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A teorização do direito penal do inimigo em face do terrorismo

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

NATALIA TRES JUNGES

A TEORIZAÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO EM FACE DO TERRORISMO

Ijuí (RS) 2014

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NATALIA TRES JUNGES

A TEORIZAÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO EM FACE DO TERRORISMO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2014

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Dedico este trabalho à minha mãe e à minha irmã, por todo apoio e incentivo recebido ao longo desses anos. Ao meu amor, por confiar em minha capacidade, me encorajando a buscar sempre o melhor de mim.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, quero agradecer à Deus. Os motivos? Inúmeros. Mas Ele sabe quais são.

À minha mãe que é a grande pessoa por trás de tudo isso. Minha base. Sempre a postos para me ajudar. Lembro-me que, ainda quando eu estava na escola, todas as noites era o momento que, em que pese estar cansada de ter passado o dia inteiro em uma sala de aula, ensinando e corrigindo inúmeros trabalhos e provas, ela pegava meus cadernos, com sua sempre caneta vermelha, e começava corrigir meus erros – pena que isso não possa acontecer na vida... Confesso que na época não gostava, mas hoje me dou conta de como a sua preocupação com o meu futuro foi e é muito importante. A pessoa que me tornei é graças a você. Saiba que não haverá palavras no mundo que poderei usar para lhe agradecer. Nunca esqueça que "de dez vidas, onze eu lhe daria". Eu te amo, mãe, muito e eternamente.

Ao Alvaro, por me fazer entender que as nossas vitórias e conquistas importam, na verdade, só para nós mesmos, de modo que não necessitamos esperar o reconhecimento por elas. Elas nos pertencem e isso basta.

À grande e maravilhosa equipe da Primeira Vara Criminal da Comarca de Ijuí pelo acolhimento, conhecimento e grandes amizades. Foi com vocês que descobri o tipo de profissional que quero ser.

À equipe da Defensoria Pública de Ijuí, em especial, ao Doutor André Castanho Girotto, grande profissional, do qual orgulho-me de ter trabalhado, que fez com que eu tomasse gosto pela Execução Criminal. Só assim consegui enxergar as coisas de uma nova maneira.

Ao meu orientador, professor Doutor Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, por sua dedicação, disponibilidade e notável conhecimento desse e tantos outros assuntos, fazendo com que fosse possível a realização deste trabalho.

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“Não existe fracasso, apenas resultados. Mesmo se as coisas não aconteceram do jeito que você esperava, não desanime ou desista. Lembre-se do que você é capaz e siga em frente. Aquele que continua a avançar um passo de cada vez vai ganhar no final. A vitória é um processo que ocorre com pequenos passos, decisões e ações que gradualmente constroem uma realidade diferente.” Autor Desconhecido

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise sobre a teoria do Direito Penal do Inimigo, criada pelo jurista alemão Günther Jakobs, estudando os seus fundamentos. Analisa essa teoria relacionando-a com as novas formas assumidas pela criminalidade, tais como, o crime organizado e o terrorismo. Aborda, desse modo, o Direito Penal do Inimigo como uma resposta, meramente simbólica, à megacriminalidade. Estuda a antecipação da intervenção do Direito Penal em razão do pavor causado pelo terrorismo. Busca compreender a expansão do Direito Penal contemporâneo tendo como categoria central o terrorismo. Investiga as medidas punitivas implementadas pós-11 de setembro. Faz uma análise sobre a criminalização do terrorismo no Brasil, bem como a influência da teoria de Jakobs, o Direito Penal do Inimigo, sobre o nosso legislador. Finaliza concluindo que a teoria do Direito Penal do Inimigo não pode ser aplicada no contexto jurídico, haja vista que a mesma rechaça a dignidade da pessoa humana ao proceder na distinção entre pessoas – cidadãos, e não-pessoas – inimigos, os quais devem ser combatidos sem nenhuma garantia.

Palavras-Chave: Direito Penal do Inimigo. Novas formas de criminalidade. Terrorismo.

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ABSTRACT

This present work of course completion makes an analysis about the theory of Criminal Law of the Enemy, created by german jurist Günther Jakobs, studying its foundations. Examines this theory relating it to the new forms assumed by criminality, such as, the organized crime and the terrorism. Discusses, thus, the Criminal Law of the Enemy as an answer, merely symbolic, to mega criminality. Studies the anticipation of the intervention of Criminal Law by reason of the dread caused by terrorismSeeks to understand the expansion of Contemporary Criminal Law having as central category the terrorism.Investigates the punishment measures implemented after September 11. Makes an analysis about the criminalization of terrorism in Brazil, as well as the influence of theory by Jakobs, the Criminal Law of the Enemy, over our legislator. Finalizes concluding that the theory of the Criminal Law of the Enemy can't be applied in the legal context, has seen that the same rejects the dignity of the human person to proceed in the distinction between people - citizens, and non-people - enemies, who must be fought without any assurance.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09 1 O DIREITO PENAL DO INIMIGO COMO RESPOSTA SIMBÓLICA À MEGACRIMINALIDADE NA SOCIEDADE DO RISCO ... 11 1.1 Os fundamentos da proposta teórica de Günther Jakobs ... 15 1.2 A antecipação da intervenção do Direito Penal e o Terrorismo... 20 2 O TERRORISMO COMO CATEGORIA CENTRAL PARA A COMPREENSÃO DA EXPANSÃO DO DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO ... 24 2.1 As medidas punitivas implementadas no período pós-11 de setembro de 2001 ... 29 2.2 O estado d´arte da questão da criminalização do terrorismo no Brasil: influências do Direito Penal do Inimigo sobre o legislador pátrio ... 34 CONCLUSÃO ... 42 REFERÊNCIAS ... 44

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INTRODUÇÃO

No presente estudo busca-se compreender a teorização do Direito Penal do Inimigo, relacionando-o com o combate ao terrorismo e a tensão que provoca em relação ao modelo de Direito Penal característico de um Estado Democrático de Direito. Essa compreensão da teorização do Direito Penal do Inimigo se deu a partir da obra de Günther Jakobs.

O Direito Penal do Inimigo é uma teoria muito polêmica, visto que, para o seu criador, Jakobs, o combate da megacriminalidade somente é possível com a diferenciação entre cidadãos (pessoas) e inimigos (não pessoas), caso dos terroristas, com a intervenção punitiva de modo diferente, por meio da aplicação do “Direito Penal do cidadão” e do “Direito Penal do Inimigo”.

Ainda, considerando as novas formas de criminalidade, como, por exemplo, o atentado terrorista ocorrido em 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, surgiu a preocupação sobre a capacidade estatal em enfrentar e combater esse problema. Em razão disso, surge uma expansão no direito penal, com o intuito de enrijecer as normas e medidas punitivas mesmo que, para isso, seja necessário eliminar as garantias penais e processuais penais das pessoas.

Tal medida é utilizada com o objetivo de aumentar a segurança e confiança da população no poder do Estado frente à megacriminalidade, criando, no imaginário da população, um legislador atento ao clamor por segurança e disposto a lutar contra os inimigos que colocam em risco a ordem social, nem que para isso seja necessário acabar com as garantias fundamentais daqueles indivíduos.

O Direito Penal do Inimigo estabelece uma divisão entre “pessoas” e “não pessoas”, de modo que há dois meios de intervenção punitiva para estes tipos de indivíduos. O primeiro é o modelo a ser aplicado para os cidadãos, com todas as garantias penais tradicionais. O segundo é o modelo a ser aplicado para os inimigos que, baseado na lógica da guerra, tem a função de eliminar os perigos que eles representam para a sociedade.

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Desse modo, para os inimigos não há garantias penais e processuais penais, tanto que o princípio da legalidade é flexível e nem se observa os princípios da proporcionalidade e ofensividade. Ainda, existe um endurecimento na execução penal, inclusive com regime de cumprimento de pena diferenciado.

O problema abordado foi como é possível, em um Estado Democrático de Direitos, a aplicação dessa teoria, ainda que voltada à megacriminalidade, que neste trabalho é representado pelo terrorismo?

