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Maggie03

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Academic year: 2021

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(1)

m

é

diun

s

c

o

m

eçara

m

a

d

e

mor

ar

p

a

r

a c

h

e

gar no t

er

r

e

ir

o e

muit

os

c

o

m

eçar

am

a

f

a

lt

ar às sessões

.

A di

fe

r

e

n

ça f

und

a

m

e

nt

a

l, n

o

entanto, foi

a

mud

a

n

ça

d

o

p

a

p

e

l d

o

presiden

te

n

as sessões.

N

ão era

m

a

i

s

um dos médiuns,

o

b

e

dec

en

d

o às

o

r

den

s

do p

a

i

-

d

e-

s

a

nt

o;

p

asso

u

a f

icar a sessão inteira inc

o

rpo

ra

d

o,

co

m su

a p

omb

a

-

g

ir

a

, p

ara seg

urar

a

gira

,

distinguindo

-

s

e,

p

o

rt

a

nto

,

dos ou

t

r

o

s m

éd

iu

ns

.

Ess

a mud

a

n

ç

a ficará mais clar

a

no p

xim

o

c

a

p

í

tul

o.

Minh

a

pr

ó

pri

a

p

ar

ti

ci

p

a

ç

ão

n

esse

s dois período

s s

o

fre

u

a

l

g

um

as

a

lt

era

ç

ões

. N

a

pr

i

m

e

i

ra sessão

d

e

d

o

mingo, alguns m

é

diun

s

m

e

p

e

r-g

un

ta

r

a

m

se

eu n

ão

qu

eria

m

e co

n

s

ultar

.

Não aceit

e

i, p

e

n

sa

nd

o par

ti-ci

p

a

r

a

p

e

n

as como o

b

s

e

rva

d

ora.

M

as

isso não durou nem e

ssa se

s

são.

Qu

ase

no

f

in

a

l

o pa

i

-

d

e-sa

nt

o

, incorporado

com seu pre

t

o-

ve

lh

o,

ch

a

m

o

u

-

m

e

p

a

r

a a sa

l

a

d

o

g

on

g

á

. Ti

r

ei os sapatos, como os ou

tros

assis

t

en

t

es

,

e f

ui

a

t

é

e

l

e.A

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raço

u-me como fazia com tod

os

,

o

lh

o

u

-

m

e

no

s o

lh

os e

d

isse: "A

l

g

u

é

m

está

c

o

m

o

lho grande n

a se

nho

ra

..

. Sa

b

e o

qu

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h

o g

r

a

nd

e?

É

pio

r

qu

e

um

f

e

i

ti

ç

o.

"

Perguntou

-

m

e se e

u

acre-d

i

t

ava "

n

o

d

e

u

s da

I

gre

j

a" e res

p

o

ndi que não

.

c

r

e

nt

e

?

" Res

p

o

ndi

n

ega

ti

va

m

e

n

te e

d

isse

qu

e

n

ão ac

r

e

ditav

a

em nenhum

a re

li

g

i

ão,

m

as

r

es

p

ei

t

ava

t

o

d

as. D

i

sse

e

l

e

e

nt

ão:

"

R

es

peita?

E

ntão v

á a

um

a

igr

eja

d

e

são

J

orge e

qu

an

d

o o padre t

i

ver rez

ando, peça

a

Deu

s

que

a

b

ra se

u

s

ca

minh

os

.

"

Man

d

o

u que

e

u

vo

lt

asse

no dia seguint

e

p

ara fazer

um

a

co

n

s

ult

a co

m

e

l

e

.

Com

i

sso

n

ão

d

e

i

xo

u que eu ficasse num

a

po

s

i

ção

di

f

ere

nt

e

do

restante

d

as pes

s

oas e

mostrou que, com

s

eus c

o

nh

e

ci

-m

e

n

tos

, p

od

i

a sa

b

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mu

ito a

m

e

u

res

peito, colocando-m

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,

assim

,

na

su

a

d

epe

nd

ê

n

c

i

a

,

ma

nd

a

nd

o

qu

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eu voltasse para a c

o

nsult

a.

Eu

e

r

a

p

es

qui

sa

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ora

, ti

n

h

a est

ud

o,

m

as

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l

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bia a

s

coisas do

sa

nto

e,

p

ortan

-to, sa

b

ia co

i

sas

qu

e e

u n

ão

p

o

di

a

s

a

b

er.

Na sessão seg

uint

e cha

m

o

u-me p

a

ra bater cab

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o os

m

é-diun

s e sentar

n

o

b

anco reserva

d

o a

pes

s

oas important

es.

D

e

u

-

m

e

u

ma f

l

or de

um

vaso

do

go

n

gá e

p

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diu desculpas por n

ã

o t

e

r p

o

did

o

m

e

d

ar ate

n

ção.

Essesdo

i

s fa

t

os f

i

ze

r

a

m

-

m

e

v

er

que é impossív

e

l esta

r

num

te

rr

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i-r

o,

du

ran

t

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d

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omi

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go, e

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ã

o s

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, de uma forma ou

de o

u

tra,

um

par

t

ic

ip

a

nt

e

.

No seg

u

n

d

o perío

d

o,

n

ão

t

ive es

s

a

s atenções, ma

s

m

e

smo

ass

im

não

d

eixe

i

de

p

a

rti

c

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pa

r

, co

m

o os o

u

t

ros assistentes

,

r

e

c

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b

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nd

o a

br

a

-os

,

saudações e

d

escargas

.

