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O ensino de produção textual em materiais apostilados

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Academic year: 2021

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Instituto de Estudos da Linguagem

VINICIUS GIRO TEIXEIRA

O ENSINO DE PRODUÇÃO TEXTUAL EM MATERIAIS

APOSTILADOS

CAMPINAS 2019

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VINICIUS GIRO TEIXEIRA

O ENSINO DE PRODUÇÃO TEXTUAL EM MATERIAIS

APOSTILADOS

Dissertação apresentada ao Programa de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para a obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada, na área de Linguagem e Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Jacqueline Peixoto Barbosa

Este exemplar corresponde à versão final da dissertação defendida pelo aluno Vinicius Giro Teixeira e orientada pela Profa. Dra. Jacqueline Peixoto Barbosa.

CAMPINAS 2019

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Teixeira, Vinicius Giro,

T235e TeiO ensino de produção textual em materiais apostilados / Vinicius Giro Teixeira. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

TeiOrientador: Jacqueline Peixoto Barbosa.

TeiDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Tei1. Material didático. 2. Sistema Privado de Ensino. 3. Língua Portuguesa (Ensino Médio) - Estudo e ensino. 4. Textos - Redação - Estudo e ensino. I. Barbosa, Jacqueline Peixoto. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The textual production teaching in learning materials Palavras-chave em inglês:

Teaching materials

Private Educational Systems

Brazilian Portuguese Language Teaching Texts - Writing - Study and teaching

Área de concentração: Linguagem e Educação Titulação: Mestre em Linguística Aplicada Banca examinadora:

Jacqueline Peixoto Barbosa [Orientador] Roxane Helena Rodrigues Rojo

Ana Luiza Marcondes Garcia

Data de defesa: 15-08-2019

Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-8171-4173 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/6133884538026034

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Roxane Helena Rodrigues Rojo

Ana Luiza Marcondes Garcia

IEL/UNICAMP 2019

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria de Pós Graduação do IEL.

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“Mas tudo o que há para dizer sempre pode ser dito de outra forma e tudo o que se diz jamais esgotará qualquer tema ou assunto. Partir do já conquistado para chegar a outros aspectos do tema e a outras formas de tratá-lo e de apresentá-lo (esta apresentação responde sempre a condições discursivas de produção) é o caminho proposto quando da virada da redação para a produção de textos. Trabalhar entre o sabido e o potencial é a forma de mediação do professor, que se torna assim um coautor dos textos de seus alunos: faz junto e ambos avançam em suas capacidades de produção de novos textos.”

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a oportunidade de ter estudado, na Graduação e na Pós-graduação, na UNICAMP. A possibilidade de frequentar uma instituição de ensino pública, gratuita e de qualidade fomentou a minha formação acadêmica e humana. Nesses anos, tive a possibilidade de encontrar tanta gente: amigos e professores incríveis. Percebi e consolidei o espaço universitário como um lugar de produção de conhecimentos, respeito a princípios republicanos e democráticos e espaço para construção de afetos que existem muito além da sala de aula, principalmente, na convivência e na troca de ideias. Infelizmente, muitos não dimensionam a importância e o impacto de uma instituição como a UNICAMP na formação tanto individual quanto da sociedade e eu, felizmente, tenho tido tais momentos.

Agradeço a todos os professores e professoras do IEL, que contribuíram para a minha formação. Agradeço aos funcionários do IEL, que sempre foram solícitos às demandas do cotidiano na Universidade.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Ao mesmo tempo em que agradeço à CAPES, manifesto meu receio, no contexto em que concluo esta pesquisa, de que muitos outros jovens não tenham a mesma possibilidade.

Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Jacqueline Peixoto Barbosa, pelo percurso acadêmico que realizamos e pelas contribuições à minha formação: sugestões, dicas e questões que possibilitaram o meu processo de amadurecimento intelectual e acadêmico durante a pesquisa.

Agradeço à Profa. Dra. Roxane Rojo pela participação na banca de qualificação, pelo aceite para a defesa do Mestrado e pelos vários momentos de inspiração intelectual.

Agradeço à Profa. Dra. Márcia Mendonça pela participação na qualificação, pela doçura e leveza de sempre. Desde a graduação, quando fui PAD de estágio supervisionado, tem me inspirado a seguir na profissão.

Agradeço à minha família pelo amor, meus pais, Sueli e Vicente, à minha irmã Mara, que estiveram ao meu lado e sempre, sem titubear, torceram pelo meu sucesso e me apoiaram nesta etapa.

Agradeço ao Zé pelo apoio incondicional do início ao fim desta dissertação. O companheirismo, o incentivo e afeto foram importantíssimos para que eu segurasse todas as pontas.

Agradeço às amigas Mayara, Taís, Bruna, Mônica, Ana Vitória, Giovanna, Élica pela paciência nos momentos de ausência, o carinho de sempre e os aconselhamentos.

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RESUMO

Esta dissertação de Mestrado, situada no campo da Linguística Aplicada, teve como objetivo analisar o ensino de produção textual em dois Sistemas Privados de Ensino (SPE) do primeiro ano do Ensino Médio, materiais apostilados não avaliados pelo Ministério da Educação (MEC), que são encontrados com frequência nas escolas brasileiras. Muitos SPE estão vinculados à ideia de qualidade superior, pois são encontrados em escolas privadas e alguns deles têm sido adquiridos para serem utilizados em escolas públicas. A partir de uma revisão da literatura que procurou destacar as principais contribuições da Linguística textual, dos estudos sobre gêneros do discurso e dos estudos sobre letramento para o ensino de produção de texto e justificar a pertinência de uma concepção interativa pautada pela consideração de práticas contextualizadas de escrita, buscou-se avaliar se o trabalho com a produção de textos proposto pelos SPE consideravam as pesquisas e teorizações dos estudos da linguagem, se contribuíam ou não com o desenvolvimento da proficiência em escrita e qual era a concepção de ensino de escrita subjacente. A análise mostrou que muito pouco das contribuições contemporâneas da área foi incorporado, já que a maioria das propostas de produção escrita não prevê um contexto de produção e algumas delas sequer indicam um gênero ou tipo de texto e, quando o fazem, o gênero ou tipo de texto em questão não são explorados de forma adequada. Tampouco as propostas contribuem com o desenvolvimento da proficiência escritora, já que a grande maioria não explora elementos da textualidade, não considera as etapas do processo de produção de texto nem preveem elaboração temática suficiente. Embora com diferentes ênfases e perspectivas, um mais adepto do método retórico-lógico e outro do método textual-comunicativo, a concepção de ensino de produção de textos de ambos os materiais se distancia dos diálogos com a produção acadêmica da área, pois os materiais são permeados por propostas que não consideram as práticas sociais nem estimulam a possibilidade de formação de sujeitos críticos.

Palavras-chave: Material Didático; Sistema Privado de Ensino; Língua Portuguesa (Ensino Médio) – Estudo e ensino; Textos – Redação- Estudo e ensino.

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ABSTRACT

This Master's thesis, situated in the field of Applied Linguistics, has the objective to analyze the teaching of the writing production in two Private Educational Systems methods (in Brazil, known as PSE), specifically in materials which were not evaluated by the Ministry of Education (MEC), and yet are frequently found in Brazilian schools. Many Private Educational Systems brands are linked to the idea of a superior quality as they are found in private schools, and some of them have been acquired in public schools. We aimed to comprehend the relevance of the conception of interactivity which have been grounding contextualized practices of writing. Based on a literature review that highlights the main contributions of the textual linguistics, such as genre matters regarding discourse analysis and studies on literacy to the teaching of the writing production, we sought to evaluate if the work proposal on writing production elaborated by the PSE methods were taking into account recent theoretical contributions to the field, if they contribute or not to the developing of the writing proficiency, and what was the actual teaching conception of writing underlying it. The analysis showed that very little of the contemporary research contributions from the field of studies were

incorporated into its contents. The majority of the proposals for writing production does not

foresee a context of production, and some of each doesn’t even indicates the genre nor the type of text, yet when it does, both genre and type are not explored in a proper manner. Therefore, the proposals don´t contribute to the developing of the writing proficiency, as most of it doesn´t even explore elements of textuality, neither consider the stages of the process of writing production, nor predicts enough substantial thematic elaboration. Even though, from different angles and perspectives, as one of the materials is more inclined to a rhetorical-logical method and the other to communicative-textual method, both materials failed to stablish consistent dialogues with the academic production on the field, as they are committed to proposals that does not consider social practices nor stimulate the possibility of the formation of the critical thinking.

