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O processamento cognitivo de dispositivos não-linguísticos durante a aquisição da linguagem: o integrado sistema fala-gesto

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O processamento cognitivo de dispositivos não-

-linguísticos durante a aquisição da linguagem: o sistema

integrado fala-gesto

Teresa Cosmo Domingos Maló Sequeira

Tese de Doutoramento em Linguística

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iii

O processamento cognitivo de dispositivos não-

-linguísticos durante a aquisição da linguagem: o sistema

integrado fala-gesto

Teresa Cosmo Domingos Maló Sequeira

Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Linguística, realizada sob a orientação científica da Professora

Doutora Ana Maria Monção Fernandes

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v

Declaro que esta Tese é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente

mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia. A candidata,

Teresa Cosmo Domingos Maló Sequeira __________________________________________

Lisboa, 20 de maio de 2016

Declaro que esta Tese se encontra em condições de ser apreciada pelo júri a designar.

A orientadora,

Ana Maria Monção Fernandes

_______________________________________ Lisboa, 20 de maio de 2016

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vi

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vii

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer, em primeiro lugar, à minha orientadora, a Professora Doutora Ana Maria Monção Fernandes, por todo o apoio prestado ao longo de mais de uma década de trabalho, pela sua disponibilidade, encorajamento e transmissão de conhecimentos. Sou-lhe grata pela confiança depositada em mim e por toda a paciência demonstrada ao longo deste processo.

Agradeço, igualmente, à Professora Doutora Rosa Lima, à Professora Doutora Fernanda Leopoldina Viana e à Professora Doutora Anabela Cruz-Santos, da Universidade do Minho; à Professora Doutora Isabel Galhano Rodrigues, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, à Dra. Etelvina Lima, da Universidade de Leiria, à Professora Doutora Dina Alves, da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal, à Professora Doutora Sónia Frota da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e à Dra. Evelina Rodrigues. A todas agradeço a simpatia e disponibilidade no esclarecimento de dúvidas e fornecimento de documentação bibliográfica.

Uma palavra de agradecimento aos diretores das instituições Ti-Té, Colégio do Rio, Colégio da Penina, Lar da Criança (Polo de Portimão e Polo da Ouriva), em Portimão, e em especial à diretora pedagógica Juliana Santos, por transmitir confiança e segurança aos pais, relativamente ao projeto de investigação, aquando do pedido de colaboração.

Um reconhecimento muito especial a todas as crianças que integraram a amostra do estudo, pela sua simpatia e tolerância, e aos respetivos pais. Se não fosse a sua generosidade e paciência, nada disto teria sido possível.

À minha grande colega e amiga Conceição Andrade, por tudo o que me ensinou durante os anos em que trabalhámos juntas na Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve, pela transmissão do saber e do saber ser! E obviamente pela sua revisão crítica e sugestão de melhorias relativamente a este texto.

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viii

À minha amiga de longa data Shirley do Vale, pelo apoio incondicional, pela transmissão de energia positiva durante todo o processo de investigação, assim como pela revisão do estudo empírico.

Agradeço à minha colega de curso de doutoramento Sara Pita, pela solidariedade e apoio constantes durante as nossas odisseias académicas, pela partilha de experiências, de conhecimentos e de angústias.

Quero agradecer ainda à Teresa Coelho, pela realização dos certificados de participação das crianças do estudo; à Marta Valongo que procedeu às diligências necessárias com vista à viabilização da avaliação do desenvolvimento global das crianças; e ao Dr. Daniel Alves pela celeridade e eficácia com que procedeu à avaliação psicológica dos quatro participantes.

Não poderia deixar de agradecer à Ana Marreiros, professora na Faculdade de Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve e ao Nélson Lavrador, pelo companheirismo demonstrado e doutos conhecimentos veiculados no que diz respeito à organização da base de dados e à análise estatística, tendo desmistificado muitos dos meus receios relativamente aos programas informáticos Excel e ELAN. Uma palavra de agradecimento também à Stephanie Castaldo pela ajuda na análise preliminar dos dados.

Agradeço à Joanna Skubisz pelo esclarecimento de dúvidas e fornecimento de bibliografia.

Aos meus pais e irmão, por terem feito de mim aquilo que hoje sou: alguém que cumpriu mais uma etapa decisiva!

Agradeço aos meus sogros, por me ajudarem, sempre com um grande sorriso, na retaguarda com os meus filhos.

Ao Ricardo, por me incentivar e transmitir, desde o início, que eu era capaz de concretizar esta longa e complexa missão.

Por último, os meus filhos, Beatriz e Francisco, na esperança de que me desculpem por todo o tempo em que não estive de corpo e de alma com eles.

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O processamento cognitivo de dispositivos não-linguísticos durante a aquisição da linguagem: o sistema integrado fala-gesto

RESUMO

Conquanto a linguagem da criança seja, desde há largas décadas, alvo de investigação sistemática por especialistas nos domínios fonológico, léxico-semântico, morfossintático e pragmático, reduzida atenção tem sido conferida à produção de gestos manuais comunicativos produzidos por crianças com um percurso de desenvolvimento linguístico típico. Estes gestos surgem anteriormente à produção das primeiras palavras e mantêm-se ao longo da expressão dos enunciados para dar, mostrar, pedir, recusar, apontar, descrever, complementando e/ou acrescentando informação concetual à fala. Circunscrita à área da Psicolinguística e enquadrada na teoria interacionista, esta tese de doutoramento visa aprofundar o conhecimento sobre o papel do gesto manual intencional no processo de aquisição da linguagem e toma como ponto de partida a conceção de multimodalidade proposta por McNeill (2000). Inclui um estudo empírico, de caráter longitudinal, para observação de quatro crianças em contexto naturalista, em situação de interação comunicativa com a mãe, e é norteado pelos seguintes objetivos: (i) descrever o desenvolvimento da gestualidade comunicativa da criança dos 0;7 aos 0;24 meses; e (ii) explorar a relação fala-gesto durante esse período temporal. Os resultados, procedentes de uma análise exploratório-descritiva de dados quantitativos, referem que (i) há evidências pouco expressivas da coocorrência gesto-fala nos primeiros dois anos de vida; (ii) a produção de gesto predomina sobre a produção de fala durante o primeiro ano de vida; (iii) no segundo ano de vida, as ocorrências de fala predominam sobre a produção gestual, sendo que o ponto de mudança neste comportamento ocorre entre os 16-18 meses; iv) entre os 0;7 e os 0;24 meses, todos os participantes produzem os tipos de gesto em análise (gestos deíticos [aponta, mostra, dá, pede, recusa], gesto icónico e gesto convencional) embora em proporções diferentes; (v) dos gestos considerados, o tipo mais produzido é aponta; e vi) a ordem de emergência gestual apurada é gesto convencional, dá >> mostra, recusa, pede, aponta >> gesto icónico.

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Cognitive processing of non-linguistic mechanisms in early language acquisition: - the speech-gesture integrated system

ABSTRACT

Although child language development has been subject of systematic research at the level of phonological domains, lexical-semantics, morphosyntax and pragmatics, throughout several decades, little attention has been given to the production of communicative hand gestures produced by babies and infants. These gestures appear long before the production of the first words and continue to be used along with the production of the first utterances, remaining in parallel with language development to request, give, point and describe. Thus, these gestures complement and add conceptual information to speech. Confined to Psycholinguistics and supported by the interactionist theory of language acquisition, this doctoral thesis aims, in a broad scope, to deepen the knowledge on the role of gesture in early language acquisition, following McNeill’s (2000) multimodal language conception. Therefore, this research work includes an empirical longitudinal study and points as main purposes: (i) to describe early gesture development from 0;7 to 0;24 months, and ii) to explore speech-gesture relationship in early language acquisition during the same period. Results, arising from an exploratory and descriptive analysis of quantitative data, indicate that (i) there is evidence, though not very expressive, of gesture-speech co-occurrence during the first two years of life; (ii) the production of gesture predominates over the production of speech production during the first year of life; (ii) in the second year of life, speech production prevails over gesture production, and the turning point occurs between 16-18 months; iv) from 0;7 to 0;24 months old, all subjects produce the gesture types considered (deitics [pointing, showing, giving, requesting, refusing] iconic gestures and conventional gestures); (v) within the gestures considered, the most produced was the pointing gesture and vi) overall, the gesture emergence observed is conventional gesture, giving >> pointing, showing, requesting, refusing >> iconic gesture.