Ogum olhasua bandeira. Oh, elaébrancaéverdeéencarnada. Ogum noscampos debatalha, Ogum venceuaguerra Sem perder soldado. Ponto cantado de Ogum, o vencedor de demanda"

Me

u

o

bjetivo, neste capítulo,

é

d

esc

r

eve

r

o

n

asc

im

e

nt

o, a

vid

a e .

a

mo

r

te

d

a

Tenda Espírita

C

ab

oc

l

o Ser

r

a

N

egra

. No

decor

r

e

r d

a

pesqUl-s

a f

u

i

p

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rcebendo que

a

s cris

es

,

os conf

li

tos e os

in

c

id

e~

t

es

qu

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ocor-riam

no terreiro seguiam

cer

to

pa

d

rão

d

e

d

ese

n

vo

l

V

Im

e

n

to

. Nada

a

co

nt

ec

i

a

por acaso, m

a

s

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a di

fíci

l

a tarefa

d

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sar e e

n:

e

nd

e

r

com

o

e

por qu

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acont

ec

i

a

m.

Os es

tud

os ex

i

s

t

e

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tes so

br

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t

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rr

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I

r

o

s s

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preoc

up

a

m mais com a funç

ã

o in

tegra

d

ora

d

a

r

e

l

ig

i

ão e

m

e

n

os.

c

om

seus as

p

e

ctos de conflito. D

es

cr

eve

m

r

itu

a

i

s,

bu

sca

m

s

~

a~ o

ng

e

n

s

rem

ota

s e

r

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latam um

a

hi

s

t

ó

ri

a

d

as re

li

g

i

ões afro-

b

ras

Il

e

I

ras

num

largo

p

e

r

í

odo de tempo. M

i

nh

a

pr

eoc

up

a

ç

ão era

.d~fe

re

nt

e; e~

t~va

quere

ndo perceber a vida d

e

um

te

rr

e

ir

o

,

c

om

o

er

a V

I

:'

Id

ose

u

co

tIdIa-no.

T

iv

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eg

ui

r

p

asso a passo se

u

CIc

lod

e

d

ese

nvo~-v

ime

n

t

o. Seria impo

s

sív

e

l t

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nt

ar

d

esc

r

ever es

t

atica

m

e

n

te os fa

t

o

s, pOIS

a

s

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esco

ntinuidades, as c

r

i

ses

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os co

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lit

os sa

lt

ava

m

ao

s

o

lh

os

do

pesq

ui

sa

dor.

Um

a

preocupação

se

m

e

lh

a

nt

e

p

o

d

e ser e

nc

on

t

ra

d

a

n

a

obra

Schism and Continuity inan African Society

(

Tu

r

n

e

r, 1

964),

qu

a

ndo

é

elabo

rad

o

o conceito de "dr

a

m

a soc

i

a

l

",p

r

e

t

e

nd

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nd

o co

mpr

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end

e

r os

distúr

bi

os

e crises que ocorri

a

m n

a v

i

da soc

i

a

l d

os g

ru

pos es

tud

a

do

s.

'

[ur

n

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r detectou um pad

rão

de d

e

s

envo

l

v

im

e

n

to

n

as e

rupç

ões

dos

conf

litos e deu a eles o n

o

m

e

d

e

d

ra

m

as so

c

ia

i

s.

P

ara

o

a

utor os

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rama

s

s

ociais têm uma lógi

ca

pr

ocess

u

a

l.

Se

gundo Turner, atra

vés

d

o

dr

a

m

a soc

i

a

l

pode-se algumas vezes ir além da superfície de regularida~es soci~is e perceber as contradições econflitos ocultos no sistema social.Ostipos

(2)

de mecanismos corretivos empregados para lidar como conflito, o pa-drãodelutafaccionalista e as fontesdeiniciativa para acabar com acrise, todos claramente manifestados nodrama social, fornecem pistas valio-sas sobre ocaráter do sistema social:' (Turner, 1964,p.xvii)

o

autor aplicou o conceito no estudo de uma aldeia ndembu,

uma sociedade de pequena escala, em que o sistema de parentesco

provê um modelo para aanálise das regularidades do sistema

estuda-do. Ao lado disso, os limites e fronteiras nesse tipo de sociedade são mais bem definidos e é, portanto, possível estabelecer cortes mais precisos para efeito deanálise.

Pretendi usar esse conceito na análise donascimento, vida e mor-te do terreiro, mas houve alguns problemas que dificultaram a sua

aplicação. O primeiro problema da análise de drama social no caso

estudado refere-se ao fato de o terreiro estar inserido numa sociedade urbana, complexa, sendo mais difícil estabelecer suas fronteiras. O

grupo que faz parte de um terreiro não tem, necessariamente, o

mes-mo tipo de experiência de vida. Existe, portanto, menor

homogenei-dade no caso doque numa aldeia ndembu. Osmembros do grupo não

viviam apenas no terreiro, participavam de outras atividades, usavam

vários códigos e vivenciavam, muitas vezes de forma diferente, um

mesmo tipo de ritual. Ao lado disso, o sistema de parentesco não

servia de referencial como no caso estudado por Turner. Foi

necessá-rio lançar mão de outros tipos de referenciais, como por exemplo o

sistema de estratificação social mais amplo, verificando as posições

dos médiuns e da clientela.

