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TRABALHO ESTRANHADO* (Extrato)

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TRABALHO ESTRANHADO*

(Extrato)

Karl Marx**

|XXII| Partimos dos pressupostos da e c o n o m i a nacional. Acei­ t a m o s sua l i n g u a g e m e suas leis. S u p u s e m o s a p r o p r i e d a d e privada,

* O presente texto é um fragmento (parte final do primeiro dos manus­ critos) dos chamados Manuscritos econômico-filosóficos (Ökono­

misch-philosophische Manuskripte), escritos por Marx entre março e

setembro de 1844, em Paris. O "trabalho estranhado" é uma bem ela­ borada reflexão sobre o lugar do trabalho na composição da sociali­ dade humana, e de como tal composição se reequaciona a partir da transformação do trabalho em elemento subordinado à troca e à pro­ priedade privada. Nesta tradução optamos por chamar de alienação (ou exteriorização) a palavra alemã Entäusserung, e de estranhamento a palavra Entfremdung. Somente a segunda tem o sentido forte e ne­ gativo atribuído em geral ao termo alienação, ao passo que exteriori­ zação significa atividade, objetivação, e é ineliminável do contexto histórico do fazer-se homem do homem, o que Marx deixa claro ao indicar o estranhamento como forma específica de exteriorização hu­ mana, especialmente sob o domínio do trabalho assalariado sob o ca­ pitalismo. A tradução completa desses Manuscritos para o português, ainda inédita no Brasil, está sob nossa responsabilidade, e será publi­ cada pela Boitempo Editorial. Texto extraído do original alemão: MARX, Karl. "Entfremdete Arbeit und Privateigentum", Ökono­

misch-philosophische Manuskripte, MEGA, I, 2, Berlim: Dietz Ver­

lag, 1982, p. 363-375.

** Tradução de Jesus Ranieri. Professor de Sociologia da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, campus de Bauru. Autor de A câmara escura. Alienação e estranhamento em Marx. São Paulo: Boitempo, 2001.

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a s e p a r a ç ã o de trabalho, capital e terra, i g u a l m e n t e do salário, lucro de capital e r e n d a da terra, da m e s m a forma q u e a divisão do tra­ b a l h o , a concorrência, o conceito de valor de troca, etc. A partir da e c o n o m i a nacional m e s m a , c o m suas próprias palavras, e x p u s e m o s q u e o trabalhador b a i x a (herabsinkt) à m e r c a d o r i a e à mais miserá­ vel mercadoria, q u e a miséria do trabalhador p õ e - s e na relação inversa da p o t ê n c i a (Macht) e g r a n d e z a (Grösse) da sua p r o d u ç ã o , q u e o resultado necessário da concorrência é a a c u m u l a ç ã o de ca­ pital em p o u c a s m ã o s , portanto a mais t r e m e n d a restauração do m o n o p ó l i o , q u e finalmente desaparece a diferença entre o capita­ lista e o rentista fundiário (Grundrentner), assim c o m o entre o agricultor e o trabalhador em manufatura, e toda a s o c i e d a d e tem de d e c o m p o r - s e nas duas classes dos proprietários e dos trabalha­

dores sem p r o p r i e d a d e .

A e c o n o m i a nacional parte do fato da p r o p r i e d a d e privada. N ã o nos explica o m e s m o . Ela p e r c e b e o processo material da proprie­ d a d e privada, o qual passa, na efetividade (Wirklichkeit), p o r fór­ m u l a s gerais, abstratas, q u e então a ela v a l e m c o m o leis. N ã o con­

cebe (begreift) estas leis, isto é, não m o s t r a c o m o t ê m o r i g e m na

essência da p r o p r i e d a d e privada. A e c o n o m i a nacional não nos dá e s c l a r e c i m e n t o a l g u m sobre o fundamento (Grund) da divisão entre trabalho e capital, entre capital e terra. Q u a n d o ela, por e x e m p l o , d e t e r m i n a a relação do salário c o m o lucro de capital, o q u e lhe vale c o m o razão última é o interesse do capitalista; ou seja, ela s u p õ e o q u e d e v e desenvolver. Do m e s m o m o d o , a concorrência entra p o r toda parte. É explicada a partir de circunstâncias exterio­ res. A t é q u e p o n t o estas circunstâncias exteriores, a p a r e n t e m e n t e casuais, são apenas a expressão de um d e s e n v o l v i m e n t o necessário, sobre isto a e c o n o m i a nacional n a d a nos ensina. V i m o s c o m o a t r o c a m e s m a aparece a ela c o m o um fato acidental. As únicas rodas q u e o e c o n o m i s t a político p õ e em m o v i m e n t o são a ganância e a

guerra entre os gananciosos, a concorrência.

J u s t a m e n t e p o r q u e a e c o n o m i a nacional n ã o c o m p r e e n d e a c o ­ n e x ã o d o m o v i m e n t o , ela p ô d e p o r isto n o v a m e n t e opor, por

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e x e m p l o , a doutrina da concorrência à doutrina do m o n o p ó l i o , a doutrina da liberdade industrial à doutrina da c o r p o r a ç ã o , a doutri­ na da divisão da p o s s e da terra à doutrina da g r a n d e p r o p r i e d a d e fundiária, p o i s concorrência, liberdade industrial, divisão da p o s s e da terra e r a m desenvolvidas e concebidas apenas c o m o c o n s e q ü ê n ­ cias acidentais, deliberadas, violentas, [e] não c o m o [conseqüênci­ as] necessárias, inevitáveis, naturais do m o n o p ó l i o , da c o r p o r a ç ã o e da p r o p r i e d a d e feudal.

