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CAPÍTULO 4 Apresentação e discussão dos resultados

4.1. Análise exploratório descritiva

4.1.3. A evolução global das dimensões gesto e fala e gesto-fala em frequência

4.1.4.1. Evolução dos tipos gestuais

Para se tentar apurar a emergência dos tipos na dimensão gesto, executou-se o gráfico 7 com a distribuição total do número de ocorrências, por trimestre. No eixo vertical do gráfico 7, colocaram-se as variáveis quantitativas em estudo em função de uma escala trimestral. Trata-se de numa representação gráfica de barras empilhadas que se apresentam divididas em subpartes para mostrar o seu efeito acumulativo. No eixo horizontal, as variáveis quantitativas discretas são definidas em quantidade, na forma de frequências absolutas (Fi).

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Gráfico 7- Distribuição trimestral dos tipos na dimensão gesto

No seguimento do exposto aquando da análise do gráfico 6, os dados patentes no gráfico 7, repartidos em trimestres, indicam que o tipo da dimensão gesto mais expressivo quer em termos de evolução trimestral, quer relativamente ao número de ocorrências é, uma vez mais, o gesto aponta, seguido dos gestos dá e convencional. A partir deste diagrama é possível observar que o deítico surge a partir do 2.º trimestre (entre os 10 e os 12 meses), conforme divulgado por Liszkowsky, Brown, Callaghan, Takada e de Vos (2012) e Tomasello, Carpenter e Liszkowsky (2007), e aumenta substancialmente ao longo dos restantes trimestres, revelando maior ascensão expressa em número de frequências no 6.º trimestre, entre os 22 meses e os 24 meses (conforme o exposto por Andrén, 2010).

Da mesma forma, Bruner (1983: 75) revela que os participantes observados se iniciaram como giver of signals a partir dos 9 meses, indiciando não só o processamento da compreensão e descodificação das intenções dos outros, mas também a função de chamar a atenção sobre as suas intenções.

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Relativamente aos tipos convencional, mostra, pede, dá e recusa, salienta-se que apresentam, a partir do 2.º trimestre, um número de frequências relativamente semelhante, porém, ocorrem de forma pouco representativa se compararmos com o tipo aponta.

Uma análise mais atenta sobre os deíticos dá e mostra, designados por Rodríguez, Moreno-Nunez, Basilio e Sosa (no prelo) como gestos ostensivos ou gestos homomatéricos199, constata-se, estatisticamente, que i) ocorrem anteriormente ao gesto aponta e ii) exibem, conjuntamente, uma percentagem superior à do deítico, entre o 1.º e o 2.º trimestres, tal como argumentado por Rodriguez et al. (no prelo).

Para estes autores, à luz da perspetiva da pragmática do objeto, os gestos ostensivos constituem a primeira forma de referência partilhada, contrariando o protagonismo assumido pelo gesto aponta no processo de comunicação, aquando do percurso inicial de aquisição da linguagem. A par dos gestos ostensivos dá e mostra, o deítico pede emerge no 2.º trimestre revelando um aumento pouco expressivo, embora constante ao longo do período analisado. Conforme descrição exposta no capítulo 1, consideraram-se dois significantes (Se) gestuais subjacentes ao ato de pedir: a extensão do braço, envolvendo abertura e fecho da mão em direção ao referente, com ou sem esforço do corpo; e a extensão do braço e da mão aberta em direção ao objeto pretendido. Qualquer um dos movimentos gestuais pode ser acompanhado por vocalizações e pela alternância do olhar sobre o objeto e sobre o adulto.

Para Bruner, a primeira versão do gesto pede (com abertura e fecho da mão e movimento corporal conjunto) decorre da ação real de alcançar um objeto que está fora do alcance, envolvendo todo o movimento do corpo nessa tentativa. O movimento manual torna-se, posteriormente, numa versão convencionada e estilizada do gesto pede. No presente estudo, consideraram-se as duas versões mencionadas, porém, não se procedeu à sua discriminação na categorização e análise.

199 Relembra-se que, do ponto de vista semiótico, a mão que segura o objeto para mostrar ou

dar executa um gesto que é, simultaneamente, significante e referente; o corpo age diretamente sobre o objeto referenciado.

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Tal como a referenciação expressa pelo gesto aponta, também o pedido gestual se encontra contextualizado em formatos convencionais, comportando princípios linguísticos e culturais. Trata-se, portanto, de uma aquisição gestual emergente dotada já de regras e formatos convencionados, culturalmente percursora da aquisição linguística propriamente dita ou como Bruner (1983: 115) colocou: “… how to get things done by language in that culture”.

De assinalar igualmente o comportamento pouco significativo do gesto icónico que surge nas produções dos participantes a partir do 3.º trimestre e se apresenta como o menos produzido ao longo do período estudado. Do mesmo modo, no estudo relatado por Fasolo e D’Odorico (2012), com participantes entre os 18 e os 24 meses, não há observação de gestos simbólicos ou icónicos. Para além dos dados de produção gestual referentes ao Italiano (que relatam maior abundância de gestos icónicos comparativamente aos deíticos), a literatura descrita no capítulo 1 enfatiza uma frequência pouco expressiva deste tipo de gesto (Ozçaliskan e Goldin-Meadow, 2005), indicando um aumento significativo apenas aos 30 meses (Ozçaliskan, Genter e Goldin- Meadow (2013). Para Tellier (2009), observa-se um aumento significativo deste tipo de gestos entre o 3.º e o 5.º ano de vida. Sobre a compreensão de gestos icónicos, Stanfield, Williamson e Ozçaliskan (2014) evidenciam que é observada apenas aos 3 anos.

Recorda-se que a emergência mais tardia deste tipo gestual poderá dever-se ao facto de: i) os gestos icónicos poderem ser mais complexos em termos da execução motora do que, por exemplo, os deíticos; ii) o output gestual maternal integrar uma frequência muito reduzida de gestos icónicos; e iii) o gesto icónico ser mais complexo do ponto de vista concetual.

Merece também referência o tipo gestual recusa que surge no 2.º trimestre e ocorre pontualmente nos restantes trimestres, desaparecendo entre o 22.º e o 24.º mês. Conforme se reviu no ponto 2.3.1 do capítulo 2, o advérbio de negação não emerge precocemente nas produções orais, figurando no repertório das primeiras dez palavras das crianças (Jackson – Maldonado et al., 2003; Pós de Mina, 2007). Julga-se que o termo lexical, correspondente ao gesto manual, prevalece em situações de interação comunicativa, registando-se, por isso, o desaparecimento do gesto no final

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do 2.º ano de vida. Este resultado corrobora o exposto por Beaupoil-Hourdel et al. (2015) sobre a proeminência do termo lexical para a expressão da negação em detrimento do correspondente gestual, aos dois anos.

No estudo com crianças monolingues falantes de Francês, Guidetti (2002) apurou que os gestos que indicavam concordância e/ou recusa ocorreram isoladamente, sem enunciação da fala. Para a autora (ibid.: 282), estes gestos transmitem com relativa eficácia a intenção subjacente, pelo que não necessitam do enunciado verbal em conjunto, i.e., “… agreement and refusal gestures appear to be less polysemous, so the gesture alone suffices for the child to be understood”. Em síntese, sobre os dados aqui apresentados, considera-se que a produção pouco expressiva do gesto recusa se deve à preponderância que o termo lexical assume sobre o comportamento gestual. Dado que o gesto recusa e o rótulo verbal não são redundantes, os nossos dados parecem sugerir que a representação gestual é substituída pela verbal.