Quanto à metodologia a ser utilizada, o estudo foi do tipo exploratório. Foi utilizado no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização foi utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos: a) seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para construir um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo; b) leitura e fichamento do material selecionado; c) reflexão crítica sobre o material selecionado; d) exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.

O desenvolvimento do tema se deu em dois capítulos. No primeiro momento, foi abordado o tema do Direito Penal do Inimigo como resposta à megacriminalidade na sociedade do risco, os fundamentos da proposta teórica do Direito Penal do Inimigo, de Günther Jakobs, e, por fim, a antecipação da intervenção do Direito Penal e o Terrorismo.

Já no segundo capítulo, foi abordada a questão do terrorismo como categoria central para a compreensão da expansão do direito penal contemporâneo, sendo estudadas quais foram as medidas punitivas implementadas no período posterior aos ataques de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, bem ainda o estado d´arte da questão da criminalização do terrorismo no Brasil: influências do Direito Penal do Inimigo sobre o legislador pátrio.

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1 O DIREITO PENAL DO INIMIGO COMO RESPOSTA SIMBÓLICA À MEGACRIMINALIDADE NA SOCIEDADE DO RISCO

Uma das principais características da sociedade atual é o intenso sentimento de insegurança. Esse sentimento, de maneira inequívoca, decorre da crescente preocupação com as novas formas assumidas pela criminalidade, em especial, as representadas pelas organizações criminosas e pelo terrorismo.

Liga-se a isso, ainda, a grande influência que possuem os meios de comunicação na formação de opinião das pessoas, notadamente porque acabam injetando mais medo e sensação de insegurança na população ao mostrarem, em muitas vezes, de forma sensacionalista, os delitos ocorridos.

Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth (2010, p. 4), sobre a influência da mídia, leciona que:

Assim, em decorrência de interesses meramente mercadológicos, os meios de comunicação de massa promovem um falseamento dos dados da realidade social, gerando enorme alarde ao vender o “crime” como um rentável produto, respondendo às expectativas da audiência ao transformar casos absolutamente sui generis em paradigmas, aumentando, dessa forma, o catálogo dos medos e, consequentemente de forma simplista como convém a um discurso vendável, o clamor popular pelo recrudescimento da intervenção punitiva. (Grifos do autor)

Em decorrência disso, a população procura por soluções “eficientes” para o enfrentamento da megacriminalidade e, de forma errônea, acaba por acreditar que as soluções desses problemas encontram-se na criação de normas penais mais rígidas. Em função disso, existe forte pressão por parte da população para que os poderes públicos busquem essas soluções.

Sobre a pressão da população sobre os poderes públicos, Wermuth (2010, p. 4) aduz que:

A formação da opinião pública pelos meios massivos de comunicação acerca dos medos, da insegurança e da necessidade de afastá-los por meio da intervenção do sistema punitivo deságua na pressão popular sobre os poderes públicos para que as reformas penais necessárias para fazer frente à “cada vez mais aterradora criminalidade” sejam efetivamente levadas a cabo. Wermuth (2010, p. 2) leciona, ainda, que:

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[…] os poderes públicos, sabendo dos efeitos políticos positivos decorrentes do atendimento a essas demandas, respondem mediante promessas legislativas de intervenções penais mais duras e radicais e, não raro, inclusive fomentam a criação de uma atmosfera de medo e insegurança em relação a determinados fatos, no intento de conseguir facilitar a aprovação de reformas legislativas ou impulsionar a população na demanda por leis mais duras.

Para Manuel Monteiro Guedes Valente (2010, p. 14) o Direito Penal, que tutela os bens jurídicos e protege os indivíduos dos excessos do ius puniendi, corre grande risco de desaparecer em razão das novas tendências penalistas:

[…] a incrementação de um Direito penal musculado em que o ser humano, que delinqua e que não se reinsira, passa a ser uma doença contagiosa da comunidade. Esta doença é de maior vulto se o seu portador praticar um delito integrante do catálogo de crimes hediondos ou um delito que provoque um medo paneónico generalizado na sociedade que encontra, no Direito penal, o refúgio para se proteger contra esses males do novo mundo.

Em razão disso, como uma resposta à megacriminalidade, e com o intuito de tranquilizar a sociedade frente essas novas formas de criminalidade, o Direito Penal passa por um processo de expansão ao criar novas normas penais, ou, até mesmo enrijecer as penas das normas já existentes, tudo para atender os anseios da sociedade por segurança.

Sobre a expansão do Direito Penal, Wermuth e André Luís Callegari (2011, p. 715), citando Manuel Cancio Meliá, referem que:

[…] permeia o processo de expansão do Direito Penal, a par do simbolismo, a retomada do punitivismo/eficientismo, o que se verifica a partir da introdução de novas normas penais aos ordenamentos jurídicos no intuito de promover, efetivamente, a sua aplicação com toda firmeza, bem como a partir do endurecimento das penas cominadas às normas já existentes para a persecução da criminalidade “tradicional”. A tendência do legislador, aqui, sob a influência do discurso “lei e ordem”, é reagir com “firmeza” no marco da “luta” contra a criminalidade, chegando-se, em alguns casos, a medidas repressivas tão drásticas que se configuram em mecanismos de inocuização do delinquente. (Grifos do autor)

Sobre o tema, Wermuth (2010, p. 2) refere que:

[…] o Direito Penal assume o centro dos debates, notadamente no que diz respeito à necessidade de expansão do seu raio de intervenção, bem como da importância de se relegarem a segundo plano princípios e garantias que davam sustentação à teorização liberal do direito punitivo, em nome de uma maior eficiência no combate à macrocriminalidade. Quer dizer, passa-se a sustentar a tese de que o endurecimento das leis e medidas punitivas é

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imprescindível para aumentar a segurança dos cidadãos, ainda que à custa do sacrifício dos direitos humanos e das garantias penais e processuais dos acusados.

Tal medida é utilizada com o objetivo de aumentar a segurança e confiança da população no poder do Estado frente à megacriminalidade, criando, no imaginário da população, um legislador atento ao clamor por segurança e disposto a lutar contra os inimigos que colocam em risco a ordem social, nem que para isso seja necessário acabar com as garantias fundamentais daqueles indivíduos.

Valente (2010, p. 14), a respeito do tema, argumenta que “vivemos, hoje, a hipertrofia legislativa do Direito penal que tudo quer tutelar e nada tutela”. Agindo desse modo, o legislador acaba por colocar em risco as garantias penais e processuais dos acusados.

A respeito disso, Meliá (2009, p. 85-86) assevera que “a tendência atual do legislador é a de reagir com firmeza dentro de uma gama de setores a serem regulados, no marco da luta contra a criminalidade, isto é, com um incremento das penas previstas.”

Salienta-se, por oportuno, que não há relevância se a norma é eficaz ou não, o que importa é a sua existência no ordenamento jurídico, conforme leciona Wermuth (2010, p. 6):

Nesse contexto, não se questiona a efetividade da norma, uma vez que se busca demonstrar que sua mera existência no ordenamento jurídico basta para a solução de um determinado problema social, encobrindo, assim, a incapacidade do Estado nesse sentido.(Grifos do autor)

Em função disso, o Direito Penal assume um caráter meramente simbólico, notadamente porque é utilizado pelos poderes públicos como forma de criar uma falsa segurança na população frente à megacriminalidade, com o intuito de reestabelecer a já perdida confiança da população no poder do Estado em combatê-la.

Sobre o tema, Wermuth (2010, p. 7) aduz que:

[…] as funções do Direito Penal são pervertidas e são oferecidas à opinião pública perspetivas de solução aos problemas que não correspondem com a realidade. Ou seja, a legislação penal simbólica tem na sua própria existência a sua principal virtude, visto que representa ações expressivas, catárticas, no sentido de censurar o crime e confortar o público, uma vez que são aprovadas no calor da indignação popular em face dos crimes violentos marcantes […]

Ainda sobre o Direito Penal simbólico, Wermuth (2010, p. 9) refere que “é possível verificar que a ideia que permeia a produção do Direito Penal simbólico é a de eficiência, ou

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seja, de fazer crer de forma contundente que “algo está sendo feito” como resposta às pressões populares por mais segurança”.

