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DIREITOS HUMANOS E EMPRESA: Desafios e estratégias para proteção do trabalhador diante do atual contexto de transnacionalização empresarial

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO

BACHARELADO EM DIREITO

RUBYA MOTHÉ LÊMOS DE MORAIS

DIREITOS HUMANOS E EMPRESA:

Desafios e estratégias para proteção do trabalhador diante do atual contexto de transnacionalização empresarial

NITERÓI 2019

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RUBYA MOTHÉ LÊMOS DE MORAIS

DIREITOS HUMANOS E EMPRESA:

Desafios e estratégias para proteção do trabalhador diante do atual contexto de transnacionalização empresarial

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direitos Humanos.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Gustavo de Mattos Pauseiro

NITERÓI 2019

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RUBYA MOTHÉ LÊMOS DE MORAIS

DIREITOS HUMANOS E EMPRESA:

Desafios e estratégias para proteção do trabalhador diante do atual contexto de transnacionalização empresarial

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direitos Humanos.

Aprovado em 09 de julho de 2019.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Gustavo de Mattos Pauseiro (Orientador) - UFF

_____________________________________________ Profª. Drª. Verônica Batista Nascimento - UFF

_____________________________________________ Prof. Dr. Rubens de Lyra Pereira - UFF

NITERÓI 2019

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Aos que carecem pela conveniente cegueira daqueles que podem mudar a atual conformidade das coisas, eu os vejo e alio-me a outros muitos que, em seus pequenos feitos, acreditam, lutam e realizam a aclamada e necessária transformação.

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AGRADECIMENTOS

Nunca duvidei do fato de que andar cercada de bons amigos, sendo apoiada pela minha família e guiada por Deus, seriam o meu combustível para realização de tudo aquilo que o meu coração anseia. Verdadeiramente, em todas as circunstâncias, foram esses personagens que forneceram o suporte e encorajamento necessário para que eu chegasse até aqui.

Sendo assim, inicialmente, ponho-me a agradecer a Deus que, em sua infinita graça, propiciou a realização do sonho de me graduar em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Não apenas isso, fortaleceu-me nos momentos de apreensão e dificuldade, confortou-me durante os episódios dolorosos de perda de entes familiares, e encorajou-me a trilhar o caminho com sabedoria, fé e bondade.

Aos meus pais, Ercyani Mothé e Rubens de Morais, registro a minha eterna gratidão pelo amor, torcida e confiança depositados em mim; e pelas renúncias que realizaram para que o meu ideal fosse alcançado. Especialmente, agradeço ao eco das palavras de meu pai, que em períodos de dúvidas e lamentos, trouxeram a coragem necessária para finalizar a minha missão. Ao meu irmão Erick, que, diante da brilhante trajetória acadêmica e profissional, inspira-me a trilhar o meu caminho com muita determinação, horando todos os pequenos degraus na formação da minha história.

À William Saboia, pelo inexprimível companheirismo e compartilhamento de vida e sonhos. Por ter feito a decisão de trilhar o seu caminho comigo ao seu lado, sendo a pessoa pela qual busco e em que encontro afago nos momentos de alegria e tristeza.

À minha querida avó Edy Mothé, que gozaria de extrema felicidade em ver esse momento materializado com a defesa desta dissertação. Sou agradecida por todo carinho, pela paciência e bons conselhos que me instruíram e foram responsáveis por ser quem sou.

À minha família, que, irrestritamente, desempenha uma excelente torcida ao meu favor.

Aos queridos amigos que a faculdade trouxe até a mim, especialmente, àquele que se tornou um irmão, Lucas Moreira, por tornarem a trajetória acadêmica leve e estimulante. Àqueles amigos que nem mesmo o tempo, os afazeres ou a distância foram capazes desfazer, permanecendo presentes e me apoiando em cada passo.

À Faculdade de Direito da UFF, pela minha formação acadêmica e pelas incontáveis experiências proporcionadas, como a monitoria, as publicações de artigos, os grupos de pesquisa, e o intercâmbio. Aos meus professores, os quais, inúmeros, marcaram a minha vida

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de forma singular, revelando-me a inefável importância da dedicação e comprometimento em meu futuro exercício profissional.

À professora Rachel Bruno, pelo incentivo em realizar o desenvolvimento da pesquisa daquilo que seria o embrião desse trabalho. E, além, por ter marcado minha vida acadêmica de forma especial, sendo inspiração em tantos aspectos para mim.

Ao meu orientador, Sérgio Pauseiro, pela disponibilidade e comprometimento na assunção da orientação do presente trabalho.

À Defensoria Pública da União – órgão responsável por reforçar em mim o senso de justiça, humanidade e empatia –, pelos dois anos que me proporcionou de estágio, ensinando-me, dia após dia, a olhar por aqueles que não são vistos e a entender o meu real propósito de vida.

A todos aqueles que, decisivamente, fizeram parte de minha vida, os meus incontáveis agradecimentos. Desse fundamental apoio foi possível extrair a força capaz de me liderar na conclusão do presente trabalho, ao qual atribuo extrema importância em virtude das mudanças e do impacto que me causou, principalmente pela concessão de um olhar mais apurado e humano quanto à minha forma de consumir.

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“Se eu pudesse dar-lhe informações da minha vida seria para mostrar como uma mulher de capacidade muito comum tem sido liderada por Deus em caminhos estranhos e não acostumados a fazer em Seu serviço o que Ele tem feito nela. E se eu pudesse dizer-lhe tudo, você iria ver como Deus fez tudo, e eu nada. Eu tenho trabalhado duro, muito duro, isso é tudo; e eu nunca recusei nada a Deus.” Florence Nightingale

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RESUMO

O presente trabalho expõe o contexto de crescimento da empresa no século XXI, com a deslocalização de seu exercício empresarial para além das fronteiras da economia nacional, e a consequente relativização do poder estatal quanto à essas atividades transnacionais em seu território. Nessa perspectiva, inúmeros são os desafios para proteção dos direitos humanos, especialmente no tocante à proteção dos direitos elementares trabalhistas relacionados ao setor do fast fashion e suas políticas de descentralização da cadeia produtiva. Essa realidade, então, faz emergir a necessidade de criação de estratégias de defesa e proteção aos indivíduos afetados na sociedade mundial, mecanismos esses que devem perpassar tanto a ideia de produção legislativa, fiscalização e coerção, conscientização da população, como também políticas de prevenção, com especial destaque à educação empresarial, que deve ser incisivamente incentivada a fim de fomentar atividades empresariais que respeitem e promovam os direitos humanos, contribuindo assim para uma globalização socialmente sustentável.

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ABSTRACT

This paper presents the context of the company's growth in the 21st century, with the relocation of its entrepreneurial activity beyond the frontiers of the national economy, and the consequent relativization of state power related to these transnational activities in its territory. In this perspective, there are numerous challenges for the protection of human rights, especially in the protection of fundamental labor rights in the fast-fashion sector, and its policies of decentralization of the productive chain. This reality, therefore, raises the need for strategies for the defense and protection of affected individuals in the world's society, mechanisms that should permeate both the idea of legislative production - control and coercion -, population awareness, as well as prevention policies and principally business education; which should be strongly encouraged in order to foster entrepreneurial activities, that respect and promote human rights, thus contributing to socially sustainable globalization.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA SOBRE O SURGIMENTO DA ATIVIDADE

EMPRESARIAL COMO EXPRESSÃO DA EXPANSÃO TECNOLÓGICA DO

SETOR TÊXTIL ... 15 2.1 A TRANSMUTAÇÃO DO SISTEMA DOMÉSTICO DE PRODUÇÃO PARA O

SISTEMA DE FÁBRICA ... 16 2.2 O IMPACTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA

PERSPECTIVA LABORATIVA DA FÁBRICA TÊXTIL ... 21 2.3 O CENÁRIO BRASILEIRO DIANTE DA FORMAÇÃO DAS PRIMEIRAS

RELAÇÕES TRABALHISTAS NA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL ... 25

