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Análise Crítica da Usucapião Especial Urbana por Abandono

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Doutrina

Análise Crítica da Usucapião Especial Urbana por Abandono

HELENA DE AZEREDO ORSELLI Doutoranda e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí -Univali, Professora de Direito Civil dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Regional de Blumenau - FURB (da qual recebe apoio financeiro para formação docente). RESUMO: A usucapião especial urbana por abandono prevista no art. 1.240-A foi

introduzida no Código Civil pela Lei nº 12.424/2011, a qual decorre de uma medida provisória. Por se tratar da criação de uma nova modalidade de usucapião, é de se questionar a urgência e a relevância que justifiquem a adoção desse procedimento, e não do procedimento legislativo ordinário. Um dos elementos essenciais da usucapião é a posse prolongada no tempo que justificaria a aquisição da propriedade; contudo, para a nova modalidade de usucapião especial urbana, o prazo é de apenas dois anos, não tornando evidente uma posse prolongada. O dispositivo citado também peca pela imprecisão quanto à utilização da expressão abandono do lar, já que o que permitiria a usucapião por parte do ex-cônjuge ou ex-companheiro, coproprietário do imóvel com as características descritas, não é a culpa pelo fim do casamento nem o fato de ter saído do lar conjugal, mas é o abandono do imóvel, ou seja, o abdicar da posse do mesmo, o desinteressar-se por ele, deixando que o outro ex-consorte dele se torne proprietário com exclusividade. Só assim é possível que o dispositivo em questão não traga mais disputa para o conflito familiar.

PALAVRAS-CHAVES: Usucapião; cônjuge; companheiro; abandono do lar;

abandono de imóvel.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A usucapião especial urbana por abandono e o

procedimento de criação de leis; 2 A nomenclatura da nova modalidade de usucapião especial urbana; 3 As objeções quanto à usucapião especial urbana por abandono; 4 O que caracteriza a usucapião especial urbana por abandono é o abandono do "imóvel" e não do "lar conjugal"; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Pretende-se, com este artigo, analisar a usucapião especial urbana por abandono que foi introduzida no Código Civil brasileiro pela Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011.

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A nova modalidade de usucapião entre ex-cônjuges e ex-companheiros tem sido alvo de severas críticas por parte da doutrina, seja pela forma como foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, seja pelos requisitos estabelecidos para a sua concessão.

No primeiro tópico verificar-se-á a legitimidade do processo pelo qual o dispositivo foi acrescentado ao Código Civil brasileiro. No segundo tópico, far-se-á uma análise da nomenclatura que está sendo adotada para essa nova modalidade de usucapião. No terceiro tópico, tentar-se-á a integração do dispositivo ao sistema jurídico brasileiro, apesar das suas falhas, evitando o conflito com outras normas legais.

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O método de investigação e de relato utilizado nesta pesquisa é o indutivo, e as técnicas utilizadas são o referente, o fichamento e a pesquisa doutrinária e jurisprudencial 1(1).

1 A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO E O PROCEDIMENTO DE CRIAÇÃO DE LEIS

A Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e outras normas legais, e tem a sua origem na Medida Provisória nº 514/2010, cujo objetivo principal é o incentivo à construção e aquisição de imóveis.

Referida lei introduziu o art. 1.240-A ao texto do Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, criando uma nova modalidade de usucapião especial urbana, que tem sido denominada de usucapião pró-família, usucapião familiar ou usucapião especial urbana por abandono do lar 2(2).

O art. 1.240-A do Código Civil estabelece que:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 2º (Vetado).

A criação dessa nova modalidade de usucapião merece muitas críticas e atenção por parte dos operadores do Direito. Em primeiro lugar, porque estabelecida a partir de uma medida provisória que não é o meio adequado para a instituição de nova modalidade de usucapião.

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A medida provisória é de autoria do Poder Executivo, especificamente o Presidente da República e, conforme o art. 62 da Constituição Federal, visa à regulamentação de situação urgente e relevante, que não possa aguardar o regular processo legislativo, ao passo que a criação das normas jurídicas em geral de competência da União cabe ao Poder Legislativo, que tem procedimento próprio para a propositura, discussão e votação dos projetos de lei.

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Não era urgente, nem relevante a criação da usucapião especial urbana por abandono, portanto se questiona se não deveria tal instituto ter sido submetido ao Congresso Nacional pelo procedimento legislativo ordinário.