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Índice

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO 1 - A gestualidade durante a aquisição da linguagem: o sistema

integrado fala – gesto ... 5

1.1.

Os gestos na comunicação ... 6

1.1.1. Perspetiva histórica ... 9

1.1.2. A abordagem multimodal da linguagem segundo McNeill ...10

1.1.3. Categorização dos gestos ...16

1.1.4. Tipologia gestual de McNeill ...23

1.1.5. Unidade de gesto e respetivas fases ...26

1.2. A dimensão gestual na aquisição da linguagem ... 29

1.2.1. A emergência da relação integrada fala-gesto ...38

1.2.2. O desenvolvimento gestual (tipos e frequência) e aquisição linguística ...47

1.2.2.1. O gesto de apontar ... 58

1.2.3. O desenvolvimento gestual: síntese ...62

1.2.4. O output gestual dirigido à criança ...64

1.2.5. Estudos sobre o desenvolvimento gestual com base em questionários/entrevistas parentais ...70

1.2.6. Intenções comunicativas inerentes aos primeiros gestos espontâneos ...74

1.3. Síntese ... 80

CAPÍTULO 2 - O desenvolvimento fonológico e lexical nos primeiros dois

anos de vida ... 85

2.1. Desenvolvimento fonológico: perceção da fala ... 86

2.1.1. O desenvolvimento da perceção da fala no primeiro ano de vida...87

2.1.1.1. Pistas sublexicais: nível suprassegmental ... 89

2.1.1.2. Pistas sublexicais: nível segmental ... 95

2.1.1.3.Pistas sublexicais: nível subsegmental ... 98

2.2. Desenvolvimento fonológico: produção... 99

2.2.1. O período pré-linguístico ...99

2.2.2. O início do período linguístico ... 105

2.3. O desenvolvimento lexical precoce ... 108

2.3.1. Desenvolvimento lexical: produção ... 109

(12)

xii

CAPÍTULO 3 - Estudo empírico: questões de investigação, procedimento

metodológico e tratamento dos dados ... 122

3.1. Questões de investigação ... 122

3.2. Procedimento metodológico ... 123

3.2.1. Critérios para a elaboração do estudo empírico ... 123

3.2.2. Identificação da população-alvo ... 124

3.2.3. Organização da amostra ... 129

3.2.4. Recolha de dados ... 131

3.2.5. Síntese ... 133

3.3. Tratamento dos dados ... 134

3.3.1. Tipologia considerada para análise da dimensão gesto ... 135

3.3.2. Tipologia considerada na dimensão fala ... 139

3.3.3. A dimensão gesto-fala ... 141

3.3.4. Processo de codificação e anotação dos dados ... 142

3.3.5. Fidelidade dos dados ... 145

3.3.6. Organização da base de dados ... 147

3.4. Síntese ... 148

CAPÍTULO 4 - Apresentação e discussão dos resultados ... 150

4.1. Análise exploratório- descritiva ... 150

4.1.1. A dimensão gesto-fala ... 152

4.1.2. As dimensões gesto e fala ... 155

4.1.2.1. A evolução das dimensões gesto e fala por participante ... 158

4.1.3. A evolução global das dimensões gesto e fala e gesto-fala em frequência 159 4.1.4. Proporção global dos tipos gestuais ... 166

4.1.4.1. Evolução dos tipos gestuais ... 169

4.1.5. Variação interindividual do desenvolvimento gestual ... 173

4.1.6. Evolução trimestral da dimensão fala ... 179

4.1.7. Análise estatística: análise de clusters hierárquicos ... 181

4.1.8. Sequência cronológica do desenvolvimento gestual consonante com o desenvolvimento fonológico e lexical emergente ... 186

4.2. Síntese ... 189

CONCLUSÃO ... 192

BIBLIOGRAFIA ... 198

(13)

xiii

ÍNDICE DE TABELAS ... 241

ÍNDICE DE GRÁFICOS ... 243

ÍNDICE DE APÊNDICES ... 245

Apêndices ... i

[Apêndice 1] ... i

[Apêndice 2] ... ii

[Apêndice 3] ... iii

[Apêndice 4] ... x

[Apêndice 5] ... xiii

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1

INTRODUÇÃO

Os gestos manuais coverbais (cf. Rodrigues, 2005: 68) encontram-se tão enraizados na comunicação humana que, na maioria das vezes, só damos por eles quando estamos impedidos de os realizar ou ficamos com problemas na sua realização física.

Integrados com a fala, estes gestos espontâneos expressam atitudes, intenções e pensamentos e a sua coexpressividade revela-se tal que acompanha aproximadamente 90% do discurso oral dos adultos (McNeill, 1992).

O percurso ontogenético relativo aos gestos coverbais é gradual, pelo que a relação fala-gesto observada no discurso oral do adulto não se encontra estabelecida nos primeiros anos de vida das crianças.

A decisão de dedicar este trabalho de doutoramento ao desenvolvimento dos gestos manuais comunicativos produzidos no percurso de aquisição da linguagem prende-se, pois, com o exposto nos parágrafos anteriores e com a relevância que a investigação da componente gestual tem vindo a assumir na comunicação humana (cf., a este propósito, Tellier, 2009).

Apesar de a investigação nacional sobre o estudo dos gestos coverbais se revelar reduzida, são diversificadas as linhas de investigação de âmbito internacional com enfoque na exploração da natureza e função dos gestos comunicativos no desenvolvimento linguístico típico da criança, destacando-se as seguintes:

i) Os gestos espontâneos emergem anteriormente à produção das palavras já como formas intencionais e simbólicas para estabelecer comunicação com os outros (Bates, Camaioni e Volterra, 1975);

ii) Algumas perspetivas teóricas enfatizam a importância do período pré- -linguístico, que abarca a emergência gestual, na constituição tanto de

competências sociais cognitivas, como das bases da comunicação consideradas determinantes para o desenvolvimento linguístico pleno (Tomasello, 2009);

(15)

2

iii) Os estudos de investigação, no âmbito da Biologia Evolucionária, Antropologia e Primatologia, sugerem um paralelismo observado entre os comportamentos gestuais emergentes das crianças e os comportamentos manuais de primatas não-humanos (Tomasello, 2006; Rodrigues, 2014);

iv) O treino e promoção de gestos promovem o desenvolvimento cognitivo (Goldin-Meadow, 2000; Goldin-Meadow e Singer, 2003; Goldin-Meadow, no prelo) e linguístico quer em crianças com percurso típico (Goodwyn, Acredolo e Brown, 2000), quer atípico (Buffington, Krantz, McClannahan e Poulson, 1998; Capone e MacGregor, 2004).

v) A produção gestual emerge precocemente e mantém-se durante toda a existência do sujeito de forma coexpressiva seja semântica, seja sincronicamente em relação à fala (McNeill, 1992; Iverson e Goldin-Meadow, 1998; Butcher e Goldin-Meadow, 2000; Capirci e Volterra, 2008).

Naturalmente, não seria razoável, por limitações humanas e temporais, explorar num trabalho deste caráter todas as questões atrás enunciadas. Deste modo, após um levantamento bibliográfico preliminar que abrangeu as três últimas décadas de estudos afins às áreas da Psicologia, Linguística e Psicolinguística, verificámos a inexistência de estudos nacionais incidentes sobre a emergência da gestualidade espontânea intencional por crianças que têm o Português Europeu (PE) como língua materna.

No percurso típico de aquisição da língua nativa, anteriormente ao aparecimento das primeiras palavras, a criança desenvolve habilidades comunicativas materializadas gestualmente (Murillo e Belichón, 2012). Assim, o entendimento da emergência gestual, a par da linguística (fonológica e lexical), afigura-se-nos crucial para explicar cabalmente a ontogénese da linguagem humana.