3 A INFLUÊNCIA E OS REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO NA INDÚSTRIA DA

MODA ... 31 3.1 O FENÔMENO DA TRANSNACIONALIZAÇÃO EMPRESARIAL E A

REPERCUSSÃO DE SUA EVOLUÇÃO NO CENÁRIO MUNDIAL ... 31 3.2 O DUMPING SOCIAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA OS TRABALHADORES DO SETOR DE FAST FASHION ... 35 3.3 UM CASO EM ANÁLISE: ZARA BRASIL E A PRESENÇA DE TRABALHO

ANÁLOGO AO DE ESCRAVO EM SUA CADEIA PRODUTIVA ... 38

4 A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS SOB O ENFOQUE DA

EXECUÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL TÊXTIL ... 43 4.1 OS AVANÇOS HISTÓRICOS OBTIDOS PELA ONU QUANTO AO SISTEMA DE PROTEÇÃO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS ... 43 4.2 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E OS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO AO OBREIRO DIANTE DA ATUAÇÃO DAS EMPRESAS

TRANSNACIONAIS ... 47 4.3 OS PRINCÍPIOS ELABORADOS POR JOHN RUGGIE E A TENTATIVA

HISTÓRICA DE IMPLEMENTAÇÃO DE UMA RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS QUANTO AOS DIREITOS HUMANOS ... 50 4.4 OS MECANISMOS BRASILEIROS DESENVOLVIDOS PARA PREVENIR E

COMBATER O TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO ... 52 5 CONCLUSÕES ... 58 REFERÊNCIAS ... 60

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LISTA DE SIGLAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade CGU Controladoria-Geral da União

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CONATRAE Comissão Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo GEFM Grupo Especial de Fiscalização Móvel

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Produtos MPF Ministério Público Federal

MPT Ministério Público do Trabalho

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

OCDE Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMC Organização Mundial do Comércio

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

STF Supremo Tribunal Federal

TAC Termo de Ajustamento de Conduta

UNCTAC United Nations Conference on Trade and Development (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento)

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1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, observou-se um notável processo de transnacionalização das empresas, isto é, que essas passaram a deslocar não somente suas atividades aos demais países, como também a sua maneira de geri-las, por intermédio de negociações com os Estados anfitriões. Isso foi possibilitado, sobretudo, em virtude da globalização e dos avanços tecnológicos aplicados à indústria, que impulsionaram de forma decisiva as relações de consumo após a consolidação do modelo de sociedade capitalista. Esse novo padrão de consumação, no entanto, implicou decisivamente no acréscimo da demanda produtiva, de forma que as grandes corporações vêm buscando a operacionalização de suas ações com expressiva redução de custos.

Nesse panorama, “a indústria têxtil (e de vestuário) ocupa um papel histórico, pois se constitui como uma das atividades tradicionais na passagem da manufatura para a grande indústria”1. As empresas do setor, sendo sensíveis às transformações geradas pela globalização

neoliberal, vêm empregando, deliberadamente, a terceirização e a prática do dumping social em sua cadeia produtiva, em razão da adoção de um novo modo de produção pautado pela busca incessante de barateamento das despesas com a produção do vestuário. Todavia, tais artimanhas empresariais consistem em verdadeira ferramenta apta a desnaturar as relações humanas no ambiente laboral, principalmente em virtude da incidência de reiteradas práticas abusivas que incidem em graves violações de direitos humanos na relação de trabalho.

A estruturação mundial de um ambiente comercial extremamente concorrente, fomentado pela inexpressividade e desmantelamento do Estado social, constituiu o cenário ideal para o enfraquecimento dos direitos da classe trabalhadora, que, na realidade, passaram a representar verdadeiros entraves à competitividade e ao desenvolvimento econômico das grandes empresas. Assim, na atualidade, observou-se o retorno crescente de um modelo de produção cujo emprego inicial remonta ao período da Revolução Industrial, o denominado sweating system, caracterizado pela precarização e degradação do ambiente e das condições de trabalho.

1 LUPATINI, M. P. As Transformações Produtivas na Indústria Têxtil-Vestuário e seus Impactos sobre a

Distribuição Territorial da Produção e a Divisão do Trabalho Industrial. São Paulo, 2004. Dissertação

(Mestrado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 2004, p. 31. Disponível em: <

http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/286805/1/Lupatini_MarcioPaschoino_M.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2019.

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A despeito da elaboração histórica de inúmeros instrumentos e parâmetros para regulação de uma atividade empresarial pautada pela sustentabilidade em diversos níveis, a exemplo dos progressos realizados pela Organização das Nações Unidas e pela Organização Internacional do Trabalho, revelam-se extremamente frágeis as normas protetivas em âmbito internacional, o que vem servindo como subsídio para uma atuação voraz e irrestrita das corporações transnacionais.

Assim, o presente trabalho busca realizar em seu primeiro capítulo uma explanação histórica a respeito do surgimento da atividade empresarial relacionada à expansão tecnológica do setor têxtil. Nesse momento, serão abordadas as formas de produção utilizadas pela indústria de vestuário até o grande impacto proveniente da Revolução Industrial, bem como as consequências provocadas pela mudança abrupta no modo de produção e seus desdobramentos na atual conjuntura desse ramo da indústria. Além disso, pretende-se demonstrar a maneira como o cenário brasileiro reagiu diante da formação das primeiras relações trabalhistas na sociedade pós-industrial, retratando, ainda, a influência do enorme fluxo migratório recebido pelo país no século XIX na formação dos sweatshops no país.

O segundo capítulo, por sua vez, apresenta o modo como a indústria da moda foi afetada pelo processo de globalização, ressaltando a expressividade do fenômeno de transnacionalização empresarial e seu reflexo no cenário mundial, acentuando-se a questão da descentralização produtiva e os efeitos da terceirização no setor de fast fashion. Além disso, é posta a problemática do dumping social como estratégia rentável e perpetuadora do estímulo à atuação empresarial violadora de direitos elementares trabalhistas. Para elucidação, o case Zara Brasil é trazido, explicitando-se a presença de trabalho análogo ao de escravo na cadeia produtiva da varejista espanhola.

Por fim, o terceiro e último capítulo se propõe a proceder com a análise dos direitos humanos sob a perspectiva da execução da atividade empresarial têxtil, em que são analisados os principais mecanismos de proteção do trabalhador à nível internacional – sob o âmbito de elaboração da ONU e da OIT –, e nacional. Nessa medida, busca-se a reflexão da necessidade de existência de uma ampla mobilização, que conscientize a população e que incentive a promoção de uma política pautada pelo progresso sustentável, e, ainda, da imprescindibilidade da criação de instrumentos que tutelem as lacunas vulneráveis à falta de normas sociais, que efetivamente consternem a atual postura internacional das nações, a fim de erradicar as práticas degradantes, humilhantes e indignas executadas pelas grandes marcas transnacionais da indústria de vestuário em relação a seus trabalhadores.