Em segundo lugar, critica-se o fato de uma lei, que regulamenta um programa de incentivo à construção e aquisição de imóvel habitacional por pessoas de determinada faixa de renda mensal, ser o instrumento para o estabelecimento de uma nova modalidade de usucapião, escondida em meio a muitos artigos de leis que tratam da regulamentação fundiária e de referido programa habitacional. Isso porque, como se sabe, as medidas provisórias trancam a pauta das Casas Legislativas que compõem o Congresso Nacional, de modo que a sua conversão em lei ocorre usualmente sob muita pressão e sem muita discussão. Será que houve a atenção devida por parte dos legisladores para o fato de que ali se criava uma nova forma de usucapir?

Pela forma como foi estabelecida, tem o art. 1.240-A do Código Civil a legitimidade necessária para vigência no ordenamento jurídico brasileiro? Essas são as reflexões que gostaria de estimular em relação ao procedimento pelo qual a usucapião especial urbana por abandono foi estabelecida.

Quanto ao conteúdo, o dispositivo legal também não merece elogios como se demonstrará nos próximos tópicos.

2 A NOMENCLATURA DA NOVA MODALIDADE DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA

A primeira consideração que se faz é em relação à denominação que se tem dado ao instituto. As expressões "usucapião pró-família" e "usucapião familiar" sugerem que são beneficiários da usucapião os membros da família, o que não é verdade. O ex-cônjuge ou ex-companheiro que permaneceu na posse direta do imóvel residencial é quem tem direito a adquirir a propriedade do imóvel, e

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não os membros da família desfeita pelo fim da sociedade conjugal ou da união estável.

Nem se poderia alegar que o art. 1.240-A do Código Civil presta-se a proteger a família porque atribui a propriedade àquele cônjuge ou companheiro que permaneceu residindo no imóvel com os eventuais filhos do casal, haja vista que o direito à usucapião nele previsto independe da permanência dos filhos ou demais membros da família no imóvel.

Essa modalidade de usucapião efetivamente beneficia o ex-cônjuge ou ex-companheiro que fica com a totalidade do imóvel que antes dividia com o ex-cônjuge ou ex-companheiro, de maneira que não deve ser denominada usucapião pró-família, sequer usucapião familiar.

A expressão "usucapião especial urbana por abandono do lar" também não parece a melhor, pois poderia dar a equivocada impressão de retomar a noção de "abandono voluntário do lar conjugal", uma das causas ensejadoras do pedido da extinta separação judicial litigiosa, que gerava infindáveis batalhas judiciais para se saber se o cônjuge que abandonou o lar era o culpado pelo fim do casamento ou se saía do lar por justo motivo, não sendo, então, o abandono voluntário, mas forçado.

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A discussão acerca da culpa pela dissolução da sociedade conjugal já perdera força no momento em que os costumes sociais mudaram e se percebeu que a ninguém aproveitava essa discussão, e as normas jurídicas foram se adaptando à nova realidade. A culpabilidade pelo fim do casamento perdeu completamente o sentido após a Emenda Constitucional nº 66, de 7 de julho de 2010, face às facilidades para a decretação do divórcio direto no Brasil, sem ter de verificar se decorreu o prazo para sua concessão ou se o caso enquadra-se em um das hipóteses motivadoras do pedido.

Ademais, não é aquele que "abandona o lar" que pode perder o direito à propriedade sobre o imóvel que possuía em comunhão com o outro consorte. O emprego da expressão "abandono do lar" foi infeliz porque remete àqueles termos do art. 1.573, IV, do Código Civil. Poderá perder a propriedade o cônjuge ou companheiro que tiver "abandonado o imóvel de sua propriedade", como se verá adiante. 3 AS OBJEÇÕES QUANTO À USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO

O art. 1.240-A do Código Civil estabelece que o ex-cônjuge ou ex-companheiro que mantiver a posse direta de imóvel urbano de até duzentos e cinquenta metros quadrados de propriedade comum dos ex-consortes, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á a propriedade integral.

a) se a posse direta for sem oposição e ininterrupta;

b) se o outro cônjuge ou companheiro tiver abandonado o lar;

c) desde que aquele não for proprietário de outro imóvel urbano ou rural

O § 1º do mesmo artigo dispõe que esse direito só poderá ser concedido à mesma pessoa uma vez.