Optou-se, portanto, por fazer incidir o estudo empírico na primeira linha de investigação, formulando-se como questão de partida a seguinte: como se processa o desenvolvimento gestual nos primeiros dois anos de vida das crianças? Com este propósito, traçaram-se os seguintes objetivos: (1) descrever o desenvolvimento da gestualidade comunicativa da criança típica dos 0;7 meses aos 0;24 meses; e (2)

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3

explorar a relação fala–gesto durante a aquisição da linguagem, à luz da perspetiva multimodal de McNeill (2000), no mesmo período temporal. Pretende-se seguir a investigação de McNeill (1992; 2005; 2012), uma vez que se revela pioneira no estudo sistemático das relações verificadas entre linguagem-gesto e pensamento-gesto.

O foco central desta investigação é, pois, a exploração da produção de gestos espontâneos e intencionais, executados com as mãos e os braços, decorrentes de situações de interação comunicativa, por crianças a percorrer um desenvolvimento linguístico típico.

Posto isto, a presente dissertação divide-se em 4 capítulos balizados por uma Introdução e uma Conclusão; os primeiros dois apresentam a base teórica que sustenta o estudo empírico efetuado. No capítulo 1, procede-se à revisão da literatura sobre o papel do gesto no processo de interação verbal, dando-se maior ênfase aos trabalhos de McNeill (1992) e à perspetiva da multimodalidade; seguidamente, revê-se a fundamentação de ordem teórico-metodológica relativa à emergência do gesto comunicativo nos primeiros dois anos de vida. Neste âmbito, a conceção de linguagem multimodal proposta por McNeill (1992) continua a ser explorada, focando-se o desenvolvimento da relação fala-gesto ao longo das primeiras aquisições linguísticas. Paralelamente, ao enquadrarmos o percurso de aquisição da linguagem na perspetiva interacionista, apoiando-nos, para tal, em Bruner (1983) e Vigotski (2000), a produção de gestos comunicativos recruta especial enfoque na promoção do processo comunicativo interacional adulto-criança.

No capítulo 2, realiza-se a revisão da investigação atual sobre o desenvolvimento fonológico e lexical precoce, considerando-se os principais mecanismos cognitivos subjacentes.

Nos capítulos 3 e 4, desenvolve-se o estudo empírico. Com base na questão de partida mencionada na página anterior e nos objetivos delineados, decidiu-se executar um estudo de caráter descritivo, uma vez que o tópico central se encontra parcamente explorado. Deste modo, no capítulo 3, expõem-se as questões de investigação e estabelecem-se os critérios para a elaboração do estudo, nomeadamente para a organização da amostra, para a recolha de dados multimodais e, por último, para o tratamento dos dados.

(17)

4

No capítulo 4, descrevem-se os resultados alcançados, com base em dados quantitativos apresentados em gráficos e tabelas. Proceder-se-á em simultâneo à sua discussão e confronto com os resultados da literatura revista nos capítulos 1 e 2. Ainda neste capítulo, decorrente da análise e reflexão sobre os resultados, propõe-se a esquematização de uma linha cronológica ilustrativa da emergência da gestualidade consonante com o percurso de aquisição linguística (fonológica e lexical) das crianças observadas.

Posteriormente, retomam-se sumariamente as principais conclusões, expõem- -se as limitações sentidas durante a prossecução do estudo empírico e sugerem-se algumas linhas de investigação a desenvolver no futuro.

Por último, finaliza-se com a apresentação da bibliografia e dos apêndices referenciados no corpo textual.

(18)

5

CAPÍTULO

1

-

A

GESTUALIDADE DURANTE A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

:

O SISTEMA

INTEGRADO FALA

GESTO

Com o intuito de se dispor dos recursos necessários à análise e discussão dos dados do estudo empírico, visa-se, neste capítulo, dois objetivos: em primeiro lugar, proceder a uma revisão geral da literatura de especialidade, com vista ao aprofundamento dos pressupostos, conceitos e terminologia inerentes à abordagem multimodal da linguagem, proposta por McNeill (1992), salientando-se o papel que os gestos possuem na compreensão e transmissão de informação; em segundo lugar, descrever os estudos de âmbito nacional e internacional sobre a produção de gestos comunicativos pelas crianças. Pretendemos, com isto i) apurar os aspetos teóricos, terminologia e categorização relativos aos gestos, no âmbito do desenvolvimento gestual típico em crianças, ii) descrever a emergência gestual (type) e a frequência (token1) nas primeiras produções gestuais intencionais e iii) traçar o percurso de evolução da relação integrada fala - gesto ao longo dos primeiros dois anos de vida.

Embora a segunda parte do presente capítulo (a partir do ponto 1.2.) não obedeça, em termos académicos, àquela que tradicionalmente se elabora, a opção de descrever, por vezes, exaustivamente, alguns estudos - percorrendo aspetos metodológicos como a constituição da amostra, a codificação dos atos comunicativos, a verificação da fiabilidade no processo de codificação dos dados e os principais resultados obtidos - justifica-se. Por um lado, pela inexistência de investigação de âmbito nacional sobre o fenómeno da gestualidade emergente e, por outro, para enquadrar e fundamentar o desenho metodológico delineado com vista à consecução do estudo empírico. Paralelamente, são apresentados os conceitos necessários à compreensão da natureza e função dos gestos no processo de aquisição da linguagem. O ponto 1.2. do capítulo 1 encerra, portanto, o objeto de estudo desta tese.

1 A relação type-token, procedente da filosofia, tem vindo a ser utilizada na Linguística nos

estudos sobre a frequência na emergência de unidades e padrões gramaticais. Para Vigário, Frota e Martins (2010: 1-2), type designa um aspeto singular ou um tipo único; token está relacionado com a ocorrência de todas as instâncias do tipo particular gramatical.

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6

1.1. OS GESTOS NA COMUNICAÇÃO

O conceito de gesto adquiriu uma multiplicidade de significações já que se tornou transversal a várias áreas do conhecimento, nomeadamente, à comunicação, à arte e, mais recentemente, à cognição humana. No início dos anos 70, com base nos avanços em Psicologia2, Linguística e Psicolinguística3, surge uma nova abordagem aos estudos sobre a gestualidade, grandemente influenciada por Kendon (1980, 1988; 2013), servindo de base à investigação de McNeill em termos da concetualização e classificação categorial e terminológica dos gestos. Os gestos coverbais passam a ser considerados parte integrante tanto do processamento da linguagem como do seu uso específico em contexto social, a par da modalidade falada. A partir do contributo das áreas das Neurociências, Psicologia Cognitiva, Genética (devido ao progresso das técnicas e processos de imagiologia), os estudos sobre corpo, linguagem e comunicação evoluíram para uma área de investigação autónoma (Bressem, 2013).

Num percurso de desenvolvimento típico, quando o ser humano enceta uma situação de interação verbal, a transmissão da mensagem intencionada não é realizada somente através de palavras e enunciados, abarcando, igualmente, dispositivos corporais tão diversos como gestos, comportamentos espaciais ou aspetos proxémicos, mímica ou expressão facial, movimentos da cabeça e o olhar (Rodrigues, 2007). Estes movimentos coexpressivos estão envolvidos ao longo da produção de enunciados na comunicação face a face para informar sobre o estado emocional, as expetativas, as atitudes e os sentimentos de cada um dos interlocutores (Rodrigues, 2005).

Contrariamente ao que um certo tipo de investigação em Linguística tem vindo a deixar transparecer, a fala não deve ser encarada como detendo a

2 Nesta década, a Psicologia adotou o termo comunicação não-verbal para enquadrar todo o

tipo de movimentos corporais relevantes na interação face a face. Os gestos, neste contexto, eram marginalmente relevantes para o estudo da linguagem (cf. Rodrigues, 2007 e Bressem, 2013).

