de transportes passaram a fazer parte dos estabelecimentos de comércios do distrito.

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34 perceberam uma “possibilidade de [lucrar] com a tendência de ocupação urbana da cidade em direção aos subúrbios”28

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Salvo os ares de urbanidade e da especulação imobiliária, que produziam o processo de adensamento populacional e o crescimento da construção de habitações, a região do Engenho de Dentro experimentou um processo diferente das demais regiões da cidade. Entre as décadas de 1870 e 1880, período em que a Estrada de Ferro foi administrada pelo engenheiro Francisco Pereira Passos29, a região recebeu ares proletários, em virtude da chegada das Oficinas, sobretudo, a partir da construção das vilas operárias.

Conforme destaca Beaklini (2018), a questão da falta de regularidade dos trens propiciou a demanda de um conjunto de ações por parte da ferrovia, numa tentativa de suprir as dificuldades enfrentadas pelos operários para que esses chegassem e retornassem de casa para o trabalho e vice e versa30. Assim, foram criados: vila de casas para os trabalhadores, escolas, armazém para a venda de secos e molhados, além de uma capela no entorno das Oficinas.

A região suplantou uma importante transformação em seu perfil territorial, anteriormente rural31 e, ao longo das últimas décadas do século XIX, recebeu contornos urbanos, especialmente, no que tange ao processo de abertura de ruas e ao investimento de capital no mercado imobiliário por parte dos investidores e setores médios urbanos. Logo depois da inauguração das Oficinas, no ano de 1876, foram construídas casas para técnicos e operários do empreendimento ferroviário, de forma que, para os segundos, as casas estavam localizadas às margens das oficinas e o direito de residir na vila, gratuitamente, era motivo de disputa (FRACCARO, 2008). Naquele ano, haviam 26 casas erguidas na Rua Mariano Procópio e 27 na Rua Dr. Padilha, sendo citadas no

28

SERTAFY, p. 50, 2017.

29 Francisco Pereira Passos esteve à frente da Estrada de Ferro, no período do Império e na República. No

primeiro período, entre os anos de 1876 e 1880 e, posteriormente, de 1897 a 1899.

30 As viagens de trem, entre as estações da Central e do Engenho de Dentro, por exemplo, duravam cerca

de 40 minutos.

31 Criado no ano de 1743, o distrito de Inhaúma, ainda como freguesia rural de São Thiago de Inhaúma,

apresentava um importante papel na economia agroexportadora, com território composto por fazendas e chácaras, cujas plantações produziam gêneros alimentícios como milho, feijão, batata, açúcar, entre outros. Porém, ao longo do século XIX, Inhaúma era caracterizada como uma área constituída “por pequenas lavouras voltadas para o abastecimento da cidade” (MYASAKA apud SANTOS, 1996, p. 231). A partir das décadas finais do século XIX, em função da perda de parte do território para a criação da freguesia de Engenho Novo, Inhaúma teve seu processo de urbanização ampliado, com significativo crescimento demográfico, econômico, comercial e social, além de uma valorização territorial em decorrência da instalação da Estrada de Ferro Dom Pedro II (1858).

Referências

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