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Processo

22/17.2T8CLB.C1.S1

Data do documento 10 de dezembro de 2020

Relator

Nuno Pinto Oliveira

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Abuso de direito > Venire contra factum proprium > Tu quoque > Princípio da

confiança > Reapreciação da matéria de facto > Dever de fundamentação > Ónus da prova > Atividade comercial > Relações de vizinhança

SUMÁRIO

A proibição do venire contra factum proprium é um afloramento do princípio da protecçãoou da tutela da confiança —e, em consequência, o preenchimento dos requisitos específicos da proibição do venire contra factum proprium depende do preenchimento dos requisitos gerais da tutela da confiança.

TEXTO INTEGRAL

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

1. CC, residente em ..., intentou contra AA e mulher BB, residentes em ...., acção declarativa pedindo que os réus sejam condenados a:

a) afectar a fracção autónoma de que são proprietários ao fim de comércio a que a mesma se destina, não a utilizando, nem arrendando ou autorizando, por qualquer meio, a sua utilização por terceiros para a actividade de restauração e bebidas, abstendo-se e exigindo a abstenção de terceiros que a ocupem emitindo fumos, cheiros e ruídos perturbadores da saúde e descanso da autora;

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citação até que a aludida fracção seja afecta ao fim de comércio e não de restauração e bebidas e cessem as emissões de fumos, cheiros e ruídos;

c) a proceder ao levantamento das condutas de extracção de fumo, do “hot”, do respiradouro e dos aparelhos de ar condicionado instalados no edifício sob apreciação, repondo as partes comuns do edifício no mesmo estado em que se encontravam anteriormente à sua instalação;

d) e a pagar à autora o valor de 6000 €, a título indemnizatório, acrescidos de juros de mora vincendos, à taxa legal supletiva, actualmente de 4%, contabilizados desde a data da sua citação e até integral pagamento.

2. Os Réus AA e BB contestaram, alegando abuso de direito, nas modalidades de tu quoque e de venire contra factum proprium, e deduziram reconvenção, pedindo que a Autora seja condenada:

a) a afectar a fracção designada por CC-Um ao fim de garagem a que a mesma se destina, não a utilizando, nem arrendando ou autorizando, por qualquer outro meio, a sua utilização para a actividade de “serviços”;

b) a demolir a instalação sanitária, construída na sua garagem e remover as caixas de esgoto doméstico e todos os canos de ligação ao saneamento principal do prédio.

3. A Autora CC replicou, dizendo que não há, de sua parte, abuso do direito; que, ao exercer a actividade de vidente na sua garagem, não excede o uso residencial da fracção; que há abuso do direito da parte dos autores; e que deve ser absolvida do pedido reconvencional deduzido.

4. O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença que:

I. — julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus de todos os pedidos formulados na petição inicial;

II. — declarou a inutilidade superveniente da lide quanto ao primeiro pedido reconvencional formulado e, em consequência, declarou extinta a instância nessa parte;

III. – julgou totalmente improcedente o segundo pedido reconvencional formulado e, em consequência, absolveu a Autora desse pedido.

5. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.

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I – Salvo o devido respeito, que é muito - mal andou o Tribunal a quo.

II – Conforme decorre do disposto nos artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil, as decisões judiciais proferidas carecem, sempre, de condigna fundamentação, bastante para permitir aos intervenientes processuais alcançar o processo lógico-dedutivo que conduziu à decisão final proferida pelo julgador, sob pena de nulidade, designadamente, da sentença proferida.

III – A mera menção telegráfica, junto dos factos provados, dos meios de prova que conduziram a tal decisão, quando não acompanhada de uma resenha que permita alcançar o raciocínio do julgador que determinou tal conclusão, cominando a necessidade das partes e do Tribunal ad quem ouvirem as gravações dos depoimentos elencados para, subsequentemente, tentar alcançar o raciocínio do julgador, não configura um preenchimento do dever de fundamentação que sobre ele impende, tendo como consequência a nulidade da sentença em crise.

IV – Salvo o devido respeito, que é muito, entende a Autora que, atenta a prova produzida nos presentes autos, foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto dos “FACTOS PROVADOS” que se impugnam: 6, 24, 25, 28, 29, 34, 37, 47, 48, 49, 50, 54, 56 e 62.

V – Os aludidos pontos de facto deveriam ser julgados nos seguintes moldes, em virtude dos meios probatórios especificamente indicados em sede das alegações supra, que aqui se dão por integralmente reproduzidos: 6 - Essas condutas têm saída última pela chaminé do edifício, passando pelo interior da corete do mesmo, por uma tubagem dedicada exclusivamente à fracção dos Réus, e pela fachada posterior do edifício; 24 - Para darem cumprimento às exigências legais dos requisitos exigidos pelo Município para a actividade de restauração e bebidas, os Réus procederam à execução das obras tidas por necessárias para o efeito na sua fracção, objecto de projecto, e ainda à instalação de um sistema de extracção de fumos na garagem, com saída pela fachada posterior do edifício, mediante prévio recurso à alteração do projecto em sede de “loteamento” e notificação dos seus confinantes ao invés dos condóminos; 25 - Os Réus colocaram condutas de extracção de fumos cuja saída é efectuada por uma tubagem interna, que existe desde raiz, desde a construção do edifício, na sua fracção, independente da tubagem principal da chaminé do edifício, a qual passa pelo interior da corete do mesmo, e tem um diâmetro de 125mm, inferior ao de 180mm verificado no interior da fracção; 28 – Não provado; 29 - As obras mencionadas foram objecto de reclamação em reunião de assembleia de condóminos; 34 - Existem no local onde se situa o restaurante em apreço cheiros, odores e barulhos provenientes do mesmo, os quais perturbam o sossego e bem-estar de quem ali reside, nomeadamente, da Autora, assim como fumos oriundos do sistema de extracção de fumos da fracção dos Réus; 37 - A queixa apresentada foi arquivada, junto da Provedoria da Justiça, por se considerar, erroneamente, que a queixosa “se satisfaz com o conhecimento de estarem observadas as prescrições legais e regulamentares em matéria de segurança e salubridade; 47 - Não provado; 48 - À data da aquisição da fracção pelos Réus, esta estava dotada de raiz, desde a construção do edifício, de uma tubagem independente da principal da chaminé do edifício, a qual passa pelo interior da corete do mesmo,

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e tem um diâmetro de 125 mm, inferior ao de 180 mm verificado no interior da fracção; 49 - A Autora é conhecida no concelho como vidente, fazendo-o ao longo dos anos, pelo menos, num dia indeterminado da semana e aos sábados, sendo que, até ao ano passado, exercia tal função na garagem afecta à sua fracção, na qual construiu uma divisória onde colocou uma instalação sanitária para se servir dela e facultar tal possibilidade às pessoas que ajudava semanalmente; 50 - A utilização que a Autora deu à sua garagem e, depois, habitação propriamente dita, foi levada a cabo sem autorização dos demais condóminos mas com o conhecimento dos Réus que jamais se manifestaram contra tal comportamento; 54 - A Autora procedeu na garagem à colocação de uma divisória e instalação sanitária com a intenção de que fossem utilizadas por si e por quem ajudava enquanto vidente; 56 - As obras efectuadas pela Autora foram-no sem autorização dos Réus ou demais condómiforam-nos do edifício mas com o conhecimento dos Réus que jamais se manifestaram contra as mesmas; e 62 - A Autora recebia como gratificação pela ajuda prestada entregas em espécie – como garrafões de azeite e batatas – e noutras vezes quantias monetárias que medeiam entre os € 5,00 (cinco euros) e os € 30,00 (trinta euros).

VI – Entende a Autora, contrariamente ao Tribunal a quo, que, atenta a prova efectivamente produzida nos presentes autos, deverão ser dados por provados os seguintes pontos de facto dos “FACTOS NÃO PROVADOS” que igualmente se impugnam: 1, 5, 7, 8, 11, 12, 15 e 34.