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2 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA SOBRE O SURGIMENTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL COMO EXPRESSÃO DA EXPANSÃO TECNOLÓGICA DO SETOR TÊXTIL

A criação da atividade empresarial, cuja ascensão pôde ser percebida em larga escala no século XVI, devido ao Capitalismo Moderno, tem sua origem remontada à era medieval, quando uma ética de origem religiosa passou a influenciar a chamada acumulação inicial do capital – que, segundo Marx, representa a gênese histórica do capitalismo2. A expressividade da empresa, portanto, remonta à antiguidade, mais especificamente ao início do século XIII, como bem assinala Carlos André Cavalcanti:

Seus primórdios estão no mundo muçulmano, onde o empreendimento coletivo era temporário e chamado de muqarada. Essa empresa islâmica tinha, entretanto, sua dissolução obrigatória pelas regras de herança post-mortem do Islão quando do falecimento de seus membros. Os empreendedores cristãos imitaram tal instituição sem as restrições da lei religiosa maometana. Mas foi o rei inglês Eduardo I (1272– 1307), com o Estatuto da Mão Morta, que deu às corporações seu perfil definidor. Eduardo I percebeu que a imortalidade das corporações (e sua consequente inexistência do ato de herança) era um prejuízo para a cobrança das taxas da senhoridade, das quais dependia o reino. Algumas características essenciais do futuro Capitalismo Moderno já estavam lá nos primórdios das empresas: o risco empreendedor, a pessoa jurídica imortal, a possibilidade de não arriscar patrimônio familiar/pessoal no empreendimento e a necessidade de um capital inicial para a "empresa".3

Nesse sentido, dada a criação do Estatuto da Mão Morta durante o reinado do monarca inglês Eduardo I, tal alteração de panorama compreensivo pôde ser percebida nas primitivas estruturações empresariais. A referida legislação foi responsável por retirar das corporações o direito de aumento das suas posses territoriais, principal fonte de riqueza, poder e prestígio à época. Assim, restaram às corporações “empresariais” apenas as opções consideradas de menos prestígio na Idade Média, tais como as atividades financeiras e o comércio, que foram sendo desenvolvidas gradativamente a partir desse marco temporal.

É apenas no século XVI, no entanto, que a empresa adquire nova faceta e maior expressão no contexto social, e aliada à produção têxtil – que primordialmente era tida como mera constituição por necessidade –, o mundo experimentou um grande salto de

2 MARX, Karl. O Capital: para a crítica da economia política. Livro I, volume II, RJ: Civilização Brasileira, 2013. p. 833-885.

3 CAVALCANTI, Carlos André. Como Surgiram as Empresas? Para muita gente, as empresas teriam surgido com o Capitalismo Moderno. Mas, na verdade, elas são uma criação medieval. Rede Gestão, ed. 445, 2007, p. 1. Disponível em:

<http://www1.redegestao.com.br/cms/opencms/desafio21/artigos/gestao/planejamento/0022.html>. Acesso em: 08 fev. 2019.

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desenvolvimento nos séculos seguintes, em que duas grandes Revoluções conduziram à sociedade industrial e liberal do séc. XIX, sendo essas responsáveis por uma nova estruturação da dinâmica do consumo e, sobretudo, da organização social, conferindo profundo impacto na atual conjuntura da indústria da moda.

2.1 A TRANSMUTAÇÃO DO SISTEMA DOMÉSTICO DE PRODUÇÃO PARA O SISTEMA DE FÁBRICA

Desde a Pré-história, os homens iniciaram a produção de vestimentas, valendo-se, a priori, de folhagens e peles de animais, e, posteriormente, aprimorando as técnicas em virtude dos avanços obtidos pela tecnologia, artes e ciências aplicados à criação e ao manejo das ferramentas4. Sob essa perspectiva, a partir do surgimento dos primeiros tecidos com fibras naturais, como a lã, o linho, a seda e o algodão, passando pela inserção das fibras artificiais e sintéticas, até os dias atuais com os chamados tecidos inteligentes, constata-se o fato de que, em vários momentos, a origem de tecnologias esteve vinculada à história dos tecidos (MENEGUCCI, ET AL, 2011 apud SILVA; MENEZES, 2013, p. 2).5

Segundo Pezzolo6 (2009 apud SILVA; MENEZES, 2013, p. 2), as primeiras fibras têxteis cultivadas pelo homem foram o linho e o algodão, no campo vegetal, e a lã e a seda, no campo animal. Já os primeiros tecidos nasceram da manipulação manual dessas fibras, com a posterior progressão para técnicas mais sofisticadas a partir da criação de instrumentos para a tecelagem, representando um grande marco na evolução do ser humano e na sua inclusão social (CHATAIGNIER, 2006 apud SILVA; MENEZES, 2018, p. 2).7

Nada obstante, a necessidade de se vestir protagonizou cenários distintos ao passar do tempo, visto que aquilo que correspondia a uma necessidade física ou biológica de proteção ou manutenção da temperatura corporal, passou a possuir uma nova percepção pela sociedade. Assim, o vestuário, que já condisse com os parâmetros que sinalizavam a qual classe social

4 SILVA, Dailene Nogueira; MENEZES, Marizilda dos Santos. Design têxtil: revisão histórica, surgimento e evolução de tecnologias. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOMETRIA DESCRITIVA E DESENHO TÉCNICO, XXI, 2013, Florianópolis, Santa Catarina. Anais, Florianópolis: Editora do CCE (Universidade Federal de Santa Catarina), 2013. Disponível em:

<http://wright.ava.ufsc.br/~grupohipermidia/graphica2013/trabalhos/DESIGN%20TEXTIL%20REVISAO%20 HISTORICA%20SURGIMENTO%20E%20EVOLUCAO%20DE%20TECNOLOGIAS.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2019.

5 MENEGUCCI, Franciele; MARTINS, Edna; MENEZES, Marizilda; SANTOS FILHO, Abilio.

Experimentações Têxteis e Inovação no Design de Moda. In: 8º Colóquio de Moda, 2012, Rio de Janeiro.

6 PEZZOLO, D. B. Tecidos – História, Tramas, Tipos e Usos. Editora: SENAC. 2009.

7 CHATAIGNIER, Gilda. Fio a Fio: Tecidos, Moda e Linguagem. Editora: Estação das Letras e Cores, São Paulo, 2006.

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aquele cidadão pertencia, por vezes, também se traduziu como forma de valoração dos indivíduos perante seus pares.

Nesse sentido, Giorgio Riello8 explica que, principalmente nos séculos XIII e XIV, o vestuário exprimia uma das maneiras de demonstração dos diferentes níveis de hierarquia social, representando, portanto, um alto custo. Isto é, para adquirir um novo traje era preciso se programar, tanto em virtude do tempo necessário para sua confecção, quanto pelo dispêndio financeiro essencial para sua aquisição. A peça de roupa e o calçado, portanto, eram confeccionados de forma personalizada e específica, o que conferia, indiscutivelmente, maior lentidão e etapas à produção.

Assim, percebe-se que o processo de confecção doméstico requeria mais tempo, caracterizando-se, sobretudo, pela limitação do impulso de compra, em virtude da necessária precedência da encomenda ante as vendas. A morosidade na produção das peças, por exemplo, implicava na redução do número de itens feitos, visto que a elaboração assoberbada de trajes simbolizaria a possibilidade de prejuízo futuro, pois que poderiam ser inadequados para eventual comprador.

Quanto à despesa da produção da peça, a maior parte era absorvida pelos tecidos, comumente feitos de linho e de lã por mulheres e suas filhas, enquanto os maridos ficam responsáveis pela tessitura. Assim, nesta configuração de produção têxtil, absorvia-se toda mão de obra familiar com vistas à manutenção da produtividade do tecelão, sendo abarcados de crianças à idosos na “cadeia de produção”.

No entanto, entre o final da Idade Média e início da Idade Moderna, os insumos têxteis passaram a ser comercializados, cada vez mais, como mercadorias, e, a partir de então, a incumbência de providenciar a vestimenta de toda a família deixou de protagonizar tarefa doméstica exclusiva da mulher para se concretizar como atividade econômica familiar.9 Assim, observou-se a formação de núcleos manufatureiros que passaram a contar com mão-de-obra externa, e não apenas familiar, caracterizados pela configuração de um cenário laboral de extrema precarização.

Durante o século XVI, a mencionada estrutura de precarização laborativa é mantida, ressaltando-se, contudo, uma peculiar e importante diferença: surge um novo modelo de produção organizado em torno das corporações de ofício e reduzidas oficinas familiares, que, no entanto, ainda eram essencialmente domésticas. Com essa nova conjuntura, embora presentes os riscos inerentes ao ofício – comumente carente de condições mínimas de segurança

8 RIELLO, Giorgio. História da moda: da Idade Média aos nossos dias. Lisboa: Texto & Grafia: 2013, p. 16. 9 PINCHBECK, Ivy. Women workers in the industrial revolution, 1750-1850. Londres: Virago, 1985, p. 113.

