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Ensino-aprendizagem de produção de textos

2.2 Contribuições teórico-metodológicas para o ensino-aprendizagem da produção de texto

2.2.2 Ensino-aprendizagem de produção de textos

Em um percurso para especificar as questões relativas ao texto e já considerando o recorte relativo à produção de texto, Koch e Elias (2011) destacam três concepções de linguagem fundamentais que iluminaram as práticas docentes no Brasil. Na primeira, tem-se a escrita com foco na língua:

Subjacente a essa visão de escrita, encontra-se uma concepção de linguagem como um sistema pronto, acabado, devendo o escritor se apropriar desse sistema e de suas regras. O princípio explicativo de todo e qualquer fenômeno e de todo e qualquer comportamento individual repousa sobre a consideração do sistema, quer linguístico, quer social.

43 “Uma das tônicas da década de 1980 foram os estudos sobre coesão e coerência textuais, em que se ampliou de forma

significativa o conceito de coerência anteriormente aceito, passando-se a postular que não se trata de mera propriedade ou qualidade do texto em si, mas de um fenômeno muito mais amplo: a coerência se constrói, em dada situação de interação, entre o texto e seus usuários, em função da atuação de uma complexa rede de fatores, de ordem linguística, sociocognitiva e interacional.” (KOCH, 1997, p. 74).

Nessa concepção de sujeito como (pré)determinado pelo sistema, o texto é visto como simples produto de uma codificação realizada pelo escritor a ser decodificado pelo leitor, bastando a ambos, para tanto, o conhecimento do código utilizado. Nessa concepção de texto, não há espaço para implicitudes, uma vez que o uso do código é determinado pelo princípio da transparência: tudo está dito no dito ou, em outras palavras, o que está escrito é o que deve ser entendido em uma visão situada não além nem aquém da linearidade, mas centrada na linearidade. (KOCH; ELIAS, 2011, p. 33).

Nessa concepção, o que está em jogo é a aprendizagem da lógica de funcionamento e das regras do sistema. A reflexão acerca da redação escolar reduz-se a exercícios de verificação da aprendizagem da gramática normativa, já que se ignoram as nuances constitutivas do contexto enunciativo no ensino de textos, como aponta Bunzen (2007). O autor ressalta ainda que o trabalho do professor é reduzido apenas a verificar o “produto final”. Tal visão fomenta o ensino tecnicista, que até hoje pode ser encontrado em algumas escolas, e ignora o dialogismo presente na linguagem.

Em uma segunda concepção de linguagem e escrita, o foco recai sobre a cognição do escritor:

Nessa concepção de língua como representação do pensamento e de sujeito como senhor absoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é visto como um produto – lógico – do pensamento (representação mental) do escritor. A escrita, assim, é entendida como uma atividade por meio da qual aquele que escreve expressa seu pensamento, suas intenções, sem levar em conta as experiências e os conhecimentos do leitor ou a interação que envolve esse processo. (KOCH; ELIAS 2011, p. 33).

O texto é, portanto, expressão do pensamento do escritor, cabendo ao leitor captá-lo. O trabalho residiria, então, em aprimorar formas de representação e encontrar as melhores configurações de expressar o pensamento.

Finalmente, uma terceira concepção de linguagem foca a interação e se distingue das anteriores. Koch e Elias (2011, p. 34) explicam essa distinção:

A escrita não é compreendida em relação apenas à apropriação das regras da língua, nem tampouco ao pensamento e intenções do escritor, mas, sim em relação à interação escritor-leitor, levando em conta, é verdade, as intenções daquele que faz uso da língua para atingir o seu intento sem, contudo, ignorar que o leitor com seus conhecimentos é parte constitutiva desse processo. Nessa concepção interacional (dialógica) da língua, tanto aquele que escreve como aquele para quem se escreve são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto, este considerado um evento comunicativo para o qual concorrem aspectos linguísticos, cognitivos, sociais e interacionais (BEAUGRANDE, 1997). Desse modo, há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos dos mais variados tipos, somente detectáveis

quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação.