VII – Devendo ser julgados nos seguintes moldes, em virtude dos meios probatórios especificamente indicados em sede das alegações supra, que aqui se dão por integralmente reproduzidos: 1 – A Autora aquando da aquisição da sua fracção autónoma tinha a expectativa de que na fracção dos Réus não viesse a ser instalado um restaurante; 5 – A Autora vê a sua fracção e o interior do edifício constantemente invadidos de maus cheiros provenientes do sistema de extracção propriedade dos Réus; 7 – O restaurante instalado na fracção propriedade dos Réus mantém-se aberto em dias de festa, até, pelo menos, as 23h00; 8 – Em consequência, a Autora vê a sua tranquilidade perturbada com ruído efectuado pelos clientes e funcionários, no período nocturno, designadamente, aquando da limpeza e arrumação do estabelecimento no final da jornada de trabalho; 11 – Ocorreram infiltrações de água pelo tecto e paredes da garagem da Autora; 12 – Causando, inevitavelmente, o levantamento da tinta ali aplicada e do estuque e o enegrecimento de tais estruturas, carecendo, para a sua reparação, de ser efectuada a sua pintura, com duas de mão, com tinta plástica de igual qualidade à ali existente, com custo nunca inferior a € 500,00 (quinhentos euros); 15 – A Autora tem dificuldade em dormir em virtude do ruído causado pelo funcionamento do restaurante, havendo, inclusivamente, alterado a sua rotina; e 34 – A esplanada do restaurante em apreço é acessível através de uma zona comum a todos os condóminos.

VIII – A aplicação da figura do abuso de direito, prevista no artigo 334.º do C.C., de criação jurisprudencial francesa, exige que o excesso dos limites enunciados seja manifesto, ou seja, “em termos clamorosamente ofensivos da justiça”, estando reservada às hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito de lei resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, não se podendo olvidar o seu carácter excepcional, na medida em que permite afastar um direito legalmente previsto e

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reconhecido à parte em questão tendo por base um particular circunstancialismo apresentado – vide, nesse sentido, Manuel de Andrade, in “Direito Civil – Obrigações”, policopiado, 1964, págs. 63-64, e Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Volume I, páginas 298 e 299.

IX – Atenta a impugnação da matéria de facto acima vertida, afastando o exercício de uma efectiva “actividade” pela Autora e demonstrando a existência de cheiros e ruídos na fracção propriedade da mesma, em adicionais fracções e nas partes comuns do edífico, os quais lhe causam angústia, provenientes do restaurante instalado na fracção dos Réus, em violação do título constitutivo e das suas legítimas expectativas, cujo próprio acesso à esplanada carece de recurso àquelas zonas comuns, salvo o devido respeito, não se alcança como poderemos estar perante uma situação de abuso de direito.

X – O facto da Autora ser vidente, fazendo “sessões” bissemanalmente na sua garagem e recebendo meras gratificações, a maior parte delas em espécie, não pode determinar que a mesma seja obrigada a suportar cheiros e ruídos que lhe causam angústia em virtude da ilícita instalação de um restaurante numa fracção destinada a comércio, propriedade dos Réus, nem poderá, salvo o devido respeito, a sua vontade de que tal comportamento cesse ser considerada clamorosamente ofensiva do direito que lhe é legalmente tutelado.

XI – Mesmo a considerar a factualidade tida por provada pelo Tribunal a quo, teríamos que não estamos perante uma situação de abuso de direito, visto que uma “actividade” que implica que, duas vezes por semana, no período da tarde, a Autora receba “clientes” na sua garagem não configura uma violação da afectação da sua fracção, posto que não extravasa o uso residencial da mesma, nos termos do disposto no artigo 1092.º do C.C., s.m.o., inteiramente aplicável à relação entre condóminos no que concerne ao uso dado às fracções autónomas pelo condómino, não sendo admissível que o legislador pretendesse permitir ao arrendatário o que não autoriza ao respectivo proprietário - vide, nesse sentido, o douto acórdão emanado do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/12/2003, acessível in www.dgsi.pt.

XII – Inexistindo qualquer proporcionalidade entre a pseudo-actividade desempenhada pela Autora, com carácter bissemanal, no período da tarde, na sua garagem, sem oposição dos Réus, e a instalação de um restaurante, com funcionamento diário, numa fracção destinada a comércio, com reiterada oposição da Autora e determinante da apresentação de sucessivas queixas junto das mais diversas entidades públicas e privadas, jamais seria aplicável na situação vertente a figura do abuso de direito para impedir que a Autora reivindique a cessação do comportamento ilícito dos Réus.

XIII – Mesmo a sufragar do entendimento de que tal sucede quanto ao exercício ilícito da actividade de restauração no edifício em apreço, a ideia que a Ré, ao colocar uma pequena instalação sanitária na sua garagem, ligada ao saneamento geral do edifício, legitima que os Réus rasguem a fachada do prédio, instalando um sistema de extracção de fumos pela mesma, com passagem pela garagem, assim como aparelhos de ar condicionado, e diversos dispositivos no telhado do prédio em regime de propriedade

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horizontal, é, s.m.o., no mínimo, abusiva.

XIV – A completa desproporcionalidade entre as obras realizadas pelos Réus, as quais ocorreram não só no interior da sua fracção mas nas próprias partes comuns do edifício, e a obra realizada no interior da garagem da Autora, s.m.o., afasta, per se, a aplicação da figura do abuso de direito, na modalidade de tu quoque.

XV – Quando muito, estaria vedado à Autora peticionar o levantamento das casas-de-banho que os Réus instalaram na sua garagem, considerando a instalação sanitária colocada pela mesma, mas já não todas as demais obras materializadas pelos Réus quer no interior da fracção com ligação às partes comuns quer nas próprias partes comuns do edifício, compropriedade de todos os condóminos, visto que o lesado, com base no abuso do direito, pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrem, mas não pode, com base no instituto, requerer que o direito não seja recohecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele – vide nesse sentido Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Volume I, página 300.

XVI - A aplicabilidade da figura de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium tendo por base o arquivamento pelo Provedor de Justiça da queixa apresentada pela Autora, sufragada pelo Tribunal a quo, carece, salvo o devido respeito, de sentido atenta a impugnação da matéria de facto realizada no presente recurso, da qual decorre que tal arquivamento foi baseado numa errónea convicção da Provedoria de Justiça.

XVII - Mas mesmo que tal não sucedesse, o arquivamento pelo Provedor de Justiça não se trata de um factum proprium da Autora, ficando por demonstrar que tal sucedeu por expressa vontade sua – vide facto provado sob o ponto 37 da douta sentença e crise.

XVIII – Não logrou, igualmente, o Tribunal a quo estabelecer qualquer relação entre as obras materializadas pelos Réus, cuidadosamente discriminadas nos autos, e a promoção da segurança e salubridade do estabelecimento de restauração em causa, impedindo o raciocínio materializado.

XIX – Instalando os Autores ilicitamente um restaurante numa fracção destinada a comércio, determinando a ocorrência de cheiros e fumos na fracção propriedade da Autora e nas partes comuns do edifício, e fazendo obras de adaptação quer no interior da sua fracção com ligação às partes comuns quer nas próprias partes comuns, tudo sem autorização para o efeito e causando angústia à Autora, deverão ser condenados a afectar a fracção autónoma sua propriedade ao fim de comércio a que a mesma se destina, não a utilizando, nem arrendando ou autorizando por qualquer meio a sua utilização por terceiros, para a actividade de restauração e bebidas, abstendo-se e exigindo a abstenção de terceiros que a ocupem de emitir fumos, cheiros e ruídos perturbadores da saúde e descanso da Autora; pagar à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, o valor diário de € 200,00 (duzentos euros), desde a data da sua citação

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até que a aludida fracção seja afecta ao fim de comércio e não de restauração e bebidas e cessem as emissões de fumos, cheiros e ruídos; proceder ao levantamento da condutas de extracção de fumo, do “hot” e do respiradouro instalados no edifício sob apreciação, repondo as partes comuns do edifício em causa no mesmo estado em que se encontravam anteriormente à sua materialização; e pagar à Autora o valor de € 5000,00 (cinco mil euros), a título indemnizatório, por danos não patrimoniais inflingidos, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, actualmente de 4%, contabilizados desde a data da sua citação e até efectivo e integral pagamento, sendo, assim, a presente acção julgada parcialmente procedente, por provada.