Para Valente (2010, p. 16):

A sociedade encontra no Direito penal a força e a garra para exterminar o mal que a assola: se um cidadão atua fora do quadro jurídico estabelecido e aceito pela comunidade – a cujo pacto todos os homens aderem sob a regra da prevalência da vontade da maioria –, violando o contrato social, e, depois de ser advertido com uma pena ou de saber que há condutas inadmissíveis e inaceitáveis na ordem jurídica por serem aniquiladoras da harmonia vivencial, esse cidadão não pode nem deve ser tratado como um cidadão, mas como um inimigo da comunidade. (Grifos do autor)

Neste contexto, discute-se a teorização do Direito Penal do Inimigo, formulado pelo penalista alemão Günther Jakobs, que também se apresenta de uma maneira simbólica frente às formas assumidas pela criminalidade, notadamente no que diz respeito a criminalidade organizada e ao terrorismo.

Sobre o tema, Wermuth (2010, p. 10) afirma que:

[…] o Direito Penal da contemporaneidade já não pode ficar sem dar respostas à sociedade. E é justamente em virtude dessa necessidade de mostrar-se eficiente a todo custo que surge uma das mais controvertidas teorizações da contemporaneidade: a do Direito Penal do inimigo, formulada pelo penalista alemão Günther Jakobs, a qual pode ser considerada enquanto instrumento simbólico, com escopo de tranquilização social, voltada à megacriminalidade.

O Direito Penal do Inimigo estabelece uma divisão entre “pessoas” e “não pessoas”, de modo que há dois meios de intervenção punitiva para estes tipos de indivíduos. O primeiro é o modelo a ser aplicado para os cidadãos, com todas as garantias penais tradicionais. O segundo é o modelo a ser aplicado para os inimigos que, baseado na lógica da guerra, tem a função de eliminar os perigos que eles representam para a sociedade.

Desse modo, para os inimigos não há garantias penais e processuais penais, tanto que o princípio da legalidade é flexível e nem se observa os princípios da proporcionalidade e ofensividade. Ainda, existe um endurecimento na execução penal, inclusive com regime de cumprimento de pena diferenciado.

Wermuth (2010, p. 18) sobre o Direito Penal do Inimigo:

[…] é flagrante o fato de que tal espécie de Direito Penal não é passível de legitimação, pois nega a dignidade humana aos indivíduos considerados

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inimigos, desconsiderando o fato de que esta constitui um dado ontológico do ser humano e um dos princípios basilares da intervenção punitiva em um Estado Democrático de Direito.

No entanto, para Jakobs, é essencial que se diferencie cidadãos e inimigos, a fim de que o Direito Penal possa enfrentar a criminalidade atual, notadamente porque, para o autor, sem essa diferenciação não existe alternativa para combater a megacriminalidade, em especial, a representada pelas organizações criminosas e pelo terrorismo.

Ou seja, na perspectiva de Jakobs, o combate da megacriminalidade somente é possível com a diferenciação entre cidadãos (pessoas) e inimigos (não pessoas), caso dos terroristas, com a intervenção punitiva de modo diferente, por meio da aplicação do “Direito Penal do cidadão” e do “Direito Penal do Inimigo”.

Para Wermuth (2010, p. 18), a proposta teórica do Direito Penal do Inimigo:

[…] parte de uma concepção simbólica de Direito Penal, voltada tão somente para a manutenção da ordem social vigente por meio da criação, na população em geral, de um sentimento de “tranquilidade” em face dos riscos e inseguranças da contemporaneidade […]

Nesse contexto, resta evidente a intenção do legislador em dar primazia à segurança pública, visto que o indivíduo é considerado um objeto da persecução penal, um inimigo para o qual não se aplica o direito, mas a mera coação. No entanto, é sabido que o caminho para a segurança pública é o investimento nas pessoas colocadas às margens de risco e não o sacrifício de garantias fundamentais dos indivíduos.

1.1 Os fundamentos da proposta teórica de Günther Jakobs

O Direito Penal do Inimigo, formulado pelo jurista alemão Günther Jakobs, é um movimento punitivista, que teve, e ainda tem, grande destaque no cenário da política criminal no mundo todo, influenciado o pensamento de vários penalistas e legisladores, inclusive os brasileiros. Jakobs (2009, p. 36) defende que:

[…] o Direito Penal conhece dois polos ou tendências em suas regulações. Por um lado, o tratamento com o cidadão, esperando-se até que se exterioriza sua conduta para reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade, e por outro, o tratamento com o inimigo, que é interceptado já no estado prévio, a quem se combate por sua periculosidade.

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Desse modo, Jakobs, ao desenvolver a sua tese, propõe a adoção de dois tipos de Direito Penal, o “Direito Penal do cidadão” e o “Direito Penal do Inimigo”, modelos estes totalmente distintos de intervenção punitiva, que devem levar em conta, no momento da sua aplicação, a diferença entre cidadãos e inimigos.

O Direito Penal do cidadão é o Direito de todos, o Direito Penal do inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, é só coação física, até chegar à guerra. […] O Direito Penal do cidadão mantém a vigência da norma, o Direito Penal do inimigo (em sentido amplo: incluindo o Direito das medidas de segurança) combate perigos […] (JAKOBS, 2009, p. 28-29) (Grifos do autor)

Sobre o conceito de Direito Penal do Inimigo, Meliá (2009, p. 74) refere que:

[…] o conceito de Direito Penal do inimigo supõe um instrumento idôneo para descrever um determinado âmbito, de grande relevância, do atual desenvolvimento dos ordenamentos jurídico-penais. Entretanto, como Direito positivo, o Direito Penal do inimigo só integra nominalmente o sistema jurídico-penal real: Direito Penal do cidadão é um pleonasmo; Direito Penal do inimigo, uma contradição em seus termos.

Ainda, citando Jakobs, Meliá (2009, p. 90) aduz que:

[…] o Direito Penal do inimigo se caracteriza por três elementos: em primeiro lugar, constatasse um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), no lugar de – como é habitual – retrospectiva (ponto de referência: fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas.

Para Eduardo Saad-Diniz (2012, p. 109):

O direito penal do inimigo concentra-se na avaliação comportamental, da atitude ou postura com que se orienta e se põe em agir determinada pessoa (ou equivalente funcional, como o caso das organizações corporativas), para então discriminar-lhe e retirar-lhe semelhante condição.

O Direito Penal do Inimigo para Valente (2010, p. 64):

[…] atuará antes do crime acontecer, i. e., a excepcionalidade e tipicidade da criminalização dos atos preparatórios deixa de vigorar e passa a obedecer ao

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princípio da punibilidade de todos e quaisquer atos preparatórios e, ainda, incrementa uma ação penal – enraizado no estado de perigosidade presumível devido à religião, ao país, à raça, à cor, à ideologia política – fundamentada no perigo para a segurança cognitiva da comunidade integrada no estado de legalidade […]

Luigi Ferrajoli (2007, p. 8) aduz que “El esquema del derecho penal del enemigo no es otra cosa que el viejo esquema del “enemigo del pueblo” de estaliniana memoria y, por otra parte, el modelo penal nazi del “tipo normativo de autor” (Tätertyp).”

No entanto, para Jakobs (2009, p. 47) “um Direito Penal do inimigo, claramente delimitado, é menos perigoso, desde a perspectiva do Estado de Direito, que entrelaçar todo o Direito Penal com fragmentos de regulações próprias do Direito Penal do inimigo”.

Quanto ao modo de tratar os indivíduos que cometerem algum tipo de delito, Jakobs (2009, p. 40) leciona que:

[…] o Estado pode proceder de dois modos com os delinquentes: pode vê-los como pessoas que delinquem, pessoas que tenham cometido um erro, ou indivíduos que devem ser impedidos de destruir o ordenamento jurídico, mediante coação […] quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas.