Mas acho que a aplicação do conceito foi frutífera no sentido de verificar um padrão estrutural nas crises ocorridas. Essas crises

desen-volveram-se regularmente, tendo sido possível, de certa forma, en

-contrar nelas uma lógica processual. Meu objetivo não foi, no entanto, o de explicar, através dessa lógica, todo o universo de grupos que participam da vida de terreiros. Pretendi apenas alcançar uma lógica para esse caso, que poderia, talvez, ser encontrada em terreiros de estrutura equivalente,

Mas odrama social, além de ser um instrumento teórico, serve de guia para aprópria descrição etnográfica de um sistema em funciona-mento. Nessa descrição parte-se não apenas da observação do

pesqui-sador, mas das versões que os membros do grupo dão aos fatos

ocor-ridos. Como diz Gluckman, no prefácio à monografia de Turner, o

drama éuma nova forma de ilustrar como um grupo de pessoas

vi

:e

num tempo enum determinado lugar dentro de uma estrutura sOClal

eusando seus costumes (in Turner, 1964,p.x),

No caso estudado, a crise surgiu no momento em que um grupo de

médiuns abandonou um terreiro e, com outros, criou um novo. A

abertura do terreiro já implicava aquebra deuma norma

fundamen-tal que regulava a relação entre médiuns epai ou mãe,-de-sa?to ..Os

médiuns devem obediência ao pai ou mãe-de-santo eeatraves dISSO

que um terreiro semantém. A crise ~eprolongou com aloucura da

mãe-de-santo que abrira o novo terreno e estendeu-se co~ aluta pela

sucessão, através do conflito entre o pai-de-santo e opresIdent~. Essa

crise foiexpressa no sistema em questão através deuma categ~na que

se revelou de fundamental importância para sua compreensao: a

de-manda.

"Demanda é uma guerra de orixá, éuma briga de santo, uma

batalha. Essa guerra, no entanto, era acionada pelos homens. Se~

gente demanda, a gente pede uma coisa (aos orixás) e sabe o que e.

Nós (os médiuns) sabemos como trabalhar para aca~ar com uma

demanda," Assim disse opai-de-santo quando me explIcou oq.ue era

demanda. O significado dademanda para osmembros do terreIr~ era

este. A demanda era uma guerra deorixá, mas talguerra estabeleCIa-se

a partir dos homens. Um médiu~ ~ue tinha un:a,desave~ça ou uma

questão com outro médium mobIlIzava seus onxas atraves de

traba-lhos, a fim de que estes causassem algum mal a seu oponente ..O

médium atacado mobilizava então seus orixás para defen~ê-Io',A.sslm

estabelecia-se aguerra entre os orixás de cada um dos dOIS medmns.

Cada qual tentando desmanchar, anular os trabalhos feitos* pe~o~

orixás oponentes. Um desses orixás vencia, e o vencedor era o onxa

mais forte, aquele que conseguira proteger melhor seu caval~. " "Demanda éuma coisa muito perigosa ... pode haver ate morte,

como me explicaram. Poderia ser estabelecida entre médiuns, entre

uma mãe ou pai-de-santo e seus filhos, ou entre terreiro~. "Uma pessoa que tá nova assim no santo, que não tem preparos amda, el~ não sabe o que édemanda .., só eles (os pais ou mães-de-santo) e quem sabe. Como uma mãe-de-santo sabe tudo s,obre seus filhos,

pode fazer muita coisa:' Ou seja, aquele que dommasse melho~ ~s

técnicas rituais teria mais possibilidade de fazer com que seus on~as

(3)

l

e

i. Mas u

m

m

é

d

i

u

m

que estiv

es

s

e e

m d

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manda p

o

d

e

ri

a

p

e

d

ir

auxílio

a

um outr

o

p

a

~

o

u m

ã

e-de

-

sant

o, a f

im d

e

poder

ve

n

ce

r

o

oponent

e.

A c

a

tego

n

a

dem

a

nda de

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ini

a

um

a

pr

á

tic

a

m

ág

i

ca

I,

ou

s

eja,

o

p

ro

cesso d

e

d

e

m

a

nd

a

r

.

E

sse pr

ocesso era s

empr

e

ini

cia

do

c

om um

a

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cu

s

ação

. Ac

u

sava

-

s

e um filh

o-

d

e-sa

nt

o*

de est

a

r d

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m

a

nd

a

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con-tr

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ua mã

e

-d

e

-

sa

nto, por

ex

empl

o.

Co

m

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çav

a

,

a

p

a

rtir d

a

í,

a

guerr

a

entre os ori

xás

d

e ca

d

a

uma d

as

du

as pes

soas. A m

ãe-

d

e-sa

nto fazi

a

t~a

balho

s

p

a

r

~

~ca

s

~onar algu

m

m

a

l

a se

u

f

i

l

ho. E

stes

t

ra

b

a

lhos pod

e-n

~

m ser d

e va

n

os

tipos ma

s

c

o

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sistia

m, basicamen

te, e

m

o

ferenda

s,

fe

lt~s a um o

r

i

(

g

eralm

e

nt

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um

ex

u

)

, at

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av

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as

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ais se

fazia o

p

e

dIdo

.

O

a

cu

sa

d

o

l

a

nçava m

ão de se

u

s o

rixás p

ara

d

efe

n

d

er-se f

a

-z

e

ndo tamb

é

m

ofere

ndas. Qu

an

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du

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pessoas

estava

m

e

m

de~an-d

a

, o mai

o

r p

e

r

igo e

ra o d

e os orixás

de uma d

e

l

as co

n

s

eguirem

pr

ender a

s

linh

as*

de algum

or

i

xá da o

utr

a

. Pa

r

a

is

so

era

necessário

que o ~

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d~u

~

conh

ece

sse

a

s linh

as dos o

ri

x

ás do o

po

n

e

nt

e.

A linh

a

,

co

mo Ja f

O

IdIto

,

m

a

r

ca

com

o o orixá

d

eve

trab

a

lh

a

r,

é a s

u

a

origem

*.