A g o r a temos portanto q u e conceber a i n t e r c o n e x ã o essencial e n t r e a p r o p r i e d a d e privada, a ganância, a separação de trabalho, capital e p r o p r i e d a d e da terra, de troca e concorrência, de valor e desvalorização do h o m e m , de m o n o p ó l i o e concorrência, e t c , de t o d o este e s t r a n h a m e n t o {Entfremdung) c o m o sistema do dinheiro. N ã o nos d e s l o q u e m o s , c o m o [faz] o e c o n o m i s t a nacional q u a n ­ do quer esclarecer [algo], a um estado primitivo i m a g i n á r i o . Um tal estado primitivo n a d a explica. Ele s i m p l e s m e n t e e m p u r r a a questão para u m a r e g i ã o nebulosa, cinzenta. S u p õ e n a forma d a realidade

(Tatsache), do a c o n t e c i m e n t o , aquilo q u e d e v e deduzir, notada­

m e n t e a relação necessária entre duas coisas, p o r e x e m p l o entre divisão do trabalho e troca. A s s i m o teólogo explica a o r i g e m do mal p e l o p e c a d o original (Sündenfall), isto é, s u p õ e c o m o um fato, na forma da história, o q u e d e v e explicar.

N ó s partimos de um fato n a c i o n a l - e c o n ô m i c o , presente.

O trabalhador se torna tanto mais p o b r e q u a n t o mais riqueza p r o d u z , q u a n t o mais a sua p r o d u ç ã o a u m e n t a em p o d e r e extensão. O trabalhador se torna u m a m e r c a d o r i a tão mais barata q u a n t o mais m e r c a d o r i a s cria. C o m a valorização do m u n d o das coisas (Sa­

chenwelt) a u m e n t a em p r o p o r ç ã o direta a desvalorização do m u n ­

do dos h o m e n s (Menschenwelt). O trabalho não p r o d u z s o m e n t e m e r c a d o r i a s ; ele p r o d u z a si m e s m o e ao trabalhador c o m o u m a

mercadoria, e isto na m e d i d a em q u e p r o d u z , de fato, m e r c a d o r i a s

e m geral.

Este fato nada mais exprime, senão: o objeto (Gegenstand) q u e o t r a b a l h o p r o d u z , o seu produto, se lhe defronta c o m o um ser

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estranho, c o m o um poder independente do produtor. O p r o d u t o do

t r a b a l h o é o t r a b a l h o q u e se fixou n u m o b j e t o , f e z - s e c o i s a l

( s a c h l i c h ) , é a objetivação (Vergegenständlichung) do trabalho. A

efetivação (Verwirklichung) do trabalho é a sua objetivação. Esta efetivação do trabalho aparece ao estado n a c i o n a l - e c o n ô m i c o c o m o

desefetivação (Entwirklichung) do trabalhador, a objetivação c o m o perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação c o m o estra­

nhamento (Entfremdung), c o m o alienação (Entäusserung).

A efetivação do trabalho tanto aparece c o m o desefetivação que o trabalhador é desefetivado até m o r r e r de fome. A objetivação tanto aparece c o m o p e r d a do objeto q u e o trabalhador é despojado dos objetos mais necessários não s o m e n t e à vida, mas t a m b é m dos objetos do trabalho. Sim, o trabalho m e s m o se torna um objeto, do qual o trabalhador só p o d e se apossar c o m os maiores esforços e c o m as mais extraordinárias interrupções. A apropriação do objeto tanto aparece c o m o e s t r a n h a m e n t o (Entfremdung) que, q u a n t o mais objetos o trabalhador p r o d u z , tanto m e n o s p o d e possuir e tanto mais fica sob o d o m í n i o do seu p r o d u t o , do capital.

Na determinação de que o trabalhador se relaciona c o m o produto

de seu trabalho c o m o [com] um objeto estranho estão todas estas

conseqüências. C o m efeito, segundo este pressuposto está claro: quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando (ausarbeitet), t ã o m a i s p o d e r o s o se t o r n a o m u n d o o b j e t i v o , a l h e i o (fremde) q u e ele cria diante de si, tão mais p o b r e se torna ele m e s m o , seu m u n d o interior, [e] tanto m e n o s [o trabalhador] pertence a si próprio. É do m e s m o m o d o na religião. Q u a n t o mais o h o m e m p õ e em D e u s , tanto m e n o s ele r e t é m em si m e s m o . O trabalhador encerra a sua vida no objeto; m a s agora ela não pertence mais a ele, m a s sim ao objeto. P o r conseguinte, q u ã o m a i o r esta atividade, tanto mais sem-objeto é o trabalhador. Ele não é o q u e é o p r o d u t o do seu trabalho. P o r t a n t o , q u a n t o m a i o r este p r o d u t o , tanto m e n o r (weniger) ele m e s m o é. A exteriorização (Entäusserung) do trabalhador em seu p r o d u t o t e m o significado n ã o s o m e n t e de q u e seu trabalho se torna um objeto, u m a existência externa (äussern), m a s sim q u e existe

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fora dele (ausser ihm), i n d e p e n d e n t e de e estranha a ele, t o r n a n d o

-se u m a p o t ê n c i a (Macht) a u t ô n o m a frente a ele, [significa] q u e a vida q u e ele c o n c e d e u ao objeto se lhe defronta hostil e estranha.

|XXIII| E x a m i n e m o s agora mais de perto a objetivação, a p r o ­ d u ç ã o do trabalhador, e nela o estranhamento, a perda do objeto, do seu p r o d u t o .

O trabalhador n a d a p o d e criar sem a natureza, s e m o mundo

exterior sensível (sinnliche). E l a é a matéria na qual o seu trabalho

se efetiva, na qual [o trabalho] é ativo, [e] a partir da qual e p o r m e i o da qual [o trabalho] produz.

M a s c o m o a natureza oferece o meio de vida, no sentido de q u e o trabalho n ã o p o d e viver s e m objetos nos quais se exerça, assim t a m b é m oferece, por outro lado, o meio de vida no sentido mais estrito, isto é, o m e i o de subsistência física do trabalhador m e s m o .