Ainda no sentido de compreender as contribuições teórico-metodológicas para o ensino de produção de textos, faz-se necessária a compreensão dos modelos que vigoraram no ensino ao longo dos tempos.

Assumindo um recorte semelhante ao de Koch e Elias (2011) em termos de concepções de linguagem, Bonini (2002) identifica três metodologias mais usuais para o ensino de produção textual: a normativista, a textual-instrumental e a interacional, que de alguma forma sustentariam quatro métodos presentes nas práticas escolares: o retórico-lógico (normativista), o textual-comunicativo (textual-instrumental), o textual-psicolinguístico (textual-instrumental com algumas considerações da metodologia interacional) e o interacionista.

Como Bonini (2002) explica, para o método retórico lógico/prescritivista, a escrita é uma forma de organizar o pensamento e aprender a escrever equivale a conhecer bem as regras gramaticais. As técnicas de ensino estão a serviço da apropriação dos esquemas básicos textuais – narração, dissertação e descrição – e a técnica principal é desenvolver o texto a partir de um esquema por meio de algumas etapas (definir o tema; levantar ideias; aplicar esquema textual; elaborar rascunho; corrigir o texto; passar a limpo; ser corrigido pelo professor). O autor ainda explicita aquilo que é chamado de técnicas acessórias do método: desenvolvimento de temas; continuação a partir de introdução ou conclusão dadas; desenvolvimento de roteiro; desenvolvimento a partir de figura; desenvolvimento a partir de um esquema de itens; desenvolvimento a partir de um esquema textual; transformação da prosa para verso; desenvolvimento em focos narrativos diversos.

O método textual-comunicativo tem quase as mesmas bases do método retórico-lógico. Para esse método, quem escreve é visto como alguém que precisa desenvolver uma capacidade textual para que seja um comunicador. A noção de dom não é mais elemento central, mas o texto literário continua como um modelo. Acresce-se nas etapas a identificação dos problemas pelo professor para que o estudante possa refazer o texto. Além das técnicas acessórias anteriormente apresentadas, há também: identificação de elementos textuais; complementação de um esquema de articuladores textuais dados; escrita em registros diferentes. Os três tipos de textos ainda prevalecem, mas começa a ocorrer a abertura para alguns gêneros44.

Marcuschi (2010, p. 73), ao pensar sobre a concepção do ensino de escrita em que são priorizados o emissor e o receptor, esclarece:

Como se percebe, a concepção subjacente às atividades é a de língua como um código que, se utilizado de modo claro e lógico pelo emissor, irá comunicar sem ruídos a mensagem desejada. Há um modelo, um padrão de texto a ser obedecido, uma técnica de redação a ser aplicada. Segui-los à risca garante a uniformidade e a clareza da mensagem, e com isso, sua decodificação pelo receptor. Portanto, o que se pretende conseguir com esses ensinamentos é a formação de um aluno capaz de se expressar com eficiência via mensagens padronizadas, dirigidas para qualquer pessoa e, ao mesmo tempo, para ninguém. No período, consolidam-se os chamados “gêneros escolares” dissertação, narração e descrição, que, como vimos, já se faziam presentes na sala de aula em épocas anteriores.

Já o método textual-psicolinguístico, por sua vez, pressupõe, como descreve Bonini (2002), uma relação estrita da escrita com a leitura e trabalha com a utilização de modelos teóricos de estudo experimental da escritura para balizar o ensino de produção escrita. Diferencia-se dos métodos anteriores principalmente por considerar o processo da escrita e não somente seu produto, processo esse construído por etapas, que incluem estratégias de planejamento e revisão, até se chegar a um produto final. As etapas apresentadas diante de uma determinada tarefa são: planejar a tarefa; textualizar; revisar; reescrever; redigir o texto final. As técnicas acessórias envolvidas são: organização tópica; ordenação de fragmentos textuais; revisão colaborativa; revisão individual; revisão com feedback do professor. A preocupação com a audiência ganha mais corpo.