Key Words: Teaching materials; Private Educational Systems; Brazilian Portuguese Language Teaching; Texts – Writing – Study and teaching.

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LISTAS

Lista de Figuras

Figura 1 - Total de matrículas na Educação Básica segundo a rede de ensino. ... 34

Figura 2 – Esquema de implantação do SPE e posterior acompanhamento para escolas parceiras. ... 35

Figura 3 - Médias, intervalos de confiança e percentis dos escores por localização, leitura. . 37

Figura 4 -Número de municípios que adotaram Sistemas Privados de Ensino da Abril/SOMOS Educação* e valor arrecadado (R$**), Estado de São Paulo, 2010-2015. ... 40

Figura 5 - Porcentagem de adesão ao PNLD (Brasil e estado de São Paulo), 2015. ... 54

Figura 6 - Municípios paulistas com Sistemas Privados de Ensino da SOMOS Educação, que aderiram ao PNLD, por número de municípios e porcentagem. ... 55

Figura 7 - Gêneros como objetos de ensino. ... 73

Figura 8 – Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita. ... 78

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Lista de Tabelas

Tabela 1 - Municípios identificados que adotaram sistema privado de ensino em 2013, por empresa. ... 47 Tabela 2 - Participação do gasto com SPE no gasto total dos municípios na função educação em 2013. ... 47 Tabela 3 –IDHM (IDH) dos municípios identificados que adotaram sistema privado de ensino em 2013, por empresa. ... 48 Tabela 4 - Participação dos municípios no PNLD concomitantemente à adoção dos Sistemas Privados de Ensino, 2012 e 2013. ... 51 Tabela 5 – Distribuição das propostas de produção de texto por gênero/tipologia textual. .. 125

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Lista de Quadros

Quadro 1- Síntese dos produtos e serviços oferecidos às redes públicas de ensino pelos

SPE...42

Quadro 2 - Características e abrangência de publicações dirigidas a professores, gestores e escolas...46

Quadro 3 - Quadro-resumo sobre a tomada de decisão para compra do sistema apostilado nos municípios entrevistados...53

Quadro 4 – Aspectos tipológicos...80

Quadro 5 – Propostas de produção de textos do Material 1...104

Quadro 6 – Propostas de produção de textos do Material 2...108

Quadro 7 – Categorias de análise consideradas nesta pesquisa...110

Quadro 8 - Contextualização das atividades de escrita em relação aos usos e práticas sociais. ...114

Quadro 9 - Desenvolvimento da proficiência em escrita...115

Quadro 10 -Contextualização das atividades em relação aos usos e práticas sociais no Volume 1 do Material 2...127

Quadro 11 -Desenvolvimento da proficiência em escrita no Volume 1 do Material 2...128

Quadro 12 -Contextualização das atividades em relação aos usos e práticas sociais no Volume 4 do Material 2...133

Quadro 13 -Desenvolvimento da proficiência em escrita no Volume 4 do Material 2...134

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Lista de Excertos de textos

Excerto 1 (PRATES, 2013). ... 28 Excerto 2 (TAKAHASHI, 2018). ... 28 Excerto 3 (M1A, p. 237). ... 118 Excerto 4 (M1A, p. 241). ... 118 Excerto 5 (M2P, p. 8). ... 124 Excerto 6 (M2V1P, p. 12). ... 129 Excerto 7 (MA2V1A, p. 15). ... 130 Excerto 8 (M2V1A, p. 14). ... 132 Excerto 9 (M2V4A, p. 19). ... 136

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Lista de Abreviaturas e Siglas

BNCC - Base Nacional Comum Curricular CNLD - Comissão Nacional do Livro Didático EM - Ensino Médio

ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio FAE - Fundação de Assistência do Estudante

FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação HQ - História(s) em Quadrinhos

IDH - Índice de Desenvolvimento Humano LD - Livro Didático

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação LP - Língua Portuguesa

LDP - Livro Didático de Português LT - Linguística Textual

M1A - Material 1 - Aluno

M2V1A - Material 2 - Volume 1 - Aluno M2V4A Material 2 - Volume 4 - Aluno M1P - Material 1 - Professor

M2P - Material 2 - Professor MEC - Ministério da Educação MP - Manual do Professor

N./Nº Número

NAME - Núcleo de Apoio a Municípios e Estados

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCEM - Orientações Curriculares para o Ensino Médio

P. - Página

PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais

PCN+ - Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PNLD - Programa Nacional do Livro Didático

RSE - Responsabilidade Social da Empresa SABE - Sistema de Ensino Aprende Brasil

SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica SD Sequência Didática

SOME Sistema Objetivo Municipal de Ensino SPE - Sistema(s) Privado de Ensino

UFPR - Universidade Federal do Paraná UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

V. - Volume

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

0.1 Motivação para o trabalho ... 16

0.2 Algumas justificativas ... 17

0.3 O ensino de produção textual: uma entrada ... 18

0.4 Objetivos e questões de pesquisa ... 20

0.5 Organização da dissertação ... 21

CAPÍTULO 1 Materiais didáticos no Brasil ... 22

1.1 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD): a difusão do material didático na educação pública ... 22

1.2 Os Sistemas Privados de Ensino (SPE): materiais didáticos não avaliados pelo MEC ... 27

1.3 A terceira via, o discurso de crise e a culpabilização do Estado ... 32

1.4 Os SPE, o discurso de superioridade pedagógica e a desqualificação do trabalho docente . 36 1.5 A inserção dos apostilados no Brasil ... 40

1.5.1 A influência midiática nos SPE, o empresariado e a responsabilidade educacional e a construção identitária de eficácia e modernidade ... 44

1.5.2 A oneração ao Estado e as questões democráticas ... 49

1.5.3 A tomada de decisão e o ferimento de princípios democráticos ... 52

CAPÍTULO 2 O ensino de produção textual ... 56

2.1 Ensino de Língua Portuguesa e de produção de textos no Brasil ... 56

2.2 Contribuições teórico-metodológicas para o ensino-aprendizagem da produção de texto ... 61

2.2.1 Contribuições da Linguística Textual para o trabalho com a produção textual ... 61

2.2.2 Ensino-aprendizagem de produção de textos ... 65

2.2.3 Contribuições dos estudos sobre gêneros do discurso ... 71

2.2.3.1 Um dispositivo possível para o trabalho com os gêneros do discurso ... 79

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2.3 A produção de textos nos documentos oficiais e no PNLD ... 85

2.3.1 Parâmetros Curriculares Nacionais ... 86

2.3.2 Base Nacional Comum Curricular ... 87

2.3.3 Programa Nacional do Livro Didático ... 90

CAPÍTULO 3 Metodologia da pesquisa ... 94

3.1 A pesquisa em Linguística Aplicada ... 94

3.2 A pesquisa qualitativa documental em LA ... 97

3.3 O corpus selecionado ... 99

3.4 A caracterização dos materiais ... 100

3.4.1 Material 1 (Sistema de Ensino 1) ... 100

3.4.2 Material 2 (Sistema de Ensino 2) ... 100

3.5 Geração de dados ... 101

3.6 Categorias de análise ... 108

CAPÍTULO 4 Análise de dados ... 112

4.1 Procedimentos para a análise dos dados ... 113

4.2 Análise de dados ... 114 4.2.1Material 1 ... 114 4.2.2 Material 2 ... 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 141 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 148 ANEXO ... 156

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INTRODUÇÃO

0.1 Motivação para o trabalho

As questões que envolvem a sala de aula plural-democrática sempre atraíram a minha atenção e mobilizaram o meu trabalho. Na Graduação, produzi a monografia de final de curso pensando nas construções identitárias, no ativismo político em vídeos do YouTube e nas reverberações no contexto dos estudantes que participaram da proposição de um grupo focal. Nesta dissertação de Mestrado, proponho uma reflexão que nasce de minha experiência docente, mas que, de alguma maneira, diz respeito a algo presente no contexto de muitos professores e estudantes no Brasil.

