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CAPÍTULO 1 A gestualidade durante a aquisição da linguagem: o sistema

1.1. Os gestos na comunicação

1.1.4. Tipologia gestual de McNeill

Retomando, uma vez mais, alguns conceitos intrínsecos aos continua de Kendon, McNeill (1998) distingue duas amplas categorias de gestos31: i) gestos convencionais (gestos arbitrários, motivados, cujo significado é resultado de um movimento manual assente num formato e significado pré-estabelecido em comunidades específicas como, por exemplo, o já referido gesto para representar O.K.32 e/ou os gestos de sinais, e ii) gestos não convencionais, não sujeitos a regras, criados espontaneamente pelo falante, durante a conversação.

Considerando, particularmente, a categoria de gestos não convencionais que acompanham o fluxo verbal, os coverbais, manifestamente observados em situações de conversação entre adultos, revelam-se efémeros. McNeill (1998: 15-18) propõe quatro subcategorias de gestos, no âmbito desta categoria33:

i) icónicos34 (iconic gestures) ou gestos do concreto, movimentos manuais que representam características de objetos ou ações do mundo real, previamente

31 No estudo empírico, tomaremos em linha de conta a classificação dos gestos proposta por

McNeill (cf. págs. 134-135, do capítulo 3 da dissertação).

32 Kendon (2000) avança que alguns emblemas têm a função de avaliar e comentar as ações dos

outros, sendo equivalentes aos atos de fala.

33 Em McNeill (1992: 12-18) é possível constatar a subdivisão da classe dos gestos não

convencionais em cinco grupos (icónicos, metafóricos, batuta, coesivos e deíticos. Estes termos foram traduzidos por Rodrigues (2007: 129). A tipologia de gestos foi criada tendo por base a análise de um corpus constituído por narrativas orais, recolhidas a partir da gravação em vídeo, de falantes adultos a descrever uma sequência de um filme, previamente visionado.

34 Convém recordar que Peirce (1990), um dos fundadores da ciência dos sinais (Semiótica),

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armazenadas na memória do falante; são gestos ilustrativos da fala, estando diretamente ligados ao conteúdo semântico inerente ao enunciado. Trata-se de gestos que delineiam formas de objetos ou ações, estabelecendo com o referente uma relação de metonímia.

McNeill observou, na narração de ações, que os gestos icónicos podem ser analisados sob dois prismas distintos: na perspetiva do observador35, mantendo com a situação narrada um papel distante e externo; e na perspetiva de ator36, pressupondo a identificação do seu corpo com o do agente da ação. Para Rodrigues (2007), o fenómeno da perspetiva com que se executa um gesto pode ser revelador dos processos mentais dos falantes. McNeill (1992: 13) indica que gesto e fala representam o mesmo evento/objeto e embora se sobreponham, parcialmente, de forma sincrónica, “… the pictures they present are different. Jointly, speech and gesture give a more complete insight into speaker’s thinking”.

ii) metafóricos (metaphoric gestures): embora semelhantes aos gestos icónicos na natureza pictórica do gesto37, representam ideias abstratas provenientes do mundo mental de cada indivíduo, contendo, portanto, idiossincrasias.

Segundo Rodrigues (2007), tal como as metáforas, os gestos metafóricos estabelecem uma relação comparativa entre ideias abstratas e objetos e/ou ações do concreto. De acordo com Mittelberg e Evola (2014), os gestos icónicos e metafóricos são, tendencialmente, executados no espaço simbólico central reservado ao gesto, acentuando a propriedade de similitude com o objeto ou ação representados. Tanto os gestos icónicos como os metafóricos realizam, essencialmente, uma função semântica.

iii) batuta (beat gestures38): trata-se de movimentos da mão, breves e súbitos, do tipo batuta, coocorrentes com o conteúdo pragmático (e não com o

similitude entre os dois elementos; o índice que estabelece uma relação de contiguidade entre os dois elementos; e o símbolo, que estabelece uma contiguidade instituída entre os dois elementos.

35 Termo traduzido de McNeill (1992: 118) e adaptado da tradução de Rodrigues (2007: 130) de

observer view-point O-VPT.

36 Termo traduzido de McNeill (1992: 118) e adaptado da tradução de Rodrigues (2007: 130) de

character view-point C-VPT.

37 A semelhança na natureza e função dos gestos icónico e metafóricos leva a que se encontrem

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semântico) do enunciado, assinalando, por exemplo, mudanças no discurso para realizar estratégias de reparação, ou iniciar o discurso indireto, realçando, portanto, descontinuidades nas sequências temporais; o valor semiótico deste gesto reside, portanto, no facto de realçar um determinado momento do discurso.

Estes gestos acompanham o ritmo da fala embora a relação sincrónica não se apresente perfeita; contrariamente aos gestos icónicos e metafóricos, os gestos batuta exibem o mesmo formato cinésico, independentemente do conteúdo semântico veiculado pela fala, sendo mais recorrente o movimento simples da mão ou dos dedos, para cima e para baixo, ou para trás e para frente, curta e rapidamente, na periferia do espaço simbólico reservado ao gesto (no colo, num braço da cadeira). De todos os tipos de gesto, aqui classificados, revela-se o mais insignificante a nível da qualidade do movimento. É, curiosamente, o gesto mais observado nos discursos públicos dos políticos (McNeill, 1992).

iv) deíticos (deictic gestures): gestos que localizam, espacialmente, objetos e eventos do mundo concreto ou mental do indivíduo.

Nesta categoria, McNeill destaca o gesto aponta como indicador de objetos ou eventos reais, mas também demonstrativo de conceitos abstratos, presentes na memória do indivíduo. É, geralmente, executado com a mão vazia (empty-handed), com o braço e dedo indicador esticado, mas também é possível observar a execução deste gesto com a movimentação da cabeça, nariz e/ou queixo (McNeill, 1992; Rodrigues, 2007). O facto de se consagrar, em certas comunidades, o formato cinésico do deítico põe em causa o caráter não convencional, proposto por McNeill. Por esta razão, é possível observar a integração deste deítico também em algumas classificações de gestos convencionais39 (cf. Guidetti, 2002).

38 De acordo com McNeill (1992: 15), o termo beat tem origem na semelhança com os

batimentos musicais.

39 Para Guidetti (2002), constituem exemplos de gestos convencionais o gesto aponta, assentir

e negar com a cabeça, acenar adeus, pedir silêncio, pedir para parar, afirmar é meu, entre outros comportamentos gestuais sociais que persistem na gesticulação do sujeito.

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Conforme o exposto, uma característica comum aos vários tipos gestuais propostos na classificação de McNeill (1998)40 é a sua interdependência com funções de ordem semântica ou estrutural, o que torna estes gestos distintos de outros conhecidos como self-adaptors (Ekman e Friesen, 1969: 84) também designados como self-touches41 ou gestos de autorreparação42. Trata-se de movimentos manuais de manipulação do próprio corpo, autorreguladores de sensações (como, por exemplo, coçar uma parte do corpo, ou ajustar a roupa, etc.), encontrando-se intrinsecamente associados à manifestação de estados mentais interiores (alegria, nervosismo, insegurança) ou a falhas temporárias no discurso articulado (Rodrigues, 2007; Cartmill et al. 2012).