3 No âmbito da aquisição da linguagem, os gestos produzidos pelas crianças adquiriram, pela

primeira vez, o estatuto de características do período pré-linguístico, sendo considerados importantes comportamentos percursores da linguagem emergente. Os gestos estavam, contudo, restringidos a este período do desenvolvimento (Capirci e Volterra, 2008). O ressurgimento atual dos estudos sobre o gesto vem enfatizar uma estreita continuidade entre os comportamentos gestuais observados no período pré- -linguístico e as formas linguísticas posteriores (ibid.)

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7

representatividade da linguagem (McNeill, 1992; Muller, Ladewig, Bressem, 2013). Os movimentos corporais espontâneos coverbais possuem um papel determinante quer na descodificação da mensagem linguística, ao nível da interpretação semântica e das intenções comunicativas subjacentes, se atentarmos ao ponto de vista do ouvinte, quer na codificação e processamento da mensagem, na perspetiva do falante.

Mais concretamente, na conversação entre adultos, enquanto ouvinte, a perceção dos gestos coverbais produzidos por outrem facilita a compreensão da mensagem falada, sobretudo quando veicula informação redundante (gesture-speech match), podendo também dificultar o entendimento quando transmite uma mensagem diferente (gesture-speech mismatch) (cf. Goldin-Meadow, 1999: 426). Nesta última situação, Dick et al. (2009) verificaram que o girus frontal inferior direito, de 24 sujeitos adultos, apresentou maior atividade neuronal do que em situação de consonância fala-gesto (match), sugerindo que os ouvintes tentam, ao máximo, extrair significado não apenas das palavras e enunciados que ouvem, mas também dos movimentos coverbais executados pelos falantes (cf., a este propósito, Skipper et al., 2009).

Se se considerar a perspetiva do falante, mesmo em situações de interação verbal pautadas pela ausência física do ouvinte (por exemplo, durante uma conversa telefónica), é possível observar que os dispositivos corporais ocorrem ao longo do fluxo da fala, pelo que, segundo Casell, McNeill e McCullough (1999: 3) “… gestures must serve some function for the speaker”. Efetivamente, o gesto desempenha variadas funções cognitivas: i) como auxiliar no acesso ao léxico mental (gesticulamos mais quando pretendemos aceder a uma palavra na nossa memória); ii) para reduzir a carga cognitiva inerente ao processamento do pensamento (as crianças demonstram ser mais bem sucedidas em tarefas de contagem enquanto apontam) e iii) permitir representar ideias imagísticas4 globais quando a fala parece incapaz de transmiti-las (Goldin-Meadow, 1999). Globalmente, de acordo com Goldin-Meadow (1999: 427), “Gesturing thus appears to increase resources available to the speaker, perhaps by shifting the burden from verbal to spatial memory”. Na mesma ordem de ideias, Cappuccio et al. (2013: 126) sublinham que a produção de gestos coverbais promove,

(21)

8

ativamente, a execução de certas tarefas cognitivas, “… soliciting the required thinking processes or simplifying the underlying computations” tanto em situações a solo, como em contextos de interação face a face.

Já de acordo com Krauss, Chen e Gottesman (2000: 264-265) e a Lexical Retrieval Hypothesis, os gestos servem três funções distintas: i) para comunicar, sendo esta a perspetiva, tradicionalmente mais generalizada, a de que os gestos funcionam como dispositivos comunicativos alinhados com a modalidade falada; ii) para reduzir a tensão, no sentido em que numa situação de dificuldade de acesso a uma palavra, alguns gestos terão a função de autorregular o corpo e a mente para dissipar a

tensão5; e iii) para aceder ao léxico interno, tal como argumentado por Goldin- -Meadow (1999), ou seja, para Krauss, Chen e Gottesman (2000: 265), a produção de

gesto ocorre comummente quando o falante procede a uma busca do termo adequado à intenção do que quer transmitir, i.e., “… gestures facilitates lexical retrieval” (para uma síntese sobre os modelos psicolinguísticos relativos à produção, compreensão e arquitetura dos gestos na linguagem, consulte-se Feyereisen, 2013).

Alternativamente, para Alibali, Kita e Young (2000: 593), o gesto na comunicação é muito mais do que um mecanismo facilitador do acesso lexical na produção linguística. De acordo com a Information Packaging Hypothesis, gerada a partir dos pressupostos da teoria de McNeill (1992), os gestos, aliados à fala, estão implicados na comunicação desde a conceção do pensamento, refletindo uma representação imagística mental que é ativada fisicamente no momento da enunciação. Para os autores (ibid.: 610), os gestos auxiliam na geração da atividade cognitiva “The action of gesturing helps speakers to organise spatial information for verbalisation, and in this way, gesture plays a role in conceptualising the message to be verbalised”. Neste prisma, os gestos coverbais, para além de apresentarem uma correlação com a fala num plano semântico e temporal, participam em simultâneo na concetualização de uma mensagem, estruturando e representando cognitivamente o conhecimento e as experiências mundanas do falante.

5 Para os autores, as falhas no acesso ao léxico resultam em sensações de frustração, podendo

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9

Em síntese, entende-se que os gestos coverbais assumem funções cognitivas distintas consoante a hipótese preconizada. Se, por um lado, desempenham um papel facilitador no acesso lexical e auxiliam no entendimento da mensagem recebida (Goldin-Meadow, 1999; Krauss, Chen e Gottesman, 2000), por outro, encontram-se implicados desde a concetualização à produção da mensagem linguística (McNeill, 1992; Alibali, Kita e Young, 2000).

1.1.1. Perspetiva histórica

A literatura de especialidade indica-nos que os estudos sobre a gestualidade remontam à Antiguidade Clássica quando os Romanos enfatizavam o uso do gesto retórico nas oratórias, pretendendo influenciar emocionalmente o público de acordo com os seus intuitos6 (McNeill, 2000; Rodrigues, 2007). No passado, os gestos já eram estudados, embora de forma pouco sistemática, vislumbrando-se indícios de uma posição de complementariedade na relação com o discurso oral. Com efeito, grande parte das conceções que hoje usamos teve origem nos estudos e tratados de pensadores e filósofos da antiguidade.

Na Idade Média, os movimentos e práticas corporais, socialmente significativas, encontravam-se particularmente associadas a contextos interacionais específicos: religiosos, jurídicos, cerimoniais e de etiqueta (Zakharine, 2013).

A conceção de gesto como uma linguagem universal assumiu renovada importância no período renascentista, i.e., para Wollock (2013: 365), “In the Rennaissance, as in the Middle Ages, gesture and its depiction continued to serve as a sort of universal language in religious painting, stained glass, sculpture, sacred drama and ritual (…) most effective amidst high illiteracy”.

6 A título ilustrativo, McNeill (2000: 8) relata que «Quintilian wrote a treatise on gesture for the

instruction of orators in first-century Rome». Na Retórica tradicional os gestos eram considerados uma importante parte da elocução (the delivery). De acordo com Muller, Ladewig, Bressem (2013: 55), o actio ou performance corporal que acompanhava a fala (os gestos coverbais) era considerado determinante no desempenho oratório do locutor.

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10

O séc. XVIII foi pródigo no enaltecimento de que as variadas formas de expressão corporal serviam como meios efetivos de comunicação humana, dando ensejo ao controverso debate sobre a origem da linguagem. Segundo Copple (2013: 378), “At issue was whether God, nature, or man was responsible for creating our language faculty”. Corpo, linguagem e cognição serviram de base ao pensamento de filósofos iluministas perpassando até à atualidade. Porém, em 1865, a Sociedade de Linguística de Paris e a Sociedade de Filologia de Londres colocaram de parte todas as discussões relativas à evolução da linguagem por considerar que a investigação não conseguiria, com as metodologias da época, alcançar explicações confiáveis (McNeill, 2012).

No séc. XX, as atenções sobre o uso do gesto foram fortemente retomadas nos anos 40-50, em grande parte impulsionadas pela investigação de Efron7 (1941, cit. in McNeill, 2000). Neste período, os estudos sobre o gesto começaram a incidir sobre a observação de situações do quotidiano, nomeadamente sobre a produção espontânea dos gestos ao longo da conversação8.