Em 2010, entrei na Graduação em Letras da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e, meses depois, atuava como professor eventual na rede estadual de São Paulo. A experiência foi interrompida por questões burocráticas. De 2011 a 2013, atuei praticamente em contextos não formais de educação e, desde 2014, trabalho na rede privada de ensino, principalmente, no Ensino Médio e Pré-vestibular com materiais apostilados variados.

Neste momento de explicitação dos motivos que me fizeram voltar à universidade e pesquisar os materiais dos sistemas de ensino não avaliados pelo Ministério da Educação (MEC), saliento uma experiência de trabalho muito incômoda e que instigou questões para reorganizar minha atuação na educação. Atuei em um colégio cuja maior preocupação era ocupar a primeira posição no ranking do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) entre as escolas da cidade e, para tanto, o material apostilado era visto e imposto como o melhor referencial para atingir os resultados esperados pela gestão do colégio. No início do ano, cada professor recebia uma meta de melhoria para que o colégio pudesse chegar ao primeiro lugar. Naquele momento, eu atuava como professor de produção de textos e recebi a maior meta: fazer a média de redação subir 10% para o próximo ano.

A atribuição da meta foi apenas o início de um ruído incômodo e dos problemas na disciplina de redação na escola, já que havia, naquele momento, uma conjuntura de alta rotatividade de docentes de Língua Portuguesa. Busquei formas de melhorar e atenuar os danos das trocas constantes de professores de redação Apesar do discurso de liberdade pedagógica, qualquer proposição de atividades fora da apostila esbarrava na necessidade de utilização e cumprimento do cronograma do material. Nós, professores, deveríamos preencher uma tabela diária para indicar o ponto exato em que estávamos. Obviamente, qualquer outra possibilidade

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de trabalho e atuação do professor estavam engessadas pelo material que também causava a sensação de confronto com o que eu acreditava como formação na escola.

Diante do contexto de cerceamento pedagógico e de propostas ignoradas, busquei alternativas para analisar a produção desses materiais não avaliados pelo MEC e subsidiar professores que, como eu, têm a possibilidade de atuação e êxito reduzidos pelo direcionamento dos materiais mercadológicos. Ao mesmo tempo, busquei fomentar discussões para a melhoria dos materiais que estão no mercado.

0.2 Algumas justificativas

Este trabalho de Mestrado é desenvolvido para discutir, principalmente, dois pontos: I) a inserção crescente de sistemas de ensino apostilados até então não avaliados por equipes técnicas do MEC na educação brasileira; II) a consonância de dois materiais apostilados do 1º ano de Ensino Médio, voltados para o ensino de redação, com os estudos da linguagem e da área de ensino-aprendizagem de produção de textos em língua materna com apontamentos relativos às proposições de documentos oficiais da Educação Básica. Esta pesquisa se justifica por questionar o discurso mercadológico de eficiência e superioridade dos Sistemas Privados de Ensino (SPE) e estabelece uma comparação com a teorização e os resultados de pesquisa desenvolvidos na área da linguagem para o ensino de produção textual.

Durante algum tempo, nos estudos da linguagem e ensino de língua materna, foram comuns as pesquisas voltadas para as análises de livros didáticos. Paralelamente, um outro mercado cresceu e se fortaleceu, no entanto, sem análises técnicas de especialistas. Em um primeiro momento, começaram em cursos Pré-vestibulares e estenderam suas ações para toda a Educação Básica em escolas privadas que, no Brasil, são vistas como de qualidade superior, e quase isentas de críticas pela opinião pública. Em um segundo momento, o mercado foi redimensionado e, também sem avaliação, os SPE começaram a adentrar o universo das escolas públicas municipais de Ensino Fundamental, principalmente, das cidades do interior. Ressaltamos que a nossa escolha pelos materiais voltados para o Ensino Médio ocorreu pela experiência do pesquisador com este seguimento e pela possibilidade de acesso a estes materiais. Nesse sentido, a análise do material acessado permite dizer que é crucial acompanharmos a difusão dos apostilados em outros segmentos da educação básica.

Além disso, é notório que há um esforço e organização dos setores mais conservadores da sociedade para deslegitimar as escolas públicas e/ou quaisquer ações de políticas públicas, pois isso facilita a inserção das grandes corporações na educação. No entanto, os livros

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distribuídos para as escolas públicas passam por um crivo rigoroso – a avaliação pelo Ministério da Educação –, o que não acontece com os SPE usados por parte das redes particulares de ensino.

Diante do exposto até aqui, e considerando minha atividade docente mais vinculada à produção de textos, optei por desenvolver minha dissertação de Mestrado a partir da problematização do ensino de produção de textos. Este trabalho apresenta encaminhamentos e se justifica por fornecer subsídios de reflexão para professores e gestores preocupados com as práticas de escrita cidadãs e, também, por alertar para um movimento de inserção de grupos educacionais que, caminhando até então apartados dos processos oficiais de análise de materiais didáticos, já ocupam lugar significativo na educação básica e continuam crescendo.

0.3 O ensino de produção textual: uma entrada

A partir do desconforto pelo qual passei como professor de produção textual na Escola Básica, o ato de perseguir os encaminhamentos para o ensino-aprendizagem de escrita fez-se necessário para mim, no sentido de refletir sobre as práticas escolares que estavam presentes no meu cotidiano. Mesmo com as proposições da área da linguagem, as promessas de eficácia dos materiais didáticos e os constantes ataques da mídia à educação brasileira, a construção de outro cenário ainda parece necessitar de mediações pedagógicas no âmbito da produção de texto. Sobre isso, afirma Bonini (2002, p. 26):

Os estudantes chegam ao vestibular com os mesmos problemas de redação, o ensino continua, em sua maior parte, prescritivista e centrado em regras e as explicações do senso comum para o fracasso deste ensino continuam em vigor.

As produções escritas dos alunos nos vestibulares e os resultados deles nas avaliações são motivo de constantes ataques da mídia e confirmam a situação exposta por Bonini (2002). Por isso, o questionamento é (re)validado e as práticas escolares necessitam de reflexões que afastem delas o senso comum e as tão enraizadas práticas tradicionais de letramentos exclusivamente escolares.

Na compreensão da escrita como processo, cabem ao professor os encaminhamentos necessários à reflexão, por parte dos alunos, a respeito dos próprios textos. Saliento aqui a palavra “reflexão”, pois a produção textual não deve ser confundida como uma prática exclusiva de treino. O letramento tipicamente escolar no ensino de escrita fixa-se no número de textos escritos e na quantidade de temas abordados. Ao se propor o ensino de produção de textos

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como uma entrada de análise e, ao mesmo tempo, de formação crítica e com vistas à autonomia dos estudantes, deve-se ter em mente esta proposição de Geraldi (2010, p. 169):

No processo de falar, a atenção do falante está concentrada naquilo que está falando e não nas estruturas gramaticais ou recursos mobilizados para falar. O principal problema da escrita é tornar-se consciente de seus próprios atos. Em suma, escrever significa conscientizar-se da sua própria “fala”, ou seja, prestar atenção aos recursos linguísticos mobilizados ou mobilizáveis segundo o projeto de dizer definido para o texto em elaboração.