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e salubridade –, estes eram inaptos a desencorajar o trabalhador, na medida em que sua atividade passou a figurar como uma forma de autossuficiência e independência, vez que primitivas contratações assalariadas foram sendo realizadas a partir daquele momento.

No entanto, o século XVIII simbolizou o grande marco de ruptura dos padrões até então utilizados na produção de tecidos. A partir do invento da primeira máquina de tecer, em 176410, a intensa mecanização introduzida neste setor refletiu e afetou diretamente as novas relações de trabalho que surgiam no interior das fábricas. Assim, os avanços experimentados a partir da introdução gradativa das máquinas, que anunciavam a Revolução Industrial a caminho, otimizaram a força produtiva dos obreiros, que, todavia, experimentaram indiscutível exploração trabalhista no interior das fábricas.

Nesse contexto, destaca-se o Quadro de Arkwright como inovação da época, sendo responsável pela confecção de peças de puro algodão a partir do movimento gerado pela força da água, sendo introduzido em 1773 nas fábricas que começavam a ser formar11. Na sequência,

houve a utilização das máquinas a vapor e, posteriormente, o emprego da eletricidade, evidenciando, portanto, que o primeiro grande beneficiado direto dos novos inventos e ganhos de produtividade alcançados durante o período da Revolução Industrial foi o setor têxtil.

A notável alteração experimentada após a introdução do maquinário foi quanto a figura detentora da força matriz, isto é, o homem deixa de ser aquele que impulsiona a fabricação, perdendo, gradativamente o controle dos meios de produção. Assim, ocorre a propagação das fábricas, o maquinário deixa de pertencer ao trabalhador e a produção passa a ser mais expressiva e intensa.12 Conforme assinala Lívia Miraglia:

É nesse momento, principalmente no limiar do século XVIII, que surge o elemento nuclear da relação empregatícia: o trabalho livre, mas juridicamente subordinado. Livre, por marcar a ruptura da sujeição pessoal do trabalhador ao proprietário dos meios de produção. Subordinado, por implicar a ingerência do capitalista sobre o modo de realização do serviço, sem qualquer intervenção na vida pessoal do obreiro13.

10 Atribui-se ao invento de James Hargreaves, a máquina de fiar hidráulica, também conhecida como “Spinning Jenny”, criada entre 1764 e 1767, na Inglaterra, um papel fundamental dentro das invenções que

revolucionaram e incrementaram a produtividade têxtil no século XVIII. Antes disso, outras invenções foram, pouco a pouco, mudando o modo de produção artesanal para industrial, com as repercussões já conhecidas para a classe operária e para o Direito do Trabalho. V., nesse sentido, BAINES Jun. Esq., Edward. History of

cotton manufacture in Great Britain: with a notice of its early history in the east, and in all the quarters of

the globe; a description of the great mechanical inventions which have caused its unexampled extension in Britain; and a view of the present state of the manufacture, and the conditions of the classes engaged in its several departments. London: H. Fisher, R. Fisher, and P. Jackson, 1835, p. 147-196.

11 PINCHBECK, op. cit., p. 112. 12 Ibid., p.118.

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A partir desta nova conjuntura, a maioria dos trabalhadores passou a ser empregada como assalariada por grandes unidades fabris. Deu-se, assim, o início do capitalismo industrial em contexto de Estado Neoliberal, em que se originou na indústria têxtil o “sistema de fábrica” ou “factory system”, onde mesmo habilidosos artesãos assumiam ofícios em instalações industriais de seus empregadores, acentuando-se ainda mais o processo de perda do controle do homem sobre o processo produtivo e a inexpressiva importância de sua criatividade ou talento nas fábricas.

William Cooke Taylor traz a seguinte definição para o “sistema de fábrica”:

O sistema de trabalho organizado em um estabelecimento onde diversos trabalhadores são reunidos coletivamente com o propósito de obter maiores e mais econômicas conveniências advindas de seu trabalho com relação ao que conseguiriam obter individualmente nas suas próprias casas. (tradução livre)14

Vale ainda ressaltar o impacto trazido pela adoção do sistema de fábricas nas sociedades, qual seja, a mudança de sua forma de organização. Em função disso, foi possível notar que as produções domésticas, que até então se utilizavam de trabalho caracterizado pela reunião dos membros de uma mesma família, deram azo, após a Revolução Industrial, à formação de cidades industriais, em que seus habitantes imergiram na atuação em indústrias. No interior dessa nova organização social, despontou uma coesão não relacionada aos elos familiares, mas sim às classes de trabalhadores, representando, portanto, primordial fator para o início de uma articulação de viés político e sindical deste novo proletariado industrial.

Dessa nova conjugação entre sociedade e fábrica, extraiu-se a dependência e forte ligação entre o homem e seu local de trabalho – as instalações fabris. Dessa forma, no período compreendido entre a sua construção, em 1838, até a ruína da empresa, em 1936, não havia uma pessoa cuja vida não fosse afetada de algum modo pela fábrica:

(...) A maioria dessas pessoas preferia a cidade industrial à “perdida”, mítica, comunidade rural que, hoje, é frequentemente idealizada por seu harmonioso e saudável modo de vida. Eles tinham uma visão realista da vida industrial, com todas as dificuldades e explorações; e eles aceitaram o mundo moderno no qual eles foram lançados. Adaptando suas vidas a esse modelo, eles também a modificaram onde foi possível para adequar suas próprias necessidades e tradições. A profunda ligação que muitos formaram com seus trabalhos transcenderam as rotinas diárias. Eles desenvolveram uma identidade como trabalhadoras industriais, e alguns aproximaram até mesmo as operações de rotina com o perfeccionismo dos artesãos. Contrariamente à prevalecente ideia popular de que grandes indústrias e o ambiente urbano causam

14 “A FACTORY, properly speaking, is an establishment where several workmen are ollected together for the

purpose of obtaining greater and cheaper conveniences for labour than they could procure individually at their homes”. TAYLOR, William Cooke. Factories and the factory system: from parliamentary documents

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anomia individual e fragmentação social, a maior parte dessas pessoas tinha um senso altamente desenvolvido de pertencimento. Eles formaram sociedades bem unidas em torno de seus parentes e associações étnicas. Apesar de suas dificuldades e os conflitos que eles experimentaram, eles compartilharam o sentimento que frequentemente expressaram sobre suas vidas nos moinhos: ‘somos todos como uma família’.15 Assim, o sistema de fábrica foi sendo consolidado durante o século XIX, havendo, no entanto, a criação de um estágio intermediário entre este e o sistema doméstico, em virtude da introdução de empregados contratados nos núcleos de confecção familiar. À vista disso, dois distintos ambientes de trabalho foram formados na indústria têxtil: o factory system (sistema de fábrica) e o sweating system (sistema de suor),16 sendo esse último caracterizado por mesclar a servidão medieval e o sistema doméstico, operando-se nos chamados sweatshops – locais onde se confundem o lugar de trabalho com as próprias residências dos trabalhadores.