1.1.2. A abordagem multimodal da linguagem segundo McNeill

A presente investigação fundamenta-se na perspetiva de McNeill (1992; 1998; 2000; 2005; 2012) que, seguindo uma orientação psicolinguística, se revelou pioneiro no estudo sistemático sobre as relações pensamento-linguagem-gesto, descrevendo as bases concetuais comuns à fala9 e gesto.

McNeill (1998: 11-12) define gesto como o movimento dos braços e das mãos em frente ao peito, espaço reservado à expressão simbólica. O conceito de gesto assim

7 No período da segunda guerra mundial, Efron (1941, cit. in McNeill, 2000), um antropologista

americano, desenvolveu um estudo empírico pioneiro que explorava as formas e funções dos gestos coverbais, na sua tese de doutoramento, no âmbito da temática nature-nurture no desenvolvimento ontogenético.

8 McNeill (2000) refere que a investigação conduzida por Efron foi grandemente inspirada na

observação dos filmes em câmara lenta (slow-motion) que tiveram um crescimento exponencial nos anos 40 e 50.

9 Com este termo situamo-nos no plano da materialização do enunciado que constitui a

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11

definido exclui, como se depreende, outros movimentos corporais coexpressivos que, embora denotem intenções subjacentes, não figuram como gestos. Na ótica do autor (ibid.: 11) “Only those movements [produzidos com mãos e braços] that are regarded by both speaker and listener as communicative acts are germane to the study of gesture”. Para McNeill, os gestos coverbais representam ações não deliberadas, automáticas, ou movimentos orquestrados por significados criados pelos falantes. Numa referência bibliográfica recente, McNeill (2012: 4) define gesto genericamente como: “… an unwitting, non-goal-directed action orchestrated by speaker-created significances, having features of manifest expressiveness”. Num sentido mais restrito e observável, o autor (ibid.: 4) refere “… a manifestly expressive action that enacts imagery (…) and is generated as part of the process of speaking”.

Atualmente prevalece a noção de que o gesto coverbal é uma componente integrante do sistema linguístico tal como as palavras ou os enunciados, e o seu estudo começa a generalizar-se pela comunidade científica nas áreas da Psicologia, Sociologia e da Linguística. De salientar, porém, a existência de perspetivas opostas, como a de Feyereisen (1987), que concetualiza gesto e fala como sistemas distintos cujo processamento cognitivo é considerado autónomo. De acordo com esta hipótese - designada como Independent system’s framework, por Mayberry e Jaques (2000:200) - os gestos são perspetivados como um sistema suplente e/ou auxiliar que atua em situações de falha ou ausência temporárias de fala ou quando se apresenta alguma dificuldade em aceder ao item lexical adequado. No entanto, a hipótese avançada parece não dar conta do caráter contínuo da gesticulação realizada em torno da fala, como é sobejamente possível constatar através da observação de situações de interação face a face.

Uma hipótese alternativa, que privilegiamos na presente dissertação, é a de que gesto e fala formam um sistema comunicativo integrado, operando em paralelo, para o propósito singular da expressão linguística (McNeill, 1985). Esta posição vem contrariar a função suplementar atribuída aos gestos para a conceção da linguagem.

Neste sentido, McNeill (2000) chama a atenção para a observação de falantes de qualquer língua, frisando que os movimentos realizados com as mãos são

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12

compulsórios10 e constantes. Trata-se, portanto, de um fenómeno que, embora passe, frequentemente, despercebido, se revela omnipresente no contínuo da fala, em contextos de interação verbal quotidiana.

A comunicação gestual é por natureza visuoespacial já que os movimentos manuais das mãos e braços, para além de percorrem o espaço imediato ao corpo para transmitir informação, representam conceções imagísticas. A perspetiva de linguagem multimodal propõe que os gestos suplementam o discurso falado com informação concetual que não é veiculada verbalmente (Iverson, 1998). Perspetivados num plano semântico, i.e., na correlação entre ideias expressas verbalmente e gestualmente, os dispositivos gestuais coverbais podem reforçar, completar, contradizer e, até mesmo, substituir11 a mensagem verbal enunciada (Rodrigues, 2005).

Os estudos realizados à luz da multimodalidade da linguagem atestam, pois, uma conceção de linguagem e comunicação integradora da dimensão corporal. Nesta perspetiva, as dimensões linguística, comunicativa e corporal funcionam como um conjunto coeso. Por conseguinte, a inclusão da dimensão corporal no entendimento existente sobre linguagem e comunicação resulta numa consequente reconsideração e atualização dos fundamentos subjacentes à própria concetualização destes termos. Assim, a dicotomia clássica, materializada nas designações comunicação verbal vs comunicação não-verbal (McNeill, 1985; Muller, 2013) é transposta, i.e., a linguagem, encarada numa perspetiva multimodal, abarca equitativamente propriedades verbais, expressas pela palavra e imagísticas, veiculadas pelo gesto.

O modelo multimodal da linguagem de McNeill (1998) sustenta que uma unidade de significado composta por gesto e fala, englobando aspetos semióticos opostos, promove a criação de uma forma específica da cognição humana, conferindo

10 Replicando estudos anteriores, Iverson e Goldin-Meadow (1998) verificaram que em tarefas

sobre conservação e fornecimento de direções, cegos congénitos gesticulam e os gestos que produzem são semelhantes aos executados pelos sujeitos com visão intacta. Uma vez que o input gestual não pode dar conta deste facto, as autoras presumem que os movimentos gestuais coverbais sejam compulsórios no acompanhamento da fala. Acrescentam que o ser humano nasce com uma predisposição natural para produzir o movimento quando fala e que, em certas circunstâncias, esses movimentos se traduzem em gestos. Contudo, noutro estudo de caráter longitudinal, Iverson, Tencer, Lany e Goldin-Meadow (2000), verificaram que, comparativamente ao grupo controlo de crianças com visão intacta, os sujeitos cegos congénitos produziram menor número de gestos entre os 14 e 28 meses, em situação de interação com cuidadores ou experimentadores. Não obstante, argumentam que a produção de gestos espontâneos constitui um fenómeno robusto no desenvolvimento comunicativo precoce.

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13

à linguagem o caráter dinâmico que terá propelido a evolução do pensamento e da linguagem ao longo dos tempos.

Na mesma linha de pensamento de McNeill (1992), Bernardis e Gentilucci (2005: 12) corroboram o pressuposto de que gesto e fala sejam controlados por estruturas neuronais comuns, ou seja, “… word and gesture are related at the levels of execution and processing”. Também Iverson (1998: 89) salienta que «Gesture and speech are semantically coexpressive; words and gestures typically cover the same referent but from different perspectives».

Com base na observação da produção gestual12 em contextos experimentais, com casos atípicos e/ou com sujeitos com perturbação da linguagem, McNeill (2012) robustece o argumento da propriedade de inseparabilidade da unidade fala-gesto na formação de unidades concetuais cognitivas. Os exemplos abaixo mencionados atestam, na sua ótica, a natureza intrínseca e indissociável desta relação:

- a incompatibilidade da gaguez com a gesticulação, i.e., a gesticulação é imediatamente interrompida no onset da gaguez; durante a gaguez, a fala não é produzida e a gesticulação também não, fortificando a noção de que fala e gesto estão interligados desde o processamento até à execução (Mayberry e Jaques, 2000);

- a existência de gesticulação em situação de cegueira congénita, quando os sujeitos nunca presenciaram gestos; a gesticulação ocorre ao longo da conversação, mesmo em interação com outros sujeitos cegos (Iverson et al., 2000);

- a interrupção da coexpressão temporal fala-gesto em situação de afasia (McNeill, 2013b).

12 Ainda sobre a inseparabilidade fala-gesto, sob o ponto de vista da compreensão (e não da

produção), dados recentes provenientes das ciências neurocognitivas indicam a ativação de estruturas neuronais comuns tanto à representação concetual de gestos (simbólicos), como à representação das palavras faladas (Xu et al., 2009).

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14

Para McNeill (2012: 13), estes dados reforçam a ideia de superglue-like adhesiveness of speech and gesture derivada da formação de uma unidade ideativa13, pelo que o pensamento-na-linguagem14 se desenvolve, simultaneamente, de uma forma visuoespacial e linguística conjunta. O gesto é, por conseguinte, parte integrante do pensamento na linguagem, organizando e estruturando temporal e espacialmente a fala.