Ensinar a escrever obriga o professor a criar condições para que determinados processos se desenvolvam sem implantá-los diretamente. Desenvolvimento cognitivo nunca se pode ensinar diretamente. Desenvolvimento psíquico representa uma função autônoma do aprendiz, mas esta função precisa de contexto social, das formas sociais de ensino-aprendizagem, ou seja, dos processos de mediação.

E é a partir da dimensão de escrita como criação de condições para a autonomia que pensarei, neste trabalho, o ensino de produção de textos como um processo reflexivo, mediado por um professor que é leitor de seus estudantes, ou ainda, como coautor, como sugere Geraldi (2015) citado na epígrafe do presente trabalho. Ao serem lançadas questões sobre o ensino de Língua Portuguesa, deve-se refletir sobre o que se está fomentando no ambiente escolar: se as tradicionais práticas valorizadas pelo senso comum ou as potencialidades de crescimento, criticidade e autonomia dos alunos.

No Brasil, muitos são os contextos das escolas e as condições dos estudantes. Por isso, escolher um encaminhamento para o ensino-aprendizagem da escrita constitui uma decisão política na medida em que as práticas de escrita estão no jogo discursivo da sociedade. Nesse sentido, Bunzen (2007, p. 151) considera:

É decisão política escolher se teremos como objetivo principal e final a formação de alunos no EM que produzem na escola (e nos cursinhos) apenas as propostas de redações do vestibular das principais universidades de cada estado ou investiremos em um processo de ensino aprendizagem que leve em consideração a prática social de produção de textos em outras esferas de comunicação. Para algumas turmas, talvez, seja muito mais importante discutir a produção de um curriculum vitae ou de uma carta de solicitação de emprego do que produzir textos puramente escolares.

Os materiais didáticos para o ensino de Língua Portuguesa devem especial atenção às múltiplas diversidades presentes nos contextos de ensino. A partir disso, as práticas escolares de produção textual devem fomentar o contato com as mais diferentes circunstâncias de escrita, que reflitam as demandas dos cidadãos. Preferencialmente, a atuação dos professores deve ter um viés crítico, assumindo como propósito e dimensão a responsabilidade que está diretamente ligada ao ensino-aprendizagem de escrita. Nesse sentido, pela importância que a escrita ocupa

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na vida em sociedade, ela deve ser objeto constante de reflexão e mediação no contexto que envolve a escola e a vida.

0.4 Objetivos e questões de pesquisa

Este trabalho tem como intuito analisar o ensino de produção textual em dois SPE do primeiro ano do Ensino Médio. Um dos SPE circula apenas em escolas privadas e o outro circula tanto na rede privada quanto em escolas públicas de Ensino Fundamental. Nesse sentido, a pesquisa também pretende alertar para uma prática que já está em processo de difusão nas escolas municipais, que é a adoção de sistemas de ensino.

O objetivo geral desta dissertação, então, é analisar as propostas de produção de textos de dois SPE, tendo em vista o desenvolvimento de pesquisas da área de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa e documentos oficiais. Esse objetivo geral se desdobra em três objetivos específicos:

I) analisar o tratamento dado à produção de textos pelos dois SPE no que diz respeito a concepções de linguagem e de ensino-aprendizagem de língua e de escrita subjacentes.

II) analisar, nas propostas dos SPE em foco, a incorporação ou não dos gêneros do discurso como articuladores das práticas de linguagem e das dimensões discursiva, textual, linguística, social e cognitiva.

III) analisar se os SPE podem contribuir para o processo de desenvolvimento da escrita.

Articuladas a esses objetivos específicos, estão as perguntas de pesquisa que este trabalho busca responder:

I) Como os materiais didáticos apostilados, não avaliados pelo MEC, introduzem ou consideram os documentos curriculares, bem como as pesquisas na área da linguagem, no que diz respeito à produção de textos?

II) Quais são as concepções de linguagem e de ensino de produção textual subjacentes?

III) Os materiais analisados podem contribuir para o processo de desenvolvimento da escrita? Propõem atividades que possibilitem práticas diversas, contextos múltiplos de escrita e contemplam as dimensões linguística, discursiva, textual, linguística, social e cognitiva envolvidas na produção de texto?

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0.5 Organização da dissertação

No Capítulo 1, é apresentado o processo de escolha de materiais didáticos no Brasil e é discutido o fenômeno de entrada dos SPE não avaliados pelo MEC, já há alguns anos, nas escolas brasileiras no Ensino Fundamental, principalmente, nas cidades do interior de São Paulo. Uma das principais funções deste capítulo é evidenciar o movimento crescente de opção por esses materiais e considerar quais são os caminhos para críticas possíveis, dado o que é oferecido, os custos e a contribuição da mídia para o processo de valorização dos apostilados.

O Capítulo 2 destina-se à retomada do panorama do ensino de Língua Portuguesa e, principalmente, da produção textual, ao longo do século XX e primeiras décadas do século XXI. Para tanto, são mobilizados, em especial, os conhecimentos produzidos pela Linguística Textual para o trabalho com os textos na escola e as contribuições dos estudos sobre gêneros do discurso. Tendo como pano de fundo essa fundamentação teórica, destacam-se os documentos oficiais: os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), a Base Nacional

Comum Curricular (BRASIL, 2018) e o Guia do Programa Nacional do Livro Didático

(BRASIL, 2018), no que se referem às considerações, conhecimentos e habilidades relativas à produção de texto.

No Capítulo 3, tecerei reflexões sobre o fazer pesquisa em Linguística Aplicada, as questões éticas envolvidas nesse processo e as preocupações sociais características da área. Também descrevo a metodologia utilizada, o processo de geração dos dados e apresento a construção das categorias que nortearam a análise das propostas de produção de texto dos materiais selecionados.

No Capítulo 4, os dois SPE são analisados à luz dos referenciais teóricos levantados ao longo da dissertação e das categorias de análise deles derivadas. Cada um dos materiais será descrito, terá levantadas as comandas de produção textual selecionadas para a análise na direção de se chegar a um panorama geral dos materiais.

Os desdobramentos das etapas anteriores culminam nas considerações sobre os materiais e o ensino de produção textual com recomendações de como poderiam vir a ser as práticas de ensino-aprendizagem de escrita nas aulas de Língua Portuguesa.

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CAPÍTULO 1

Materiais didáticos no Brasil

Neste capítulo, apresentamos um panorama do percurso dos materiais didáticos mais difundidos na educação brasileira, reunindo aqueles disponibilizados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e os ofertados pelos Sistemas Privados de Ensino (SPE). Os principais objetivos do capítulo são apresentar e caracterizar o PNLD, programa circunscrito à educação pública, destacando sua importância e os pressupostos teóricos e legais explicitados por ele para o ensino e, em contraponto, apresentar e caracterizar os SPE que, com uma suposta autonomia e menor ligação com os referenciais do PNLD, produzem um discurso sobre si alegando dinamismo e eficiência como características distintivas.

1.1 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) a difusão do material didático na educação pública

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), hoje, é um importante referencial de política pública para a educação no Brasil. Dois aspectos desse programa evidenciam essa importância: o caráter universal da distribuição dos materiais didáticos, que possibilita o acesso de todos os alunos de escolas públicas a eles; e o papel formador desses materiais, sobretudo nos direcionados aos professores, compostos de reflexões teórico-metodológicas sobre o ensino-aprendizagem de cada área do conhecimento e propostas didático-pedagógicas.

Para compreendermos as diferentes perspectivas que caracterizaram as políticas públicas referentes ao livro didático ao longo do tempo, reportamo-nos às suas origens em 1938, quando, conforme relata Batista (2001), foi instituída, pelo então chamado Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), por meio do Decreto-Lei nº 1.006/381, de 30 de dezembro de 1938, estabelecendo condições para

a produção, importação e utilização do livro didático2. Muitas políticas de livro didático foram

1 BRASIL. Decreto-lei nº 1.006 de 30 de dezembro de 1938. Estabelece as condições de produção, importação e utilização do

livro didático. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 277, 5 jan. 1939. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1006-30-dezembro-1938-350741-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 29 jul. 2019.