O sistema de suor, portanto, revelava-se precário e foi alvo de manifestações que condenavam a superexploração do trabalho. O Reino Unido já possuía jurisprudência desfavorável ao sweating system desde 1888, em que reconheceu os prejuízos que tal sistema causava ao trabalhador. Leia-se:

Em 1888, uma comissão seleta da Câmara dos Lordes foi nomeada para investigar o assunto; E depois de uma longa investigação - no decurso do qual provas foram colhidas de 291 testemunhas em relação à alfaiataria, confecção de sapatos, confecção de roupas de peles, confecção de camisas, fabricação de manto, gabinete de fabricação e estofos e talheres, este comitê apresentou seu relatório final em abril de 1890. O comitê achou-se incapaz de atribuir um significado exato ao termo ‘sweating’, mas enumerou as seguintes condições como aquelas as quais se aplicavam essa denominação: ‘(1) Uma taxa salarial inadequada às necessidades dos trabalhadores ou desproporcional ao trabalho realizado; (2) horas de trabalho excessivas; (3) o estado insalubre das casas em que a obra é realizada’. ‘Afirmaram que, em regra, as observações feitas com respeito ao sweating system se aplicam, principalmente, a trabalhadores não qualificados ou apenas parcialmente qualificados, pois trabalhadores qualificados podem quase sempre obter salários adequados’.17

Por fim, evidencia-se que a transição entre o sistema doméstico e o sistema de fábrica foi marcada, prioritariamente, pela perda de controle do homem sobre o processo produtivo – já que esse passou apenas a controlar as máquinas que pertenciam aos donos dos meios de produção –, sendo seu intelecto e sua criatividade dispensáveis naquele momento da evolução

15 LANGENBACH, Randolph; HAREVEN, Tamara K. Amoskeag: life and work in an American FactoryCity. New York: Pantheon Books, 1968, p. 11.

16 BIGNAMI, Renato. Trabalho escravo contemporâneo: o sweating system no contexto brasileiro como expressão do trabalho escravo urbano. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord). Trabalho

escravo contemporâneo – o desafio de superar a negação. 2ª. ed. São Paulo: LTR, 2011.

17 WIKISOURCE. The Encyclopaidia britannica. Volume XXVI. “Sweating system”. Disponível em: <https://en.wikisource.org/wiki/1911_Encyclop%C3%A6dia_Britannica/Sweating_System>. Acesso em: 14 fev. 2019.

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da indústria têxtil. Ademais, em ambos os sistemas, restaram sedimentadas como características que se prolongaram: a presença do trabalho infantil, as condições precárias e insalubres de labor, as longas jornadas de trabalho e a concessão de baixos salários.

2.2 O IMPACTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA PERSPECTIVA LABORATIVA DA FÁBRICA TÊXTIL

Durante a construção desse novo cenário formado pelo soerguimento das fábricas, não foi conferida qualquer importância ao trabalhador, que experimentou a degradação de suas condições de trabalho, a superexploração por seu empregador e a ausência de dignidade no desempenho de seu ofício. Além disso, diante da necessidade de vultosas demandas produtivas, a Revolução Industrial contribuiu, sobremaneira, para a ocorrência do êxodo rural, criando enormes concentrações urbanas e um exército reserva, que fomentava a dispersão de salários cada vez mais baixos para esses obreiros.

Nessa nova configuração de produção em massa, exigia-se um padrão de consumo proporcional a todo o potencial produtivo do setor, que sob a influência do modelo de produção taylorista/fordista, passou a fabricar, em larga escala, peças não individualizadas, diferentemente do que ocorria no sistema doméstico, visto a precedência da encomenda ante a aquisição. Giorgio Riello, valendo-se da lição de Brewer Mc Kendrick, explica que:

A moda foi um dos motores de consumo do século XVIII e, por extensão, até os nossos dias [...]. A moda interessava não só os fidalgos e as donzelas, mas praticamente todos os extratos da sociedade. Todavia no modelo de McKendrick nem todos “fazem moda”. Na sua opinião, no século XVIII, são a nobreza beau monde e os ricos que fazem a moda e decidem o que está na moda. Depois a moda é filtrada para baixo da escala social através de processos de imitação: a criada imita a patroa, a mulher do merceeiro imita os clientes mais ricos. A moda não se propaga ao acaso, mas é filtrada do vértice para a base da hierarquia social.18

Consoante David Harvey, Os Princípios da Administração Científica, de Frederick W. Taylor, publicado em 1911, consistiu em uma importante obra que sistematizou princípios pelos quais o rendimento do trabalho podia ser elevado por meio da “decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento”, eliminando os “movimentos falhos, lentos e inúteis” do processo produtivo.19

18 RIELLO, op. cit. p. 37.

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Ocorre que a instituição da divisão de tarefas em curtos, simples e repetitivos movimentos contribuiu, demasiadamente, para o processo de alienação do obreiro, porquanto sua qualificação individual para desempenho da tarefa tornou-se dispensável, suprimindo a sua liberdade e capacidade criativa na execução de sua atividade laboral. Sobre essa perspectiva, Hannah Arendt retrata que:

(...) esta consequência da divisão do trabalho, na qual uma atividade é dividida em tantas partes minúsculas que cada operário especializado precisa somente de um mínimo de qualificação, tende a abolir completamente o trabalho qualificado, como Marx acertadamente previu. O resultado é que o que é comprado e vendido no mercado de trabalho não é a qualificação individual, mas a ‘força de trabalho’ (labor).20

Somam-se ao processo de alienação laboral outros incontáveis problemas sociais relacionados à desvalorização do trabalho ocasionada pela Revolução Industrial. As consequências desse período puderam ser percebidas em vários aspectos, a exemplo da desvalorização salarial; as exaustivas jornadas de trabalho em ambientes insalubres e perigosos, e o aproveitamento abusivo da mão de obra feminina e infantil para reduzir, ainda mais, os custos de produção.

As primeiras leis criadas para regular essa conjuntura surgem apenas no início do século XIX, que foi marcado pela elaboração de normas esparsas e incipientes, que visavam, essencialmente, “reduzir a violência brutal da superexploração empresarial sobre mulheres e menores”21, simbolizando a construção de um caráter humanitário às relações de trabalho. Não havia, portanto, um ramo jurídico autônomo, o “Direito vigorante à época, consistente no Direito Civil, de formação liberal-individualista, não tinha resposta jurídica ao fato novo da relação empregatícia”22, que era tratado como contrato bilateral entre indivíduos (empregado e

empregador) visto a suposta existência de natural equilíbrio nas relações econômicas e laborais entre estes.

Amauri Nascimento retrata ainda melhor a forma de estruturação jurídica da época:

Foi realmente muito expressiva a influência que a codificação do direito civil exerceu sobre a disciplina inicial do contrato de trabalho. O papel desempenhado, ainda que remotamente, pelo Código de Napoleão (1804), pelo Código Tedesco (1896) e pelos Códigos italianos (1865 e 1942) não pode ser desconhecido, principalmente porque traziam um cunho marcadamente comum, consagrando a ideologia do contrato que viria a repercutir na forma pela qual as relações entre empregado e empregador viriam a ser conhecidas. O contrato é o signo da liberdade. Acreditava-se que o equilíbrio nas

20 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 101. 21 DELGADO, Mauricio. Curso de direito do trabalho. 16ª. ed. rev. e ampl.. São Paulo: LTr, 2017, p. 99. 22 Ibid., p. 95 -96.

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relações econômicas e trabalhistas pudesse ser atingido diretamente pelos interessados segundo o princípio da autonomia da vontade. Assim, esses Códigos não revelam nenhuma preocupação com o problema social23.

Alia-se à essa estrutura, a filosofia empregada pelo Estado Liberal, da sua não intervenção na economia e na vida privada dos cidadãos. Assim, a maior parte dos direitos conquistados correspondeu aos de primeira dimensão, como o direito à vida, à liberdade, à segurança e à felicidade, cujo exercício deve ser respeitado por todos, inclusive e principalmente, pelo Estado.24 A ruptura desse cenário começa a partir da união dos trabalhadores na luta por melhores condições de trabalho, tornando-se pauta de reivindicação desses indivíduos.