XX – A douta sentença ora em crise violou, de entre outras, as seguintes disposições legais: artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil e 70.º, 334.º, 342.º, 483.º, 829.º-A, 1092.º, 1346.º, 1406.º, 1420.º, 1421.º e 1422.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), todos do Código Civil.

Termos em que deve ser dado provimento à presente apelação, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra decisão judicial na qual se declare a parcial procedência da presente acção e se condene os Réus a afectar a fracção autónoma sua propriedade ao fim de comércio a que a mesma se destina, não a utilizando, nem arrendando ou autorizando por qualquer meio a sua utilização por terceiros, para a actividade de restauração e bebidas, abstendo-se e exigindo a abstenção de terceiros que a ocupem de emitir fumos, cheiros e ruídos perturbadores da saúde e descanso da Autora; pagar à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, o valor diário de € 200,00 (duzentos euros), desde a data da sua citação até que a aludida fracção seja afecta ao fim de comércio e não de restauração e bebidas e cessem as emissões de fumos, cheiros e ruídos; proceder ao levantamento das condutas de extracção de fumo, do “hot” e do respiradouro instalados no edifício sob apreciação, repondo as partes comuns do edifício em causa no mesmo estado em que se encontravam anteriormente à sua materialização; e pagar à Autora o valor de € 5000,00 (cinco mil euros), a título indemnizatório, por danos não patrimoniais inflingidos, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, actualmente de 4%, contabilizados desde a data da sua citação e até efectivo e integral pagamento.

Assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA !!!

7. Os Réus AA e mulher BB contra-alegaram.

8. Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. No entendimento da Recorrente a sentença proferida é nula, por o tribunal ad quo, junto dos factos provados e dos meios de prova que determinaram a decisão, não apresentar uma pequena súmula, em violação do disposto nos artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do C.P.C.

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considerados não provados e não deu como não provados factos que ficaram demonstrados.

3. Tal legação é completamente descabida.

4. Não é necessário, nem aconselhável que a motivação se traduza na reprodução ou no resumo dos depoimentos prestados pelas testemunhas.

5. O que a recorrente faz é substituir-se ao Julgador e determinar o sentido da prova segundo a sua conveniência, segundo a sua reacção à improcedência da acção, e não em razão do que resulta da factualidade provada.

6. Como era expectável, o Tribunal “ad quo” procedeu a uma análise crítica das provas, especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, indicou as ilacções inferidas dos factos instrumentais e tomou em consideração os factos que estão provados por documentos, compatibilizando, deste modo, toda a matéria de facto adquirida e extraiu dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

7. Para formar a sua convicção o Tribunal “ad quo” analisou criticamente a globalidade da prova produzida, designadamente, as regras de experiência comum e da normalidade do acontecer, fez uma ponderação crítica e conjugada do teor da prova documental junta aos autos com as declarações de parte, com os depoimentos prestados pelas testemunhas, em sede de audiência de julgamento, com as provas perícias realizadas, entrecruzados entre si – à luz das regras da experiência comum - buscando-se os seus pontos de concludência, coerência e de consistência.

8. Não vislumbra os Réus onde e quando a Meritíssima juiz ad quo julgou incorrectamente os dos factos provados e ainda os pontos de facto dos factos não provados, os quais deveriam ter sido valorados de forma diferente, face à prova produzida e apresentada, já que esta expressa com rigor o resultado da prova produzida em audiência de julgamento.

9. Em concreto pretende-se alteração, no elenco fáctico, com base numa credibilização preponderante nesta instância da prova traduzida nos depoimentos prestados pelas testemunhas com base apenas, no que lhe possa ser favorável, em detrimento da conjugação de toda a prova produzida, atribuindo-se á decisão recorrida preferência por estes.

10. Trata-se de um modo injusto de caraterizar a fundamentação da matéria de fato, que passou na decisão apelada pela apreciação critica individualizada de todos os depoimentos e de todos os outros elementos de prova.

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no processo 961/2001, a Mmª juiz ad quo que julgou nos termos do artigo 655º do CPC ciente de que o ato de julgar é do tribunal, e tal ato, tem a sua essência na operação intelectual, da formação da convicção.

Tal operação não é pura e simplesmente logico-dedutiva, mas nos próprios termos da Lei, parte de dados objetivos para uma formulação lógico-intuitiva.

12. Estando em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é imperativa a observância do imposto pela norma do pelo art. 640º do CPC, não se podendo olvidar que, no que respeita à apreciação da prova produzida em primeira instância e à decisão da respetiva matéria de facto, o tribunal de recurso não se encontra em plano de total igualdade em relação aos juízes de 1ª instância, uma vez que a prova é realizada perante estes e não perante aqueles.

13. De acordo com o entendimento dos nossos Tribunais Superiores a reapreciação da matéria de facto pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, não pode redundar em novo julgamento, pretensão essa do recorrente.

14. Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida, “salte à vista” do Tribunal de recurso um “erro grosseiro” da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada.

15. Como decorre do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/12/12, proferido no proc. nº 1238/10.8TVLSB.L1, in www.dgsi.pt: “I - O julgador, ao apreciar a prova por testemunhas, goza de inteira liberdade, já que não está vinculado a quaisquer regras, medidas ou critérios legais de avaliação. II - De tal modo que, no seu critério de livre apreciação, pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ele também tenham deposto, em sentido contrário, várias testemunhas. III – Questão é que tal testemunho não seja apreciado arbitrariamente, mas sim segundo os critérios de valoração racional e lógica do julgador e segundo a sua experiência”.

16. Ora, como resulta da douta sentença recorrida, o tribunal fundamentou a formação da sua convicção de forma coerente e de acordo com as regras da experiência comum, tendo para tanto o tribunal “a quo” procedido a uma análise crítica das provas, especificando os fundamentos relevantes e decisivos em que assentou a sua convicção.

17. O tribunal ad quo, procedeu a análise cuidada, adequada e crítica de toda a prova documental, pericial e testemunhal apresentada.

18. Autora é vidente, exercendo essa actividade já há longos anos e que, pelo menos, até ao ano passado, exercia essa actividade na garagem afecta à sua fracção, na qual construiu uma divisória onde colocou uma instalação sanitária para servir a vasta clientela que atende semanalmente (cfr. facto provado 49),

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que, em contrapartida da sua actividade de vidente, por vezes, recebe entregas em espécie - como garrafões de azeite e batatas – e, noutras vezes, quantias monetárias que medeiam entre os 5,00€ (cinco euros) e os 30,00€ (trinta euros)

19. a Autora elaborou na garagem, obras de adaptação (a tal divisória e a tal instalação sanitária), com a intenção de utilizá-la para a sua actividade de vidente, ligando a instalação sanitária que construiu na sua garagem ao saneamento principal do prédio e que as obras efectuadas pela Autora foram-no sem autorização dos Réus ou demais condóminos do edifício.

20. Uma vez que uma garagem se destina a guardar veículos automóveis e a fracção de que a garagem é parte integrante se destina a habitação, manifesto se torna concluir que a Autora – aí mantendo uma actividade económica, ainda que de pequena dimensão – afectou essa fracção a fim diverso daquele a que é destinada.