2 Nos critérios de eliminação do livro didático, apresentados no decreto, ficam evidentes as prerrogativas do Estado Novo e o

caráter ditatorial daquele período:

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promovidas desde então, mas é apenas em 1985 que houve um marco significativo - o Decreto-Lei nº 91.5423, de 1985, que estabeleceu, na fase de redemocratização do país, após a ditadura

civil-militar (1964-1985), parte das características atuais do PNLD: adoção de livros reutilizáveis (exceto para a 1ª série)4, escolha pelo conjunto de professores e distribuição

gratuita às escolas por meio de aquisição com recursos do Governo Federal.

Ainda segundo Batista (2001), desde 1960, ocorriam denúncias sobre a falta de qualidade dos livros distribuídos pelo governo, quer por seu caráter ideológico e discriminatório, quer por desatualização, incorreções conceituais e insuficiência metodológica. Para além dessas questões, havia denúncias relacionadas às editoras e suas vinculações com os governos, tanto durante a ditadura, quanto na transição política.

Os livros didáticos funcionavam, nesse primeiro momento, como uma das únicas formas de consulta de professores e alunos. Ao mesmo tempo, determinavam o currículo e, por isso, cristalizavam abordagens metodológicas. Diante disso, pode-se afirmar que os livros didáticos constituíam-se como organizadores das salas de aula. Apenas em meados dos anos de 1990, foram iniciados os primeiros encaminhamentos do MEC para discutir a qualidade dos livros didáticos distribuídos pelo governo.

a) que atente, de qualquer forma, contra a unidade, a independência ou a honra nacional;

b) que contenha, de modo explícito ou implícito, pregação ideológica ou indicação da

violência contra o regime político adotado pela Nação;

c) que envolva qualquer ofensa ao Chefe da Nação, ou às autoridades constituídas, ao

Exército, à Marinha, ou às demais instituições nacionais;

d) que despreze ou escureça as tradições nacionais, ou tente deslustrar as figuras dos que se

bateram ou se sacrificaram pela pátria;

e) que encerre qualquer afirmação ou sugestão que induza o pessimismo quanto ao poder e ao

destino da raça brasileira;

f) que inspire o sentimento da superioridade ou inferioridade do homem de uma região do

país com relação ao das demais regiões;

g) que incite ódio contra as raças e as nações estrangeiras;

h) que desperte ou alimente a oposição e a luta entre as classes sociais;

i) que procure negar ou destruir o sentimento religioso ou envolva combate a qualquer

confissão religiosa;

j) que atente contra a família, ou pregue ou insinue contra a indissolubilidade dos vínculos

conjugais;

k) que inspire o desamor à virtude, induza o sentimento da inutilidade ou desnecessidade do

esforço individual, ou combata as legítimas prerrogativas da personalidade humana. (BRASIL, 1938).

3 BRASIL. Decreto-lei nº 91.542 de 19 de agosto de 1985. Institui o Programa Nacional do Livro Didático, dispõe sobre sua

execução e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 12178, 20 ago.1985. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-91542-19-agosto-1985-441959-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 29 jul. 2019.

4 No PNLD 2009, o governo incluiu língua estrangeira moderna no âmbito das disciplinas atendidas pela distribuição de livros

e estabeleceu que as obras para língua inglesa e língua espanhola deveriam ser consumíveis. O mesmo aconteceu com o componente Arte, incluído no PNLD 2016. Finalmente, no PNLD 2019, o Edital demandou livros consumíveis também para os cinco primeiros anos da Educação Fundamental.

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Em 1993, foi publicado o Plano Decenal de Educação para Todos (BRASIL, 1993)5,

que ultrapassou as questões físicas e de distribuição dos livros, e, principalmente, preocupou-se com a melhoria da qualidade das obras e a formação dos professores para avaliá-las e selecioná-las para adoção. Ainda em 1993, o MEC formou uma comissão de especialistas6

encarregada de duas tarefas: avaliação dos livros dos anos iniciais do Ensino Fundamental mais adotados e criação de critérios para a análise das próximas aquisições.

No ano de 1994, as inadequações conceituais, editoriais e metodológicas decorrentes dessa avaliação foram publicadas em livro e, com isso, chegou-se a um parâmetro sobre os requisitos mínimos para a boa qualidade dos livros. Batista (2001, p.12), porém, observa:

Com efeito, essas repercussões só se dariam a partir de 1995, quando acompanhando a universalização do atendimento pelo PNLD e sua extensão ao conjunto das disciplinas do currículo da escola fundamental, o Ministério institui a análise e avaliação pedagógica dos livros a serem escolhidos pelas escolas e distribuídos pelo PNLD.

Assim, foi em 1995 que se configurou o processo de avaliação sistemática tal como o conhecemos para a garantia da qualidade do livro didático. Esse processo tem seu início na publicação de um Edital com as normas do Programa daquele ano e tem sua conclusão, até hoje, com a divulgação das obras aprovadas no Diário Oficial da União e a publicação do Guia do

Livro Didático correspondente7. Na sequência, os professores escolhem as obras para o

próximo triênio e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) se responsabiliza pela logística da distribuição.

Os critérios comuns de análise então definidos foram: • a adequação didática e pedagógica;

• a qualidade editorial e gráfica;

• a pertinência do manual do professor para a correta utilização do livro didático e para atualização docente.

5 BRASIL. Plano Decenal de Educação para Todos. Brasília, DF: Ministério da Educação e do Desporto (MEC), 1993.

Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001523.pdf . Acesso em: 27 jul. 2019.

6 Os consultores envolvidos na definição de critérios para avaliação dos livros didáticos eram todos da área acadêmica.

Explicitamos os envolvidos na área de Língua Portuguesa e a ocupação acadêmica em 1994: Antenor Antônio Gonçalves Filho(Professor da UNESP, campus Marília); Heliane Gramiscelli Ferreira de Mello (Professora na UFMG); Jaqueline Moll (Professora na UFRGS); Luiz Percival Leme Britto (Professor na UNICAMP); Leonor Scliar-Cabral (Professora na UFSC); Magda Becker Soares (Professora na UFMG); Nadja da Costa Ribeiro Moreira (Professora na UFCe). O livro Definição de critérios para avaliação dos livros didáticos: Português, Matemática, Estudos Sociais e Ciências – 1ª a 4ª séries (FAE-MEC; UNESCO, 1994), está disponível em:

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002396.pdf. Acesso em: 1 jun. 2019.

7 A partir do PNLD 2016, o Guia do Livro Didático passou a ser divulgado não só impresso, mas também em plataforma digital

criada pelo governo. No PNLD 2019, essa divulgação passou a ser feita apenas digitalmente. Os Guias do Livro Didático do PNLD 2016 a 2019 encontram-se disponíveis em: http://pnld.nees.com.br/. Acesso em: 27 jul. 2019.

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Com isso, figuravam como fatores de exclusão: incorreções conceituais ou erros graves de revisão; existência de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Nesse momento, estabeleceram-se quatro as categorias indicativas dos livros:

• excluídos;

• não recomendados;

• recomendados com ressalvas; • recomendados.

Batista (2001) relata que, no PNLD de 1998, nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e Estudos Sociais, foram incluídos os livros para alfabetização (cartilhas, pré-livros e livros de leitura intermediária). Além disso, o programa foi ampliado, para abranger também os anos finais do Ensino Fundamental nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia e História. Nesse mesmo programa, houve o acréscimo da categoria “recomendados com distinção”.

A partir do PNLD de 1999, foi eleito outro fator de exclusão: incorreção e incoerência metodológica. Essa novidade emergiu em função da disparidade entre o que os manuais do professor propunham e o que os livros didáticos correspondentes efetivamente faziam, gerando um descompasso muito grande entre a teoria apresentada como base das obras e a prática promovida por elas.