Q u a n t o mais, portanto, o trabalhador se apropria do m u n d o externo, da natureza sensível, p o r m e i o do seu trabalho, tanto mais ele se priva dos meios de vida s e g u n d o um d u p l o sentido: primeiro, q u e s e m p r e m a i s o m u n d o exterior sensível deixa de ser um objeto p e r t e n c e n t e ao seu trabalho, um meio de vida do seu trabalho; se­ g u n d o , q u e [o m u n d o exterior sensível] cessa, cada vez m a i s , de ser

meio de vida no sentido imediato, m e i o para a subsistência física

do trabalhador.

S e g u n d o este duplo sentido, o trabalhador se torna, portanto, um servo do seu objeto. Primeiro, porque ele recebe um objeto do

trabalho, isto é, recebe trabalho; e, segundo, porque recebe meios de subsistência. Portanto, para que p o s s a existir, em primeiro lu­

gar, c o m o trabalhador e, em segundo, c o m o sujeito físico. O auge desta servidão é q u e s o m e n t e c o m o trabalhador ele [ p o d e ]1

se m a n t e r c o m o sujeito físico e apenas c o m o sujeito físico ele é tra­ balhador.

1

Colchetes da edição alemã. O verbo auxiliar não foi adotado por Marx, ficando a correção a cargo do editor da publicação original que serve de base para esta tradução.

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(O e s t r a n h a m e n t o do trabalhador em seu objeto se expressa, pelas leis n a c i o n a l - e c o n ô m i c a s , em que quanto mais o trabalhador p r o d u z , m e n o s tem para consumir; q u e q u a n t o m a i s valores cria, mais s e m - v a l o r e i n d i g n o ele se torna; quanto m e l h o r formado o seu p r o d u t o , tanto mais deformado ele fica; quanto mais civilizado seu objeto, mais b á r b a r o o trabalhador; q u e q u a n t o mais p o d e r o s o o trabalho, mais i m p o t e n t e o trabalhador se torna; q u a n t o mais rico de espírito o trabalho, mais p o b r e de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador.)

A economia nacional oculta o estranhamento na essência do trabalho porque não considera a relação i m e d i a t a entre o t r a b a ­ l h a d o r (o trabalho) e a produção. S e m dúvida. O trabalho p r o d u z m a r a v i l h a s para os ricos, mas p r o d u z privação p a r a o trabalhador. P r o d u z palácios, m a s cavernas para o trabalhador. P r o d u z beleza, m a s d e f o r m a ç ã o p a r a o trabalhador. Substitui o trabalho p o r m á ­ quinas, m a s lança u m a parte dos trabalhadores de volta a um tra­ b a l h o bárbaro e faz da outra parte m á q u i n a s . P r o d u z espírito, mas p r o d u z i m b e c i l i d a d e , cretinismo para o trabalhador.

A relação imediata do trabalho com os seus produtos é a rela­ ção do trabalhador com os objetos da sua produção. A relação do

abastado c o m os objetos da p r o d u ç ã o e c o m ela m e s m a é s o m e n t e u m a conseqüência desta primeira relação. E a confirma. E x a m i n a ­ r e m o s m a i s tarde este outro aspecto. Se portanto p e r g u n t a m o s : qual a r e l a ç ã o essencial do trabalho, então p e r g u n t a m o s pela relação do

trabalhador c o m a p r o d u ç ã o .

A t é aqui e x a m i n a m o s o e s t r a n h a m e n t o , a exteriorização do tra­ b a l h a d o r sob apenas um dos seus aspectos, qual seja, a sua relação

com os produtos do seu trabalho. M a s o e s t r a n h a m e n t o não se

m o s t r a s o m e n t e no resultado, m a s sim no ato da produção, dentro da atividade produtiva m e s m a . C o m o p o d e r i a o trabalhador d e ­ frontar-se alheio (fremd) ao p r o d u t o da sua atividade se no ato m e s m o da p r o d u ç ã o ele não se estranhasse a si m e s m o ? O p r o d u t o é, sim, s o m e n t e o r e s u m o (Resume) da atividade, da p r o d u ç ã o . Se, p o r t a n t o , o p r o d u t o do trabalho é a exteriorização, então a p r o d u

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ção m e s m a t e m de ser a exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade da exteriorização. No e s t r a n h a m e n t o do o b ­ j e t o do trabalho r e s u m e - s e s o m e n t e o e s t r a n h a m e n t o , a exterioriza­ ção n a atividade d o trabalho m e s m o .

Em q u e consiste, então, a exteriorização (Entäusserung) do tra­ b a l h o ?

P r i m e i r o , q u e o t r a b a l h o é externo (äusserlich) ao t r a b a l h a d o r , isto é, n ã o p e r t e n c e ao seu ser, q u e ele n ã o se afirma, p o r t a n t o , e m seu t r a b a l h o , m a s n e g a - s e nele, q u e n ã o s e sente b e m , m a s infeliz, q u e n ã o d e s e n v o l v e n e n h u m a e n e r g i a física e espiritual l i v r e , m a s m o r t i f i c a sua P h y s i s e arruina o seu espírito. O traba­ l h a d o r só se sente, p o r c o n s e g u i n t e e em p r i m e i r o lugar, j u n t o a si [ q u a n d o ] fora do t r a b a l h o e fora de si [ q u a n d o ] no t r a b a l h o . E s t á e m casa q u a n d o n ã o t r a b a l h a e , q u a n d o t r a b a l h a , n ã o está e m casa. O seu t r a b a l h o n ã o é p o r t a n t o v o l u n t á r i o , m a s f o r ç a d o , tra­