Diante do completo descaso e como resposta à superexploração, os empregados passaram a se organizar a fim de reivindicar seus direitos, basicamente atinentes ao salário e à jornada de trabalho. Tais organizações, surgidas em meados do século XVIII na Inglaterra, ficaram conhecidas como Trade Unions, representando as primeiras lutas operárias e o movimento sindical mais antigo do mundo. Em 1849, por exemplo, é conquistada, naquele país, a redução da carga horária para 10 horas diárias e, em 1874, a promulgação de nova lei sobre a livre associação sindical.25

O esquadrinho do Direito do Trabalho surge, portanto, como reação ao sentimento de insatisfação da classe trabalhadora do século XIX, em virtude da utilização desumana de sua força laboral. A respeito do tema, leciona Vólia Bonfim:

O direito comum (civil), com suas regras privadas de mercado, não mais atendia aos anseios da classe trabalhadora, oprimida e explorada diante da explosão do mercado de trabalho ocorrido em virtude da descoberta da máquina a vapor, de tear, da luz e da consequente revolução industrial. Em face da mecanização do trabalho já não mais se exigia o aprendizado em um ofício ou profissão. Qualquer “operário” estaria apto para o trabalho e sua mão de obra mais barata, seu poder de barganha, em face dos numerosos trabalhadores em busca de colocação no mercado, era ínfimo.

(...) A partir daí nasce o Direito do Trabalho com função tutelar, econômica, política, coordenadora e social. Tutelar, porque visa proteger o trabalhador e reger o contrato mínimo de trabalho, protegendo o trabalhador de cláusulas abusivas, garantindo-lhe um mínimo. Econômico, em face da sua necessidade de realizar valores, de injetar capital no mercado e democratizar o acesso às riquezas, de abalar a economia do país. Coordenadora ou pacificadora, porque visa harmonizar os naturais conflitos entre capital e trabalho. Política, porque toda medida estatal coletiva atinge a toda população e tem interesse público. Social, porque visa à melhoria da condição social do trabalhador, da sociedade como um todo26.

23 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 23ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 25-26.

24 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 6ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 11. 25 DELGADO, op. cit., p. 101.

26 CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. 11.ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. p. 53.

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Nesse panorama, logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada, através do Tratado de Versalhes, tendo sua sede em Genebra, e sendo composta pela representação permanente de 10 países, dentre os quais o Brasil. A sua função consistia, primordialmente, na elaboração de um direito que previsse um patamar mínimo de proteção ao trabalhador, refutando-se as condições de miséria extremada, maus tratos no trabalho e outras que se relacionassem à dignidade do trabalhador. Assim, a sua criação foi pautada pelos seguintes princípios:

(...) que o trabalho deve ser fonte de dignidade; que o trabalho não é uma mercadoria; que a pobreza, em qualquer lugar, é uma ameaça à prosperidade de todos; e que todos os seres humanos têm o direito de perseguir o seu bem-estar material em condições de liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades.27

As primeiras seis convenções, criadas em 1919, espelharam as reivindicações do movimento sindical operário do fim do século XIX e início do século XX, estabelecendo a “limitação da jornada de trabalho a 8 horas diárias e 48 horas semanais, a proteção à maternidade, a luta contra o desemprego, a definição da idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria e a proibição do trabalho noturno de mulheres e menores de 18 anos.28

Após a criação da OIT, inaugura-se a fase da constitucionalização do Direito do Trabalho, tornando-o ramo jurídico autônomo em muitos países de economia central.29 Em

1946, a Organização é vinculada à ONU como uma Agência Especializada para as questões referentes à regulamentação internacional do trabalho, sendo editada uma nova Constituição para a Organização. Sensível à questão da preocupação social, a OIT apresenta uma nova proposta para ser discutida na convenção de 1948 e de 1949: o direito coletivo.

À nível de direito internacional, no ano de 1948 é editada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, prevendo diversos direitos trabalhistas, como férias remuneradas, limitações de jornada, dentre outros, elevando tais direitos à condição de direito humano. No entanto, a crise econômica do petróleo ocorrida na década de 70 freia o otimismo quanto aos avanços que vinham sendo obtidos. Além disso, a recessão experimentada neste período foi responsável pelo surgimento de dois fenômenos no direito do trabalho: o da terceirização e o da flexibilização das normas trabalhistas – que como consequência, geram a diminuição da proteção do trabalhador para atender às necessidades do empregador.

27 OIT, Organização Internacional Do Trabalho. História da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/hist%C3%B3ria/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 17 fev. 2019.

28 Ibid.

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Em 1989, com a queda do Muro de Berlim, a luta ideológica entre socialistas e capitalistas ganha um ponto final. A decomposição do império soviético e o fim do comunismo na Rússia fez despontar o capitalismo no contexto da nova ordem mundial. Nesse mesmo cenário, os Estados Unidos despontam como uma potência econômica, política e militar. O liberalismo comercial e a formação de blocos econômicos surgem na década seguinte, e em 1994 ocorre a criação da OMC, cuja proposta consistiu na união da expansão comercial à criação de cláusulas sociais, que, contudo, não foi adiante.

Em 1998, a Conferência Internacional do Trabalho, na sua 87ª Sessão, adotou a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, definidos como o respeito à liberdade sindical e de associação e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a efetiva abolição do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.30 Esses quatro direitos e princípios estão associados diretamente a oito Convenções, que passam a ser definidas como fundamentais. Assim, todos os Estados Membros da OIT, por terem aderido à sua Constituição, são obrigados a respeitá-la.

Assim, com esta breve exposição, nota-se que a historicidade do direito do trabalho foi fortemente influenciada pelas rupturas e alterações do cenário econômico global, sobretudo, pela Revolução Industrial. Após esse período, no entanto, outros fatores como a crise de 1970 e a globalização foram responsáveis por novas transformações que, por consequência, incidiram nas relações laborais desse período em diante. Logo, em um contexto de expansão do mercado, propiciado, principalmente, pela aproximação dos mercados financeiros internacionais, inúmeros fenômenos têm afetado a conjuntura laborativa, revelando-se como verdadeiros desafios à preservação dos direitos fundamentais do obreiro.

2.3 O CENÁRIO BRASILEIRO DIANTE DA FORMAÇÃO DAS PRIMEIRAS RELAÇÕES TRABALHISTAS NA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL

Após a década de 70 a organização social ocidental sofreu profundas transformações, sendo tais mudanças referencial de estudo de inúmeros teóricos. A partir da análise desse período, observou-se a existência de um lapso de transição entre a sociedade industrial, que estaria sendo superada por uma nova forma de organização social, genericamente denominada como sociedade pós-industrial. Daniel Bell foi um dos teóricos que se debruçou diante do tema,

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sendo, inclusive, um dos precursores, ao lado de Touraine. Bell elabora sua teoria em contraponto ao marxismo, contestando o determinismo e as relações de propriedade como elemento estrutural da organização social31.

A teoria de Daniel Bell é desenvolvida sobre o advento da sociedade pós-industrial com base nas seguintes premissas: (a) atualmente, observa-se uma passagem da produção de bens à produção de serviços32, e o setor dos serviços se traduz como preponderante produtor de riquezas; (b) nas sociedades modernas, observa-se uma crescente importância da classe de profissionais liberais e técnicos, e não da classe operária, como setor de alocação da ocupação e renda; (c) o conhecimento teórico ocupa, cada vez mais, um papel relevante na organização social; (d) o problema relativo à gestão da tecnologia toma cada vez proporções maiores; (e) atualmente, há o desenvolvimento de uma tecnologia que substitui o ser humano não apenas nas atividades manuais, mas, também, em algumas tarefas intelectuais33.

Do ponto de vista da sociedade brasileira, interessante que haja uma reflexão apartada, visto que o curso da evolução da indústria têxtil e de vestuários não se deu de forma equânime a todos os países. No Brasil, diferente da Europa – em que a legislação trabalhista decorreu, sobretudo, de fontes autônomas (convenções e acordos coletivos de trabalho) –, a produção normativa consistiu-se a partir de fontes heterônomas (normas jurídicas impostas coercivamente ao indivíduo).34

Assim, no século XVIII, de forma distinta à indústria britânica e americana, a produção brasileira de tecidos era executada através de instrumentos simples como os teares a mão e rocas de fiar.35 E embora o país possuísse potencial para a produção de algodão e a confecção de tecidos, havia a proibição da manufatura têxtil pelo Alvará de 1785, que autorizava somente a produção de tecidos grosseiros de algodão para vestimenta dos escravos negros e para ensacar mercadorias em geral.