Em consonância com os documentos oficiais, o PNLD consolidou-se no país, nos primeiros anos da década de 2000, como um importante programa de análise e distribuição de materiais didáticos (livros didáticos, dicionários, minibibliotecas literárias etc.), avaliados por equipes técnicas compostas, até 20178, por professores e pesquisadores de universidades

públicas brasileiras. O PNLD foi reconhecido como um dos maiores programas distribuidores de livros no mundo e como aquele que veiculava os livros mais adequados ao cotidiano dos alunos do século XXI.

Os processos de transformação pelos quais o PNLD passou até se consolidar dimensionam seu aprimoramento e explicitam a atuação de múltiplos sujeitos: os diferentes

8“O Decreto nº 9.0099, de 18 de julho de 2017, unificou as ações de aquisição e distribuição de livros didáticos e literários,

anteriormente contempladas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Com nova nomenclatura, o Programa Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD também teve seu escopo ampliado com a possibilidade de inclusão de outros materiais de apoio à prática educativa para além das obras didáticas e literárias: obras pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais de reforço e correção de fluxo, materiais de formação e materiais destinados à gestão escolar, entre outros.” Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/busca-geral/318-programas-e-acoes-1921564125/pnld-439702797/12391-pnld. Acesso em: 27 jul. 2019.

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governos e suas concepções sobre a educação, a comunidade universitária e a demanda pela incorporação de novos saberes e metodologias, as escolas e professores com suas experiências consolidadas e a influência das editoras e suas tentativas de limitar exigências que pudessem comprometer a aprovação dos livros9. As mudanças também evidenciam a complexidade na

produção de materiais didáticos e a importância do redimensionamento feito ao longo do tempo para potencializar as melhores práticas. Sobre o complexo processo envolvido na produção, Marsaro (2013, p.89) considera:

Não podemos falar da produção do LDP entendendo-a simplesmente como uma série de ações em uma cadeia de produção, que transforma um original em produto, mas sim como um processo complexo, que envolve vários agentes e interesses e do qual – não sem tensão – emergem os discursos didáticos.

Em função dessa complexidade do processo, da tensão e dos discursos didáticos que emergem dos livros e integram as práticas dos professores e estudantes nas salas de aula brasileiras, existe a publicação dos já mencionados editais10, visando a transparência do

processo. A publicação desses editais é feita de maneira ampla e permite que as editoras, e todos os que tenham interesse, saibam quais são as expectativas do MEC para a seleção do período em questão. Nesse sentido, Marsaro (2013, p. 97) ressalta:

O texto do Edital inclui diversas referências a leis e decretos relativos ao livro didático, que acabam por justificar os critérios que são arrolados ao longo do documento. É um texto de caráter técnico, portanto, de natureza diferente da do documento pioneiro elaborado em 1994, a pedido do MEC, que definiu pela primeira vez os critérios que seriam utilizados para análise e seleção dos livros, buscando justificá-los teoricamente.

Nesse breve panorama sobre o processo de compra e distribuição dos livros didáticos no Brasil, é possível verificar a complexidade de se estabelecer e consolidar um Programa tão amplo como o PNLD. Mais que distribuir, revela a grande preocupação com essa política de Estado direcionada à Educação Básica.

9No trabalho de Vidal (2009), há apontamentos sobre as críticas que permearam a distribuição de livros no Brasil desde meados

de 1938. Os problemas referiam-se à relação política e à especulação comercial, até a relação, em 1960, entre o MEC e o USAID (órgão do governo norte-americano relativo à produção e distribuição de livros didáticos). Outras críticas, em meados dos anos 1980, também apareceram quanto ao cumprimento de prazos e também à existência de lobbies a autoritarismo na escolha dos livros. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/81/81132/tde-23042013-164825/publico/Paulo_Henrique_Oliveira_Vidal.pdf. Acesso em: 01 jun. 2019.

10“O lançamento do Edital marca o início de cada nova edição do PNLD. Publicado no Diário Oficial da União e em jornais

de grande circulação, dirige-se aos detentores de direitos autorais de livros didáticos. O documento divulga o regulamento oficial do processo e fixa prazos e regras para a inscrição de obras no Programa, o que é obrigatório para que elas possam constar, se aprovadas, no Guia de Livros Didáticos. Este, por sua vez, é lançado, geralmente, dois anos após o Edital, como um dos documentos finais da avaliação”. (MARSARO, 2013, p. 97).

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Ao longo da próxima seção, apresentaremos uma outra modalidade de materiais didáticos muito comum no Brasil: os Sistemas Privados de Ensino (SPE). Desde já salientamos que esses materiais não são analisados por equipes técnicas do MEC e não integram o PNLD.

1.2 Os Sistemas Privados de Ensino (SPE): materiais didáticos não avaliados pelo MEC

Além do livro didático, outro tipo de material didático que vem sendo cada vez mais adotado no Brasil, é o Sistema Privado de Ensino (SPE). Para Adrião et al. (2015, p. 4), os SPE “consistem em uma cesta de produtos e serviços”. Essa cesta compõe-se de apostilas impressas com materiais digitais articulados a elas e de uma série de serviços que retira da escola tanto parte da função de selecionar os materiais didáticos convenientes para o contexto da instituição de ensino, quanto de planejamento e execução de propostas didático-pedagógicas. Quando se adota um SPE, a escola recebe prontos calendários, conteúdos e avaliações, bem como ciclos de palestras para professores, formação para uso do material digital, pautas para reuniões com pais etc. Adrião et al. (2009), apud Adrião et al. (2015) explicam que essa cesta de produtos e serviços vem

integrada por atividades tradicionalmente desenvolvidas pelas equipes pedagógicas dos órgãos da administração pública e das escolas: formação continuada de educadores, acompanhamento e supervisão das atividades docentes; investimento na produção e distribuição de materiais didáticos aos alunos; processos de avaliação externa e interna, entre as principais encontradas.

Esses sistemas, como mostram Adrião et al. (2015), têm grande reputação nas redes privadas e se espraiam por escolas de diferentes tamanhos e condições socioeconômicas. E, desde 1998, passaram a ser utilizados em esferas públicas municipais. Dessa forma, materiais com menor nível de exigência e regulamentação passam a competir com os oferecidos pelo PNLD.

Foram muitos os fatores que propiciaram a ascensão dos SPE nas escolas particulares e também a inserção desses materiais na dinâmica pública. Podemos começar a tratar desses fatores lembrando da descrença nas políticas educacionais públicas, gerada muitas vezes pela divulgação, na mídia em geral, de reportagens sobre a baixa qualidade e índices da Educação no Brasil, nem sempre pautadas pela busca séria de fatos e por análise e aprofundamento adequados. A divulgação de notícias feita dessa maneira gera, no imaginário nacional, a impressão de que as políticas educacionais públicas não são eficazes nem capazes de fomentar melhorarias na Educação Básica. Ainda que não tenhamos indicadores nem análises que

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possam sustentar que a educação pública brasileira vai bem como um todo11, vale lembrar que,

a partir da construção de um cenário devastado, os interesses de grandes grupos empresariais, responsáveis por grandes transações financeiras, podem se impor. A premissa de que a educação padece é reforçada, principalmente, pelos meios midiáticos de alta circulação. Observemos, por exemplo, as manchetes e linhas finas destes excertos:

Educação brasileira fica entre 35 piores em ranking global

Brasil está bem mais perto de Burkina Faso do que da Finlândia quando se trata de educação. Estudo do Fórum Econômico Mundial avaliou 122 países

Excerto 1 (PRATES, 2013)12.

Brasil está perdido há 2 décadas no ensino médio, e caminho segue incerto País sabe o tamanho do problema desde ao menos 1995, quando avaliação começou

Excerto 2 (TAKAHASHI, 2018)13.

A noção de qualidade na educação é referendada por uma percepção social que se constrói partindo do pressuposto de que os saberes escolares e as dinâmicas da educação foram se deteriorando ao longo do tempo. A má qualidade é um dado imposto à sociedade e sustentado, por exemplo, em indicadores como os do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) ou do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Outras avaliações foram sistematizadas nas últimas décadas e, a despeito de suas origens e propósitos, muitas vezes não são adequadamente interpretadas como instrumentos de reformulação de políticas públicas, servindo como meras constatações de ineficiência em um discurso que já as precede14.