21. Sabendo-se que actividade económica é qualquer prestação de serviços mediante uma qualquer contrapartida.

22. A Autora – que é quem interpôs a acção que ora se julga - na base de uma alegada utilização, pelos Réus, da sua fracção diversa do fim a que a mesma se destina, como na base de uma alegada realização de obras, por parte dos Réus, em partes comuns do prédio, pedir contra eles a protecção da legalidade das normas que ela própria violou com condutas em tudo similares ou idênticas àquelas que imputa aos Réus.

23. Consagra o art. 334.º do CC: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito

24. A Autora deu à sua fracção autónoma uso diverso do fim a que se destina, assim violando o art. 1422.º, n.º 2, al. c) do CC e, mesmo assim, interpõe uma acção judicial contra os Réus acusando-os da violação desse mesmo preceito legal por darem, por seu turno, à sua fracção uso diverso do fim a que se destina.

25. A Autora fez obras nas partes comuns do prédio em que se integra a sua fracção sem autorização dos restantes condóminos e, mesmo assim, interpõe uma acção judicial contra os Réus acusando-os de terem feito obras em partes comuns do mesmo prédio em que também se integra a fracção deles sem autorização dos restantes condóminos, pedindo o seu levantamento.

26. Ora tal comportamento, é manifestamente abusivo, e fere a sensibilidade primária, ética e jurídica, que uma pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir exigir a outrem o seu acatamento.

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“tu quoque” e de “venire contra factum proprium”

28. Com a aprestação do presente recurso A AA., continua a litigar de má-fé, devendo ser condenada em indemnização em montante não inferior a €3.500,00:

29. Com o presente recurso a recorrente, quer fazer entrar pela janela, o que não conseguiu fazer entrar pela porta, apesar de toda a prova produzida, em audiência de julgamento.

30. Resulta à saciedade que o presente recurso está votado ao fracasso por dele não resultarem razões para alterar o sentido da Douta Sentença proferida, porquanto a mesma procedeu a uma irrepreensível subsunção dos factos provados aos normativos legais aplicáveis, e a uma correta aplicação da lei.

31. Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida, “salte à vista” do Tribunal de recurso um “erro grosseiro” da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada.

32. A Mm.ª Juiz analisou criticamente as provas e especificou (clara e adequadamente) os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violados quaisquer normas ou critérios segundo a previsão dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil (CPC), sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).

33. A sentença recorrida fez, a nosso ver, correcta interpretação das disposições legais aplicáveis, não tendo infringido, designadamente, as normas que a apelante refere como violadas.

34. Resta, pois, concluir pela total improcedência das “alegações” de recurso, pois que, salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.

Pelo exposto, não merece a decisão qualquer censura,

Termos em que e por tudo o mais que V.Exªs doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Fazendo-se assim, Justiça.

9. O Tribunal da Relação de Coimbra julgou procedente o recurso.

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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, parcialmente, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, indo os RR condenados a:

A) a cessar de imediato a actividade de restauração na sua fracção autónoma “CD” e afectar a mesma ao fim de comércio a que a mesma se destina, não a utilizando, nem arrendando ou autorizando, por qualquer meio, a sua utilização por terceiros para a actividade de restauração e bebidas;

B) a proceder ao levantamento das condutas de extracção de fumo, do “hot”, do respiradouro e dos aparelhos de ar condicionado instalados no edifício identificado nos autos, repondo as partes comuns do edifício no mesmo estado em que se encontravam anteriormente à sua instalação;

C) a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, o valor diário de 50 €, decorridos 30 dias após a data do trânsito em julgado desta decisão, até que a aludida fracção seja afecta ao fim de comércio e não de restauração e bebidas;

D) Absolver os RR do demais peticionado.

Custas da acção (sobre o valor de 36.000,01 €, atribuído pela A. aos seus pedidos), na proporção do vencimento/decaimento de 1/5 para a A. e 4/5 para os RR.

11. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de revista.

12. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

I — Ao revogar a douta sentença proferida em primeira instância, julgando a ação totalmente improcedente, por não provada, e absolvendo a recorrida dos pedidos formulados, o Tribunal a quo errou, desde logo ao decidir, como decidiu, modificar a matéria de facto, incorrendo, neste âmbito, em violação de normas de direito probatório material e ultrapassando mesmo os limites adjetivamente estabelecidos ao exercício de tal poder, mas também, e independentemente dessa operada alteração, na subsunção da matéria de facto provada e não provada ao direito aplicável, adotando um desfecho que, desresponsabilizando a recorrida pelos seus atos.

Assim e no que concerne aos erros de direito na modificação da matéria de facto:

II — Dir-se-á, antes de mais, que os limites previstos nos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2 do CPC quanto ao julgamento em revista, não constituirão obstáculo, sob pena de à recorrente ser coartado, nesta parte, o grau de recurso constitucionalmente garantido, a que o Supremo Tribunal exerça também censura sobre a decisão da Relação que, em concreto, modifique a matéria de facto excedendo os poderes que lhe são conferidos nos termos do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC, por forma a que se verifique se, no uso dos

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seus poderes de anulação, atuou em observância dos limites legalmente impostos, como in casu e ao que entende a recorrente, não sucedeu (neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 320 e ss);

Vejamos, pois,

III — A decisão revidenda eliminou do facto provado em 4.3 o segmento “(regras de experiência comum e sendo um facto notório que obras como aquelas não podiam ser realizadas de forma encoberta) sendo que não indicou qualquer prova produzida ou facto provado que justificasse e impusesse, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 662º do CPC, julgar-se não provado que, ao contrário do que havia sido decidido em primeira instância.

IV. — Alterou o facto provado em 4.6 no segmento (no seguimento de comunicação da autarquia nesse sentido) sendo que não indicou qualquer prova produzida ou facto provado que justificasse e impusesse, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 662º do CPC, julgar-se não provado que, ao contrário do que havia sido decidido em primeira instância.

V. — Alterou o facto provado em 4.12, ao eliminar da matéria de facto provada as expressões “de uma corete independente da corete principal e à semelhança do que sucedia com as restantes frações afetas ao comércio” sendo que não indicou qualquer prova produzida ou facto provado que justificasse e impusesse, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 662º do CPC, julgar-se não provado que, ao contrário do que havia sido decidido em primeira instância.

VI. — Alterou o facto não provado em 4.12, para fato provado com base no facto do depoimento da filha da A., não ter sido desmentido pela testemunha DD, sendo que não indicou qualquer prova produzida ou facto provado que justificasse e impusesse, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 662º do CPC, julgar-se não provado que, ao contrário do que havia sido decidido em primeira instância.

VII. — Assim, uma vez que os factos tidos como assentes e a prova produzida não impunham decisão diversa no tocante à não expectativa da A, aquando da aquisição da sua fração autónoma de que, na fração dos Réus não viesse a ser instalado um restaurante, sendo que o contrário não ficou por qualquer modo demonstrado, limitando-se a Relação a sustentar o seu entendimento num não desmentimento por parte de uma testemunha, violou, ao decidir como decidiu, o disposto no art.º 662º, nº 1 do CPC;

VIII. — Ao optar por conferir prevalência à livre convicção formada a partir da prova testemunhal em detrimento da prova resultante dos documentos e perícias não impugnados, a decisão revidenda desatendeu e, por isso, incorreu em violação do disposto no, os limites que lhes são impostos pelo nº 1 do artigo 662º do CPC, pelo que e salvo o devido respeito por entendimento diverso, deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada em 4.12, por forma a respeitar os preceitos

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violados, repristinando-se a redação que lhe foi conferida em primeira instância.

IX. — Ao privilegiar exclusivamente o depoimento de EE – filha da recorrida em detrimento da matéria de facto provada e demais prova produzida, a decisão a quo errou. Posto isto,

X. — Não logrando demonstrar a A., como lhe incumbia em face do disposto no artigo 342º, nº 1 do CC, a alegada expectativa de que na fração dos Réus não viesse a ser instalado um restaurante.