O cidadão, para Jakobs, é aquele indivíduo que, de forma acidental ou esporadicamente, comete delitos. Assim, o cidadão é aquele sujeito que, em que pese tenha cometido crime, apresenta garantias de que irá se comportar de acordo com as normas penais. Desse modo, para esse indivíduo, eis que envolvido de forma esporádica com a prática delitiva, são assegurados todos os direitos e garantias do direito penal e do processo penal. Aqui, o sujeito faz jus ao status de pessoa.

[…] o Estado moderno vê no autor de um fato […] não um inimigo que há de ser destruído, mas um cidadão, uma pessoa que, mediante sua conduta, tem danificado a vigência da norma e que, por isso, é chamado – de modo coativo, mas como cidadão (e não como inimigo) – a equilibrar o dano, na vigência da norma. Isto se revela com a pena, quer dizer, mediante a privação de meios de desenvolvimento do autor, mantendo-se a expectativa defraudada pelo autor, tratando esta, portanto, como válida, e a máxima da conduta do autor como máxima que não pode ser norma. Entretanto, as coisas somente são tão simples, inclusive quase idílicas […], quando o autor, apesar de seu ato, ofereça garantia de que se conduzirá, em linhas gerais, como cidadão, quer dizer, como pessoa que atua com fidelidade ao ordenamento jurídico. (JAKOBS, 2009, p. 31-32).

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Já o inimigo é aquele indivíduo que, de forma sistemática, comete delitos, violando as normas penais, de modo que não oferece garantias de que irá se comportar de acordo com as normas sociais e penais. Em decorrência disso, esse indivíduo não possui o status de pessoa, de modo que não é sujeito de direitos, sendo que não lhe é assegurado nenhum tipo de garantia, devendo o Estado agir contra ele de maneira implacável. Assim, o inimigo é objeto de coação, devendo ser punido até mesmo pelos atos preparatórios de um delito.

[…] Pretende-se combater […] a indivíduos que em seu comportamento (por exemplo, no caso de delitos sexuais), em sua vida econômica (assim, por exemplo, no caso da criminalidade econômica, da crimialidade relacionada com as drogas e de outras formas de criminalidade organizada), ou mediante a sua incorporação a uma organização (no caso do terrorismo, na criminalidade organizada, inclusive já na conspiração para delinquir, […]), se tem afastado, provavelmente, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito, isto é, que não proporciona a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa. A reação do ordenamento jurídico, frente a esta criminalidade, se caracteriza […] pela circunstância de que não se trata, em primeira linha, da compensação de um dano à vigência da norma, mas da eliminação de um perigo: a punibilidade avança um grande trecho para o âmbito da preparação, e a pena se dirige à segurança frente a fatos futuros, não à sanção de fatos cometidos. (JAKOBS, 2009, p. 34). A esse respeito, Jakobs (2009, p. 47) refere, ainda, que:

Quem por princípio se conduz de modo desviado não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo. Esta guerra tem lugar com um legítimo direito dos cidadãos, em seu direito à segurança; mas diferentemente da pena, não é Direito também a respeito daquele que é apenado; ao contrário, o inimigo é excluído.

Diniz (2012, p. 117), lecionando sobre o tema, refere que “o inimigo deve ser guerreado pela reação penal”. Essa ação se torna legítima, notadamente porque “toma emprestado o sentido de proteção dos direitos do cidadão para operacionalizar essa guerra ao inimigo, para “excluir” aquele que não mais possui o status personae por perturbar a estabilidade das relações sociáveis mediante seu comportamento perigoso.”

Eugenio Raúl Zaffaroni (2006, p. 4) afirma que:

La esencia del trato diferencial que se depara al enemigo consiste en que el derecho le niega su condición de persona. Sólo es considerado bajo el aspecto de ente peligroso o dañino. Por mucho que se matice la idea, cuando se propone distinguir entre ciudadanos (personas) y enemigos (no personas), se hace referencia a humanos que son privados de ciertos derechos individuales en razón de que se dejó de considerarlos personas, y esta es la

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primera incompatiblidad que presenta la aceptación del hostis en el derecho con el principio del estado de derecho.

Ainda, para Ferrajoli (2007, p. 13) o inimigo deve ser punido pelo que ele é, e não pelo que faz. Assim, “El presupuesto de la pena no es la realización de un delito, sino una cualidad personal determinada en cada ocasión con criterios puramente potestativos como los de 'sospechoso' o 'peligroso'.”

Sobre a diferenciação entre inimigo e pessoa formulada por Jakobs, Diniz (2012, p. 97) refere que:

O que leva Jakobs a reposicionar pessoa e inimigo como centros de imputação no direito penal é o reconhecimento dos níveis de incompatibilidade entre um “direito penal iluminista” e uma “sociedade não-iluminista”, a necessidade de orientar a intervenção punitiva à prevenção e combate de perigos futuros, cujo ápice determina, em tese, a cisão entre direito penal do cidadão e direito penal do inimigo.(Grifos do autor)

A função da pena no Direito Penal do Inimigo, baseada na lógica de guerra, é eliminar o provável perigo causado pelo indivíduo que se encontra distante da ordem social. Desse modo, penalizar o inimigo nada mais é do que se livrar do perigo que ele representa, ou possa representar, à sociedade.

A pena é coação; é coação […] de diversas classes, mescladas em íntima combinação. Em primeiro lugar, a coação é portadora de um significado, portadora da resposta ao fato: o fato, como ato de uma pessoa racional, significa algo, significa uma desautorização da norma, um ataque a sua vigência, e a pena também significa algo; significa que a afirmação do autor é irrelevante, e que a norma segue vigente sem modificações, mantendo-se, portanto, a configuração da sociedade […] Entretanto, a pena não só significa algo, mas também produz fisicamente algo. […] Nesta medida, a coação não pretende significar nada, mas quer ser efetiva, isto é, que não se dirige contra a pessoa em Direito, mas contra o indivíduo perigoso. (JAKOBS, 2009, p. 22) (Grifos do autor)

Diniz (2012, p. 62-63), sobre a pena na teoria de Jaboks, refere que:

Qualquer que seja o caso, para Jakobs o conceito de pena esteve sempre atrelado à ordem. Toda ordem delineia um conjunto de normas, que devem conservar certa estabilidade para permitir a realização das interações sociais livre de perturbações. O problema da pena aporta em Jakobs como um problema de natureza normativa, que se dirige à reposição da ordem perturbadora. A pena demonstra a medida necessária à preservação da estabilidade normativa afetada, o que permite conceituá-la “reação à quebra da norma”. (Grifos do autor)

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Diniz (2012, p. 73) prossegue dizendo que “a pena é a reação ao conflito, operacionaliza-se e ganha sentido a partir da quebra da norma […] só há necessidade de pena se o autor desperta a incompatibilidade com as expectativas normativas […]”.

Para Jakobs (2009, p 68), a necessidade da adoção desses dois modelos de intervenção punitivista ocorre porque não existem outras alternativas para enfrentar determinadas formas da criminalidade, em especial, aquelas exercidas por grupos terroristas ou por organizações criminosas.

Por fim, Valente (2010, p. 65) leciona que:

[…] o Direito penal do inimigo carece de fundamento dogmático porque: todo e qualquer Direito se funda no caráter histórico e relativo dos conteúdos materiais das ordens ético-sociais e, neste sentido, opõe-se à ideia de exclusão dos indivíduos como se fossem inimigos; o Direito penal do inimigo não se dirige à pessoa normativa, mas à pessoa empírica – de carne e osso, dotada de personalidade e de dignidade – , sendo inaceitável uma construção dogmática punitiva que trate o agente do crime como coisa ou não-pessoa; e, ainda, o valor da dignidade da pessoa humana, cujo respeito se impõe e cuja garantia se exige contra a coação estatal, apresenta-se como reduto inultrapassável e incompatível com um Direito penal do inimigo.(Grifos do autor)

Assim, de uma maneira simplória, como se percebe, a teoria do Direito Penal do Inimigo, formulada pelo professor alemão Günther Jakobs, não se mostra legítima, notadamente porque rechaça, a qualquer preço, a condição de pessoa humana dos indivíduos visto como inimigos.