balho obrigatório. O t r a b a l h o n ã o é, p o r isso, a satisfação de u m a

c a r ê n c i a (Bedürfnisses), m a s s o m e n t e um meio p a r a satisfazer c a r ê n c i a s (Bedürfnisse) fora dele. S u a e s t r a n h i d a d e (Fremdheit) e v i d e n c i a - s e aqui [de forma] tão p u r a q u e t ã o l o g o i n e x i s t a coer­ ção física o u o u t r a q u a l q u e r , foge-se d o t r a b a l h o c o m o d e u m a p e s t e . O t r a b a l h o e x t e r n o , o t r a b a l h o no qual o h o m e m se e x t e r i o ­ riza, é um t r a b a l h o de auto-sacrifício, de m o r t i f i c a ç ã o . F i n a l ­ m e n t e , a e x t e r n a l i d a d e (Äusserlichkeit) do t r a b a l h o a p a r e c e para o t r a b a l h a d o r c o m o [o trabalho] n ã o s e n d o seu p r ó p r i o , m a s de u m o u t r o , q u e [ o t r a b a l h o ] n ã o lhe p e r t e n c e , q u e ele n o t r a b a l h o n ã o p e r t e n c e a si m e s m o , m a s a um o u t r o . A s s i m c o m o na r e l i g i ­ ão a a u t o - a t i v i d a d e da fantasia h u m a n a , do c é r e b r o e do c o r a ç ã o h u m a n o s , atua i n d e p e n d e n t e m e n t e do i n d i v í d u o e s o b r e ele, isto é , c o m o u m a a t i v i d a d e estranha, d i v i n a o u diabólica, assim tam­ b é m a a t i v i d a d e do t r a b a l h a d o r n ã o é a sua a u t o - a t i v i d a d e . Ela p e r t e n c e a o u t r o , é a p e r d a de si m e s m o .

C h e g a - s e , por conseguinte, ao resultado de q u e o h o m e m (o tra­ b a l h a d o r ) só se sente c o m o [ser] livre e ativo em suas funções ani­ m a i s , comer, beber e procriar, q u a n d o muito ainda habitação,

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ador-nos, e t c , e em suas funções h u m a n a s só [se sente] c o m o animal. O a n i m a l se torna h u m a n o e o h u m a n o , animal.

C o m e r , b e b e r e procriar, e t c , são t a m b é m , é verdade, funções g e n u í n a [ m e n t e ] h u m a n a s . P o r é m , na abstração q u e as separa da esfera restante da atividade h u m a n a , e faz delas finalidades últimas e exclusivas, são a n i m a i s .

E x a m i n a m o s o ato do e s t r a n h a m e n t o da atividade h u m a n a prá­ tica, o trabalho, sob dois aspectos. 1) A relação do trabalhador c o m o produto do trabalho c o m o objeto estranho e p o d e r o s o sobre ele. E s t a relação é ao m e s m o t e m p o a relação c o m o m u n d o exterior sensível, c o m os objetos da natureza c o m o um m u n d o alheio que se lhe defronta hostilmente. 2) A relação do trabalho c o m o ato da

produção no interior do trabalho. Esta relação é a relação do tra­

b a l h a d o r c o m a sua própria atividade c o m o u m a [atividade] estra­ n h a não p e r t e n c e n t e a ele, a atividade c o m o miséria, a força c o m o i m p o t ê n c i a , a procriação c o m o castração. A energia espiritual e física própria do trabalhador, a sua vida pessoal - pois o q u e é vida senão atividade - c o m o u m a atividade voltada contra ele m e s m o , i n d e p e n d e n t e dele, n ã o pertencente a ele. O estranhamento-de-si

(Selbstentfremdung), tal qual acima o e s t r a n h a m e n t o da coisa.

| X X I V | T e m o s agora ainda u m a terceira d e t e r m i n a ç ã o do tra­

balho estranhado a extrair das duas vistas até aqui.

O h o m e m é um ser genérico (Gattungswesen), n ã o s o m e n t e q u a n d o prática e t e o r i c a m e n t e faz do gênero, tanto do seu próprio q u a n t o do restante das coisas, o seu objeto, m a s t a m b é m - e isto é s o m e n t e u m a outra expressão da m e s m a coisa - q u a n d o se relacio­ na c o n s i g o m e s m o c o m o [com] o gênero vivo, presente, q u a n d o se relaciona c o n s i g o m e s m o c o m o [com] um ser universal, [e] por isso livre.

A vida genérica, tanto no h o m e m q u a n t o no animal, consiste fi­ sicamente, em primeiro lugar, nisto: que o h o m e m (tal qual o ani­ mal) vive da natureza inorgânica, e q u a n t o mais universal o h o ­ m e m [é] do q u e o animal, tanto mais universal é o d o m í n i o da na­ tureza inorgânica da qual ele vive. A s s i m c o m o plantas, animais,

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p e d r a s , ar, luz, etc., f o r m a m teoricamente u m a parte da consciência h u m a n a , e m parte c o m o objetos d a ciência natural, e m parte c o m o objetos da arte - sua natureza inorgânica, m e i o s de vida espirituais, q u e ele t e m de preparar prioritariamente p a r a a fruição e para a digestão - , f o r m a m t a m b é m praticamente u m a parte d a vida h u m a ­ na e da atividade h u m a n a . F i s i c a m e n t e vive o h o m e m s o m e n t e destes p r o d u t o s da natureza, p o s s a m eles aparecer na forma de a l i m e n t o , a q u e c i m e n t o , vestuário, habitação, etc. Praticamente, a u n i v e r s a l i d a d e d o h o m e m aparece p r e c i s a m e n t e n a universalidade q u e faz da natureza inteira o seu corpo inorgânico, tanto na m e d i d a em q u e ela é 1) um m e i o de vida imediato, q u a n t o o objeto/matéria e o i n s t r u m e n t o de sua atividade vital. A natureza é o corpo inor­

gânico do h o m e m , a saber, a natureza e n q u a n t o ela m e s m a não é

corpo h u m a n o . O h o m e m vive da natureza, significa: a natureza é o seu corpo, c o m o qual ele t e m de ficar n u m p r o c e s s o contínuo para n ã o morrer. Q u e a vida física e mental do h o m e m está interconec­ tada c o m a natureza não tem outro sentido senão q u e a natureza está i n t e r c o n e c t a d a consigo m e s m a , pois o h o m e m é u m a parte da natureza.