XI. — Decidindo diversamente, violou a decisão recorrida o disposto no artigo 342º,n,ºs 1 e nº 2 do CC, pelo que deverá ser reposta a redação dos pontos 4.12 constante da douta decisão proferida em primeira instância;

XII. — À data da aquisição da fração pelos Réus, esta, estava dotada de raiz, desde a construção do edifício, de uma corete independente da corete principal da chaminé do edifício que permitia a evacuação de fumos, vapores e cheiros, à semelhança do que sucedia com as restantes frações afetas ao comércio para permitir que ali funcionasse um estabelecimento de restauração ou outro de natureza similar.

XIII. — Na verdade, o tribunal da Relação, credibilizou o depoimento comprometido, da filha da AA., unicamente por este não ter sido desmentido!

XIV. — Desconsiderando por completo que a testemunha DD afirmou que “sabe que uma das duas frações compradas pelos RR era para restaurante. A fração vendida aos RR ficou preparada para tal fim, a nível de condutas, e os RR compraram tal fração para esse efeito de restaurante.” Matéria essa que não foi impugnada.

XV. — Não logrando demonstrar, a A., como lhe incumbia em face do disposto no artigo 342º, nº 1 do CC, a alegada expectativa de que na fração dos Réus não viesse a ser instalado um restaurante.

XVI. — Pese embora, desde 2009 a AA., pudesse demandar os Réus para procederem ao encerramento do restaurante, por violação do título constitutivo da propriedade horizontal, esta só veio a fazê-lo decorrido 8 anos!

XVII. — Comportamento esse, que ao longo desses anos gerou nos Réus a confiança que a AA., não viria pedir o encerramento do restaurante, que à data está há 11 anos no local!.

XVIII. — No caso em apreço, o funcionamento do restaurante não ofende os direitos de personalidade da AA., ou de qualquer outro condomínio, por resultar das perícias realizadas que nenhum dano advém do funcionamento do restaurante.

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XIX. — Não havendo em consequência violação do direito ao repouso, ao descanso, ao sossego, à vida privada, à vida familiar e à qualidade de vida quer da A. quer de terceiros.

XX. — Resultou provado, que a Autora apresentou queixa junto da Provedoria da Justiça, queixa essa que foi arquivada por se considerar que a queixosa “se satisfaz com o conhecimento de estarem observadas as prescrições legais e regulamentares em matéria de segurança e salubridade”,. Arquivamento esse, comunicado à Autora em julho de 2011, que o aceitou (cfr. factos provados 36 a 38 e acordo das partes nos termos dos arts. 51.º da contestação e art.º. 20.º da réplica).

XXI. — Resulta da normalidade do acontecer que não é credível, que se assim não fosse, a AA., não tivesse impugnado o teor do documento por este, não corresponder à sua vontade. Como diz o velho ditado quem cala consente.

XXII. — Essa anuência ao longo 8 anos, conjugada com a aceitação do arquivamento da queixa pelo Provedor de justiça e com a informação prestada à AA., em assembleia de condomínios (que face ao tempo decorrido, à data três anos sobre a abertura do restaurante, sem nada terem solicitado em sentido contrário, este comportamento podia consubstanciar uma aceitação tácita da abertura do restaurante) foi geradora de confiança nos Réus os quais confiaram que, tanto tempo depois de o restaurante estar a funcionar, a Autora nunca iria requerer o seu encerramento.

XXIII. — O comportamento da AA. integra assim, o venire contra factum proprium.

XXIV. — Embora a AA. tenha o direito, o seu exercício nestes termos é manifestamente abusivo.

XXV. — Dispõe o art. 334." do CC que é ilegítimo o exercício do direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé.

XXVI. — A situação em apreço é integrável nesta norma, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, exige-se que o excesso cometido seja manifesto, por os tribunais só poderem fiscalizar a moralidade dos atos praticados no exercício de direitos se houver manifesto abuso.

XXVII. — De resto, a decisão sob exame encontra-se em completa oposição com o doutamente decidido pelo Acórdão proferido em 02.06.2011, já transitado em julgado, pelo Tribunal da Relação do Porto, no processo 427/08.Otbchv.p1, da 3ª Secção Cível.

XXVIII. — Para situações idênticas não pode haver decisões diferentes.

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XXX. — As queixas apresentadas pela A., junto da câmara municipal, da ASAE, e da Unidade local de Saúde (docs. 6, 12, 13 e 14, juntos com a p.i.,) tinham como objetivo único reportar questões de ruído, cheiros e insalubridade.

XXXI. — A A., quis., com essas participações que fosse averiguado se o restaurante cumpria as normas legais exigíveis para a atividade de restauração.

XXXII. — E em momento algum nas queixas apresentadas a A., pediu o encerramento do restaurante.

XXXIII. — Ao decidir como decidiu o Acórdão recorrido, menosprezando a decisão inicial que concluiu que Autora actuou, com abuso de direito, ao interpor a presente ação judicial nas modalidades de “tu quoque” e de “venire contra factum proprium”.

XXXIV. — Porém, ainda que a tese que vem de se defender quanto à alteração da matéria defacto não venha a ser acolhida por esse Supremo Tribunal, ou seja, mesmo com base, apenas, na matéria de facto julgada provada pela Relação, cuidam os recorrentes que a solução jurídica não poderá ser outra que não a determinada em primeira instância, sob pena de ser premiada a má-fé.

XXXV. — Nesta conformidade, mal andou a Relação ao considerar que os recorrentes não lograram produzir a prova que lhe competia, no que concerne à ao abuso de direito da A., violando, por errada interpretação e aplicação, o disposto no artigo 342º, nº 1 do CC;

XXXVI. — Ao decidir como decidiu, interpretando em prejuízo dos recorrentes as regras de distribuição do ónus da prova, sem valorar a conduta e o silêncio da recorrida e, por outro lado desonerando-a da prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos que alega, incorreu a Relação em violação das normas substantivas previstas nos artigos 342º, nº 1 e 2 do CC.

XXXVII. — Em consequência do que e à luz de tudo o que antecede, a decisão revidenda operou errada subsunção dos factos ao direito, incorrendo em erro de interpretação e aplicação da norma prevista no artigo 334º do CC.

Pelo que e na procedência do presente recurso, deverá o acórdão a quo ser revogado, confirmando esse Venerando Tribunal a matéria de facto provada e o regime jurídico aplicado na douta sentença de primeira instância, a qual procedeu de forma adequada ao enquadramento e qualificação jurídica dos factos apurados, não merecendo qualquer reparo, com o que se fará JUSTIÇA!

13. A Autora CC contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

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I – Salvo o devido respeito, que é muito, os Recorrentes carecem de toda e qualquer razão que lhes valha.

II – O douto e bem elaborado acórdão sob apreciação não merece qualquer reparo ou censura, antes pelo contrário, apresenta-se bem discorrido e fundamentado, mais não demonstrando do que um manifesto e louvável brio profissional.

III – Houvessem os Recorrentes lido atentamente o conteúdo do mesmo, não haveriam certamente interposto o presente recurso.

IV – Os Recorrentes sustentam a integralidade da impugnação da matéria de facto na pretensa violação pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 662.º do C.P.C. e no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, essencialmente, por discordarem daquele Venerando Tribunal no que concerne à prova produzida “impor” decisão diversa.

V – Os Recorrentes não só pretendem que este Venerando Tribunal, sindique, agora, em sede de revista, a prova fixada em apelação, como nem, sequer, indicam, para o efeito, a prova que especificamente determina tal alteração, nos termos previstos no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), ou seja, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, devendo, aparentemente, Vossas Excelências realizar uma “ponderação global e concatenada de todas as declarações e depoimentos prestados” ao contrário do Tribunal a quo que, alegadamente, se terá cingido aos “depoimentos de tais testemunhas, gravados em CD”.