Pr

endend

o

-

se a

linh

a

de um

or

i

xá, es

t

e

n

ã

o pod

er

i

a

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ais

t

ra

balhar

pa

r~ p~oteg

er se

u

ca

v

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lo. O o

r

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m

ca

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ficaria

p

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eso

,

i

m

o

bilizado

,

e nao Inc

o

rp

ora

ri

a

m

a

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s

em

se

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ca

v

a

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o

. D

es

se m

o

d

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,

o cava

lo fic

a

ria

se

m sua pr

oteção,

pod

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eva

d

o

à

loucur

a o

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à

mo

r

t

e. E

sse er

a

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maior p

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igo

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uma demand

a e os

m

é

diuns a

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irm

ava

m que tinham

medo de te

r se

u

s g

ui

as

preso

s

.

No mom

e

nt

o e

m que um m

é

dium

pe

rde o

c

ont

ato co

m um d

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~e

u

s

~ui

a

s

, o

u

com vá

rios d

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es, per

d

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su

a

identid

a

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e

,

como pessoa.

A

Id

~

n~Ida~e do

.

m

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dium const

i

-se a

t

ravé

s de su

a re

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açã

o

co

m

s

eu

s

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xas

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r I

SSO

qu

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eme qu

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u

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ui

as

fiquem pr

esos.

Um d

o

s

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~(

sdo te~r

e

ir

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ud

a

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o

, que t

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v

e

s

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u

s g

ui

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preso

s

,

co

ntou-m

e

um dI

a: Re

cebI m

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u

p

r

e

t

o-ve

lho na

s

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x

t

a

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feira,

e

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le disse

p

ra

eu n

ã

o

te

r m

a

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s

medo

,

qu

e e

l

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i

a

m

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prote

ge

r d

a

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m

a

nda .

..

.

Ac

ordei de out

ro

j

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ito, ali

v

i

a

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in

a

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me

nte

encontrei o meu eu."

Q

~

a

ndo o

diu

m

c

o

nsegu

i

u

reave

r

o

c

o

ntato com s

e

u p

re

to

-

velho

p~

de encont

ra

r

se

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25 de junho

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(4)

a-va, parecia ~ei? cega; s~ pouco a pouco, no decorrer da pesquisa, pud~ reCO?strtUIr o que tmha sido essa cerimônia. Minhas impressões no dIa da mauguração eram ambíguas. Às vezes sentia-me como num teatro, vendo u~ :spetáculo dramático, catártico, agressivo, pois vez por outra os medmns possuídos diziam palavrões. Mas ao mesmo tempo tinha a impressão de que não eram homens que via e sim de.uses na terra, tão marcadas eram as expressões corporais dos atores. Mmha confusão aumentou quando vi um aluno meu que assistia à cerimônia, "cair no santo"*. Era um transe desorde~ado e os mé-diuns, imediatamente, ajudaram-no. Seria a primeira vez que isso lhe acontecia? Tive medo, mas ao mesmo tempo tal fato incentivou-me a prosseguir com a pesquisa. Se essa experiência cultural, à qual assistia co.mo observadora, era uma escolha entre as limitadas Opções cultu-raIS, talvez eu, como qualquer um daqueles médiuns, pudesse entrar em transe e ser um cavalo dos deuses. Depois dessa primeira impres-são pude reconstituir os fatos.

~quel~ mãe-de-santo, Maria Aparecida, era a responsável pelo terrelr~. DIsse-me uma médium: "O terreiro era dela." O nome da casa fOI dado por ela e o caboclo Serra Negra era um de seus guias. O exu que ficava num nicho perto da porta de entrada era também seu exu

-

.

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e~u Mangueira. As imagens que ficavam no altar eram dela e, co~o Ja dIsse, o grupo inicial de médiuns que organizou o terreiro fazIa parte de sua clientela. Ela era "excelente" "conhecia muito bem a lei"e e~a "~I1Uitoboa no santo"*, segundo o g;Upo. Tinha uma grande ascendencla sobre as pessoas não só porque sua ligação com elasvinha de ~~os mas porque sua preta-velha, vovó Maria Conga*, já tinha aUXIhado todos os médiuns do grupo através de consultas. Sempre que falavam de Aparecida, falavam na "vovó" e enfatizavam o auxílio que dela tinham recebido. Um dos médiuns prometera-lhe que iria trabalhar no santo com seu cavalo, ou seja, a mãe-de-santo Maria Aparecida.

Sexta-feira, 3D de junho:

Passara-se quase uma semana da inauguração. A mãe-de-santo esti-p~lara pa~a esse dia, um trabalho no cemitério. Uma obrigação, ou seja, um ntual atraves do qual são feitas oferendas aos orixás levan-do-se suas comidas e bebidas ao local onde eles reinam. O cerr:itério é o local do povo do cemitério, cujo chefe éObaluaê _ associado a "são

I.. zaro. Quando chegaram ao cemitério havia um grupo de médiuns deum terreiro que não conheciam. Os dois grupos pretend~am "ar

-l'iJrobrigação"* no mesmo local e iniciou-se por isso uma bnga entre -Ies.Os médiuns estavam incorporados e a primeira mãe-pequena, Marina, com seu exu, começou a brigar com um médium do outro terreiro que acusou-a de estar traindo sua mãe-de-santo, demandan-do contra a mãe-de-santo para que esta saísse do terreiro. Saíram do

emitério e foram para a Tenda Caboclo Serra Negra. Chegando lá, a mãe-de-santo pegou Marina pelos braços e jogou-a para fora ?a casa. Agarrou outra médium, começou a chutá-la,.mandando depo~s todos osoutros médiuns embora, ficando no terreIrO apenas o presidente e dois ou três médiuns.