1.2 A antecipação da intervenção do Direito Penal e o Terrorismo

Como referido anteriormente, a fim de tranquilizar a sociedade frente as novas formas de criminalidade, bem ainda com o intuito de dar uma resposta imediata à megacriminalidade, o Direito Penal é visto pelo legislador como um grande aliado, razão pela qual passa por um processo de expansão ao criar novas normas penais, ou, até mesmo ao enrijecer as penas das normas já existentes. Tudo isso ocorre com um único objetivo: atender os anseios da sociedade por segurança.

Para Diniz (2012, p. 169) é a partir da conceituação formulado por Jakobs de pessoa e inimigo que parte a antecipação da incriminação:

(21)

[…] a observação dos conceitos de pessoa e inimigo sugere como ponto de partida o sentido operacional de descrição das estruturas normativas de antecipação da incriminação de comportamentos que autorizam a destituição (cognitiva) da personalidade, como medida tanto de auto-compreensão de direito perante a sociedade quanto de comunicação de repressividade típica de prevenção de perigos futuros.

Diniz (2012, p. 202), refere, ainda, que:

A cronologia do conceito de inimigo, por sua vez, permitiu concluir pelo potencial descritivo das estruturas normativas de antecipação da reação penal à realização de conduta típica, em face de “fonte de perigo” – o inimigo do bem jurídico, ou objeto de proteção normativa.

Inimigo nato, nos ensinamentos de Jakobs (2009, p. 35), terrorista é a “[…] denominação dada a quem rechaça, por princípio, a legitimidade do ordenamento jurídico, e por isso persegue a destruição dessa ordem.”

Aos terroristas não existem garantias, de forma que, para Jakobs (2009, p. 64) “é preciso privar o terrorista precisamente daquele direito do qual seus planos abusam, quer dizer, especificamente, o direito a liberdade de conduta.

Dessa maneira, por serem considerados delinquentes de notável periculosidade, aos terroristas não se aplicam a expectativa normativa, mas sim a cognitiva. Isso porque, como eles não apresentam um comportamento correto frente ao ordenamento jurídico, são considerados problemas de segurança pública, ou seja, fontes de perigo.

Uma expectativa normativa dirigida para uma determinada pessoa perde sua capacidade de orientação quando carece do apoio cognitivo prestado por parte desta pessoa. Neste caso […] a expectativa normativa é substituída pela orientação cognitiva, o que significa que a pessoa – a destinatária das expectativas normativas – muda para converter-se em fonte de perigo, em um problema de segurança que deve abordar-se de modo cognitivo. (JAKOBS, 2009, p. 57).

Para Jakobs (2009, p. 51-52) as leis que tratam sobre o combate ao terrorismo, na verdade

[…] tratam-se de Leis penais, e a pena, como se sabe, não se aplica ao terrorismo, mas sim aos terroristas. No entanto, como mostra a denominação das Leis em questão, a punição dos terroristas é somente uma meta intermediaria, não o objetivo principal do legislador. Parece claro que, através do castigo dos terroristas, pretende-se combater o terrorismo em seu conjunto, quer dizer, a pena é um meio para um fim policial, um passo na luta pela segurança [...]

(22)

Nesse sentido, sobre o Direito Penal aplicado aos terroristas, Jakobs (2009, p. 60-62) afirma que:

[…] o Direito Penal dirigido especificamente contra terroristas tem, no entanto, mais o comprometimento de garantir a segurança do que o de manter a vigência do ordenamento jurídico, como cabe inferir do fim da pena e dos tipos penais correspondentes. O Direito Penal do cidadão e a garantia da vigência do Direito mudam e converter-se em – agora vem o termo anatemizado – Direito Penal do inimigo, em defesa frente a um risco. […] a “luta” contra o terrorismo não é somente uma palavra, mas sim um conceito. Trata-se de uma empresa contra inimigos.

A finalidade da pena a ser aplicada aos terroristas é diferente daquela aplicada a um delinquente que não possua periculosidade em grau de evidência como a dos terroristas. Nesse sentido, Jakobs (2009, p. 59) aduz que:

[…] No caso normal do delito, a pena é uma espécie de compensação que é executada necessariamente à custa da pessoa do delinquente: a pena é contradição – isso é evidente – é infligir a dor, e esta dor é medida de tal modo que o apoio cognitivo da norma infringida não sofra pelo fato cometido.

No que diz respeito a sanção aplicada aos terroristas, Diniz (2012, p. 123), citando Jakobs, refere que “[…] a punição dos terroristas é apenas um objetivo intermediário, e não a preocupação principal do legislador; é evidente que por meio da punição dos terroristas é o terrorismo como um todo que deve ser combatido.”

Diniz (2012, p. 124) prossegue referindo que:

Situada no contexto de combate ao terror, a pena permanece com a qualidade essencial de preservação da congruência normativa do ordenamento, comunicando reação “a déficit anterior de segurança cognitiva a ser suprido” […] parece que o caminho preferencial para a repressividade para ele seria a elaboração de um sistema jurídico-penal estabilizador, levando as medidas de segurança ao plano da comunicação, de tal forma que aos apelos da sociedade insegura se responderia com a possibilidade de cognição da segurança, verdadeira força de contenção das organizações para o crime. (Grifos do autor)

Ferrajoli (2007, p. 11-12), sobre o tema, leciona que:

La etiqueta “terrorismo”, como sinónimo de pulsión homicida irracional, sirve para caracterizar al enemigo como no-humano, no-persona, que no

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merece ser tratado con los instrumentos del derecho ni con los de la política. Es el vehículo de una nueva antropología de la desigualdad, marcada por el carácter tipológicamente criminal, demencial e inhumano, associado al enemigo, y, de este modo, también de una nueva y radical asimetría entre “nosotros” y “ellos”.

Como se percebe, o Direito Penal do Inimigo está intimamente ligado à ira da sociedade, notadamente porque procura-se punir de qualquer maneira o inimigo. Diante disso, e após os episódios do 11 de setembro de 2001, ocorridos em Nova Iorque, Jakobs passa a defender a necessidade da consolidação do Direito Penal do Inimigo.

Dessa maneira, resta claro que está cada vez mais em voga a antecipação da intervenção do Direito Penal para combater o terrorismo, bem como a influência da proposta de Jakobs, a aplicação do Direito Penal do Inimigo, sobre o legislador pátrio, com o objetivo de combater a megacriminalidade, notadamente representada pelo terrorismo e organizações criminosas.

(24)

2 O TERRORISMO COMO CATEGORIA CENTRAL PARA A COMPREENSÃO DA EXPANSÃO DO DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO

Após vários atentados terroristas no mundo todo, os legisladores, a fim de dar uma resposta à essa megacriminalidade, bem como com o objetivo de tranquilizar a sociedade frente a essa nova forma de criminalidade, acabaram por expandir o Direito Penal ao criarem novas normas penais, ou, até mesmo enrijecer as penas das normas já existentes, atendendo os anseios da sociedade por segurança.

Nos ensinamentos de Wermuth (2014, p. 29-30):

[…] o terrorismo pode ser visto como um dos “novos riscos” que mais obrigou o Estado a se reinvestir nas suas funções eminentemente estatais, inclusive com limitações consideráveis ao exercício de determinadas liberdades públicas pelos cidadãos, por ocasião da colocação da segurança como uma das prioridades da agenda política. Ocorre que, paradoxalmente, o terrorismo também foi o responsável por ressaltar as falhas dos sistemas de proteção existentes e ampliar, consequentemente, o sentimento de insegurança em âmbito global.