O referido Alvará foi revogado apenas em 1808, o que representou certo atraso ao Brasil se comparado aos avanços protagonizados por outros países. Sendo assim, após o fim dessa determinação, os primeiros investimentos foram sendo realizados no setor têxtil, que inaugurou o seu primeiro núcleo industrial na Bahia em 1844. Importante destacar que o referido estado

31 Cf. CEVOLI, Marilda. Bell: o advento industrial. In: DE MASI, Domenico (org.). A sociedade

pós-industrial. 3ª. ed. São Paulo: SENAC, 2000, p. 149-152.

32 Ibid., p. 154.

33 Cf. DE MASI, Domenico. O ócio criativo. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 111.

34 FRENCH, John D. Afogados em leis – a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros, 1ª ed. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 17.

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brasileiro manteve a liderança no segmento até 1860 em razão, principalmente, do grande contingente de escravos.36

A questão da mão de obra merece destaque pois, diversamente dos países que lideravam as exportações na época, até 1888 a mão de obra predominante no Brasil ainda era escrava, porquanto a abolição da escravatura se deu apenas no dia 13 de maio de 1888 com a assinatura da Lei Áurea. Assim, com a entrada em vigor da mencionada lei, embora a força laboral brasileira tenha permanecido composta por ex-escravos, observou-se que, no interior das indústrias, o trabalho era oriundo, principalmente, de imigrantes europeus.

Neste diapasão, o setor têxtil experimentou grande crescimento nas primeiras três décadas do século XX, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, devido a corrida bélica, o que posicionou o Brasil em situação de vantagem, ampliando o número de suas exportações nesse período. Tal cenário de desenvolvimento e expansão industrial, no entanto, ocorreu de forma extremamente heterogênea, vez que marcado por um desequilíbrio regional, pois apenas alguns estados brasileiros experimentaram esse crescimento, e os investimentos e mão-de-obra foram concentrados em determinadas regiões do país.

Embora a industrialização brasileira, como já mencionado, tenha ocorrido de forma difusa e não homogênea, a situação de caos e desumanidade dos operários nas fábricas instaladas no território nacional era comum à maioria das instalações fabris. Deste modo, a formação de aglomerados de indivíduos insatisfeitos com a precariedade de suas situações laborais, possibilitou a reunião desses trabalhadores com o propósito de realizar reivindicações por condições dignas, feitas através de inúmeras greves e manifestações que foram deflagradas no país. Por conseguinte, a precariedade das condições de vida e trabalho, relatadas inúmeras vezes em jornais operários e mesmo em documentos oficiais, ensejaram, sobretudo nos anos de 1917 e 1920, diversas manifestações de obreiros nas regiões mais industrializadas do país.

Nesse contexto, destaca-se a greve geral de 1917, que teve início em São Paulo, compreendendo Santos, Rio de Janeiro e Curitiba, em um total de mais de 70.000 operários paralisados, que exigiam aumento salarial, jornada de oito horas e regulamentação do trabalho de mulheres e crianças. No estado do Rio de Janeiro, em 1918, houve uma greve que contou com a participação de cerca de 20.000 trabalhadores têxteis. Eles exigiam pagamento semanal, aumento salarial, jornada de oito horas, entre outras reivindicações.37 Em 1919, “São Paulo

36 FUJITA, Renata Mayumi Lopes; JORENTE, Maria José. A indústria têxtil no Brasil: uma perspectiva histórica e cultural. Revista ModaPalavra, [online], Santa Catarina, v. 8, n.15, jan./jul. 2015. Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/modapalavra/article/view/5893/4139>. Acesso em: 19 fev. 2019. 37 FAUSTO, Boris. A criminalidade em São Paulo (1870 -1924). São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 215.

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reaparece como centro das mobilizações, com 64 greves na capital e 14 no interior”38 sendo uma das mais importantes a grande paralisação do mês de maio que abrangeu, só na capital, mais de 45.000 trabalhadores.

A condição de precariedade das instalações fabris pode ser ainda ratificada a partir do relato de Jacob Penteado, ex-operário de uma fábrica de vidro em São Paulo, que aponta:

O ambiente era o pior possível. Calor insuportável, dentro de um barracão coberto de zinco, sem janelas nem ventilação. Poeira micidial, saturada de miasmas, de pó de drogas moídas. Os cacos de vidro espalhados pelo chão representavam outro pesadelo para as crianças, porque muitas trabalhavam descalças ou com os pés protegidos por alpercatas de corda, quase sempre furadas. A água não primava pela higiene nem pela salubridade (...).39

Diante desse contexto de reivindicações trabalhistas elementares, destacam-se algumas conquistas para o proletariado brasileiro, a saber: em 1919 a criação do instituto do acidente do trabalho; em 1923 foi criado o Conselho Nacional do Trabalho que pode ser considerado como o embrião da Justiça do Trabalho no Brasil; em 1925 foi estendido o direito de férias de 15 dias úteis para os trabalhadores de estabelecimentos comerciais, industriais e aos bancários; em 1930 Getúlio Vargas tornou-se presidente e criou o Ministério do Trabalho, Indústria e comércio com o propósito de coordenar as ações institucionais a serem desenvolvidas, resultando em um aumento significativo nas legislações sobre o tema inclusive em relação à previdência social.

Ressalte-se que, anteriormente a promulgação da Constituição Federal de 1934, nenhuma outra constituição brasileira dispôs de normas específicas de Direito do Trabalho. Sendo a referida Carta Constitucional a primeira a posicionar os direitos trabalhistas no rol de direitos constitucionais, sobretudo, em virtude da influência que sua elaboração sofreu do constitucionalismo social da Constituição de Weimar e da Constituição Americana.

A Consolidação das Leis do Trabalho brasileira, marco histórico desse movimento de proteção às relações de trabalho, surge como uma necessidade de sistematização e junção das normas sobre o referido tema, e assim, no dia 01 de maio de 1943, através do Decreto-lei nº 5.452/43 surge a CLT. Esse conjunto de leis arbitrava o uso do trabalho na indústria nascente, restringindo a liberdade de contratação das empresas: limitação da jornada de trabalho em 48 horas, proibição do trabalho de menores de 14 anos, regulamentação do trabalho feminino, remuneração obrigatória da hora extra, descanso e férias remuneradas, condições de salubridade e proteção contra acidentes de trabalho, elevada indenização por dispensa imotivada, o que

38 Ibid., p. 161.

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regulava a estabilidade no emprego para indivíduos com mais de dez anos de trabalho, entre outros.

Ocorre que, embora a legislação brasileira tenha aprimorado o olhar sobre o trabalhador com o passar dos anos e das Constituições posteriores à de 1934, fato que se pretende destacar nesse tópico, refere-se ao enorme fluxo imigratório recebido pelo Brasil, principalmente no século XIX, e a maneira como esses imigrantes foram absorvidos como mão de obra no país. Nesse sentido, os imigrantes que ingressaram em solo brasileiro, na maioria das vezes, o fizeram de forma irregular, tendo como agravante dessa situação, o desconhecimento das leis nacionais e a falta dos documentos brasileiros. Assim, viram como alternativa a sujeição ao trabalho informal e, em grande parte, realizado em pequenas oficinas, caracterizadas pela degradação das condições laborativas, o que revelou a incidência do sweatshops40 no país.