Finalmente, temos o método interacionista, para o qual há o pressuposto de uma situação autêntica de interação, que demanda a execução de uma ação de linguagem. Diante de uma situação de interação, as etapas previstas incluem pesquisar e buscar auxílio técnico; desenvolver ação de linguagem; avaliar feedback da audiência. Os procedimentos acessórios são: desenvolvimento de atividades ligadas a um projeto didático proposto pelo professor; desenvolvimento de procedimentos de pesquisa; desenvolvimento da análise linguística a partir da própria produção (BONINI, 2002).

Das metodologias para o ensino de produção textual apresentadas por Bonini (2002), a perspectiva interacionista é a mais aceita na instância acadêmica atualmente, já que supõe a produção de sentidos e situações autênticas de produção de texto.

Para uma concepção de ensino-aprendizagem de língua pautada pelas práticas sociais, é fundamental o destaque da dimensão interacional. Tal concepção, a partir da década de 1990, será cada vez mais alimentada pela perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem e enriquecida pelo conceito bakhtiniano de dialogismo. O dialogismo deve ser considerado no processo educacional e pode ser entendido como

o modo de funcionamento real da linguagem, é o princípio constitutivo do enunciado. Todo enunciado constitui-se a partir de outro enunciado, é uma réplica a outro enunciado. Portanto, nele ouvem-se sempre, pelo menos, duas vozes. Mesmo que elas não se manifestem no fio do discurso, elas estão aí presentes. Um enunciado é sempre heterogêneo, pois revela duas posições a sua e aquela em oposição à qual ele se constrói. (FIORIN, 2016, p. 27). A escolha pela evidenciação das relações histórico-sociais na sala de aula promove a formação de cidadãos. Assim, a escolha por uma ou outra concepção de linguagem para o trabalho com a Língua Portuguesa e a produção de textos é, em última instância, uma questão de posicionamento ideológico, já que a linguagem e suas relações histórico-sociais permeiam a escola e ultrapassam a sala de aula. Geraldi (1995, p. 40) considera uma questão política a escolha por um ou outro encaminhamento:

Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de aula, é preciso que se tenha presente que toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção política – que envolve uma teoria de compreensão e interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados em sala de aula. Essa opção política passa pela assunção de uma concepção de linguagem e de ensino- aprendizagem de língua, articulada com respostas a questões, como: “Que sujeito se pretende formar?”; “Por que e para que ensinar língua?”; “Como fazê-lo?”. Considerando, então, a escolha da concepção de linguagem como uma questão política, é preciso salientar que, tendo em vista a promoção de um exercício mais pleno da cidadania em todas as suas esferas, os estudos da linguagem mais promissores para o ensino de Língua Portuguesa, principalmente após 1990, são os que assumem uma visão de linguagem que leva em conta a interação e atuação social dos sujeitos. Nessa direção, Antunes (2003, p. 41) vai afirmar que

a evidência de que as línguas só existem para promover a interação entre as pessoas nos leva a admitir que somente uma concepção interacionista da linguagem, eminentemente funcional e contextualizada, pode, de forma ampla e legítima, fundamentar um ensino de língua que seja, individual e socialmente, produtivo e relevante.

Partindo dessa perspectiva, Geraldi (1991; 1995) vai propor que os eixos organizadores do ensino sejam as práticas de linguagem – leitura, escrita e análise linguística. A produção de texto ganha uma outra dimensão, que é pautada na interação com o mundo. As teorias da linguagem que levam em conta a interação e os estudos do letramento contribuem significativamente para uma postura que considera e trata a produção de textos na escola como um processo socialmente engajado. Essas abordagens ganharam força e influenciaram a produção de documentos curriculares e, consequentemente, a produção de materiais didáticos

mais atentos às lógicas de interação e percepção social. Por isso, ao tratar do ensino de produção textual, é essencial a compreensão das diversas contribuições para o dimensionamento das relações do ensino-aprendizagem de produção textual.