Já Valente (2010, p. 83), em sua obra, assevera que:

O fenômeno do terrorismo proporcionou a crescente discursividade da segurança como valor único e primacial do Estado de direito: como se regressássemos ao Estado de direito formal. Não é este Estado que a CEDH, a CADH e a DUDH propugnam como centralidade da realização do ser humano: pugnam por um Estado de direito social material democrático.

Nesse sentido, Paulo César Busato (2006), citando Jakobs, sobre a expansão do Direito Penal, refere que:

Jakobs entende que a crítica permanente que se faz ao processo de expansão e a crescente violência da legislação penal deriva de uma confusão entre duas categorias distintas: a do cidadão e a do inimigo. “Dito de outro modo: quem inclui o inimigo no conceito de delinquente cidadão não deve se assustar se os conceitos de “guerra” e “processo penal” se mesclam”. Abre-se, então, ainda segundo Jakobs, a possibilidade de tratamento diferenciado [...]

Para Valente (2010, p. 69):

A dramatização e a politização da violência, em especial a violência terrorista ou a violência descarnada da desobediência civil qualificada de

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terrorista, gerou o retorno à concepção de um “delinquente-inimigo” como se a prevenção do crime se fundasse em uma lógica de “guerra ao crime” demolidora de uma verdadeira politique, que não se esgota nas “dimensões avassaladoras” e no “flagelo que constitui a criminalidade organizada”. Este “retrocesso a casa” ou retrocesso vem embebido de uma “cultura de segurança”, típica da “sociedade de risco” e da “sociedade do bem-estar”.

Por essas razões, em prol do bem-estar social e por uma falsa sensação de segurança, a sociedade passa a exigir do Estado uma resposta imediata para o fenômeno das novas formas de criminalidade, em especial, ao terrorismo. Ocorre, assim, a expansão do Direito Penal. Valente (2010, p. 24) leciona que:

Os anseios de um Direito penal de exclusão do delinquente da sociedade – porque são seu inimigo e estranho – em crimes como os de terrorismo ou de dimensão espetacular ou enquadrada na criminalidade organizada transnacional ganha forma jurídica em ordenamentos jurídicos em que o Direito penal só existe para tutelar os bens jurídicos e não a liberdade das pessoas. (Grifos do autor)

Em razão de uma possível ameaça de perigo, a sociedade começa a exigir do Direito Penal uma proteção, de maneira preventiva, com o intuito de combater o suposto crime, ou o suposto criminoso. Desse modo, o Direito Penal não tutela mais a liberdade dos cidadãos, tutela, agora, unicamente os bens jurídicos.

Nesse sentido, Valente (2010, p. 69):

Face ao perigo, à ameaça e ao risco – conhecido e desconhecido (cognitivo ou real) – a sociedade exige ao Direito penal uma tutela preventiva, permitindo-lhe socorrer-se de um arsenal material e processual de “armas” de combate ao crime e de repressão de toda e qualquer violência, em que a “criminalidade de massa é o cadinho de uma política criminal populista” adequada a manipular o medo comunitário.

Ao atender os incessantes anseios da sociedade por segurança, o Estado passa a ter uma dimensão individualista, bem como uma dimensão punitivista, de modo que o aumento das exigências da população por segurança acaba relativizando a liberdade e as garantias dos indivíduos. Nesse diapasão, Valente (2010, p. 70) assevera que:

A segurança emerge como prioridade da ação pública, assim como trazem ao centro da discussão os elementos da essencialidade da criminalização de condutas, agravam a punibilidade de outras condutas já tipificadas como crime e reforçam a restrição dos direitos, liberdades e garantias fundamentais pessoais como o desenvolvimento de um sistema de justiça criminal

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autoritário de raiz estado-unidense e britânico: perigosidade e segurança.

(Grifos do autor)

Nesse sentido, verifica-se nas políticas de segurança resquícios da teoria do Direito Penal do Inimigo, notadamente porque busca-se punir fatos futuros, que possam acontecer, com o objetivo de mostrar total controle sobre a situação enfrentada. Assim, Wermuth (2014, p. 50) leciona que:

[..] as políticas de segurança contemporâneas são assentadas em uma lógica paranoica de controle total sobre uma ameaça futura e de ataques preventivos contra ela: “a perspectiva de um ato terrorista assustador é hoje evocada para justificar incessantes ataques preventivos”, razão pela qual se pode afirmar que “o estado em que vivemos hoje, da ‘guerra ao terror’, é o estado da ameaça terrorista eternamente suspensa”.

De efeito, é em decorrência disso que passa-se a defender a aplicação do Direito Penal do Inimigo, atuando-se antes mesmo do crime acontecer, rechaçando a condição de pessoa dos cidadãos e, consequentemente, os seus direitos.

Para Valente (2010, p. 62):

As novas ameaças e os novos perigos – características da Sociedade de Risco – estão a colocar em causa o Direito penal comum e a legitimar a defesa de um Direito penal do inimigo, fundado na dogmática do Direito penal do autor, cuja responsabilização penal não se prende com o fato praticado, mas com a ideia de que como é um ser não integrado no sistema do estado de legalidade, de que deve ser visto como um inimigo porque representa um perigo, uma ameaça, um risco à sociedade não real, mas cognitiva.

Assim, surge o inimigo, aquele que deve ser combatido com todos os tipos de armas, que deve ser retirados seus direitos e garantias penais e processuais penais, em prol da (in)segurança da sociedade.

Nesse sentido, Valente (2010, p. 64) leciona que:

Em prol da diminuição ou da inocuização do perigo e da ameaça à segurança cognitiva e à paz jurídica e social, admite-se e assiste-se à barbárie e à humilhação do inimigo metamorfoseando-o em não-pessoa, em coisa e em

objeto passível de todos os atos animalescos e bárbaros possíveis com o

fundamento de que se procura descobrir a verdade material e realizar a justiça humana. A deslegitimação de um Direito penal do inimigo enraíza-se,

ab initio, na ideia de que não é legítimo ao Estado usar das mesmas armas

que os criminosos sob pena de, a determinado momento, não distinguirmos qual dos dois é o criminoso: se o inimigo, se o Estado. (Grifos do autor)

(27)

Com o inimigo declarado, o mesmo deve ser combatido, através da lógica de guerra. Sem direitos. Sem garantias. Apenas combatido. Afinal, ele não apresenta garantias às normas penais, de modo que não possui mais o seu status de pessoa, não devendo ser tratado como uma.

Valente (2010, p. 75) assevera, que, do ponto de vista do Direito Penal do Inimigo, os conceitos de segurança e perigosidade “implicam a inocuização ou neutralização daquele em um momento prévio à lesão efetiva ou à efetividade do perigo de lesão a qualquer bem jurídico”.

É em decorrência disso que, para Valente (2010, p. 65) não há que se falar em aplicação do Direito Penal do Inimigo, visto que:

Se o terrorista, o traficante de armas, o traficante de droga, o traficante de seres humanos ou de órgãos humanos são inimigos da comunidade e se devemos atuar belicamente, não faz sentido falar de Direito penal do inimigo, mas do Direito da Guerra e aplicar aos prisioneiros de guerra a Convenção de Genebra. Esta é a lógica mais lúcida e simples que qualquer cidadão devia tecer na sua mente, antes de defender qualquer trituração da dignidade da pessoa humana. (Grifos do autor)

Por tais razões, Valente (2010, p. 71), em sua obra, faz dura crítica ao Direito penal e ao legislador:

Será que os desafios lançados ao Direito penal da pós-modernidade ainda não conduziram o olhar do legislador a alcançar a dimensão frágil do ser humano e de que a opção por um Direito penal belicista é a manifestação da falácia do Estado de direito material democrático e da inversão da concepção de Estado que passa a ser um fim em si mesmo e não um fim de proteção do ser humano e da humanidade? O Direito penal não pode abandonar a ideia de ser humano como indivíduo e como ser comunicável social inato, cujo exercício da liberdade se materializa em uma intercomunicabilidade e

intersubjetividade com o exercício da liberdade dos demais. O Direito penal

é uma manifestação de liberdade e afirmação do ser humano como pessoa digna de igualdade de tratamento seja ou não delinquente. Mesmo que seja um terrorista. Esta acepção de intercomunicabilidade do ser leva-nos à intersubjetividade do dever ser e, consideramos, só esta relação lógico-matemática e axiológica admite a construção de um Direito penal centrado na culpabilidade e na humanidade como dois oximoros magnéticos da construção da legalidade e da reintegração ou tratamento ou reeducação para o direito, melhor, para a convivência harmoniosa social. (Grifos do autor) Valente (2010, p. 82-83) segue afirmando que “o Direito penal não é nem deve ser um Direito de necessidade, mas um Direito de liberdade.” Desse modo, essa afirmação, para o

(28)

autor, só é possível quando as normas penais, materiais e processuais, estiverem em harmonia. Estando as normas em harmonia, não existirá crimes impunes, nem vítimas indefesas, “de modo que, realizando-se a justiça com a descoberta da verdade material e judicial válida, se alcance a paz jurídica.”.