Renato Bignami, ao desenvolver sua pesquisa sobre o tema, retrata bem a construção deste cenário no Brasil:

O trabalho prestado em boa parte das células de costura de São Paulo está inserido em um contexto de reorganização produtiva, no qual as confecções subcontratam parte de sua produção a diversos outros núcleos produtivos em uma cadeia de subcontratação de prestação de serviços. As empresas, com o objetivo de reduzir custos, acabam por transferir parte da sua produção para outras pequenas empresas conhecidas, genericamente, como oficinas de costura, encarregadas apenas de costurar peças já cortadas. Por outro lado, o Brasil por apresentar um desempenho positivo de sua economia ao longo dos últimos anos, serviu como polo de atração a milhares de trabalhadores sul-americanos que chegam à capital paulista buscando melhores condições de vida e trabalho41.

Diversas são as características do sweating system, que, no entanto, podem ser condensadas na premissa da precarização total das condições de trabalho, constituindo exemplos de tal prática, a generalização do pagamento por peça; o aumento do trabalho em domicílio – o que, inegavelmente, dificulta a intervenção do Estado e o controle da jornada de

40 Sweating system, como anteriormente já explicitado, é um termo utilizado desde o início do século XIX, referindo-se à um ambiente de extrema degradação das condições de trabalho, oriundas da subcontratação de serviços. Originalmente o termo se referia ao tipo de produção têxtil de indumentária militar que logo se estendeu a toda a indústria têxtil, sobretudo a partir de 1830, na Inglaterra e, logo, aos demais países. V. nesse sentido, The Encyclopaedia Britannica. A dictionary of arts, science, literature and general information. Eleventh Edition. Volume XXVI. Submarine mines to Tom-Tom. New York: Cambridge University, England, 1911, pp. 187/188.

41 BIGNAMI, Renato. Trabalho escravo contemporâneo: o sweating system no contexto brasileiro como expressão do trabalho forçado urbano. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (coords.). Trabalho

Escravo Contemporâneo: o Desafio de Superar a Negação. São Paulo: LTr, 2011, p. 77. Disponível em:

<https://www.sinait.org.br/arquivos/artigos/artigo19216c4627d24e2563a4335ceb2c9469.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2019.

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trabalho; o aumento descomunal nas horas de trabalho e a redução dos salários; e a ausência de condições de segurança e saúde42.

Não obstante, o retorno do referido sistema não foi exclusividade apenas em solo brasileiro, pois que este se difundiu tanto em países desenvolvidos, em virtude, sobretudo, das migrações irregulares e da evolução do mercado de trabalho outsider para suprir as necessidades perversas da manufatura globalizada, como em países em desenvolvimento – os quais funcionam como exportadores de mão de obra barata para a produção das grandes empresas transnacionais. Por fim, entende-se fundamental frisar que o retorno do “sistema de suor” justifica-se, de certo modo, pelos fluxos comerciais proporcionados pela globalização, o que gerou aumento da concorrência entre as empresas, a abertura dos mercados, a imigração irregular e a pressão por um capitalismo global flexível43.

42 ILO, International Labour Organization. Globalization of the footwear, textiles and clothing industries. TMFTCI/1996. Geneva: International Labour Office, 1996, p. 78-102.

43 BONACICH, Edna; APPELBAUM, Richard P. Behind the label: inequality in the Los Angeles apparel industry. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2000, p. 1-25.

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3 A INFLUÊNCIA E OS REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO NA INDÚSTRIA DA MODA

A globalização trouxe inúmeros impactos à economia mundial. No contexto relacionado à empresa, tal fenômeno proporcionou uma atuação ampla e irrestrita às barreiras nacionais, em que as companhias admitem uma nova faceta denominada “transnacionalização empresarial”. A marca principal dessa nova atuação coorporativa corresponde, sobretudo, à descentralização produtiva e a busca desenfreada pela redução de custos da produção – neste último caso, não decorrente da atenuação de custos das matérias primas, da melhor utilização das mesmas ou, ainda, de investimentos tecnológicos, ao revés, a baixa dos preços é produto da diminuição ou, em alguns casos, da supressão total das condições de dignidade do trabalhador.

Nessa medida, o desmantelamento do Estado social e o fortalecimento do neoliberalismo, caracterizado por suas teorias não intervencionistas, pela flexibilização da legislação trabalhista e pela definição das condições de trabalho através das leis de mercado, formaram o cenário ideal para o enfraquecimento dos direitos da classe trabalhadora, que passaram a constituir verdadeiros entraves à competitividade e ao desenvolvimento econômico. A partir desse desmonte da estrutura de proteção criada ao trabalhador, principalmente a partir da Segunda Grande Guerra, observou-se o retorno crescente do sweating system, não apenas relacionado com a indústria do vestuário44, o que propiciou o ressurgimento de diversos locais de trabalho precários, degradantes e desumanos na contemporaneidade.

3.1 O FENÔMENO DA TRANSNACIONALIZAÇÃO EMPRESARIAL E A REPERCUSSÃO DE SUA EVOLUÇÃO NO CENÁRIO MUNDIAL

Para melhor entender tais empresas como atores privados de expressiva ascensão no contexto atual, faz-se necessário compreender a formação de uma concepção sobre o que se designa como “empresa transnacional”, bem como sua influência exercida sobre a sociedade internacional contemporânea. Destarte, é salutar diferenciar empresas transnacionais de empresa multinacionais. Assim, o termo transnacional substitui o termo multinacional, pois o último pode ser interpretado como se a empresa pertencesse a várias nações, já o primeiro relaciona-se ao fato de a empresa ultrapassar os limites territoriais de sua nação para atuar no mercado exterior. Celso Albuquerque Melo, em simples distinção, assegura que:

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A ONU consagrou a expressão transnacional, isto é, de empresas que atuam além e através das fronteiras estatais. É mais correto, porque o qualitativo “multinacional” podia conduzir a equívoco se fosse interpretado ao pé da letra, vez que estas empresas não têm muitas nacionalidades.45

Diante de certa complexidade, Luiz Olavo Baptista ressalta que tais empresas não existem sob um prisma jurídico-positivista, pois, segundo seu entendimento, as empresas transnacionais figuram como uma interligação corporativista estabelecida a partir de um “controle central unificado”, isto é, possuem um intuito comum. Segundo ele:

Sob o prisma estritamente jurídico-positivo, pois, não existe a empresa transnacional, razão pela qual a descrição que dela fazem os economistas é útil para sua conceituação: “um complexo de empresas nacionais interligadas entre si, subordinadas a um controle central unificado e obedecendo a uma estratégia global.46

Segundo Baptista, privilegiando aspectos referentes à nacionalidade e condição jurídica, determina-se como empresa transnacional aquela entidade que não possui personalidade jurídica própria no sentido jurídico-positivo, sendo composta por uma empresa sede e unidades filiais constituídas nos mais diversos países de acordo com a nacionalidade.47 No entanto, é a partir da Organização das Nações Unidas, por meio da UNCTAC – United Nations Conference on Trade and Development (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), que surge, com maior clareza, definição a respeito das empresas transnacionais:

Uma empresa que independentemente do seu país de origem e de sua propriedade, podendo ser privada, pública ou mista, compre entidades locais em dois ou mais países, ligadas por controle acionário ou de outra forma que uma ou mais dessas entidades possam exercer influência significante sobre a atividade das demais e, em particular, para dividir conhecimento, recursos e responsabilidades umas com as outras.48

Diante da compreensão de tais conceitos, infere-se que, quando as empresas transnacionais possuem um controle acionário majoritário, ou quando levam o mesmo nome de sua “matriz”, elas conseguem ser prontamente identificadas. Ao contrário, quando não estiverem ligadas de forma institucionaliza, apenas observando o controle unificado, o processo de detecção dessas empresas acaba sendo mais dificultoso, visto que a ausência de

45 MELLO, Celso D. Albuquerque. Direito Internacional econômico. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p. 105. 46 BAPTISTA, Luiz Olavo. Empresa Transnacional e Direito. São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, 1987, p.

17. 47 Ibid.

48 UNCTAD – Word Investment Report – WIR. Transnacional Corporations and Export Competitiveness. Nova Iorque, 2002, p. 291.

Referências

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