VI – O entendimento de que toda e qualquer alteração da matéria de facto em sede de apelação com a qual as partes não se conformem, por mera discordância na apreciação da prova produzida, implica violação da lei e, assim, abre portas ao regime excepcional previsto no n.º 2 do artigo 682.º do C.P.C. é abusivo e carece de suporte legal para o efeito, mais não pretendendo os Recorrentes do que um novo e processualmente inadmissível julgamento da matéria de facto, a realizar pelo Supremo Tribunal de Justiça, na esperança de que, desta vez, lhes possa ser favorável.

VII – Contrariamente ao sustentado pelos Recorrentes, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, não concede às partes o direito de recorrer de todas e quaisquer decisões que lhes sejam desfavoráveis, em sede de primeira instância ou, até, dos Tribunais Superiores, sem qualquer limite, sob pena dos processos serem eternos.

VIII – O direito das partes a verem a matéria de facto reapreciada em sede de apelação, havendo alçada para o efeito, já prenche o tutelado pelo artigo 20.º da C.R.P., configurando uma deturpação de tal direito a interpretação de que “há sempre recurso das decisões proferidas”, como aparentemente, sustentam os Recorrentes.

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IX – Os Recorrentes não sustentam uma única alteração à matéria de facto assente na violação de uma disposição expressa na lei que exija certa espécia de prova para a existência do facto ou que fixe a força a determinado meio de prova, não obstante pugnarem por nova alteração da matéria de facto nos moldes excepcionalmente previstos no artigo 674.º, n.º 3, a contrario sensu, devendo, enquanto tal, a impugnação da matéria de facto efectuada pelos Recorrentes ser liminarmente rejeitada porquanto processualmente inadmissível em sede de revista, conforme o preceituado no n.º 2 do artigo 682.º do C.P.C..

X – Contrariamente ao invocado pelos Recorrentes, o Tribunal a quo não se bastou com a audição dos depoimentos das testemunhas gravados em CD, reapreciando toda a prova produzida e, consequentemente, a decisão do Tribunal de 1.ª instância.

XI – Os Recorrentes não indicam, sequer, qualquer motivo para a discordância com o Tribunal a quo no que concerne à modificação dos factos provados em 4.1, 4.2, 4.5 e 4.9, apenas reproduzindo o teor da decisão proferida, não se alcançando o fundamento para qualquer alteração ao doutamente decidido que, assim, deverá ser mantido.

XII – Os Recorrentes não indicam qualquer motivo para a discordância com o Tribunal a quo no que concerne ao facto provado 4.3 e/ou 4.4, pretendendo, contudo, aparentemente, que este Venerando Tribunal ali inclua - porque lhes convém - que tal conhecimento configura uma aceitação da realização das obras e que as mesmas nunc foram constestadas ao longo de oito anos, o que é inadmissível e até intelectualmente desleal, não cabendo ao Tribunal ad quem, em sede de revista, inserir factos novos, não provados e nem sequer invocados nos articulados.

XIII – Nunca houve um momento em que a Autora concordasse com as obras e/ou a instalação de um restaurante legitimando qualquer confiança dos Recorrentes nesse sentido, não apresentando quaisquer comportamentos contraditórios, tal como decorre da extensa factualidade assente, mais não fazendo do que queixar-se junto dos próprios Réus e de diversas entidades, não logrando que fosse resposta a legalidade, outra alternativa lhe não restando do que recorrer aos Tribunais.

XIV – Não resulta de nenhum facto provado, acordo das partes ou elemento de prova que “ao longo de oito anos” as obras nunca foram contestadas, como agora gratuitamente invocado pelos Recorrentes, mas sim que as obras realizadas pelos Recorrentes não tiveram autorização da Autora ou demais condóminos do edifício em questão, ou, sequer, da administração do condomínio que, por diversas vezes, directa e indirectamente, a Autora tentou alertar os Réus, participando esta situação a entidades fiscalizadoras, apresentando queixa à Provedoria de Justiça, à Câmara Municipal, aos serviços de saúde e até à A.S.A.E. -factos provados n.ºs 17, 36, 39 e 57 e documentos 6, 12, 13 e 14 juntos com a Petição Inicial - e, bem assim que a Autora propôs à votação “apresentar uma acção judicial contra os proprietários da fracção CD, correspondente ao ao r/c direito, com vista ao encerramento da actividade de restaurante”, não tendo sido

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aprovada a proposta de encerramento do resturante mas tendo a Autora votado a favor - factos provados n.ºs 10 e 29.

XV – Não se pode concluir, como fazem abusivamente os Recorrentes, que a aceitação de um arquivamento da Provedoria da Justiça, órgão meramente consultivo, e/ou ser informada em sede de assembleia de condóminos de que face ao tempo decorrido sem avançar judicialmente o seu comportamento poderia consubstanciar aceitação tácita com o funcionamento do restaurante em causa, estamos perante uma “anuência” da Autora, susceptível de gerar confiança legítima dos Réus, quando tal acção foi efectivamente instaurada, após recurso às mais diversas entidades no intuito de que a ilegalidade cessasse.

XVI – Não se lobriga de quais factos ou elementos de prova depreendem os Recorrentes a aceitação/anuência da Autora - a qual jamais sucedeu - não se alcançando o fundamento para a inclusão de tal facto ou de qualquer alteração ao doutamente decidido na modificação do facto provado em 4.3 e 4.4 que, assim, deverá ser mantido, ipisis verbis.

XVII – Em 06/01/2011, em ofício remetido ao Presidente da Câmara Municipal no qual é indicado como referência “Vossa comunicação de 30 Junho de 2010”, informa-se que o processo junto da Provedoria da Justiça foi arquivado considerando que a queixosa se satisfaz com o conhecimento de estarem observadas as prescrições legais e regulamentares em matéria de segurança e salubridade – Documento n.º 7 junto com a Contestação e fls. 182 do apenso junto pela Câmara Municipal; e, por sua vez, a comunicação de 30 de Junho de 2010 remetida pela Câmara Municipal aos serviços da Provedoria de Justiça indica que “… a reclamante já aceitou o licenciamento efectuado, por este cumprir com a legislação em vigor, nomeadamente, higiene, segurança, e salubridade” – vide ofício de fls. 178 do apenso junto pela Câmara Municipal (processo administrativo).

XVIII – Entender abusivo e puramente conclusivo o aditado pelo Tribunal a quo na modificação do facto provado em 4.6, assim como desprovido de suporte probatório, é descabido e apenas demonstra o quão afastada da realidade está a perspectiva dos Recorrentes.

XIX – Não resulta de qualquer facto provado, até porque jamais sucedeu, que a Autora se tivesse efectivamente conformado com o funcionamento do restaurante mas, tão-só, que o processo foi arquivado pela Provedoria de Justiça com base em tal entendimento, o qual, claramente, lhe foi transmitido pela Câmara Municipal.

XX – Pretender agora, como pretendem os Recorrentes, que este Venerando Tribunal ad quem dê por provado que a Autora efectivamente se satisfez com o conhecimento de estarem observadas as prescrições legais e regulamentares em matéria de segurança e salubridade, configura algo não considerado provado em momento processual algum - nem pela 1.ª nem pela 2.ª instância - desprovido de

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suporte probatório, muito menos com base no depoimento da testemunha EE, que, aparentemente, pretendem que Vossas Excelências ouçam para assim concluir, devendo, assim, ser mantida a redacção conferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra no que concerne à modificação do facto provado em 4.6, por configurar aquela que melhor reflecte a realidade documentalmente demonstrada nos autos.