Profundamente enraizado na teoria Vigotskiana sobre pensamento e linguagem, McNeill (1992: 128) propõe o termo growth-point15 (GP) para designar a unidade mínima do processo dinâmico da linguagem multimodal baseado no contraste ou oposição de dois modos semióticos (gesto e fala). Os growth-point, ou pontos de geração16, são inferidos pela sincronia fala-gesto (McNeill, 1998) e envolvem um conteúdo imagístico, linguístico, pragmático, idiossincrasias e propriedades sociais, numa única unidade de sentido. Considerada uma unidade mínima psicológica17, i.e., a unidade mais pequena que conserva o essencial das propriedades como um todo, os GP recrutam e preservam a informação espacial proveniente do pensamento e a representação linguística codificada. O termo growth-point deriva, pois, da noção de forma inicial ou ponto de partida do pensamento de onde a organização da combinação fala-gesto emerge. Paralelamente, como unidade psicolinguística teórica, reúne os princípios que norteiam o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, nomeadamente, a diferenciação18, a internalização19, a dialética e a reorganização, na geração de enunciados em tempo real por adultos e crianças.

13 McNeill (2012: 13), designa por idea unit ou single mental package a composição da unidade

por componentes semioticamente diferentes.

14 Ou nas palavras de McNeill (2012: 13): thought-in-speech.

15 Na perspetiva de McNeill (2012: 23), o GP é um conceito de origem empírica, dando origem a

uma hipótese que se baseia em dados observáveis sobre gesto-fala- contexto.

16 Tradução encontrada em Rodrigues (2007: 127).

17 Na abordagem ao estudo sobre a relação existente entre pensamento e fala nos estádios

iniciais do desenvolvimento filogenético e ontogenético, Vigotski (2000) advoga a análise de unidades (e não de elementos isolados) cada uma das quais retendo, de forma simples, as propriedades do todo. A unidade do pensamento verbal pode ser encontrada no significado das palavras. O significado da palavra engloba, por conseguinte, uma amálgama do pensamento e da linguagem. Para o autor (ibid.: 150) «Uma palavra sem significado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da palavra, seu componente indispensável».

18 Genericamente, a capacidade de diferenciação diz respeito à perceção da passagem do geral

ao particular, da perceção holística e homogénea à perceção de partes específicas e heterogéneas. O pensamento da criança é inicialmente indiferenciado tornando-se progressivamente mais seletivo (Piaget, 1983: 23).

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15

No termo GP está implícita a existência do conceito de um ponto de partida subjacente a uma unidade ideativa. McNeill refere que esta unidade não é estática, surgindo no momento enunciativo, de forma efémera. Comparativamente, para Vigotski (2000) os significados das palavras são representações dinâmicas que se modificam consoante o desenvolvimento intelectual do sujeito. A ideia principal subjacente à relação pensamento-fala de Vigotski, captada pela abordagem multimodal de McNeill, é que a relação entre pensamento e linguagem (para Vigotski) ou gesto e fala (para McNeill) são processos ou movimentos contínuos de vaivém do pensamento (pelo gesto) para a palavra e vice-versa.

Sucintamente, segundo a teoria de growth point20, McNeill (1992, 1998, 2000) propõe que a gesticulação, ação manual que reflete aspetos da cognição, mantém com a fala uma relação de interdependência pragmática, semântica e sincronicamente coexpressiva, já que resulta de um processamento cognitivo dinâmico comum, ao nível da conceção/planeamento e da execução na enunciação comunicativa. O pensamento ganha materialização física pelos gestos, formando, em conjunto com a fala, uma unidade psicolinguística dinâmica.

Nesta linha, Goldin-Meadow (1999) reforça que os gestos, ou movimentos coverbais, para além de representarem informação sobre o mundo, refletem o pensamento do falante. Segundo a autora (no prelo), “… gesture is an act of the body and the body has been claimed to play a central role in cognition21”. Nesta ótica, os 19 Constitui uma das conceções de Vigotski (2000) sobre o funcionamento cognitivo humano.

Consiste na apropriação de uma atividade externa tornando-a numa atividade interna. A linguagem na modalidade falada é inicialmente egocêntrica, materializando-se na fala exterior, tornando-se progressivamente interior.

20 Teoria desenvolvida à luz da hipótese de que os gestos coenunciativos são gerados aquando

do processamento da fala, designada hipótese da produção da fala (speech production hypothesis). Numa linha hipotética divergente, os proponentes da hipótese da geração da ação (action generation hypothesis) reivindicam que a gesticulação resulta do uso representacional de ações realizadas pelos sujeitos (Chu e Kita, 2015; neste âmbito, conferir, para além da teoria de growth-point de McNeill, o modelo Sketch ou Sketch Model de De Ruiter, 2000: 289-301).

21 A discussão de que mente e corpo estão intrinsecamente relacionados (embodiment) e que o

processamento do pensamento e da linguagem humana estão ligados à ação corporal tem vindo a tomar força nos investigadores da área da Linguística Cognitiva. O termo embodiment refere a conceção de que a mente está corporizada (embodied) e todas as experiências detidas são percecionadas e interiorizadas no corpo. Só se consegue falar do que se perceciona e concebe, e tudo o que percecionamos e compreendemos é incorporado. Os estímulos diários, que estão na origem das experiências individuais, estruturam dinamicamente o pensamento. (Para maior aprofundamento sobre a abordagem da Linguística Cognitiva, cf., por exemplo, Silva (s.d.), [em linha] disponível em

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http://www.inf.unioeste.br/~jorge/MESTRADOS/LETRAS%20-16

gestos apresentam-se como manifestações visuais das conceções imagísticas da cognição, construídas com base nas experiências e no conhecimento sobre o mundo, funcionando como uma teia de imagens em torno da fala. Os gestos funcionam, pois, como janelas de acesso ao pensamento (McNeill, 2000).

1.1.3. Categorização dos gestos

Enfatizando a dimensão comunicativa conferida aos gestos pela sua interdependência com a fala, McNeill (2000: 2-5) circunscreve-os a uma escala que designou como continuum de Kendon22. Nesta escala, os gestos são integrados em dimensões que assentam em quatro tipos de relação estabelecidas com a fala (os continua), nomeadamente: i) relação coocorrente com a fala (obrigatória/parcial/ ausente); ii) partilha de propriedades linguísticas (ausência/presença de propriedades linguísticas); iii) relação de convencionalidade (não convencionado/parcialmente convencionado/totalmente convencionado) e iv) relação com o caráter semiótico (global - unidade de sentido não-segmentada/sintética - unidade de sentido segmentada). McNeill apresenta-nos a seguinte sequência ilustrativa:

Figura 1 – Continuum de Kendon (McNeill, 1992: 37)

GESTICULAÇÃO →PANTOMIMAS →EMBLEMAS → LÍNGUAS DE SINAIS23

Genericamente, por gesticulação entende-se toda a execução de movimentos dos braços e das mãos, de forma espontânea (não convencionada), que acompanha o

%20MECANISMOS%20DO%20FUNCIONAMENTO%20DA%20LINGUAGEM%20-%20PROCESSAMENTO%20DA%20LINGUAGEM%20NATURAL/ARTIGOS%20INTERESSANTES/Lingu%EDstica%20Cognitiva.pdf e

Langacker (1987).

22 Os gestos desta classificação foram descritos por Kendon (1988). Em homenagem à sua

investigação, McNeill (1992) deu o nome do primeiro autor ao continuum.

23 Traduzimos do Inglês os termos Gesticulation → Pantomime → Emblems → Sign language,

com base nos trabalhos de investigação de Rodrigues (2007: 134). Optámos, contudo pelo termo línguas de sinais e não linguagens de sinais, após discussão com a autora.

