CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 40.569 - SP (2003/0187145-1)
RELATOR : MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA
AUTOR : JUSTIÇA PÚBLICA
SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DA 6A VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DE SÃO PAULO - SP
SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 2A VARA CRIMINAL DE GUARAPUAVA - PR
EMENTA
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUÍZOS ESTADUAIS. EXTORSÃO VIA MENSAGENS ELETRÔNICAS PELA
INTERNET. DELITO FORMAL. MOMENTO CONSUMATIVO.
PRESENÇA DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO TIPO. LOCAL DO RECEBIMENTO DOS E-MAILS.
Na hipótese dos autos, houve o momento consumativo perpetrado pelo agente ao praticar o ato de constrangimento (envio dos e-mails de conteúdo extorsivo), e o das vítimas que se sentiram ameaçadas e intimidadas com o ato constrangedor, o que ocasionou a busca da Justiça.
Consumação do lugar do recebimento das mensagens eletrônicas.
Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de Guarapuava/PR.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitado, Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de Guarapuava - PR, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Laurita Vaz e Paulo Medina. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Jorge Scartezzini.
Brasília (DF), 10 de março de 2004 (data do julgamento).
MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA Relator
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 40.569 - SP (2003/0187145-1) RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA(Relator): Instaurou-se o presente conflito de competência, entre os Juízos de Direito Criminais de Guarapuava/PR e de São Paulo, no qual o Ministério Público pedia a quebra de sigilo telemático – mensagem por e-mail (fls. 02 e segs.), aduzindo que Pedro Laudo de Camargo e Carlos Sampaio Branconnot teriam relatado as ameaças de extorsões recebidas via correio eletrônico.
O primeiro juízo declinou de sua competência, acolhendo a manifestação ministerial no sentido de que, estando diante do caso de tentativa de extorsão, a competência para o processamento do feito se firmaria no local em que teria sido praticado o último ato de execução (fls. 261 e segs.) que, no caso, estaria consubstanciado no envio de e-mail cujo numeral de telefone seria de São Paulo.
Ao receber o feito, o Exmo. Sr. Juiz de Direito daquela comarca suscitou o presente conflito sob o seguinte entendimento:
“À evidência que o crime de extorsão é um delito formal, que aloja, no tipo legal, um resultado naturalístico, integrando-se com a ação, sendo irrelevante se o agente atingiu seu objetivo, isto é, o proveito que almejava. A ocorrência do resultado não é necessária à sua consumação.”
(fl. 399)
Em parecer, o Ministério Público Federal opina pela competência do Juízo de Direito da Comarca de Guarapuava/PR (fls. 405 e segs.).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 40.569 - SP (2003/0187145-1) VOTO
EXMO. SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA(Relator): A controvérsia foi bem delineada nas razões aduzidas pela il. representante do Ministério Público Federal, dra. Cláudia Sampaio Marques, verbis (fls. 408/10):
"10. Segundo a melhor doutrina e a dominante jurisprudência, inclusive a dos tribunais superiores, como faz prova a Súmula nº 96 do STJ, o crime de extorsão, cujo núcleo está na ação de constranger em si, é considerado formal ou de consumação antecipada. Isso significa que para a sua consumação basta a ação dirigida à obtenção de vantagem econômica indevida, não se exigindo sua efetiva ocorrência, que configura tão-somente o seu exaurimento.
11. No entanto, em que pese a sua índole formal, a extorsão, no tocante ao momento consumativo, é pontuada pela complexidade. Ao contrário do que se verifica com grande parte dos delitos, cujos momentos consumativos ficam vinculados ao comportamento do sujeito ativo, no crime de extorsão, o instante consumativo depende também do sujeito passivo, ou seja, exige a duplicidade de comportamentos distintos: um, do extorsionário, e outro, do extorquido. O primeiro precisa praticar um ato de constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, e a vítima, intimidada com o ato constrangedor, compelida a fazer, tolerar ou deixar de fazer algo. No segundo momento que se completa o iter criminis. Se a vítima não se sentiu constrangida ou amedrontada, rechaçando as ameaças, fica caracterizada a mera tentativa de extorsão. É o entendimento desse egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“RESP – PENAL – EXTORSÃO – TENTATIVA – A moderna doutrina de Direito Penal considera o resultado normativamente. O aspecto físico é secundário. Entende-se-lhe como dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado. O perigo, por seu turno, probabilidade (não mera possibilidade) de dano. Com isso, renegam-se os crimes de perigo abstrato. Cumpre rever a clássica distinção entre crime formal e crime material, bastando, para o primeiro, a simples conduta. No delito de Extorsão (CP, art. 158), a conduta é especificada com o elemento subjetivo do tipo – 'com o intuito de'. Basta, pois, a ação voltada – contra o Patrimônio. Os elementos constitutivos do crime não incluem o dano patrimonial. Se este ocorrer, configura – exaurimento. Na espécie, o Código Penal da Itália não serve de precedente porque impõe, no tipo, 'injiusto profitto con altrui danno'. Assim, inocorre tentativa quando o constrangimento, com o intuito referido, não produz a indevida vantagem econômica. Resta caracterizado o crime consumado.