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A usucapião é uma das formas de aquisição da propriedade móvel ou imóvel, fundada principalmente na posse inconteste e no tempo 3(3). Há vários fundamentos apontados como justificadores da usucapião por parte daquele que possui, com animus domini, determinado bem pelo prazo previsto na lei. O principal fundamento da usucapião é a função social da propriedade, favorecendo aquele que trabalha no bem usucapido, valorizando aquele que dá destinação ao bem 4(4). Outro argumento a favor da usucapião, embora não seja o mais importante, é a desídia ou a negligência do proprietário do bem que deixa o bem ao abandono 5(5).

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Para obter a propriedade do imóvel comum, urbano e com área inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados, o ex-cônjuge ou ex-companheiro terá de provar que o seu ex-consorte abandonou o lar, e que está exercendo, com exclusividade e sem oposição, há dois anos, a posse sobre o bem, e que não é proprietário de outro bem imóvel, nem foi beneficiado ainda por essa modalidade de usucapião.

A primeira objeção em relação à caracterização do novo instituto propriamente dito é quanto ao tempo, pois a usucapião tem como escopo transformar uma situação de fato que se prolongara no tempo em jurídica 6(6). A posse deve ser duradoura para que se converta em propriedade 7(7). Para Rizzardo 8(8), "desde os mais remotos tempos da civilização sempre foi reconhecido o direito à titularidade da posse por força da ocupação prolongada". Em síntese, pela usucapião, confere-se a propriedade àquele que, há tempos, está na posse do imóvel, no sentido de detenção material do bem.

O prazo previsto no art. 1.240-A do Código Civil, de dois anos de posse exclusiva e ininterrupta, é extremamente curto e não se presta a caracterizar "uma situação que se prolonga no tempo", a "posse duradoura" ou a "ocupação prolongada", elemento caracterizador da usucapião.

É sabido que o legislador moderno tem reduzido os prazos legais em geral, não apenas os relacionados à usucapião, a fim de dar segurança jurídica e consolidar as posições jurídicas das pessoas. Por isso os prazos de usucapião, que já foram de trinta e vinte anos 9(9), hoje são de quinze, dez e até cinco anos. Contudo, o legislador, para essa modalidade de usucapião, estabeleceu a posse inconteste e exclusiva por apenas dois anos ininterruptos.

Reduzir o prazo para dois anos é ainda mais grave se se considera que essa usucapião ocorrerá entre pessoas que são não apenas comunheiros, em razão do regime de bens do casamento ou da união estável, mas também ex-cônjuges ou ex-companheiros, entre os quais pode existir vínculos sentimentais muito fortes, quer

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negativos, quer positivos.

Isso é relevante, uma vez que pode haver por parte de um deles uma má interpretação das intenções do outro, nos casos em que a saída de um dos consortes do lar conjugal não marca efetivamente o fim do casamento ou da união estável, quer dizer, naqueles casos em que a decisão pela falência da união demora a ser tomada.

Dois anos não são suficientes para caracterizar uma posse duradoura, uma ocupação prolongada, uma situação que se consolida pelo decurso do tempo, de modo que o disposto no art. 1.240-A do Código Civil não respeita os requisitos ensejadores da aquisição da propriedade por usucapião.

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O dispositivo em questão é omisso quanto à necessidade de dissolução da sociedade conjugal para que ocorra a usucapião entre os ex-cônjuges, o que, a princípio, parece conflitar com o estabelecido no art. 197, I, do Código Civil, que estatui que não corre a prescrição entre os cônjuges na constância da sociedade conjugal. É de se questionar se a separação de fato, sem a decretação do término da sociedade conjugal, permitiria que o prazo corresse em favor do cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel pertencente ao casal 10(10). Dito de outra forma, o fim da vida em comum, ou seja, o abandono do lar, que caracteriza a separação de fato, pode ser considerado hipótese de término da sociedade conjugal, mesmo que não prevista no art. 1.571 do Código Civil?

O questionamento é relevante, porque há doutrina e decisões judiciais atribuindo efeitos à separação de fato entre cônjuges para a cessação do regime de bens do casamento, independentemente do fim da sociedade conjugal 11(11), com o intuito de evitar o enriquecimento ilícito por parte de um dos cônjuges. Ademais, recorda-se que a usucapião de bem em condomínio indiviso, que não é igual, mas se assemelha ao regime de comunhão de bens, pela indivisibilidade da propriedade, por parte de condômino que exerça a posse exclusiva e excludente dos demais condôminos, tem sido aceita 12(12).