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17

fluxo da fala. Nas pantomimas, as mãos e os braços delineiam os objetos e as ações, registando-se, de uma forma geral, ausência de fala. A pantomima narra eventos na forma corporal. Os emblemas são determinados culturalmente, sendo, por conseguinte, gestos convencionais e a sua coocorrência com a fala é opcional. As línguas de sinais materializam-se nas línguas gestuais - LGP24, LIBRAS25, etc. - que pressupõem a ausência de produção oral e se afiguram como sistemas linguísticos, específicos de uma comunidade, formados por gestos convencionados que apresentam na base uma estrutura morfológica, sintática e até variação sociocultural (Carmo et al. 2008).

Retomando os continua de Kendon, no continuum 1 – a relação com a fala - os gestos diferem relativamente à coocorrência com a fala. A tabela 1, extraída de McNeill (2000:2), ilustra o caráter gradualmente autónomo desta relação.

Tabela 1 - Continuum 1 – relação com a fala (McNeill, 2000: 2)

Gesticulação Emblema Pantomima Línguas de sinais Presença obrigatória de fala Presença da fala opcional Ausência de fala obrigatória Ausência de fala obrigatória

Se procedermos a uma leitura da sequência, presente na tabela 1, da esquerda para a direita, verificamos que a presença obrigatória da fala diminui; a presença de propriedades linguísticas aumenta e os gestos individualizados ou idiossincráticos dão lugar a sinais convencionados socialmente.

24 A Língua Gestual Portuguesa é uma língua visuomotora cuja produção se processa

primeiramente através dos gestos, expressões corporal e facial, enquanto a perceção se realiza através da visão. Revela-se o veículo mais unificador dos elementos da comunidade surda Portuguesa, já que se apresenta como o meio, por excelência, de transmissão de valores e herança cultural (Carmo et al. 2008).

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18

Exemplificando os gestos na categoria gesticulação, McNeill (ibid.: 1) menciona a produção do enunciado pelo sujeito “… he grabs a big oak tree and bends it way back”, enquanto direciona a mão direita para a frente, abrindo-a em forma de C (preparação), para produzir o gesto (golpe), inclinando o braço e a mão para trás e para baixo como se lá estivesse uma árvore.

A gesticulação é representada por um conjunto de movimentos manuais, produzidos com as mãos e os braços que acompanham temporal e semanticamente o fluxo da fala. São movimentos únicos, pessoais e apenas surgem combinados com o discurso falado.

Nos gestos pantomímicos não há lugar à fala em simultâneo. Pense-se, por exemplo, nos mimos e na dramatização gestual criada. McNeill (2000: 2) propõe o seguinte exemplo: girar o dedo em círculos depois de alguém perguntar: “What is a vortex?”26. O autor revela que esta dimensão gestual carece ainda de maior definição por forma a poder esclarecer-se, com maior consistência, a relação de coocorrência com a fala.

Os gestos emblemáticos figuram per se pelo que a ocorrência da fala é opcional. Sobre estes, para além do gesto O.K.27, McNeill (2000: 2) sugere o movimento manual fingers cross (fazer figas), gesto que invoca a proteção divina em Inglaterra, Escandinávia e em algumas partes da Sicília (para uma leitura mais aprofundada sobre este tópico, cf. a descrição de 20 emblemas em McNeill, 1992). Variados estudos sobre a produção do código gestual Napolitano indicam que os emblemas produzidos pelos nativos Italianos são efetivamente coordenados com a fala (Andrén, 2010).

As línguas de sinais, por seu turno, preveem a ausência obrigatória de oralidade, no entanto, é possível observar-se a produção de sinais de línguas gestuais e fala em simultâneo. Contra-argumentando relativamente a esta questão, McNeill

26 Consideramos este exemplo pouco expressivo, pois a execução do gesto poderia ser

acompanhado pela fala «- Uma espécie de espiral!» e, sendo assim, conforme a informação constante na tabela, questionamo-nos se deixava de constituir um gesto pantomímico.

27 O gesto emblemático O.K. (em que a ponta do polegar toca a ponta do indicador, formando

um círculo) pode ter um significado muito diferente consoante os contextos culturais, transformando-se de elogio a gesto altamente ofensivo. Nos Estados Unidos, este gesto significa que está tudo bem, porém, é considerado um insulto em muitos países da América Latina, incluindo o Brasil, Turquia e Rússia. Já para o francês, significa apenas zero ou sem valor (McNeill, 1992).

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19

(2000) expõe que a sobreposição da fala sobre a sequência gestual produz um efeito disruptivo nos dois modos de comunicação. O autor (ibid: 2) indica que “Speech becomes hesitant and sign performance is disrupted at the level of the main grammatical mechanisms of the language that utilize space rather than time for encoding meanings”.

Sobre o continuum 2 – relação com propriedades linguísticas, McNeill (1992) ilustra-a da seguinte forma:

Tabela 2 - Continuum 2 – relação com propriedades linguísticas (McNeill, 2000: 3) Gesticulação Pantomima Emblemas Línguas de

sinais Propriedades linguísticas ausentes Propriedades linguísticas ausentes Presença de algumas propriedades linguísticas Presença de propriedades linguísticas

A gesticulação tem uma natureza não-morfémica pelo que não acarreta potencial para configurar combinações sintáticas com outros gestos. No ângulo oposto, as línguas gestuais são, como se sabe, constrangidas por propriedades fonológicas.

Os emblemas apresentam, na visão de McNeill, constrangimentos ao nível do formato fonológico. Os emblemas podem ser bem ou malformados, permitindo o reconhecimento do gesto e do significado subjacente pelo interlocutor.

Já os gestos pantomímicos, tal como a gesticulação, para o autor (ibid.: 3), “… don´t seem to obey to any system constraints”. Retomando o exemplo do gesto do vortex, refere que, independentemente da realização com o dedo ou com a mão, não

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20

seriam violados os constrangimentos do sistema semiótico que regula os gestos pantomímicos.

Repare-se que quando os gestos transportam propriedades linguísticas, como é o caso dod sinais das línguas gestuais, a fala não é obrigatória; já quando são ausentes de propriedades linguísticas (como na gesticulação), a ocorrência de fala torna-se obrigatória. Este fenómeno sugere que cada um dos modos semióticos – gesto e fala, embora combinados num sistema único, executam funções distintas, suportando-se um ao outro (McNeill, 2000).

Passando em revista o continuum 3, a relação de convencionalidade é expressa da seguinte forma:

Tabela 3 - Continuum 3 - relação de convencionalidade (McNeill, 2000: 4)

Gesticulação Pantomima Emblemas Línguas de sinais Não há convenções Não há convenções Parcialmente convencionado Totalmente convencionado

A propriedade da convencionalidade de um gesto implica a aceitação, por parte de um grupo social, da forma e do significado inerentes a esse gesto. A gesticulação carrega, essencialmente, propriedades idiossincráticas, não estando, por isso, convencionado, por exemplo, que o gesto para representar inclina-o para trás ou “… bends it back” tenha de ser executado da mesma forma cinésica ou sempre num contexto comunicativo similar. No lado oposto da sequência, os sinais das línguas gestuais são convencionados no âmbito de comunidades específicas e aprendidos formalmente. Os emblemas são para McNeill (1998) gestos convencionais na medida em que implicam um padrão físico-motor estandardizado a um significado associado aceites pela comunidade.

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21

Sobre o continuum 4 – a relação com caráter semiótico refere-se às diferenças entre as propriedades semióticas28 da gesticulação e dos signos. Esta dimensão ilustra a riqueza comunicativa decorrente da combinação de dois modos semióticos distintos. A relação apresenta-se da seguinte forma:

Tabela 4 - Continuum 4 – relação com caráter semiótico (McNeill, 2000: 5)

Gesticulação Pantomima Emblemas Línguas de sinais Global e sintético Global e analítico Segmentado e sintético Segmentado e analítico

O caráter global pressupõe a determinação de um significado por um sentido descendente (top-down). É o significado inerente à configuração do gesto, como um todo, que transmite o significado global. Da mesma forma, Rodrigues (2007) avança que um gesto não é constituído por outras unidades de gesto, figurando, isoladamente, como uma unidade significativa. No exemplo elucidativo de McNeill (2000), o movimento para inclinar o tronco para trás implica três fases gestuais29, sendo que cada parte ou fase do gesto não transmite um significado independente.