Segunda-feira,

3 de

julho:

Amãe-de-santo reuniu os médiuns no terreiro. Quando chegaram, encontraram moedas espalhadas por todos os lados, na casa de exu, na sala do gongá e da assistência, emuitos pontos riscados. A mãe-de-santo afirmava que as moedas e os pontos riscados eram parte de um trabalho que Marina estava fazendo contra ela. Era dia de co~s~lta no terreiro e os médiuns começaram a limpar e arrumar tudo. ImcIOu-se, nesse dia, o processo que o grupo classificou de "loucura da mãe-de-santo". Ela é que teria feito os pontos e jogado as moedas para poder acusar a mãe-pequena e dizia coisas estranhas como, por exem~lo, ''Ah,o defunto já foi ...",depois de ter afirmado que iria matar Manna. Osmédiuns começaram a ficar apavorados e alguns foram embora. A mãe-de-santo saiu do terreiro e uma das médiuns resolveu acompa-nhá-Ia. Chegando na rua, no entanto, Aparecida mandou-a embora e seguiu sozinha. De longe, os médiuns viram-na atravessar a rua sem olhar para os carros, "doida", "louca':

Foi para a casa de Marina e chegando lá começou a quebra~ tudo o que havia na casa. Dirigiu-se depois para a casa de sua madnnha*, entrou e começou a bater nela, jogando-a no chão. Os médiuns que continuavam esperando no terreiro, viram-na voltar depois de algum tempo, acompanhada da filha de sua madrinha, completame~te fora de si. Deitaram-na no chão e deram-lhe calmantes, mas não adIantou. Mário, o presidente, resolveu levá-Ia para sua casa e disse-me que passou três noites sem dormir, tentando acalmá-Ia. Decidiu, então, chamar um médico e este recomendou interná-Ia. Mário levou-a para

(5)

o Hospital Pinel, de onde foi transferida para o Hospital Psiquiátrico

de Engenho de Dentro. O terreiro ficou fechado por algum tempo.

Desde a sexta-feira, dia 30, até essa segunda-feira, a mãe-de-santo

praticou alguns atos classificados pelo grupo como parte de sua

lou-cura, Foram atos muito perigosos para os médiuns, atos que, segundo

me disseram, poderiam tê-Ios levado à morte ou à loucura. Teria feito

trabalhos contra Marina e conseguira prender seus guias, pois "botou

sete exus na cabeça de Marina

"

, Esta passou a receber apenas esses

exus e, segundo me disse depois, quase ficou doida. Via bichos

enor-mes em sua frente e não conseguia dormir. Sônia, a segunda

mãe-pe-quena, contou-me que a mãe-de-santo tinha colocado sua cabeça

debaixo do altar, tentando através disso prender seus guias. Sônia

obedeceu à mãe

-

de-santo porque não sabia disso, pois era nova no

santo. Só depois é que veio a saber que tal ato poderia ter ocasionado

sua loucura.

Houve também nesse período uma guerra de exu no terreiro.

Uma noite, o presidente acordou dentro da casa de exu, tendo

quebra-do todas as imagens. "Eu estava quebra-dorminquebra-do, quanquebra-do acordei estava

dentro da casa de exu com a roupa toda rasgada e tinha quebrado

todas as imagens."

O

relato desses atos foi feito por Marina, por Sônia e por M

á

rio

.

Não presenciei a nenhum deles, pois logo na semana seguinte à inau

-guração o terreiro ficou fechado e não pude entrar em contato com

Mário.

De início, o grupo interpretava o que estava ocorrendo como

uma conseqüência da demanda do terreiro da rua do Bispo. Mas

depois que a mãe-de-santo começou a dizer coisas estranhas e a bater

nas pessoas, os médiuns afirmavam que muitos desses fatos estavam

ocorrendo por causa de sua loucura, sua doença. "Agente pensava que

fosse demanda do terreiro da rua do Bispo, mas depois vimos que era

por causa dela estar doida, louca.

"

Várias causas foram dadas para explicar por que a mãe-de-santo

fica-ra louca. Teria se cansado com os tfica-rabalhos pafica-ra a abertufica-ra do

terrei-ro. Já havia sido internada duas vezes em hospitais psiquiátricos.

Este último fato o grupo soube através da madrinha de

Apareci-da. O grupo também n

ã

o sabia que a mãe-de-santo havia tido outro

terreiro, fechado pelo mesmo motivo.

O

médico dissera que sua

lou-cura era causada por traumas de infância, mas o grupo se perguntava

po

r que ela teria ficado doida, louca, justamente naquele momento e

n

ã

o em outro.

Ao lado disso, o grupo achava que a mãe

-

de-santo havia

cometi-do erros na abertura cometi-do terreiro porque já estava cometi-doida. Esses erros

pr

ovocaram muitos dos fatos posteriormente aí ocorr,ido,s.Nã~

pode-ria ter trabalhado com exu na inauguração e s6 podena te-Io feIto sete

dias depois (outros diziam sete meses). Trabalhando com

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-

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_ que "não querem fazer caridade e passam a fazer 'bagunça'. E~es

foram os responsáveis pela loucura da mãe

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de-santo e por t?da a cnse

do terreiro -

fazendo a guerra de irmão com irmão e de pal-de-sa~to

com seus filhos." Além disso, ela não fez o assentamento do terreIro

corretamente e não batizou os atabaques

*

, porque não teve

orienta-ção de sua mãe-de-santo em virtude de uma demand~ entre

_

as duas,

"Nenhum filho-de-santo pode abrir uma terra sem onentaçao de sua

mãe-de-santo." Essa falta de orientação foi o que a levou à loucura e o

que provocou a crise do terreiro. O presidente enfatizav~ os erros do

ritual e falava menos na demanda, prin

c

ipalmente depOiSque o

t:r-reiro fechou, Mas o grupo todo enfatizava a demanda de AparecIda

com sua mãe-de-santo.