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O art. 197 do Código Civil é uma norma geral acerca da impossibilidade da fluência de prazos entre cônjuges; diversamente, o art. 1.240-A do mesmo Código é uma norma que trata do tempo específico para que um ex-cônjuge ou ex-companheiro adquira, por usucapião, imóvel urbano pertencente ao patrimônio comum do ex-casal. De modo que se pode entender que essa norma legal estabelece uma exceção à norma geral que impede a prescrição entre cônjuges na constância do matrimônio. Essa interpretação torna possível a contagem de tempo para a aquisição da propriedade pela usucapião especial urbana por abandono. A posse ininterrupta e sem oposição por um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros sobre imóvel comum, desde que caracterizada a separação de fato, possibilita a usucapião, porque o elemento fundamental é o abandono do imóvel por parte do outro cônjuge ou companheiro.

4 O QUE CARACTERIZA A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO É O ABANDONO DO "IMÓVEL" E NÃO DO "LAR CONJUGAL"

A infeliz redação dada ao art. 1.240-A do Código Civil aponta "o abandono do lar" como um dos requisitos dessa usucapião. Todavia, o artigo em questão é norma de direito real e não norma de Direito de Família. Em conformidade com o já exposto, a expressão abandono do lar sugere a antiga discussão que se travava, nas separações judiciais litigiosas, para saber qual dos cônjuges era o culpado pelo fim do casamento. A caracterização da usucapião nada tem a ver com a culpabilidade ou não pelo fim do casamento, com o abandono do lar ter sido voluntário ou necessário; enfim, a usucapião, como instituto de direito real, tem como um de seus requisitos o "abandono do bem a ser usucapido", e não o abandono do lar conjugal ou da família.

Entre os requisitos para a caracterização da usucapião está a posse animus domini, que se prolonga no tempo, sem oposição e exclusivamente por parte da pessoa que pretende usucapir. A posse prolongada e exclusiva, como se fosse o único dono, o possuidor dar

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o destino compatível com sua função social ao bem, o pagamento dos tributos relativos a ele e a prática de atos de conservação apontam aquele que merece o domínio do bem. Entretanto, não se pode esquecer-se do outro elemento essencial, qual seja, a não oposição, a não resistência, a não contestação da posse exercida pelo usucapiente por parte do proprietário, no caso em análise, do coproprietário.

Segundo Rodrigues 13(13), "requer-se, de um lado, a atitude ativa do possuidor que exerce os poderes inerentes à propriedade; e, de outro, atitude passiva do proprietário, que, com sua omissão, colabora para que determinada situação se alongue no tempo".

A inércia do proprietário caracteriza-se por "não cuidar do que é seu". A propriedade traz também deveres, como a vigilância 14(14) e a conservação. A negligência não é o mero não usar o bem, é mais do que isso, é não tomar nenhuma atitude para conservar de seu bem e preservar sua posse.

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A aquisição do direito à propriedade por usucapião só ocorrerá se o proprietário não zelar por seu bem, não o conservar, não o vigiar, não tomar as medidas cabíveis quando turbado ou esbulhado. Não tomando nenhuma dessas atitudes, o proprietário demonstrará desinteresse por aquele bem, abandonando-o.

Entre os modos previstos no art. 1.275 do Código Civil para a perda da propriedade está o abandono. No abandono, o proprietário deixa de exercer qualquer poder em relação ao bem com a intenção de não mais tê-lo para si. O abandono é mais do que a negligência, porque não é um mero não uso, nem a falta de zelo com o que é seu, mas consiste em abrir mão de bem de sua propriedade intencionalmente. Difere da renúncia, porque a renúncia à propriedade é a manifestação expressa da vontade de não ter mais o bem, enquanto que, no abandono, o proprietário larga o que é seu com a intenção de se desfazer dele 15(15), sem expressa manifestação de vontade.

Pereira 16(16) salienta que o abandono de bem imóvel é de difícil caracterização. A não utilização não é abandono;, para que esse se configure, é imprescindível a verificação da intenção abdicativa, ou seja, da vontade de abrir mão do bem. O abandono deve ser evidente e devidamente provado, já que não se presume 17(17).