Desse modo, a função do Direito Penal não pode se esgotar apenas na segurança e na perigosidade, sob pena de se estar agindo antes dos fatos acontecerem, ou até mesmo de agir sobre aqueles indivíduos que possuem características físicas e psíquicas determinadas que possam colocar em risco a paz social e jurídica.

Sobre a função do Direito Penal, Valente (2010, p. 84-85) assevera que:

A função do Direito penal é uma função de equilíbrio entre proteção de

bens jurídicos dignos de tutela penal – proteção do cidadão contra quaisquer

lesões ou concretos perigos de lesão e a consequente proteção da comunidade política e jurídica – e a defesa do delinquente (de todo o

delinquente) face ao arsenal estatal punitivo – respeito pelos valores

fundantes do Estado de direito e democrático. Esta acepção jurídico-dogmática, doutrinada por um política criminal humanista e de garantismo, assume e dá legitimidade ao Direito penal. (Grifos do autor)

Ainda sobre a função do Direito penal, Valente (2010, p. 85-86) segue lecionando que:

A função do Direito penal por nós construída e defendida não esquece a função de equidade inerente a todo o Direito assente em uma tetralogia ferrajoliana: legitimidade, validade, vigência e efetividade. A função de equilíbrio imposta por um Direito penal humanista e de garantismo evita a aniquilação dos pólos contraditórios ou dos oximoros: demasiada proteção da sociedade por meio da super tutela de bens jurídicos gera a inocuização ou aniquilação do membro da comunidade que não agiu conforme o Direito; e a desmedida ou ilimitada proteção ou a intocabilidade do cidadão que lesionou ou colocou em perigo de lesão bens jurídicos individuais, supra individuais e difusos gera o caos societário e a nihilificação de todos os direitos e liberdades. Impõe-se, na construção do novo Direito penal face às (novas) ameaças e riscos do novo mundo, a assunção da concordância

prática como princípio da afirmação do ser humano: pessoa detentora de

direitos e deveres. (Grifos do autor)

No entendimento de Valente (2010, p. 90), sendo o Direito Penal um direito de liberdade, “a liberdade, como direito e princípio, é, em si e por si, a fonte legitimadora e limitadora do Direito penal”. Nesse sentido, não é possível falar do Direito Penal do Inimigo, notadamente porque essa não admite “construções estigmatizantes do Direito, quer de Direito penal do cidadão quer de Direito penal do inimigo, uma vez que uma concepção pressupõe a

(29)

existência do outro e se auto estigmatizam.” É por isso que, para o autor, o Direito Penal do Inimigo “é uma construção de deslegitimação jurídica e sociológica”.

Partindo-se dessas premissas da função do Direito Penal, resta evidente que ela não tem vez na dogmática, formulada por Jakobs, do Direito Penal do Inimigo, a qual é personificada nos terroristas, traficantes de drogas, traficantes de seres humanos, corruptos, exploradores sexuais, enfim, por todos aqueles estigmatizados pelo sistema.

2.1 As medidas punitivas implementadas no período pós-11 de setembro de 2001

Como se percebe, o Direito Penal do Inimigo está intimamente ligado à ira da sociedade, notadamente porque procura-se punir de qualquer maneira o inimigo. Diante disso, e após os episódios terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, a teoria de Jakobs ganhou forças, haja vista que passou-se a defender a necessidade da consolidação desse Direito Penal.

Sobre as consequências dos atentados terroristas, Wermuth (2014, p. 28) leciona que:

Os atentados terroristas que ocorreram em grandes centros urbanos no início do novo milênio – particularmente os ataques em Nova Iorque, em 2001, e em Madri, em 2004 – deflagraram sinais de alerta nas políticas de segurança dos mais diversos países, suscitando a discussão sobre a capacidade dos poderes públicos em dar respostas efetivas a esses problemas. Invariavelmente, os discursos de enfrentamento ao que se convencionou chamar de “terrorismo internacional” perpassam pela necessidade de relativização dos limites da dominação que pode ser exercida pelos órgãos estatais. A flexibilização de garantias como, por exemplo, o direito à liberdade e à intimidade, passou a ser tolerada e até mesmo defendida como imprescindível em nome da eficácia que o “combate” ao terrorismo requer.

Nesse sentido, vem à baila a teoria do Direito Penal do Inimigo que ganhou forças, como já referido, após os episódios ocorridos em Nova Iorque, em 11 setembro de 2001, conforme leciona Valente (2010, p. 63):

Esta teoria ganhou força com os atentados do 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, que passou a considerar todos os que não perfilham dos valores republicanos e democratas ocidentais como potenciais focos de ameaça e de perigo sobre os quais o Direito penal deve intervir com todas as armas ao seu dispor, inclusive com a desnudificação de todos os direitos, liberdades e garantias processuais penais e, caso seja necessário, recorrer a todos os métodos de obtenção de prova – v. g., Patriot Act e o manual de tortura – adequados não a descobrir a verdade, mas uma verdade que sirva de

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apaziguamento da comunidade e de restituição cognitiva da paz jurídica e social.

Com relação aos atentados de 11 de setembro de 2001, Zaffaroni refere que (2006, p. 22):

El 11 de septiembre de 2001, ese sistema penal encontró un enemigo de cierta entidad en el llamado terrorismo. Al mismo tiempo, tomó prestada la prevención del discurso penal legitimante y pretendió presentar como preventiva la guerra contra Irak. Como nunca antes, se descarna la identidad del poder bélico con el punitivo en una desesperada búsqueda del enemigo.

Ainda, para Zaffaroni (2006, p. 22):

La carencia de prejuicios previos sobre los que sea permitido fabricar un nuevo enemigo sólo puede ser compensada con un hecho aterrador y, a este efecto, fue funcional el atentado de septiembre de 2001 para individualizar a un enemigo creíble. A partir del hecho concreto y cierto de muerte masiva e indiscriminada, se construye la nebulosa idea de terrorismo, que no alcanza definición internacional y, por ende, abarca conductas de muy diferente gravedad, pero justifica medidas represivas que permiten retomar la vieja estructura inquisitorial y alimentarla con nuevos datos, [...]

Sobre os atentados terroristas, ocorridos em Nova Iorque, em setembro de 2001, Wermuth (2010) leciona que eles são “considerados como o estopim dessa nova doxa do medo [referindo-se ao medo gerado pelas novas formas de criminalidade], uma vez que expuseram ao mundo a sua própria fragilidade”.

Acerca do tema, Wermuth (2014, p. 32) refere que:

[…] o medo, compreendido como sentimento de vulnerabilidade, converteu-se em um condicionante importante das políticas de converteu-segurança, converteu-sendo utilizado como escusa perfeita para evitar a perda de velocidade de projetos neoliberais hegemônicos. Criaram-se “inimigos” com o objetivo único de eliminar toda resistência às estratégias das posições dominantes. Com efeito, antes de terem efetivamente inaugurado uma “nova era” da política internacional, os eventos de 11 de setembro de 2001 apenas trouxeram à tona processos que já se alastravam há longa data no cenário político. Muitas das medidas securitárias adotadas após os atentados foram gestadas muito antes de eles acontecerem. O que faltava para elas emergirem era apenas um bom pretexto. E a “guerra ao terrorismo” constituiu uma justificativa perfeita.