Cumpre registrar a seguinte distinção: se o agente constrange a vítima (para aquele fim) e esta, atemorizada, como última instância, para livrar-se do constrangimento solicita a ajuda de terceiro, inclusive da polícia, conseguindo a prisão do delinqüente, a hipótese é de crime consumado. Diversamente, se a vítima repele o constrangimento (não resta, pois, constrangida), e o agente, por circunstâncias alheias à sua vontade, não ultrapassa essa resistência, ter-se-á a tentativa. Não se confunde com o crime impossível. Aqui, a conduta do agente era absolutamente inidônea para constranger.” (grifos acrescentados)
(REsp nº 29.587/RJ, 6ª Turma, Rel. Ministro VICENTE CERNICCHIARO, in DJU de 02/08/1993)
“RECURSO ESPECIAL. (...) INTUITO DE OBTENÇÃO DE VANTAGEM PATRIMONIAL INDEVIDA. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DO ARTIGO 158 DO CÓDIGO PENAL..
(...)
2. Configura-se o deito de extorsão quando realizados os elementos do tipo penal respectivo que, na lição de Hungria são ' (...) a) emprego de violência física ou moral (grave ameaça); b) coação, daí resultante, a fazer, tolerar ou omitir alguma coisa; c) intenção de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica' (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Vol. VIII, Editora Forense, 3ª Edição).
3. A consumação do crime de extorsão se dá no exato instante da coação, gize-se, que há de ser idônea ao fim visado, independentemente da efetiva locupletação pelo agente (Súmula do STJ, Enunciado nº 96).
4. Recurso conhecido e provido para condenar os recorridos como incursos nas sanções do artigo 158, parágrafo 1º, do Código Penal.” (grifos inseridos)
(REsp nº 303.792/RS, 6ª Turma, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, in DJU de 10/03/2003, p. 322)
12. Assim, para a consumação do delito é suficiente o constrangimento, mediante violência ou grave ameaça para que alguém faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa, com o intuito de obter a indevida locupletação patrimonial.
13. No caso concreto, as vítimas, infundidas de temor, levaram a sério as ameaças. Foram constrangidas pelas mensagens eletrônicas ameaçadoras enviadas pela internet e se mostraram imbuídas da veracidade da promessa injusta feita pelo agente, tanto é que ofertaram notícia-crime ao Ministério Público pedindo providências no sentido de identificar a autoria do crime. Houve a promessa do agente de infligir mal
injusto às vítimas, a solicitação de numerário decorrente da grave ameaça – hábil ao constrangimento e atemorização – e o inafastável intuito de vantagem econômica.
14. Forçoso, portanto, afastar a ocorrência de mera tentativa punível. A comunicação, pelas vítimas, da grave ameaça à autoridade ministerial não macula a consumação do crime, assentada que está no temor incutido nas vítimas.
15. Tal o contexto, pouco importa o local de onde enviadas as últimas mensagens eletrônicas, pois o crime de extorsão se consumou no lugar no qual os ofendidos receberam os e-mails e deles tomaram conhecimento, no caso, no Município de Guarapuava, sede da empresa administrada pelas pessoas extorquidas."
Em razão do exposto, conheço do presente conflito para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de Guarapuava/PR.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA SEÇÃO Número Registro: 2003/0187145-1 CC 40569 / SP MATÉRIA CRIMINAL Número Origem: 2003000829 EM MESA JULGADO: 10/03/2004 Relator
Exmo. Sr. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. JULIETA E. FAJARDO C. DE ALBUQUERQUE Secretária
Bela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO
AUTUAÇÃO
AUTOR : JUSTIÇA PÚBLICA
SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DA 6A VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DE SÃO
PAULO - SP
SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 2A VARA CRIMINAL DE GUARAPUAVA - PR
ASSUNTO: Penal - Crimes contra o Patrimônio (art. 155 a 183) - Extorsão (art.158)
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente o Suscitado, Juízo de Direito da 2a. Vara Criminal de Guarapuava - PR, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Votaram com o Relator os Srs. Ministros Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Laurita Vaz e Paulo Medina.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Jorge Scartezzini. O referido é verdade. Dou fé.
Brasília, 10 de março de 2004
VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO Secretária