Interessante notar, consoante a prescrição do § 2º do art. 1.276 do Código Civil, que se presume, de modo absoluto, a intenção de abandonar o bem imóvel quando, cessada a posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

A ocorrência da usucapião especial urbana por abandono, prevista no art. 1.240-A do mencionado Código, depende da caracterização do abandono não como mera saída do lar, mas no sentido anteriormente exposto, isto é, de não querer mais o bem para si. Se não houver o abandono do imóvel nesse sentido, não se dará a usucapião por parte do outro cônjuge ou companheiro.

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Não se caracterizará o abandono se o ex-cônjuge ou ex-companheiro proprietário demonstrar interesse pelo imóvel e por sua conservação; contribuir para o recolhimento dos tributos relacionados àquele; tomar as medidas necessárias para a partilha do bem, ou para a regularização da posse do imóvel, ainda que seja a constituição do direito de habitação em prol do outro cônjuge ou companheiro. Enfim, demonstrar o interesse pelo bem imóvel.

Essa é uma exegese possível para que a aplicação do dispositivo não gere injustiça, devendo-se atentar para os elementos caracterizados do instituto de direito real, sem descuidar das peculiaridades inerentes aos casos de Direito de Família.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aquisição da propriedade por meio da usucapião tem por finalidade premiar aquele que faz bom uso do imóvel, seja residindo, seja tornando-o produtivo, no caso de imóvel rural. Os requisitos principais da usucapião são o tempo, a posse com intenção de dono, e a não oposição por parte do proprietário.

A introdução do art. 1.240-A do Código Civil pela Lei nº 12.424, 16 de junho de 2011 é questionável pela forma como foi feita, por meio de conversão de medida provisória em lei. Referido dispositivo permite que o ex-cônjuge ou ex-companheiro possa adquirir a integralidade da propriedade de imóvel urbano com área de até duzentos e cinquenta metros quadrados, que possuía em comunhão com o outro cônjuge ou companheiro, desde que exerça a posse exclusiva e ininterrupta, por dois anos, sobre esse, residindo nele sozinho ou com sua família, e tendo o outro cônjuge ou companheiro abandonado o lar.

A previsão da usucapião especial urbana por abandono, como se denominou, nos termos estabelecidos, é criticável, por possuir algumas imprecisões e falhas que mereciam mais atenção do legislador.

O lapso temporal estabelecido nesse artigo para a usucapião por parte do ex-cônjuge ou ex-companheiro é exíguo e não se presta a caracterizar a posse prolongada, situação de fato consolidada que se converte em usucapião.

A menção ao "abandono do lar" não deve ser entendida como retomada da discussão da culpa pelo fim da sociedade conjugal, há pouco tempo abolida do Direito de Família nacional. O abandono do bem imóvel deve ser configurado pela abdicação intencional por parte do coproprietário, por meio de atos que revelem a intenção de não o ter mais para si.

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O disposto no art. 1.240-A do Código Civil é inadequado, porém é pouco provável que seja revogado ou alterado. Além disso, muitos problemas podem surgir de sua aplicação, especialmente nas disputas conjugais e familiares; portanto, é imprescindível que se atente às peculiaridades do caso concreto, a fim de evitar injustiças. REFERÊNCIAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, AgRg-AI 731.971, (2005/0215038-1), 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 20.10.2008. SÍNTESE Net Jurídico. Disponível em: <https://online.sintese.com/pages/core/coreDocuments.jsf#>. Acesso em: 1º dez. 2011.

______. Superior Tribunal de Justiça, REsp 668.131, (2004/0076077-4), 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.09.2010. SÍNTESE Net Jurídico. Disponível em: <https://online.sintese.com/pages/core/coreDocuments.jsf#>. Acesso em: 1º dez. 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, v. V, 2006.

______. Direito civil brasileiro. Direito de família. São Paulo: Saraiva, v. VI, 2009.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das coisas. Atual. Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2003.

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PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, Millennium, 2008. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direitos reais. Revisada e atualizada por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 2009.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Aide, v. I, 1994.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, v. V, 2002.

SILVA, Luciana Santos. Uma nova afronta à carta constitucional: usucapião pró-família. IBDFam. Disponível em www.ibdfam.com.br. Acesso em: 1º dez. 2011.