Para Rojo (2008), a Linguística Aplicada e a Psicolinguística, no que diz respeito ao processo de produção de textos e de desenvolvimento de escrita, têm sido dominadas por uma perspectiva cognitivista textual. Na mesma direção apontada por Bonini (2002), a autora afirma que a partir da década de 1980, começa uma abordagem do processo de produção de textos que levava em conta, por um lado, as teorias textuais de criação do texto escrito (Halliday e Hansan; Hoey, van Dijk e o grupo de pesquisadores da Linguística Textual, posteriormente Adam) e, por outro, com um viés mais comportamental ou mais cognitivo, as teorias cognitivas de memória e de esquemas de conhecimento, para descrição do processo de produção (de Beaugrande, Hayes e Flower, van Dijk e Kintsch). (ROJO, 2008, p.187). Rojo (2008) apresenta dois modelos fundamentais para a compreensão da produção de textos. O primeiro, proposto por Hayes e Flower (1980, apud ROJO, 2008), trata dos “processos de composição”. Nesse modelo, a produção de textos é vista como um conjunto hierarquizado de comportamentos, regidos por processos cognitivos gerados por esquemas ou conhecimentos armazenados na memória e ativados pelo “contexto” (tarefa) (ROJO, 2008, p.193). Nesse sentido, as informações fornecidas na atividade serviriam apenas para acessar esquemas que já existiam.

Diferentemente do foco na cognição social, o segundo modelo apresentado por Rojo (2008) é proposto por Schneuwly (1988, apud ROJO, 2008) que vai ter como foco a interação social. Sobre esse modelo, a autora comenta:

É a “situação de enunciação” ou a “situação social de produção do enunciado/texto” que determina a “criação” pelo escrevente “de uma base de orientação geral” para a atividade de linguagem que é produzir um texto escrito (ou mesmo, outra atividade de linguagem qualquer). Esta “base de orientação” é entendida pelo autor como “uma representação interna, modificável à medida das necessidades e das mudanças que venham intervir, do contexto social e material da atividade” (SCHENEUWLY, 1988, p. 31). São parâmetros fundamentais dessa situação de produção, que deverão ser representadas pelo enunciador, seu próprio “lugar social” como autor, suas “relações com seu(s) interlocutor(es) e a finalidade” da enunciação. De saída, esta posição amplia e torna menos empírica a noção de contexto da proposta anterior. (ROJO, 2008, p. 195).

Por se tratar de um modelo amplo, a proposta permite múltiplas apreensões e, com isso, variadas transposições didáticas. Como afirma Rojo (2008), o modelo poderia ser lido numa chave bakhtiniana para também pensar a produção de textos. Sobre a contribuição bakhtiniana,

aliás, é importante ressalvar que, na segunda metade da década de 1990, começa-se uma ampliação dos estudos dos gêneros nas salas de aula.

Ainda em relação à situação de enunciação, considerações de Geraldi (1991) ecoam em reflexões mais contemporâneas de Bunzen: “O que está em jogo é uma profunda e atual discussão sobre as situações de produção do texto e seu resultado: escrevemos na escola ou para a escola?” (BUNZEN, 2007, p. 148). A resposta dada por Bunzen é:

Em suma: os alunos não deveriam produzir “redações, meros produtos escolares, mas textos diversos que se aproximassem dos usos extra-escolares, com função específica e situada dentro de uma prática social escolar. Se assumirmos tal posicionamento, apostaremos em um ensino muito mais procedimental e reflexivo (e menos transmissivo), que leva em consideração o próprio processo de produção de textos e que vê a sala de aula, assim como as esferas de comunicação humana, como um lugar de interação verbal. (BUNZEN, 2007, p. 149).

Aproximar a produção de textos das práticas sociais requer a consideração das esferas de comunicação humana, dos interesses em jogo em cada esfera, das atividades que nelas têm lugar e dos gêneros do discurso que nela circulam e por meio dos quais as interações humanas podem se dar.

Aprofundaremos a questão dos gêneros do discurso na próxima seção.