Na m e d i d a em q u e o trabalho estranhado 1) estranha do h o m e m a natureza, [e] 2) a si m e s m o , sua própria função ativa, sua ativida­ de vital, estranha do h o m e m o gênero. F a z - l h e da vida genérica apenas um m e i o da vida individual. Primeiro, estranha a vida g e n é ­ rica, assim c o m o a vida individual. S e g u n d o , faz da última em sua abstração um fim da primeira, igualmente em sua forma abstrata e estranhada.

Pois p r i m e i r a m e n t e aparece ao h o m e m o trabalho, a atividade

vital, a vida produtiva m e s m a apenas c o m o um meio para a satisfa­

ção de u m a carência (Bedürfnisses), a carência de m a n u t e n ç ã o da existência física. A vida p r o d u t i v a é, p o r é m , a vida genérica. É a v i d a e n g e n d r a d o r a de vida. No m o d o (Ari) da atividade vital en­ contra-se o caráter inteiro de u m a species, seu caráter genérico, e a atividade consciente livre é o caráter genérico do h o m e m . A vida m e s m a aparece só c o m o meio de vida.

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O animal é i m e d i a t a m e n t e um c o m a sua atividade vital. N ã o se distingue dela. E ela. O h o m e m faz da sua atividade vital m e s m a um objeto da sua v o n t a d e e da sua consciência. E l e tem atividade vital consciente. Esta n ã o é u m a d e t e r m i n i d a d e c o m a qual ele i m e d i a t a m e n t e coincide. A atividade vital consciente distingue o h o m e m i m e d i a t a m e n t e da atividade vital animal. J u s t a m e n t e , [e] só p o r isso, ele é um ser genérico. Ou ele s o m e n t e é um ser conscien­ te, isto é, a sua própria vida lhe é objeto, p r e c i s a m e n t e p o r q u e é um ser g e n é r i c o . Eis p o r q u e a sua atividade é atividade livre. O traba­ lho e s t r a n h a d o inverte a relação a tal p o n t o q u e o h o m e m , precisa­ m e n t e p o r q u e é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua

essência, apenas um m e i o para sua existência.

O e n g e n d r a r prático de um mundo objetivo, a elaboração da n a t u r e z a i n o r g â n i c a é a p r o v a do h o m e m e n q u a n t o um ser genérico c o n s c i e n t e , isto é, um ser q u e se relaciona c o m o g ê n e r o e n q u a n t o sua própria essência ou [se relaciona] consigo e n q u a n t o ser genéri­ co. É v e r d a d e q u e t a m b é m o animal produz. Constrói p a r a si um n i n h o , h a b i t a ç õ e s , c o m o a abelha, castor, formiga, etc. No entanto, p r o d u z apenas aquilo de q u e necessita i m e d i a t a m e n t e p a r a si ou sua cria; p r o d u z unilateral[mente], e n q u a n t o o h o m e m p r o d u z uni­ v e r s a l [ m e n t e ] ; o animal p r o d u z apenas sob o d o m í n i o da carência física imediata, e n q u a n t o o h o m e m p r o d u z m e s m o livre da carência física, e só p r o d u z , primeira e verdadeiramente, na [sua] liberdade [com relação] a ela; o animal só p r o d u z a si m e s m o , e n q u a n t o o h o m e m r e p r o d u z a natureza inteira; [no animal,] o seu p r o d u t o pertence i m e d i a t a m e n t e ao seu corpo físico, e n q u a n t o q u e o h o ­ m e m se defronta livre c o m o seu p r o d u t o . O a n i m a l forma apenas s e g u n d o a m e d i d a e a carência da species à qual pertence, e n q u a n t o q u e o h o m e m sabe produzir s e g u n d o a m e d i d a de q u a l q u e r species, e sabe considerar, p o r toda a parte, a m e d i d a inerente ao objeto; o h o m e m t a m b é m forma, por isso, s e g u n d o as leis da beleza

(Schönheit).

P r e c i s a m e n t e por isso, na elaboração do m u n d o objetivo [é que] o h o m e m se confirma, em p r i m e i r o lugar e efetivamente, c o m o ser

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Karl Marx 4 6 5

genérico. Esta p r o d u ç ã o é a sua vida genérica operativa. Através

d e l a a n a t u r e z a a p a r e c e c o m o a sua o b r a e a s u a e f e t i v i d a d e

(Wirklichkeit). O objeto do trabalho é portanto a objetivação da vida genérica do homem: q u a n d o o h o m e m se duplica não apenas na

consciência, intelectual [mente], mas operativa, efetiva[mente], con­ templando-se, por isso, a si m e s m o n u m m u n d o criado por ele. Con­ seqüentemente, quando arranca (entreisst) do h o m e m o objeto de sua produção, o trabalho estranhado arranca-lhe sua vida genérica, sua efetiva objetividade genérica (wirkliche Gattungsgegenständlichkeit) e transforma a sua vantagem com relação ao animal na desvantagem de lhe ser tirado o seu corpo inorgânico, a natureza.

I g u a l m e n t e , q u a n d o o trabalho estranhado r e d u z a auto-atividade, a atividade livre, a um m e i o , ele faz da vida genérica do h o m e m um m e i o de sua existência física.

A consciência q u e o h o m e m tem do seu gênero se transforma, p o r t a n t o , m e d i a n t e o estranhamento, de forma a q u e a vida genéri­ ca se torna para ele um m e i o .