XXI – A alteração efectuada pelo Tribunal a quo quanto à modificação do facto provado em 4.12 (facto provado n.º 48) é coincidente com o facto provado n.º 6 e 25 no que respeita à (in)existência de “corete” independente e ao diâmetro da tubagem existente e seu destino, sustentando-se, amplamente, o Tribunal a quo para o efeito no Doc. 6 junto com a Petição Inicial (fotos 7 e 8), daquele junto com o Requerimento complementar à Contestação apresentado como Doc. 14, e, bem assim, com o teor do relatório pericial de 29/01/2019, com as respostas aos artigos 5.º a 7.º da P.I. e 17.º e 18.º da Réplica e esclarecimentos do perito de 13/04/2018, assim como com o que emerge de fls. 97 e seguintes, designadamente, fls. 105 e seguintes, fls. 123 e seguintes e fl. 153 do apenso camarário e, ainda, fls. 99 de tal apenso.

XXII – Afirmar categoricamente inexistir tal fundamentação probatória apenas porquanto não repetida posteriormente, mais não é do que desprestigiar um acórdão fruto de extenso e louvável trabalho com base numa minudência desnecessária, teimando os Recorrentes na impugnação da matéria de facto apenas porquanto a prova produzida lhes não agrada, devendo, assim, ser mantida a redacção conferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que concerne à modificação do facto provado em 4.12, por configurar aquela que melhor reflecte a realidade documentalmente demonstrada nos autos, com recurso a prova pericial.

XXIII – Os Recorrentes, de forma intelectualmente desonesta, invocam que o Venerando Tribunal da Relação “sem qualquer fundamentação credível” alterou o facto não provado em 4.12, não se coibindo de invocar fantasiosamente que a Autora ao queixar-se às mais diversas entidades (Unidade Local de Saúde, A.S.A.E., Câmara Municipal, Provedoria de Justiça, assembleia de condóminos…) “o fez por causa do ruído, cheiros e insalubridade” e não em virtude do funcionamento do restaurante que em nada a prejudicava – Pasme-se !!

XXIV – É evidente que os Docs. 6, 12, 13 e 14 juntos com a Petição Inicial atestam que a Autora participou à Câmara Municipal de ...., A.S.A.E. e Ministério da Saúde a sua insastifação e desacordo com a abertura e existência no seu prédio do restaurante dos Recorrentes, como bem concluiu o Tribunal a quo, sendo incindíveis o cheiro, o ruído e insalubridade provenientes daquele com o seu próprio funcionamento.

XXV – Decorre, cristalinamente, do título constitutivo de propriedade horizontal do prédio em apreço que a fracção propriedade dos Réus se destina a “comércio” - vide Docs. 1, 4 e 5, juntos com a Petição Inicial – devendo tal expressão ser interpretada conforme o uso corrente da expressão de mediação e troca de bens e serviços, com exclusão das actividades transformadoras, de cariz industrial, normalmente dotadas de um acrescido impacto ambiental negativo, designadamente a actividade de restauração, a qual envolve

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a preparação e confecção de refeições para um número significativo de clientes, geradora de relevante emissão de cheiros e ruídos, perceptíveis nas demais fracções habitacionais, outra não podendo ser a interpretação para um declaratário normal, tal como vem sendo unanimemente decidido pelos nossos Tribunais Superiores - vide, aliás, nesse sentido, a título meramente exemplificativo, os doutos Acórdãos emanados deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 18/05/1999, 04/12/2008, 13/02/2014, 28/01/2016 e do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 04/03/2004 e 03/02/2009.

XXVI – Outra expectativa não podia haver da Autora que não fosse a de que ali não poderia ser instalado um restaurante, o que, aliás, é compatível com as sucessivas reclamações efectuadas pela própria junto de diversas entidades nesse sentido - vide Docs. 6, 12, 13 e 14, juntos com a Petição Inicial.

XXVII – Nenhuma prova foi produzida no sentido de afastar a normal interpretação da Autora do quanto ficou vertido em sede de título constitutivo da propriedade horizontal e foi reiterado pelo vendedor da fracção sua propriedade aquando da sua aquisição, ou seja, de que não poderia ser instalado um restaurante na fracção propriedade dos Recorrentes o que motivou a decisão de facto pelo Tribunal a quo.

XXVIII – A Autora é totalmente alheia às conversas mantidas entre Réus e vendedores da fracção adquirida pelos mesmos assim como a quaisquer obras realizadas no interior da sua fracção tendo em mente a possibilidade de ali ser instalado um restaurante, em violação do vertido no título constitutivo, sendo tal insusceptível de afastar as suas legítimas expectativas.

XXIX – A aplicação da figura do abuso de direito, prevista no artigo 334.º do C.C., de criação jurisprudencial francesa, exige que o excesso dos limites enunciados seja manifesto, ou seja, “em termos clamorosamente ofensivos da justiça”; estando reservada às hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito de lei resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico – vide, nesse sentido, Manuel de Andrade, in “Direito Civil – Obrigações”, policopiado, 1964, págs. 63-64, e Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Volume I, páginas 298 e 299, convindo não olvidar o caráter excepcional deste norma, na medida em que permite afastar um direito legalmente previsto e reconhecido à parte em questão tendo por base um particular circunstancialismo apresentado no caso concreto.

XXX – Inexiste qualquer proporcionalidade entre a pseudo-actividade desempenhada pela Autora, com carácter bissemanal, no período da tarde, na sua garagem, sem oposição dos Réus, e a instalação de um restaurante, com funcionamento diário, numa fracção destinada a comércio, com reiterada oposição da Autora e determinante da apresentação de sucessivas queixas junto das mais diversas entidades públicas e privadas, pelo que jamais seria aplicável na situação vertente a figura do abuso de direito para impedir que a Autora reivindique a cessação do comportamento ilícito dos Réus.

XXXI – De igual modo, a ideia de que a Ré, ao colocar uma pequena instalação sanitária na sua garagem, ligada ao saneamento geral do edifício, legitima que os Réus rasguem a fachada do prédio, instalando um

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sistema de extracção de fumos pela mesma assim como aparelhos de ar condicionado e diversos dispositivos no telhado do prédio em regime de propriedade horizontal, é, s.m.o., no mínimo, abusiva.

XXXII – A completa desproporcionalidade entre as obras realizadas pelos Réus, as quais ocorreram não só no interior da sua fracção mas nas próprias partes comuns do edifício, e a obra realizada no interior da garagem da Autora, s.m.o., afasta, per se, a aplicação da figura do abuso de direito, na modalidade de tu quoque, até porque, com base no abuso do direito, o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrem, o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja recohecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele – vide nesse sentido Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Volume I, página 300.

XXXIII – Tal como realça o Tribunal a quo, o abuso de direito na modalidade de tu quoque exige que se esteja perante a mesma situação jurídica concreta violada pelo próprio que exige o respeito por terceiro -nesse sentido e conforme indicado no douto aresto em crise, vide Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo IV, 2007, páginas 327/337 - ou seja, contrariamente à interpretação do Tribunal de 1.ª instância deste instituto, convenientemente comungada pelos Recorrentes, não é toda e qualquer violação que legitima toda e qualquer violação dos demais sem possibilidade de reclamação do primeiro violador, não pretendendo tal figura funcionar como uma espécie de “guarda-chuva” que elimina todas as ilegalidades, legitimando o caos, não podendo ser essa a melhor interpretação da pretensão do legislador face ao vertido no artigo 334.º do Código Civil.

XXXIV – Entendemos com o Tribunal a quo que a Autora ao demandar os Réus, ora Recorrentes, por estes explorarem a sua fracção como um restaurante e com as obras que aí fizeram, sem que o possam legalmente fazer de acordo com o fim a que estava afecta tal fracção, não está a pretender prevalecer-se da situação jurídica decorrente de querer usar a sua garagem para outro fim ou impor a instalação sanitária realizada na mesma, ou a exercer tal posição jurídica ou a exigir que aqueles acatem essa sua situação jurídica, movendo-se noutro plano, reclamando do uso indevido da respectiva fracção para fim não legalmente admissível, inexistindo, assim, equivalência da condição jurídica concreta entre ambas as partes que permita paralisar a demanda da Autora contra os Réus, ora Recorrentes, com base em abuso de direito, s.m.o., inexistente no caso em apreço, inquinando a teoria jurídica sustentada por estes últimos.