TARTUCE, Flávio. A usucapião especial urbana por abandono do lar conjugal. Atualidades do direito. Disponível em:

<http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2011/08/10/a-usucapiao-especial-urbana-por-abandono-do-lar-conjugal/>. Acesso em: 1º dez. 2011.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direitos reais. São Paulo: Atlas, v. V, 2009.

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Notas de Fim 1 (Janela-flutuante - Popup)

Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, Millennium, 2008.

2 (Janela-flutuante - Popup)

SILVA, Luciana Santos. Uma nova afronta à carta constitucional: usucapião pró-família. IBDFam. Disponível em www.ibdfam.com.br. Acesso em: 1º dez. 2011; TARTUCE, Flávio. A usucapião especial urbana por abandono do lar conjugal. Atualidades do direito. Disponível em:

<http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2011/08/10/a-usucapiao-especial-urbana-por-abandono-do-lar-conjugal/>. Acesso em: 1º dez. 2011.

3 (Janela-flutuante - Popup)

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direitos reais. Revisada e atualizada por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 2009. p. 118.

4 (Janela-flutuante - Popup)

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 119; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, v. V, 2006. p. 234-235.

5 (Janela-flutuante - Popup)

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, v. V, 2002. p. 109; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das coisas. Atual. Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2003. p. 122.

6 (Janela-flutuante - Popup) RODRIGUES, Silvio. Op. cit., p. 108.

7 (Janela-flutuante - Popup) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 120.

8 (Janela-flutuante - Popup)

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Aide, v. I, 1994. p. 399. 9 (Janela-flutuante - Popup)

Idem, p. 418.

10 (Janela-flutuante - Popup)

De acordo com o art. 1.576, apenas a separação judicial, ou seja, a judicialização do fim do casamento, hoje por meio do divórcio direto, põe fim ao regime de bens.

11 (Janela-flutuante - Popup)

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito de família. São Paulo: Saraiva, v. VI, 2009. p. 443. 12 (Janela-flutuante - Popup)

"AÇÃO DE USUCAPIÃO - HERDEIRA - POSSIBILIDADE - LEGITIMIDADE - AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO PELO TRIBUNAL ACERCA DO CARÁTER PÚBLICO DO IMÓVEL OBJETO DE USUCAPIÃO QUE ENCONTRA-SE COM A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL - 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 2. Há negativa de prestação jurisdicional em decorrência de não ter o Tribunal de origem emitido juízo de valor acerca da natureza do bem imóvel que se pretende usucapir, mesmo tendo os recorrentes levantado a questão em sede de recurso de apelação e em embargos de declaração opostos ao

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acórdão. 3. Recurso especial a que se dá provimento para: a) Reconhecer a legitimidade dos recorrentes para proporem ação de usucapião relativamente ao imóvel descrito nos presentes autos, e b) Anular parcialmente o acórdão recorrido, por violação ao art. 535 do CPC, determinando o retorno dos autos para que aquela ilustre Corte aprecie a questão atinente ao caráter público do imóvel." (STJ, REsp 668.131, (2004/0076077-4), 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.09.2010, p. 273)

"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - USUCAPIÃO - CONDOMÍNIO - SÚMULA Nº 7/STJ - MANUTENÇÃO DA DECISÃO HOSTILIZADA PELAS SUAS RAZÕES E FUNDAMENTOS - AGRAVO IMPROVIDO - I - Esta Corte firmou entendimento no sentido de ser possível ao condômino usucapir se exercer posse exclusiva sobre o imóvel. Precedentes. II - Não houve qualquer argumento capaz de modificar a

conclusão alvitrada, que está em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte, devendo a decisão ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo improvido." (STJ, AgRg-AI 731.971,

(2005/0215038-1), 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 20.10.2008, p. 423) (Síntese Net Jurídico. Disponível em: <https://online.sintese.com/pages/core/coreDocuments.jsf#>. Acesso em: 1º dez. 2011)

13 (Janela-flutuante - Popup)

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das coisas, p. 111-112. 14 (Janela-flutuante - Popup)

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direitos reais. São Paulo: Atlas, v. V, 2009. p. 205. 15 (Janela-flutuante - Popup)

MONTEIRO, Washington de Barros. Op. cit., p. 170. 16 (Janela-flutuante - Popup) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 200.

17 (Janela-flutuante - Popup)

MONTEIRO, Washington de Barros. Op. cit., p. 170; VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 254; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito das coisas, p. 307.

Referências

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