O trabalho estranhado faz, por conseguinte:

3) do ser genérico do homem, tanto da natureza q u a n t o da fa­ c u l d a d e genérica espiritual dele, um ser estranho a ele, um meio da sua existência individual. Estranha do h o m e m o seu próprio corpo, assim c o m o a natureza fora dele, tal c o m o a sua essência espiritual, a sua essência humana.

4) u m a c o n s e q ü ê n c i a imediata disto, do h o m e m estar estranha­ do do p r o d u t o do seu trabalho, de sua atividade vital e de seu ser genérico é o estranhamento do homem pelo [próprio] homem. Q u a n d o o h o m e m está frente a si m e s m o , defronta-se c o m ele o

outro h o m e m . O q u e é produto da relação do h o m e m c o m o seu

trabalho, p r o d u t o de seu trabalho e consigo m e s m o , vale c o m o r e l a ç ã o do h o m e m c o m outro h o m e m , c o m o o trabalho e o objeto d o trabalho d e outro h o m e m .

Em geral, a questão de que o h o m e m está estranhado do seu ser genérico quer dizer q u e um h o m e m está estranhado do outro, assim c o m o c a d a um deles [está estranhado] da essência h u m a n a .

(12)

O e s t r a n h a m e n t o do h o m e m , em geral toda a relação na qual o h o m e m está diante de si m e s m o , é p r i m e i r a m e n t e efetivado, se expressa, na relação em q u e o h o m e m está para c o m o outro h o ­ m e m .

N a relação d o trabalho estranhado c a d a h o m e m considera, por­ tanto, o outro s e g u n d o o critério e a relação na qual ele m e s m o se e n c o n t r a c o m o trabalhador.

| X X V | Partimos de um factum n a c i o n a l - e c o n ô m i c o , do estra­ n h a m e n t o do trabalhador e de sua p r o d u ç ã o . E x p r e s s a m o s o con­ ceito deste factum, o trabalho estranhado, exteriorizado. Analisa­ m o s este conceito, a n a l i s a m o s , por conseguinte, apenas u m factum n a c i o n a l - e c o n ô m i c o .

C o n t i n u e m o s agora a observar c o m o tem de se enunciar e ex­ por, na efetividade, o conceito de trabalho estranhado, exterioriza­ d o .

Se o p r o d u t o do trabalho me é estranho, defronta-se c o m i g o c o m o p o d e r estranho, a q u e m pertence então?

Se m i n h a própria atividade não me pertence, é u m a atividade estranha, forçada, a q u e m ela pertence, então?

A outro ser q u e não eu. Q u e m é este ser?

Os deuses? E v i d e n t e m e n t e nas primeiras épocas a p r o d u ç ã o principal, c o m o p o r e x e m p l o a construção de t e m p l o s , e t c , no Egito, na Índia, M é x i c o , aparece tanto a serviço dos d e u s e s , c o m o t a m b é m o p r o d u t o pertence a eles. Sozinhos, p o r é m , os deuses n u n c a f o r a m os senhores do trabalho. T a m p o u c o a natureza. E qual contradição seria t a m b é m q u e o h o m e m , quanto mais subjuga a n a t u r e z a pelo seu trabalho, q u a n t o mais os prodígios dos deuses se t o r n a m obsoletos m e d i a n t e os prodígios da indústria, [que] o h o ­ m e m d e v e r i a renunciar à alegria na p r o d u ç ã o e à fruição do p r o ­ duto p o r a m o r a esses p o d e r e s .

O ser estranho ao qual pertence o trabalho e o p r o d u t o do tra­ b a l h o , para o qual o trabalho está a serviço e para a fruição do qual

(13)

Karl Marx 467

Se o p r o d u t o do trabalho não pertence ao trabalhador, um p o d e r estranho [que] está frente a ele, então isto só é possível p o r [o p r o ­ duto do trabalho] pertencer a um outro homem fora o trabalhador. Se sua atividade lhe é martírio, então ela t e m de ser fruição de um outro e alegria de viver de um outro. N ã o os deuses, n ã o a nature­ za, apenas o h o m e m m e s m o p o d e ser este p o d e r estranho sobre o h o m e m .

C o n s i d e r e - s e ainda a p r o p o s i ç ã o colocada antes, q u e a relação do h o m e m c o n s i g o m e s m o lhe é p r i m e i r a m e n t e objetiva, efetiva, pela sua relação c o m o outro h o m e m . Se ele se relaciona, portanto, c o m o p r o d u t o do seu trabalho, c o m o seu trabalho objetivado, e n q u a n t o objeto estranho, hostil, p o d e r o s o , dele i n d e p e n d e n t e , então se relaciona c o m ele de forma tal q u e um outro h o m e m es­ tranho (fremder) a ele, inimigo, p o d e r o s o , dele i n d e p e n d e n t e , é o senhor deste objeto. Se ele se relaciona c o m a sua própria atividade c o m o u m a [atividade] não-livre, então ele se relaciona c o m ela c o m o a atividade a serviço de, sob o d o m í n i o , a violência e o j u g o d e u m outro h o m e m .