XXXV – Salvo o devido respeito, contrariamente ao sustentado pelos Recorrentes, o arquivamento pelo Provedor de Justiça do processo decorrente da queixa apresentada pela Autora, no seguimento de comunicação da Câmara Municipal, a deliberação da assembleia de condóminos de não avançar com acção judicial contra os Réus, com voto contrário da Autora, ou a explicação aos condóminos, em sede de assembleia, de que exigir o encerramento do restaurante em causa poderá configurar uma situação de abuso de direito por jurista, não configuram actos próprios da Autora mas sim de terceiros e, enquanto tal, são insusceptíveis de determinar a verificação de uma situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

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XXXVI – Conformar-se com o arquivamento de um processo por parte de um órgão consultivo como a Provedoria de Justiça não significa, nem pode significar, aceitar tacitamente a legalidade da situação reportada junto da mesma, até porque não se compreende como poderia a Autora impugnar tal decisão de arquivamento da Provedoria da Justiça como pretendido pelos Recorrentes.

XXXVII – Permanece por concretizar o que configuram “prescrições legais e regulamentares em matéria de segurança e salubridade” e muito menos ficou provado que todas as obras materializadas pelos Réus, cuidadosamente discriminadas nos autos, se destinam a promover a segurança e salubridade do estabelecimento de restauração em causa.

XXXVIII – É abusivo invocar o decurso de vários anos até à instauração de acção judicial para cessação do comportamento ilícito dos Réus, quando, conforme demonstrado e resulta dos factos provados, no decurso desse período a Autora foi-se sempre queixando do funcionamento do restaurante e suas consequências, nomeadamente, junto dos Réus, jamais se conformando com o seu funcionamento - vide factos provados n.ºs 17, 36, 39, 40 43 e 57 - não se alcançando como tal comportamento, globalmente considerado, possa ser interpretado como susceptível de criar naqueles a legítima convicção de que aquela concordaria com o funcionamento do estabelecimento em questão e a realização das obras ilegalmente realizadas.

XXXIX – S.m.o., não deverá ser reconhecida a existência no caso vertente de qualquer situação de abuso de direito, na modalidade de tu quoque e/ou de venire contra factum proprium, porquanto tal não se verifica.

XL – Deste modo, ao contrário do que sustentam os Recorrentes, não foram violadas quaisquer normas jurídicas e muito menos as por si invocadas, devendo ser mantida, ipisis verbis, a factualidade assente pelo Tribunal a quo e confirmada a mui douta decisão proferida pelo mesmo, sem qualquer reparo.

Termos em que deve ser:

a) Rejeitada liminarmente, a impugnação da matéria de facto; e

Sempre e em todo o caso,

b) Negado provimento ao recurso sob juízo, mantendo-se ipsis verbis o douto ácordão recorrido.

(24)

15. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir in casu são as seguintes:

I. — se o acórdão recorrido, ao alterar a decisão de facto, infringiu o art. 342.º do Código Civil ou o art. 662.º do Código de Processo Civil (conclusões I a XXI);

II. — se a Autora, agora Recorrida, violou o art. 334.º do Código Civil, ao exigir a cessação da actividade do restaurante instalado na fracção dos Réus (conclusões XX a XXVII).

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

16. O Tribunal da 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

1. A Autora é proprietária e legítima possuidora do imóvel correspondente à fracção autónoma, identificada pelas letras “CC”, do edifício sito na Avenida ..., n.ºs 29, 31 e 35 e na Quinta ..., ...., localizada no 2.º Andar Esquerdo, com entrada pelo n.º 29 do mesmo (cfr. acordo das partes nos termos dos arts. 1.º da petição inicial [doravante designada p.i.] e 1.º da contestação, bem como dos docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a p.i.).

2. Os Réus são proprietários e legítimos possuidores do imóvel correspondente à fracção autónoma, identificada pelas letras “CD”, do edifício sito na Avenida …, n.ºs 29, 31 e 35 e na Quinta …, …, localizada no Rés-do-chão Direito, com entrada pelo n.º 31 do mesmo (cfr. acordo das partes nos termos dos arts. 1.º da p.i. e 1.º da contestação, bem como dos docs. n.ºs 1 e 3 juntos com a p.i.).

3. O edifício em causa encontra-se constituído em regime de propriedade horizontal, sendo a sobredita fracção propriedade da Autora destinada a habitação e a fracção supra identificada propriedade dos Réus destinada a comércio (cfr. acordo das partes nos termos dos arts. 1.º da p.i. e 1.º da contestação, bem como dos docs. n.ºs 4 e 5 juntos com a p.i.).

4. No ano de 2009, os Réus fizeram obras de adaptação com vista a utilizar a sua fracção para a actividade de restauração e bebidas (cfr. acordo das partes nos termos dos arts. 1.º e 4.º da p.i. e 11.º, 14.º e 16.º da contestação).

(25)

fracção propriedade daqueles se encontra ligada à parede de separação da mesma à fracção contígua, porquanto ali inexistia qualquer sistema de extracção de fumo (cfr. acordo das partes nos termos dos arts. 5.º da p.i. e 17.º da contestação).

6. Essas condutas têm saída última pela chaminé do edifício em corete independente (cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i.).

7. Procedeu-se à acoplação de uma “hot” à aludida chaminé (cfr. acordo das partes nos termos dos arts. 8.º da p.i. e 24.º da contestação, bem como do doc. n.º 6 junto com a p.i. e o relatório pericial junto aos autos em 29.01.2018).

8. Instalando-se ainda um respiradouro na fachada posterior do edifício em apreço e dois aparelhos de ar condicionado, após materialização da abertura necessária para o efeito (cfr. acordo das partes nos termos dos arts. 9.º da p.i. e 23.º da contestação, bem como do relatório pericial junto aos autos em 29.01.2018).

9. Permitiram os Réus a instalação na fracção em apreço de, pelo menos, dois restaurantes, arrendando-a para tal efeito (cfr. acordo das partes nos termos dos arts. 10.º da p.i. e 63.º da contestação).

10. Nenhuma das obras acima elencadas foi autorizada pela Autora ou demais condóminos do edifício em questão ou, sequer, pela administração do seu condomínio (cfr. confissão ficta dos Réus nos termos dos arts. 25.º a 29.º da contestação).

11. Não se procedeu, até ao presente, à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal no sentido de alterar a afectação da fracção autónoma propriedade dos Réus (por falta da junção por parte dos Réus de qualquer documento comprovativo da aludida alteração).

12. A Autora sofre de rinite e faringite alérgicas (cfr. doc. nº 7 junto com a p. i.).

13. Os Réus instalaram uma esplanada diante do edifício em questão, sem qualquer autorização dos demais condóminos para o efeito (cfr. acordo das partes nos termos dos arts. 24.º da p.i. e 61.º da contestação, salientando-se que não era necessária qualquer autorização dos condóminos uma vez que se trata de espaço público, pelo que a autorização necessária é da CM, a quem foi requerida).

14. Mais do que uma vez houve entupimentos da caixa de esgoto existente na garagem da Autora (cfr. prova pericial junta aos autos em 29.01.2018 e esclarecimentos do Sr. Perito de 13.04.2018).

15. Esses entupimentos impedem a Autora de utilizar esse espaço, sempre receosa de ver os seus bens ali depositados danificados, nomeadamente, qualquer veículo automóvel (cfr. prova pericial junta aos autos em 29.01.2018).

Referências

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