Oculta-11 É importante ressaltar que, em relação a alguns contextos, como o dos Institutos Federais, há resultados e índices de

excelência. Veja-se, por exemplo, a matéria Institutos federais alcançam média similar à de países desenvolvidos em exame

internacional, publicada no portal do MEC em 2016 e disponível em:

https://www2.ifmg.edu.br/portal/noticias/alunos-de-institutos-federais-alcancam-media-de-paises-desenvolvidos-em-exame-internacional. Acesso em: 26 maio 2019.

12 PRATES, M. Educação brasileira fica entre 35 piores no ranking global. Portal Exame, 2 out. 2013. Disponível em:

http://exame.abril.com.br/ciencia/educacao-brasileira-fica-entre-35-piores-em-ranking-global/. Acesso em: 29 jul. 2019. 13TAKAHASHI, F. Brasil está perdido há 2 décadas no ensino médio, e caminho segue incerto. Folha de S.Paulo Digital,

Educação, 31 ago. 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/08/brasil-esta-perdido-ha-20-anos-no-ensino-medio-e-o-caminho-segue-incerto.shtml. Acesso em: 29 jul. 2019.

14 “Dos anos 1960 em diante, a OCDE começou a usar dados estatísticos produzidos pelos governos, como o Produto Interno Bruto,

gastos com educação e dados de mão de obra para explorar a relação entre educação e crescimento econômico e, mais tarde, para avaliar a capacidade da educação de promover a coesão social. A relativa proeminência atribuída a esses dois temas nos relatórios da OCDE refletia em parte mudanças no ambiente econômico e social mais amplo, de que forma elas se alinhavam ou se articulavam com o estado

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se, deliberadamente, que, no passado, no imaginário popular relacionou-se uma educação de qualidade superior a uma educação altamente elitizada, restritiva e centrada em uma lógica conteudista pouco reflexiva15.

Os pressupostos de uma educação para a cidadania, por exemplo, assumidos após a Constituição de 1988, conhecida como Cidadã (BRASIL, 1988), e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 (BRASIL, 1996), são pouco considerados, pelo discurso hegemônico, como indicativos de qualidade de ensino. As políticas de inclusão e de formação crítica dos estudantes não parecem estar em diálogo com o senso comum projetado sobre uma educação do passado marcada pelo autoritarismo.

A crise na escola e a constante deslegitimação dessa instituição por setores reacionários da sociedade brasileira evidenciam que o espaço escolar ainda tem o poder de dialogar com a sociedade e, por isso, é um lugar de disputa simbólica de diversas facções que utilizam discursos sorrateiros para construir uma imagem de fracasso quase irreparável, que só poderia ser desfeito pela atuação de grupos com novas práticas. É perceptível que a educação é importante para as pessoas, apesar de essa noção ser bastante controversa, já que decreta à escola uma função que, muitas vezes, não é dela: a de redentora da nação e das mazelas sociais.

Dada essa breve contextualização, podemos desenvolver um dos temas principais deste capítulo: a intensa entrada dos SPE na educação pública brasileira16. Os SPE são apresentados,

comumente, como soluções educacionais modernas e prometem eficácia, rapidez e bons resultados nos exames e avaliações. É importante ressaltar que, segundo Adrião et al. (2015, p. 31), a maioria dos grupos “nasceram de cursos preparatórios para vestibulares que expandiram

do conhecimento dentro dos diferentes setores da comunidade acadêmica, e como isso parecia relacionar-se com as questões políticas mais prementes do momento. À medida que a economia da educação amadurecia como uma área disciplinar específica, a OCDE reviu os tipos de dados que poderiam ajudar na análise e decidiu que valia a pena investir diretamente na própria coleta de dados. O PISA representa um ponto final nesse processo, um conjunto de instrumentos direcionados que podem ser usados para obter dados diretamente sobre os temas educacionais que a OCDE mais deseja explorar. E, o que é importante, eles também captam os resultados de desempenho da educação a partir de diferentes sistemas nacionais, usando instrumentos de testagem especificamente elaborados para comparar a competência do aluno em leitura, matemática e ciência, sem referência aos elementos ensinados no currículo. Os testes se aplicam num ciclo de três anos, com ênfase principal posta sobre uma dessas três disciplinas sucessivamente. São administrados numa amostra aleatória de escolas e, dentro delas, numa amostra aleatória de alunos de 15 anos de idade, com os países participantes recrutando individualmente mais ou menos escolas neste processo. Desde seu começo, o PISA tem atraído um número crescente de países participantes, ultrapassando o número original de membros da OCDE. Seu formato tem fortalecido o papel “inquiridor” e “reflexivo” que a OCDE desempenha internacionalmente ao estender de modo significativo o nível de detalhamento em que um amplo espectro de países pode ser comparado em seus desempenhos e a profundidade em que temas fundamentais podem ser explorados. Isso tem se tornado um negócio de ampla repercussão, com a OCDE publicando uma gama de sugestões para políticas com base nos dados.” (MOSS, no prelo, apud Street, 2014, p. 195 e 196).

15 Sobre a questão da qualidade, Freitas (2005) traz a perspectiva da “qualidade negociada” como uma alternativa que se

constrói coletivamente. Levam-se em consideração os problemas reais da escola e o projeto político-pedagógico. No trabalho, o autor pretende encontrar um caminho para as tensões ocasionadas e contrapor aos dilemas das várias concepções de produção de mudança.

16Embora o sistema privado sempre tenha existido na educação brasileira, basicamente sob a égide de escolas confessionais

ou comunitárias, há uma mudança desde a década de 1960/70 com o surgimento dos grandes cursinhos, como a rede Objetivo, Anglo, Positivo etc. Na década de 1990, após o Plano Real, esses grupos cresceram e se diversificaram.

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seu campo de atuação, passando pela produção de material didático para toda a educação básica, assessorias a escolas privadas e redes públicas (...)”. Na educação pública brasileira, a inserção dos SPE tem crescido muito em função da ideia de sua superioridade e modernidade em relação aos livros didáticos.

Como já apresentado no início do capítulo, no Brasil, uma das ações que constituem a política pública educacional no âmbito federal é o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que não só distribui livros didáticos para as escolas de todo Brasil, como avalia os livros ofertados para as escolas por meio de análises feitas por equipes técnicas, de acordo com os critérios descritos pelo MEC e em consonância com os documentos oficiais que orientam as práticas na educação brasileira. Ao contrário do PNLD, que se consolidou como uma política de avaliação e distribuição de livros didáticos atentos aos padrões mínimos de qualidade, os SPE não são avaliados tecnicamente, estando presentes em muitas escolas particulares e, nos últimos anos, também em escolas públicas, principalmente de redes municipais de ensino. Os municípios, entes federativos com responsabilidade sobre o Ensino Fundamental, têm autonomia legal para gerenciar suas redes a partir das bases legais e diretrizes estabelecidas pela União e Estados. A escolha de materiais didáticos, portanto, pode ser justificada quanto à pertinência e necessidade de adequação de uma determinada localidade a seus projetos e Planos Municipais de Educação. O PNLD, nesse sentido, não tem um caráter impositivo. Os recursos municipais podem ser direcionados para a contratação de consultorias, formação continuada e materiais didáticos. Interessa notar que, na escassez de recursos da maior parte dos municípios17, a adoção de SPE ocorre naqueles com maior IDH e maior renda per capita,

indicando a “elitização” dos sistemas e, por inferência, uma lógica de desperdício de recursos quando os municípios abrem mão dos livros disponibilizados pelo PNLD para adquirir outros produtos.