T o d o a u t o - e s t r a n h a m e n t o (Selbstentfremdung) do h o m e m de si e da natureza aparece na relação q u e ele o u t o r g a a si e à natureza para c o m os outros h o m e n s dele diferenciados. Por isso o auto­ e s t r a n h a m e n t o religioso aparece n e c e s s a r i a m e n t e na relação do leigo c o m o sacerdote ou t a m b é m , visto que aqui se trata do m u n d o intelectual, d e u m mediador, etc. N o m u n d o prático-efetivo

( p r a k t i s c h e n wirklichen Welt) o a u t o - e s t r a n h a m e n t o só p o d e apare­

cer através da relação prático-efetiva (praktische wirkliche

Verhältniss) c o m outros h o m e n s . O m e i o p e l o qual o estranha­

m e n t o p r o c e d e é [ele] m e s m o um [meio] prático. Através do tra­ balho estranhado o h o m e m engendra, portanto, n ã o apenas sua relação c o m o objeto e o ato de p r o d u ç ã o e n q u a n t o h o m e n s q u e lhe são estranhos e inimigos; ele e n g e n d r a t a m b é m a relação na qual outros h o m e n s estão para a sua p r o d u ç ã o e o seu p r o d u t o , e a rela­ ção na qual ele está para c o m estes outros h o m e n s . A s s i m c o m o ele [engendra] a sua própria p r o d u ç ã o para a sua desefetivação

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(Entwi-rklichung), para o seu castigo, assim c o m o [engendra] o seu p r ó ­

prio p r o d u t o para a perda, um p r o d u t o n ã o pertencente a ele, ele e n g e n d r a t a m b é m o d o m í n i o de q u e m n ã o p r o d u z sobre a p r o d u ç ã o e sobre o p r o d u t o . Tal c o m o estranha de si a sua própria atividade, ele apropria para o estranho (Fremden) a atividade não própria deste.

C o n s i d e r a m o s até agora a relação apenas sob o aspecto do tra­ balhador. A c o n s i d e r a r e m o s , mais tarde, t a m b é m sob o aspecto do não-trabalhador.

A t r a v é s do trabalho estranhado, exteriorizado, o trabalhador e n g e n d r a , portanto, a relação de a l g u é m estranho ao trabalho - do h o m e m situado fora dele - c o m este trabalho. A relação do traba­ lhador c o m o trabalho e n g e n d r a a relação do capitalista (ou c o m o se queira n o m e a r o senhor do trabalho) c o m o trabalho.

A propriedade privada é, portanto, o produto, o resultado, a con­ seqüência necessária do trabalho exteriorizado, da relação externa

(äusserlichen) do trabalhador c o m a natureza e consigo m e s m o .

A propriedade privada resulta portanto, p o r análise, do con­ ceito de trabalho exteriorizado, isto é, de homem exteriorizado, de trabalho e s t r a n h a d o , de vida estranhada, de h o m e m estranhado.

H e r d a m o s c e r t a m e n t e o conceito de trabalho exteriorizado (de

vida exteriorizada) da e c o n o m i a nacional c o m o resultado do mo­ vimento da propriedade privada. M a s evidencia-se na análise des­

se conceito que, se a p r o p r i e d a d e privada aparece c o m o funda­ m e n t o , c o m o razão do trabalho exteriorizado, ela é antes u m a con­ s e q ü ê n c i a do m e s m o , assim c o m o t a m b é m os deuses são, origina­

riamente, n ã o a causa, mas o efeito do erro do e n t e n d i m e n t o hu­

m a n o . M a i s tarde esta relação se transforma em ação recíproca. S o m e n t e no derradeiro p o n t o de c u l m i n â n c i a do d e s e n v o l v i ­ m e n t o da p r o p r i e d a d e p r i v a d a v e m à tona n o v a m e n t e este seu mis­ tério, qual seja: q u e é, por um lado, o produto do trabalho exterio­ rizado e, em s e g u n d o lugar, que é o meio através do qual o trabalho se exterioriza, a realização desta exteriorização.

(15)

Karl Marx 4 6 9

Este d e s e n v o l v i m e n t o lança i m e d i a t a m e n t e luz sobre diversos conflitos até agora insolúveis.

1) A e c o n o m i a nacional parte do trabalho c o m o [sendo] propri­ a m e n t e a a l m a da p r o d u ç ã o , e, apesar disso, n a d a c o n c e d e ao tra­ b a l h o e tudo à p r o p r i e d a d e privada. P r o u d h o n , a partir desta con­ tradição, concluiu em favor do trabalho [e] contra a p r o p r i e d a d e privada. N ó s r e c o n h e c e m o s , porém, q u e esta aparente contradição é a c o n t r a d i ç ã o do trabalho estranhado c o n s i g o m e s m o , e q u e a e c o n o m i a nacional apenas enunciou as leis do trabalho estranhado.

P o r isso t a m b é m r e c o n h e c e m o s q u e salário e propriedade pri­

vada são idênticos, pois o salário (onde o p r o d u t o , o objeto do

trabalho, p a g a o próprio trabalho) é s o m e n t e u m a c o n s e q ü ê n c i a necessária do e s t r a n h a m e n t o do trabalho, assim c o m o no salário t a m b é m o trabalho aparece não c o m o fim em si, m a s c o m o o servi­ dor do salário. D e s e n v o l v e r e m o s isto mais tarde e a g o r a apenas d e d u z i m o s ainda a l g u m a s ||[XX]VI| c o n s e q ü ê n c i a s .

U m a violenta elevação do salário (abstraindo de todas as outras dificuldades, abstraindo que, c o m o u m a anomalia, ela t a m b é m só seria m a n t i d a c o m violência) n a d a seria além de um m e l h o r assala­

riamento do escravo e n ã o teria c o n q u i s t a d o n e m ao trabalhador

n e m ao trabalho a sua d i g n i d a d e e d e t e r m i n a ç ã o h u m a n a s .

M e s m o a igualdade de salários, c o m o quer P r o u d h o n , trans­ forma s o m e n t e a relação do trabalhador c o n t e m p o r â n e o c o m o seu t r a b a l h o na relação de todos os h o m e n s c o m o trabalho. A socieda­ de é então c o m p r e e n d i d a c o m o um capitalista abstrato.

Salário é u m a c o n s e q ü ê n c i a imediata do trabalho estranhado, e o t r a b a l h o estranhado é a causa imediata da p r o p r i e d a d e privada. C o n s e q ü e n t e m e n t e , c o m um dos lados tem t a m b é m de ruir o outro.