Já o enunciado verbal tem por base a linearidade30 de uma sequência de partes acústicas (cada uma com um significado) que, quando combinadas, transmitem o valor global do sentido. Segundo McNeill (ibid.: 5) “The top-down global semiotic of gesticulation contrasts with the bottom-up mapping of the sentence. The linguistic mapping is segmented”.

28 Cf. Fidalgo e Gradim (2005). 29 Cf. adiante o ponto 1.1.5.

30 Fidalgo e Gradim (2005: 88) referem que «… os significantes acústicos [contrariamente aos

visuais] só dispõem da linha do tempo, os seus elementos dispõem-se uns após os outros, formam uma cadeia (…)».

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22

O exemplo do gesto O.K. é assinalado como segmentado, na medida em que apenas uma determinada configuração do gesto (o contacto do indicador com o polegar) transmite o valor culturalmente implicado.

O movimento pantomímico, à exceção da pantomima teatral que se rege por formas e regras específicas, veicula o valor da significação também global.

O caráter sintético refere-se ao facto de uma única unidade de gesto concentrar um significado distinto, processo semiótico que ocorre tanto na gesticulação como nos emblemas. O gesto funciona pois como um composto não segmentável. Assim, de acordo com McNeill (2000: 6), o gesto para O.K. poderia representar “… a job well done”. Os gestos emblemáticos são, por conseguinte, unívocos no sentido em que a uma imagem cinésica corresponde um conceito ou um significado. A ausência de pluralidade na relação significante (imagem visual) – significado nos gestos permite que se compreenda, por vezes, mais facilmente o significado do gesto do que de uma expressão linguística.

Sumariamente, depreende-se, com base nos continua propostos, que a gesticulação acompanha obrigatoriamente a fala e não assenta no princípio da convencionalidade, pelo que carece de propriedades linguísticas; a fala, que acompanha a gesticulação, assenta numa sucessão linear de segmentos, convencionados, que combinados, seguindo as regras de boa formação, veiculam uma significação. O processamento da fala é, portanto, analítico. O signo, utilizado nas línguas gestuais, tal como as palavras, é convencionado e segmentado, possui propriedades linguísticas e a significação transmitida resulta de um processo analítico de combinação de segmentos, sendo, na perspetiva de McNeill, obrigatória a ausência de coocorrência de fala. Gesticulação e signos das línguas gestuais representam, pois, os polos opostos nos continua de Kendon.

Foi com base nestes continua que McNeill delimitou a gesticulação como objeto de estudo para a sua investigação. Retomando o gesto inclina-o para trás, o autor acentua que ao valor comunicativo, expresso analiticamente pela fala, é acrescentada uma versão global e sintética do evento. Globalmente, para o autor (2000: 7), “… speech and gesture can jointly express the same core meaning and highlight different aspects of it”, possibilitando o acesso a uma versão mais abrangente

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23

do significado verbalizado. Deduz-se, por conseguinte, que os gestos produzidos sem a presença de fala não permitam uma introspeção à mente humana. Esta assunção circunscreve os fundamentos da relação integrada fala - gesto apenas aos movimentos coverbais. Apenas estes permitirão, na perspetiva de McNeill (2000: 9), obter “… new insights into the nature of speaking, thinking, remembering, and interacting with words in a social context”.

1.1.4. Tipologia gestual de McNeill

Retomando, uma vez mais, alguns conceitos intrínsecos aos continua de Kendon, McNeill (1998) distingue duas amplas categorias de gestos31: i) gestos convencionais (gestos arbitrários, motivados, cujo significado é resultado de um movimento manual assente num formato e significado pré-estabelecido em comunidades específicas como, por exemplo, o já referido gesto para representar O.K.32 e/ou os gestos de sinais, e ii) gestos não convencionais, não sujeitos a regras, criados espontaneamente pelo falante, durante a conversação.

Considerando, particularmente, a categoria de gestos não convencionais que acompanham o fluxo verbal, os coverbais, manifestamente observados em situações de conversação entre adultos, revelam-se efémeros. McNeill (1998: 15-18) propõe quatro subcategorias de gestos, no âmbito desta categoria33:

i) icónicos34 (iconic gestures) ou gestos do concreto, movimentos manuais que representam características de objetos ou ações do mundo real, previamente

31 No estudo empírico, tomaremos em linha de conta a classificação dos gestos proposta por

McNeill (cf. págs. 134-135, do capítulo 3 da dissertação).

32 Kendon (2000) avança que alguns emblemas têm a função de avaliar e comentar as ações dos

outros, sendo equivalentes aos atos de fala.

33 Em McNeill (1992: 12-18) é possível constatar a subdivisão da classe dos gestos não

convencionais em cinco grupos (icónicos, metafóricos, batuta, coesivos e deíticos. Estes termos foram traduzidos por Rodrigues (2007: 129). A tipologia de gestos foi criada tendo por base a análise de um corpus constituído por narrativas orais, recolhidas a partir da gravação em vídeo, de falantes adultos a descrever uma sequência de um filme, previamente visionado.

34 Convém recordar que Peirce (1990), um dos fundadores da ciência dos sinais (Semiótica),

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armazenadas na memória do falante; são gestos ilustrativos da fala, estando diretamente ligados ao conteúdo semântico inerente ao enunciado. Trata-se de gestos que delineiam formas de objetos ou ações, estabelecendo com o referente uma relação de metonímia.

McNeill observou, na narração de ações, que os gestos icónicos podem ser analisados sob dois prismas distintos: na perspetiva do observador35, mantendo com a situação narrada um papel distante e externo; e na perspetiva de ator36, pressupondo a identificação do seu corpo com o do agente da ação. Para Rodrigues (2007), o fenómeno da perspetiva com que se executa um gesto pode ser revelador dos processos mentais dos falantes. McNeill (1992: 13) indica que gesto e fala representam o mesmo evento/objeto e embora se sobreponham, parcialmente, de forma sincrónica, “… the pictures they present are different. Jointly, speech and gesture give a more complete insight into speaker’s thinking”.

ii) metafóricos (metaphoric gestures): embora semelhantes aos gestos icónicos na natureza pictórica do gesto37, representam ideias abstratas provenientes do mundo mental de cada indivíduo, contendo, portanto, idiossincrasias.

Segundo Rodrigues (2007), tal como as metáforas, os gestos metafóricos estabelecem uma relação comparativa entre ideias abstratas e objetos e/ou ações do concreto. De acordo com Mittelberg e Evola (2014), os gestos icónicos e metafóricos são, tendencialmente, executados no espaço simbólico central reservado ao gesto, acentuando a propriedade de similitude com o objeto ou ação representados. Tanto os gestos icónicos como os metafóricos realizam, essencialmente, uma função semântica.

iii) batuta (beat gestures38): trata-se de movimentos da mão, breves e súbitos, do tipo batuta, coocorrentes com o conteúdo pragmático (e não com o

similitude entre os dois elementos; o índice que estabelece uma relação de contiguidade entre os dois elementos; e o símbolo, que estabelece uma contiguidade instituída entre os dois elementos.

35 Termo traduzido de McNeill (1992: 118) e adaptado da tradução de Rodrigues (2007: 130) de

observer view-point O-VPT.

36 Termo traduzido de McNeill (1992: 118) e adaptado da tradução de Rodrigues (2007: 130) de

character view-point C-VPT.

37 A semelhança na natureza e função dos gestos icónico e metafóricos leva a que se encontrem

Imagem

Tabela 1 - Continuum 1 – relação com a fala (McNeill, 2000: 2)
Tabela 2 - Continuum 2 – relação com propriedades linguísticas (McNeill, 2000: 3)  Gesticulação                       Pantomima                     Emblemas                    Línguas  de
Tabela 3 - Continuum 3 - relação de convencionalidade (McNeill, 2000: 4)
Tabela 5 – Tabela-resumo dos estudos descritos  Referência  Objeto de estudo  Período etário
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Referências

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