Por ser louca, maluca, doida, Apare

c

ida não poderia continuar

responsável pelo terreiro, pois, segundo o gr~po, seri,amuito tr~~alh,o

e trabalho de muita responsabilidade. Podena, se

qUisesse,frequenta-10, assistir às sessões, mas não como mãe-de-santo.

O

presidente resolveu reabrir o terreiro depois que a mãe-de-~anto foi

internada

.

Explicou-me que a Tenda Caboclo Serra Negra nao

pode-ria ficar parada ou fechar porque "existe uma norma da Congregação

segundo a qual um terreiro só pode fechar depois de um an,? de

funcionamento". "Pode mudar de local, mas nunca ser fechado.

As-sim, cerca de 15 dias depois da inauguração, o terreiro foi novamente

aberto com um novo pai-de-santo

,

O

novo pai-de-santo, Pedro, foi levado para o terreiro por um

casal de médiuns do grupo original e não conhecia nenhum ou~ro

médium do grupo. De início, explicou-me que iria ficar neste ter~el:o

apenas para auxiliar o grupo. Tinha três outr?s terreir~s e sua mIssao

era a de "abrir terras", Como pai-de-santo cnava terreIros, preparava

os médiuns" e deixava um médium pronto" para presidir os

traba-lhos. Havia feito isso em outros tr

ê

s terreiros e pretendia fazer o

(6)

disse-me que eram os exus que a mãe-de-santo botara em sua cabe~a eexplicou-me: "Quando meus guias descem, os exus querem aproveI-tar a brecha e descer na minha cabeça .... Foi por isso que quando a minha criança subiu eles me jogaram no chão.,,2

Depois desse domingo os médiuns discutiam muito sobre a volta da mãe-de-santo. Sônia, a mãe-pequena, disse-me: "A mãe-de-santo vai ter de sair do hospital e pode vir aqui e quebrar tudo. Ela é a dona do terreiro, ela é que alugou a casa e vai estar no direito dela. Se ela voltar eu não fico .... Pode ser que alguém fique, mas não acredito, ninguém quer ser filho-de-santo dela."

O pai-de-santo, nesse período, afirmava: "O chefe material do terreiro é o Mário e o chefe espiritual é a Aparecida (a mãe-de-santo). Mas quem é responsável pelo terreiro é o Mário e não ela." Essa posição inicial de Pedro mudou no decorrer da história, pois mais tarde procurou fazer com que Mário passasse o terreiro para o seu nome.

O terreiro tinha sido aberto sob a responsabilidade de Aparecida eseu nome figurava no certificado da Congregação como responsá-vel. Para que Pedro ficasse oficialmente como pai-de-santo seria pre-ciso que houvesse uma mudança no certificado da Congregação. Mas o terreiro continuou com o mesmo nome dado pela mãe-de-santo e até o final o certificado pendurado na parede continuava tendo o nome de Maria Aparecida como sua mãe-de-santo.

À medida que o tempo passava vários fatos marcavam o aumento do poder de Pedro junto aos médiuns.

mesmo agora. Morava longe, perto de Nova Iguaçu, e pediu ao presi-dente para ficar morando no terreiro, pois seria difícil ir lá muitas vezes por semana. O presidente e o grupo concordaram.

Pedro fez, de início, alguns trabalhos na mata, na cachoeira, na encruzilhada e na praia com todos os médiuns. Eram obrigações para todos os orixás ligados a esses locais. Prescreveu ainda alguns traba-lhos especiais para Marina, até então a mãe-pequena do terreiro, para que seus guias voltassem. Ao lado disso, escolheu Sônia para ser sua mãe-pequena, retirando Marina do posto. Mandou que comprassem novas imagens e disse que teriam de batizar os atabaques. Retirou o exu Mangueira da porta de entrada e colocou-o junto com os outros na casa de exu.

Pedro trouxe uma irmã sua que pertencia a outro terreiro para ser médium e trabalhar com ele. Ele muitas vezes evocava essa irmã para confirmar fatos passados de sua vida, como, por exemplo, o fato de ter três terras. Além da irmã, Pedro tinha grande clientela de familiares.

De início, todo o grupo, inclusive o presidente, dizia que Pedro era excelente, bom no santo. Mais tarde, Mário mudou sua opinião.

No dia 14 de julho os trabalhos foram abertos regularmente para o público. Durante dez dias as sessões correram normalmente, com consultas, desenvolvimento e uma sessão de domingo, mas havia uma preocupação que afligia o grupo: a volta da mãe-de-santo.