2) Da relação do trabalho estranhado c o m a p r o p r i e d a d e p r i v a d a d e p r e e n d e - s e além do mais que a e m a n c i p a ç ã o da sociedade da p r o p r i e d a d e privada, e t c , da servidão, se manifesta na forma polí­

tica da emancipação dos trabalhadores, n ã o c o m o se dissesse

respeito s o m e n t e à e m a n c i p a ç ã o deles, mas p o r q u e na sua e m a n c i ­ p a ç ã o está encerrada a [emancipação] h u m a n a universal. M a s esta

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[última] está aí encerrada p o r q u e a opressão h u m a n a toda está en­ v o l v i d a na relação do trabalhador c o m a p r o d u ç ã o , e todas as rela­ ções de servidão são apenas modificações e c o n s e q ü ê n c i a s dessa r e l a ç ã o .

A s s i m c o m o e n c o n t r a m o s , por análise, a partir do conceito de trabalho estranhado, exteriorizado, o conceito de propriedade

privada, então p o d e m , c o m a ajuda destes dois fatores, ser desen­

volvidas todas as categorias n a c i o n a l - e c o n ô m i c a s , e reencontrare­ m o s e m cada categoria, c o m o p o r e x e m p l o d o regateio, d a concor­ rência, do capital, do dinheiro, apenas u m a expressão determinada e desenvolvida desses primeiros fundamentos.

C o n t u d o , antes de examinar esta configuração (Gestaltung), p r o c u r e m o s ainda solucionar duas tarefas.

1) D e t e r m i n a r a essência universal da propriedade privada, tal c o m o se constituiu e n q u a n t o resultado do trabalho estranhado, em sua r e l a ç ã o c o m a propriedade verdadeiramente humana e social;

2) A d m i t i m o s o estranhamento do trabalho, sua exteriorização, e n q u a n t o um factum e analisamos este fato. C o m o , p e r g u n t a m o s agora, sobreveio ao homem exteriorizar, estranhar, o seu trabalho? C o m o este e s t r a n h a m e n t o está fundado na essência do desenvolvi­ m e n t o h u m a n o ? Já o b t i v e m o s muito p a r a a solução do p r o b l e m a q u a n d o transmutamos a questão sobre a origem da propriedade

privada na questão sobre a relação do trabalho exteriorizado c o m

a m a r c h a do d e s e n v o l v i m e n t o da h u m a n i d a d e . Pois, q u a n d o se fala em propriedade privada, acredita-se estar agindo c o m u m a coisa fora do h o m e m . Q u a n d o se fala do trabalho, está-se agindo imedi­ a t a m e n t e c o m o h o m e m m e s m o . Esta n o v a disposição da questão já é inclusive a sua solução.

ad l. Essência universal da propriedade privada e sua relação com a propriedade verdadeiramente humana.

E m dois e l e m e n t o s que s e c o n d i c i o n a m m u t u a m e n t e , o u q u e a p e n a s são expressões distintas de u m a e m e s m a relação, o trabalho exteriorizado solucionou-se para nós, [ou seja,] a apropriação apa­ r e c e c o m o estranhamento, c o m o exteriorização, e a exteriorização

(17)

2

Karl Marx 471

como apropriação, o estranhamento c o m o a verdadeira civiliniza­ ç a o2

.

E x a m i n a m o s um dos aspectos, o trabalho exteriorizado no q u e se refere ao trabalhador m e s m o , ou seja, a relação do trabalho

exteriorizado consigo mesmo. C o m o p r o d u t o , c o m o resultado n e ­

cessário desta relação, e n c o n t r a m o s a relação de propriedade do

não-trabalhador c o m o trabalhador e [com] o trabalho. A propri­ edade privada, c o m o a expressão material, r e s u m i d a , do trabalho

exteriorizado, abarca as duas relações, a relação do trabalhador

com o trabalho e com o produto do seu trabalho e c o m o não-trabalhador, e a relação do não-trabalhador com o trabalhador e

[com] o produto do trabalho deste último.

Se v i m o s q u e c o m respeito ao trabalhador q u e se apropria da n a t u r e z a através do trabalho a apropriação aparece c o m o estranha­ m e n t o , a auto-atividade c o m o atividade para um outro e c o m o ati­ v i d a d e de um outro, a vitalidade c o m o sacrifício da vida, a p r o d u ­ ção d o objeto c o m o p e r d a d o objeto para u m p o d e r estranho, para um h o m e m estranho, e x a m i n e m o s então agora a relação deste h o ­ m e m estranho (fremden) ao trabalho e ao trabalhador c o m o tra­ balhador, c o m o trabalho e o seu objeto.

Em primeiro lugar, é de se notar q u e tudo o q u e aparece no tra­ b a l h a d o r c o m o atividade da exteriorização, o estranhamento, apa­ rece no n ã o - t r a b a l h a d o r c o m o estado da exteriorização, o estra­

nhamento.

O termo utilizado por Marx é "Einbürgerung", que designa a "natura­ lização" daquele que se torna cidadão de um outro país. O termo pode ter também o sentido de "aclimatação" (o verbo é "sich einbürgern", reflexivo), mas o conteúdo pretendido e sugerido por Marx certa­ mente é mais amplo e abrange a possibilidade do indivíduo tornar-se "cidadão" (aquele que pertence à cidade, ao antigo burgo, e que se di­ ferencia do clero e da nobreza) através da aquisição de valores civis, "burgueses".

(18)

S e g u n d o , que o comportamento efetivo, prático do trabalhador na p r o d u ç ã o e c o m o produto (como estado espiritual) aparece no n ã o - t r a b a l h a d o r q u e está frente a ele c o m o comportamento teórico. | X X V I I | Terceiro. O não-trabalhador faz contra o trabalhador tudo o q u e o trabalhador faz contra si m e s m o , mas não faz contra si m e s m o o q u e faz contra o trabalhador.

Referências

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