Construiu-se uma imagem de que os SPE apresentam uma qualidade superior, que está relacionada aos materiais utilizados, desconsiderando-se o tamanho das redes, a carga horária e as condições de oferta das aulas, além do repertório cultural e as condições materiais das famílias. Ao se associar a qualidade aos materiais dos SPE, cria-se um apelo mercadológico de que, com suas apostilas e materiais de apoio, eles apresentariam alguma novidade pedagógica em relação a outros materiais que são fruto de uma constante discussão sobre critérios e

17 Sobre a necessidade de verbas dos municípios, veja-se: CANZIAN, F. 70% dos municípios dependem em mais de 80% de

verbas externas. Folha Digital, Mais com menos, Caderno especial, 7 fev. 2019. Disponível em: http://temas.folha.uol.com.br/remf/ranking-de-eficiencia-dos-municipios-folha/70-dos-municipios-dependem-em-mais-de-80-de-verbas-externas.shtml. Acesso em: 29 jul. 2019.

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procedimentos, como os livros didáticos (LD). Acerca da importância, grandeza e necessidade de reflexão sobre os LD, Marchuschi e Cavalcante (2005, p. 238) afirmam:

Uma produção dessa ordem e grandeza confirma o interesse de parcela dos pesquisadores pelo LD, certamente motivado pela significativa inserção desses manuais na cultura escolar brasileira. De fato, independentemente de restrições quanto ao seu uso em sala de aula, manifestadas por alguns críticos, principalmente da área da linguagem e da educação, o LD permanece como um dos materiais básicos na organização da prática pedagógica, no país. Nesse sentido, mesmo admitindo-se ações de resistência ao LD, provenientes de parte da academia ou de outros setores da sociedade, bem como sua utilização parcial ou reinterpretada por parte dos professores, não pode ser menosprezada a força desse material na definição do currículo efetivamente ensinado no atual contexto brasileiro.

Por isso mesmo, o LD está na sala de aula e, nela, ocupa um lugar significativo, é fundamental que continue a ser descrito, debatido, avaliado, no esforço coletivo de ampliar sua qualidade. Mas o que caracteriza um LD de qualidade? Essa questão não é simples de responder. Em princípio, poder-se-ia dizer que o bom LD é aquele que atende às necessidades do professor e de seus alunos, oferece subsídios e alternativas produtivas ao trabalho escolar, contribui na formação do educador, é isento de erros conceituais e de preconceitos, entre outros aspectos.

Percebe-se, portanto, que é difícil a definição daquilo que é conveniente aos estudantes, mesmo com a avaliação de equipes técnicas. No entanto, no caso do PNLD, as escolas têm a possibilidade de escolha, por meio dos Guias e resenhas. Nesse cenário, há liberdade e informação para escolher o livro que mais se adeque ao contexto local, em função dos processos de avaliação e distribuição consolidados pelo PNLD. Diferentemente dos LD, os apostilados dos SPE, em função da falta de avaliação e da ausência de critérios para a escolha, estão cercados de problemas – desde a falta de qualidade e consonância com os avanços nos estudos de linguagem, no que é relativo ao ensino-aprendizagem de língua materna, até o impacto que a compra das apostilas tem imposto ao orçamento das cidades.

A questão dos livros didáticos perpassa os marcos legais da educação brasileira e a expansão ocorrida na década de 1970. Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1971 - a Lei n. 5692/71 (BRASIL, 1971) - , mudanças significativas e estruturais ocorreram, como por exemplo, a ampliação das vagas e a necessidade de professores com licenciatura para atuar nas salas de aula – o que obviamente não havia no momento, já que a demanda aumentou vertiginosamente em um curto espaço de tempo18. Com isso, entende-se a necessidade da utilização de livros didáticos na educação

18“Com a ditadura militar, a partir de 1964, passa-se a buscar o desenvolvimento do capitalismo, mediante expansão industrial.

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brasileira, naquele momento, já que quase não havia mão de obra qualificada para a nova demanda. Assim, para atender o novo contexto, de modo a garantir um certo currículo básico, passou-se a disseminar o LD nas escolas brasileiras e, consequentemente, a legitimá-lo como instrumento essencial para a educação (BUNZEN; ROJO, 2005).

Na seção seguinte, iremos discorrer sobre como nasceu e vem se perpetuando o discurso de crise.

1.3 A terceira via, o discurso de crise e a culpabilização do Estado

Com a emergência do neoliberalismo, sobretudo na década de 1990, e a reestruturação do capital, criou-se a necessidade cada vez mais premente de se caracterizar o Estado como ineficiente. Dessa maneira, a burocracia que caracteriza o setor público passou a ser vista como prejudicial ao desenvolvimento da sociedade19. Como solução à problemática, passou-se a

divulgar, cada vez mais, como medida eficaz para o setor público, as parcerias público-privadas, doravante PPP, que são apresentadas como possibilidade de redenção diante do argumento de (des)oneração do Estado.

Diante do cenário posto como caótico, alguns grupos se colocam como alternativas para os problemas educacionais brasileiros e favorecem a entrada dos SPE nas escolas. Nesse contexto, a Fundação Lemann20 e Todos pela Educação21 divulgam dados que têm como função

humanos que permitam ao Governo realizar a pretendida expansão industrial.”. (CLARE, 2002, apud BUNZEN; ROJO, 2005, p. 77).

19 A questão da educação relacionada a contexto de crise, por certo, não é exclusividade da sociedade brasileira. A

democratização do acesso à educação e a ideia de crise é recorrente entre intelectuais, políticos e educadores. A título de ilustração, um caso célebre sobre a ideia de crise foi o texto de Hannah Arendt, “A crise na educação”, publicado originalmente na Partisan Review, em 1957. No texto, Arendt identifica resultados de avaliações na educação pública dos Estados Unidos nos anos 1950, tornando o assunto um debate político de primeira grandeza nos jornais da época. O tema não é o mesmo que nos interessa nesta dissertação, mas ilustra uma preocupação recorrente nas sociedades contemporâneas. A questão que nos interessa nesse estudo é que os dados sobre a educação brasileira são apresentados em perspectiva comparada em rankings internacionais e oculta particularidades como a amplitude dos sistemas (quantidade de alunos, por exemplo), as diversidades regionais, as desigualdades dos anos de efetiva universalização da escolarização e outros aspectos fundamentais. Nesse sentido, o debate deve ser aprofundado e, como afirma Arendt no referido artigo, “uma crise só se torna desastrosa quando lhe pretendemos responder com ideias feitas, quer dizer, com preconceitos. Atitude que não apenas agudiza a crise como faz perder a experiência da realidade e a oportunidade de reflexão que a crise proporciona”. (ARENDT, 2002, p. 2).

20Segundo o site da Fundação Lemann: “Fundada em 2002 pelo empresário Jorge Paulo Lemann, a Fundação Lemann é uma

organização familiar sem fins lucrativos. Desenvolvemos e apoiamos projetos inovadores em educação, realizamos pesquisas para embasar políticas públicas no setor, oferecemos formação para profissionais da educação e para o aprimoramento de lideranças em diversas áreas”. Disponível em: http://www.fundacaolemann.org.br/quem-somos/. Acesso em: 24 jun. 2019.

21 Segundo o site do grupo Todos pela Educação: “Fundado em 2006, o Todos Pela Educação é um movimento da sociedade

brasileira que tem como missão engajar o poder público e a sociedade brasileira no compromisso pela efetivação do direito das crianças e jovens a uma Educação Básica de qualidade. Apartidário e plural, congrega representantes de diferentes setores da sociedade, como gestores públicos, educadores, pais, alunos, pesquisadores, profissionais de imprensa, empresários e as pessoas ou organizações sociais que são comprometidas com a garantia do direito a uma Educação de qualidade”. Os mantenedores do Todos Pela Educação são: DPASCHOAL, Fundação Bradesco, Itaú Social, Fundação Telefônica, Gerdau, Instituto Unibanco, Suzano papel e celulose, Fundação Lemann, Instituto Natura, GOL e Grupo Votorantim. Informações

Referências

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