Domingo,

16

de julho:

Era uma sessão de domingo e os exus estavam na terra. Houve um rebuliço no terreiro, algumas pessoas indo até a janela e voltando para falar com os médiuns incorporados. O presidente, com seu exu, foi avisado de que a mãe-de-santo estava lá embaixo, em frente à porta do terreiro. O pai-de-santo colocava a mão no ouvido e andava de um lado para outro, gesto que sempre fazia para ouvir o que os guias diziam. Mas o exu de Mário acalmou o grupo, dizendo que não era ela quem estava lá. A sessão continuou e, no final, Marina, ao sair do transe, depois de receber sua criança, caiu debaixo do altar. O pai-de-santo socorreu-a, fez umas cruzes com cachaça na cabeça e na orelha da médium, pois estavam machucadas. No final da sessão, Marina

Segunda-feira,

24

de julho:

Era dia de consulta e ocorreu um dos fatos que marcaram o aumento do poder do pai-de-santo. Havia um senhor, de cerca de 35 anos, que desde a inauguração assistia a todas as sessões e ficava sempre num canto da sala de assistência, observando. O grupo começou a descon-fiar dele, principalmente depois que soube que ele era médium de um terreiro vizinho onde era cambono*. Começaram a acusá-Io de de-mandar contra o terreiro, pois o seu estaria sendo prejudicado com a abertura do novo. Alguns médiuns diziam que a guerra que levou Mário a cair na casa de exu, no tempo da primeira mãe-de-santo, era demanda feita por aquele senhor.

(7)

Nesse dia, opai-de-santo mandou buscar cachaça efezum círcu -lo defogo em volta doacusado, obrigando-o a cair no santo. Era uma prova de fogo*, que visa saber sea pessoa está recebendo de verdade ou está fingindo. Com essa prova, o acusado mostrou publicamente sua mediunidade. Mais tarde Pedro disse-me que o tal homem, reco -nhecendo sua eficiência como pai-de-santo, arrependeu-se de ter fei -to ademanda. Passou desde esse dia a trabalhar no terreiro, auxilian -do Pedro nas consultas e sessões de domingo.

Amaioria dos médiuns dizia que aguerra de exu que levou Mário a cair na casa de exu tinha sido provocada por aquele médium do terreiro vizinho. No entanto, alguns afirmavam que tinha sido causa -do pela mãe-de-santo deAparecida. Não sei, também, se o acusado se arrependeu como disseram, pois ele nunca quis falar desse assunto comigo.

Nessa segunda-feira Pedro mostrou que era bom no santo e que conhecia bem as técnicas rituais. Sempre que o grupo narrava o fato, ressaltava a eficiência do pai-de-santo por ter conseguido fazer com que oacusado caísse no santo dentro do círculo de fogo.

de-santo estavam demandando, como disse Pedro, "um fazia um tra-balho eo outro desmanchava".

Depois disso, Aparecida foiatéogongá, bateu cabeça e saiu dizen -do que não tinha nada contra as pessoas. Quando se dirigia para a escada, Mário segurou suas mãos e disse: "Não vai ficar zangada comigo, você pode voltar, mas só para assistir." O fato de ter batido cabeça significava sua despedida do terreiro e,aparentemente, uma aceitação de sua derrota, pois tal atosignifica uma despedida res peito-sa ao terreiro e seus orixás.

Esse fato foi narrado da mesma forma por Mário e por Pedro, sendo que Mário enfatizava mais o seu papel por não ter caído no santo, diminuindo o de Pedro, pois dizia que eleteria enfiado aagulha no seu braço defeituoso, que deveria ser insensível. Apartir dessa data estava definitivamente marcada aposição do pai-de-santo no terreiro enão se falava mais na volta deAparecida. Os médiuns enfatizavam a força espiritual* de Pedro por ter conseguido que Aparecida saísse do terreiro sem quebrar tudo. Mário também ganhara importância e procurava enfatizar seu papel, pois se ele tivesse caído no santo talvez o resultado não fosse o mesmo.

Desde então não se falou mais na volt~ da mãe-de-santo e a preocupação central do grupo voltou-se para as conseqüências que esse fato poderia trazer para oterreiro.

Quarta-feira, 26

de julho:

Os médiuns estavam reunidos na sala do gongá para iniciar odes en-volvimento quando Aparecida entrou no terreiro, já recebendo um dos seus exus. Foi até acasa deles edas almas, berrando como fazia quando incorporada. Mário pegou-a pelos braços, enquanto elab er-rava dizendo que ia quebrar tudo, e trouxe-a para a sala do gongá. Mário afirmou-me que nesse dia Aparecida não estava com santo*, mas Pedro dizia que sim. Aparecida, ainda incorporada com o exu, riscou um ponto no chão da sala do gongá, perto do altar epuxou Mário para dentro dele. Queria que Mário caísse no santo dentro do ponto riscado, mas Mário firmou enão caiu3.

Se Mário caísse no santo, dentro do ponto riscado, Aparecida teria conseguido dominá-Io emarcado seu poder como mãe-de-santo no terreiro. Mas Mário não caiu no santo, ou seja, não entrou em transe e firmou, impedindo que o guia descesse em sua cabeça, e Aparecida não conseguiu demonstrar sua força.

Enquanto Aparecida tentava fazer com que Mário caísse no santo, Pedro, incorporado com seu preto-velho, enfiava uma agulha no bra -ço eno pé efazia outros trabalhos. Esse preto-velho e o exu da mã

e-Sexta-feira,

28 de

julho:

Dois dias depois da ida da mãe-de-santo aoterreiro, Sônia, amãe- pe-quena, láchegou dizendo que Aparecida tinha ido à suacasa com dois homens, um dos quais era seu pai-de-santo. Afirmou-lhe que Apare-cida iria "fazer cabeça no candomblé"*, ou seja, iapassar pelo ritual de iniciação de filha-de-santo dentro da cerimônia do candomblé. Nesse momento Pedro interrompeu orelato e,espantado, perguntou: "Mas como? Ela não tem cabeça feita*?" Os médiuns não souberam responder e disseram que não estavam entendendo, pois Aparecida já tinha cabeça feita.

Sônia continuou a falar sobre o assunto, dizendo que o terreiro para onde Aparecida ia era em Nova Iguaçu eque o endereço estava

(8)

em sua casa. E acrescentou: "O tal pai-de-santo falou que trabalhava com o diabo." Os médiuns começaram a rir nervosamente, e Sônia, rindo, perguntou a Pedro: "Eles trabalham com isso (não repetia diabo) no candomblé?" O pai-de-santo balançou a cabeça num gesto indefinido. Sônia contou ainda que o tal pai-de-santo queria que ela recebesse seus guias na sua frente, mas ela não o fez, pois sabia que ele iria prendê-Ios. Disse, por fim, que Aparecida pedira a chave do terrei-ro e que iria buscá-Ia na casa de Mário. Mário disse: "Lá em casa ela não vai, ela tem medo de mim." Sônia terminou o relato afirmando: "Ela vai fazer demanda, eu tenho certeza; do jeito que ela estava!"

Os médiuns depois comentaram que Aparecida estava mesmo louca, pois como ia fazer cabeça novamente? Diziam que ela ia piorar ainda mais, porque esse pai-de-santo, que conhecera Aparecida na véspera, não poderia se responsabilizar por ela, era um doido.4

A partir dessa data a demanda da mãe-de-santo foi a preocupação central do grupo e serviu de explicação para muitos fatos ocorridos no terreiro. Todos falavam na demanda e o presidente chegou a dizer que "era uma coisa muito perigosa" e que "acontece sempre que se abre um terreiro". Disse que tinha ido falar com um amigo seu, que também trabalhava no santo há muitos anos e ele havia confirmado o perigo da demanda.

O pai-de-santo era, no entanto, quem mais falava no assunto e achava que tinham de trabalhar muito para acabar com a demanda. Exigia que os médiuns ficassem no terreiro até tarde, trabalhando para essa finalidade. Afirmou muitas vezes que tinha encontrado tra-balhos feitos na porta do terreiro. Ora era uma fita vermelha, ora um alguidar com farofa. Um dia contou que havia encontrado um traba-lho com uma flor retirada de um vaso do gongá. Todos os médiuns ficaram assustados e Mário, ao me relatar o fato, disse: "Alguém en-trou aqui sem que a gente visse e tirou a flor para fazer o trabalho. Pode até ter sido Aparecida.,,5

As sessões muitas vezes se prolongavam demorando para "fechar a gira"*. Sempre acontecia algo visto como conseqüência da deman-da: alguém passava mal ou entrava um bêbado atrapalhando os traba-lhos. Em um desses dias, depois de terem finalmente conseguido fechar a gira, pois um cliente tinha passado mal, o pai-de-santo teve uma crise de choro e todos diziam que era de cansaço.

Marina, a primeira mãe-pequena, depois que soube da volta de Aparecida, passou algum tempo sem ir ao terreiro. Quando

finalmen-te apareceu, disse: "Ainda bem que eu não estava aqui quando ela veio, acho que morria se a visse."

Um dia, Sônia, a mãe-pequena, mostrou-me um papel onde esta-vam escritos todos os itens necessários para um trabalho que deve-riam fazer para seu Sete Encruza. Tedeve-riam de trazer para o terreiro um gato preto e uma cobra vivos e colocá-Ios perto da casa de exu. Além disso, teriam de preparar as comidas de santo para o exu que havia descido, dizendo que uma pessoa lhe prometera trabalho igual para que ele fizesse mal ao terreiro. Era um dos trabalhos que faziam parte da demanda da mãe-de-santo, como me explicaram. Seu Sete Encruza nesse dia afirmara que se o terreiro não lhe desse um trabalho igual ele nada faria. Assim, os médiuns prometeram-lhe o trabalho, classifica-do pelo grupo como uma obrigação. Mas nunca cumpriram o prome-tido.

A demanda estaria afetando não só os trabalhos no terreiro como também o cotidiano dos médiuns. Pedro, por exemplo, perdeu seu emprego e afirmava que isso era "coisa da demanda". Um búzio caído em cima do pé de Pedro, numa das vezes em que jogava para prever o que iria acontecer com a demanda, era sinal de que a mãe-de-santo continuava demandando para destruir o terreiro e afetar a vida do pai-de-santo. Nesse período, em todas as sessões a mãe-pequena defu-mava cada um dos assistentes e depois fazia cruzes com a pemba nas mãos de todos eles. Mesmo assim, uma cliente amiga do presidente teve uma crise de asma e o pai-de-santo afirmou que era coisa da demanda. Pedro e Mário foram várias vezes à casa da moça e passa-vam horas fazendo trabalhos para curá-Ia. Dois dias depois Mário chegou no terreiro avisando que a moça ficara boa e explicou-me que ela costumava ter essas crises. Apesar disso, o próprio Mário e o grupo

" d d d "6

afirmavam que aconteceram agora por causa a eman a.

A demanda, temida por todos, não explicava apenas os fatos pas-sados, servindo também como um caminho para prever o futuro. A vida do terreiro passou a girar em torno dela. Todos acreditavam que o terreiro estava em demanda, como afirmava o pai-de-santo e o presidente: "A demanda é coisa muito perigosa, principalmente quan-do é entre um pai ou mãe-de-santo e seus filhos. Um pai ou mãe-de-santo sabe tudo sobre o filho e pode fazer muita coisa. Pode até acontecer uma morte e não sei como ainda não morreu um aqui. Mas acho que ainda vai acontecer e tenho certeza de que quem vai morrer é Aparecida. Ela vai se suicidar:'

Referências

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