Wermuth (2014, p. 31) leciona, ainda, que as “consequências destes eventos terroristas na seara jurídico-penal, a tragédia envolvendo as torres gêmeas em Nova Iorque pode ser vista como o estopim de uma nova doxa punitiva, pautada pela noção de guerra.”

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Referindo-se a Jakobs, que defende uma guerra contra o terrorismo, com a aplicação da sua teoria do Direito Penal do Inimigo, Valente (2010, p. 92) leciona que:

[…] JABOKS defende que o Direito penal do Estado de direito material e democrático não é capaz de prevenir e fazer frente a determinada criminalidade: criminalidade organizada, em especial o terrorismo. Os agentes dessa criminalidade, que ameaçam a sociedade liberal de um Estado liberal, devem ser tratados como não-pessoas, como inimigos, como coisas. Só mantêm o direito de serem tratados como pessoas aqueles que tenham comportamento de pessoas, mesmo que delinquam.

Desse modo, passa-se a defender a aplicação do Direito Penal do Inimigo aos, em tese, terroristas, haja vista que é necessário apenas suspeitas de que um indivíduo possa ser ou faça parte de uma organização terrorista. Havendo, desse modo, meras suspeitas, esse indivíduo recebe tratamento diferenciado, visto que não possui mais o status de pessoa, tampouco o de sujeito de direitos.

Para Wermuth (2014, p. 79) “a categoria “Direito Penal do Inimigo” cunhada por Jakobs talvez seja a melhor ferramenta conceitual para a compreensão da nova doxa punitiva que surge como decorrência do estado de guerra global.

Sobre o tratamento que é dado aos terroristas, Valente (2010, p. 63) aduz que:

[…] o suposto terrorista fica preso por tempo indeterminado sem objeto criminal identificado ou determinado processualmente, sem direito de defesa, sem direito a habeas corpus, sem direito a qualquer garantia processual penal, sem direito ao respeito pelos direitos mínimos da personalidade, sem direito a ser julgado por um tribunal subordinado ao juiz natural […]

Nos Estados Unidos da América, como ensina Valente (2010, p. 99), após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2011,

[…] para a prevenção e combate ao terrorismo, foi aprovado o Patriot Act que consagra a desedificação da pessoa como sujeito de direitos e de deveres em prol da descoberta da verdade e da implementação da paz pública americana: admite a tortura, a privação ilimitada da liberdade sem decisão judicial ou culpa formada, supressão de todas e quaisquer garantias processuais penais, criação de tribunais especiais militares para questões de crime, cancelamento de habeas corpus e a violação de todos os direitos, liberdades e garantias com fundamento na guerra ao terrorismo.

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Necessário se faz referir que USA Patriot Act, trata-se de uma lei criada logo após os atentatos terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, pelos Estados Unidos da América, com o intuito de combater o terrorismo, que levou a assinatura do então presidente na época, George W. Bush.

O USA Patriot Act, nas palavras de Wermuth (2014, p. 93), trata-se de um “modelo emblemático de um modelo de Direito Penal assentado na lógica na inimizade”, notadamente porque “é cada vez maior utilização da tortura com o objetivo de obter confissões por parte dos denominados 'inimigos combatentes' e, reflexamente, criar intimidação geral”.

Sobre o USA Patriot Act, cabe salientar ainda que, como leciona Wermuth (2014, p. 37):

Um detalhe que chama a atenção, no texto, é a forma pouco clara como é feita a definição de que são atos considerados terroristas, uma vez que a natureza terrorista das infrações é ligada à intenção do autor e ao seu objetivo político de intimidar ou constringir o poder institucional, noções essas bastante vagas e sujeitas à discricionariedade, portanto, do agente que as aplica, o que representa um claro exemplo de uma legislação de emergência, típica de um estado policialesco. Daí a possibilidade de as autoridades, à luz da normativa, disporem do poder de prender e reter por tempo indeterminado estrangeiros suspeitos de contato com grupos terroristas. Além disso, o documento em questão autoriza “legalmente” inúmeras violações de liberdades civis, a exemplo do sigilo de correspondência e e-mails, de conversas telefônicas, dados bancários, registros médicos, etc.

Nesse sentido, Valente (2010, p. 100), sobre a guerra ao terrorismo, refere que:

Se estamos em guerra não se aplica o Direito penal, mas a Convenção de Genebra, que tutela a vida e a integridade física e demais direitos elementares de subsistência dos prisioneiros de guerra. Mas, se estamos no quadro da prevenção dos crimes da tipologia terrorismo aplica-se o Direito penal material processual penal dotado de todas as garantias jus constitucionais e legais. Os suspeitos de crimes de terrorismo são pessoas – seres humanos – e têm de ser tratados como seres humanos dotados com igualdade em dignidade.

Para Valente (2010, p. 53) os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 atingiram o efeito desejado por seus autores, notadamente porque este evento gerou “a incerteza da segurança em qualquer lugar e em qualquer minuto”, de modo a “promover a paneonomia emergente da teoria do perigo terrorista.”

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No mesmo sentido, Wermuth (2014, p. 32) assevera que “ao declarar “guerra ao terrorismo”, os Estados Unidos não fizeram outra coisa senão negar de forma absoluta a sua vulnerabilidade, exposta pelos atentados.

Em razão disso, Valente (2010, p. 54) segue defendendo que:

Esta realidade de insegurança permanente e de perigo de crimes de terrorismo não pode ser vista como fundamento para mudança de paradigma penal. Não se pode confundir aumento de cientificidade da investigação criminal para uma ação penal mais eficaz e estabelecedora da paz jurídica, com o corte radical dos valores consagrados e proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) […] A mudança de paradigma penal – de converter o cidadão em inimigo ou coisa pelo processo da despersonalização – e retroceder à vivificação do Direito penal de autor, negando a condição de pessoa ao cidadão e atribuir-lhe a condição de inimigo – não-pessoa – que deve ser aniquilado, destrói a teleologia da proclamação da DUDH […] Negar a condição de pessoa a um traficante de drogas, a um terrorista, a um traficante de seres humanos, a um traficante de armas, é negar não só o Direito penal humanista ou do cidadão, como também o Direito como assunção do dever-ser na realização do ser. (Grifos do autor)

A esse respeito, Valente (2010, p. 55) leciona que a punição aos terroristas “não pode ser um ato de vingança, mas antes um ato de justiça, praticado de acordo com as regras e procedimentos do direito” (Grifos do autor).

Valente (2010, p. 100) afirma que:

[…] o fenômeno do terrorismo serviu de base para a implementação de uma

esquizofrenia belicista do sistema integral penal, gerando a tese da criação

de um Direito penal do inimigo […] que consideramos ser mais a implementação de um sistema integral penal do inimigo devido à desorganizada e desorientada (ou inexistente) política criminal. A política criminal em curso não se centra no rosto dos seres humanos. O Direito penal de um Estado de direito e democrático assenta na dignidade da pessoa humana […] não se identifica com qualquer qualificação dogmática geradora da negação do ser humano como pessoa, mas com um qualificação dogmática de Direito penal da humanidade: é um Direito penal do ser humano. (Grifos do autor)

Verifica-se, pelo que foi aqui exposto, que os atentados terroristas ocorridos no mundo, em especial, o atentando contra as Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, foram considerados o estopim para o início da “guerra” contra o terrorismo, de modo que o Direito Penal do Inimigo passou a ganhar mais evidencia, ao lecionar o trato aos inimigos, neste caso, os terroristas.

Referências

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in the α-channel (see Figure 4. In other words, this suggests a small feature that is not detected by SY II and SY NS , thus appearing continuous in the red- and α-channels. 4: