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Tradução e adaptação do discurso humorístico em séries de língua inglesa para o português : análise à luz da Teoria da Relevância

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Academic year: 2021

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ESCOLA DE HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO – ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA

BEATRICE VIEIRA DOS SANTOS WITT

TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO DO DISCURSO HUMORÍSTICO EM SÉRIES DE LÍNGUA INGLESA PARA O PORTUGUÊS:

ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DA RELEVÂNCIA

Porto Alegre (RS) 2018

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BEATRICE VIEIRA DOS SANTOS WITT

TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO DO DISCURSO HUMORÍSTICO EM SÉRIES DE LÍNGUA INGLESA PARA O PORTUGUÊS:

ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DA RELEVÂNCIA

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre (área de concentração: Linguística), pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Orientadora: Professora Dra. Ana Maria Tramunt Ibaños

Porto Alegre (RS) 2018

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BEATRICE VIEIRA DOS SANTOS WITT

TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO DO DISCURSO HUMORÍSTICO EM SÉRIES DE LÍNGUA INGLESA PARA O PORTUGUÊS:

ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DA RELEVÂNCIA

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre (área de concentração: Linguística), pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Banca examinadora:

Professora Dra. Ana Maria Tramunt Ibaños (Presidente) – PUCRS

Professora Dra. Beatriz Viégas-Faria – UFPel

Professora Dra. Cristina Becker Lopes Perna – PUCRS

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer à minha professora orientadora Ana Ibaños pela paciência e atenção; às professoras da banca, Beatriz Viégas-Faria e Cristina Perna, pelo tempo disponibilizado ao meu trabalho; meus pais pelo incentivo financeiro (e de vez em quando psicológico) e ao Bernardo Limberger pelo apoio e encorajamento durante todas as fases do meu mestrado.

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RESUMO

Esta dissertação visa estudar a tradução e adaptação de piadas, trocadilhos e jogos de palavras do inglês para o português brasileiro, e analisá-las com embasamento na Teoria da Relevância. Essa Teoria trata do aspecto cognitivo de interpretação e entendimento de enunciados propostos por um emissor por parte de um receptor, através de processos pragmáticos e semânticos. Ela foi proposta, pela primeira vez, por Sperber e Wilson em 1986 e se baseia nas teorias pragmáticas desenvolvidas por Grice (1989), que afirma que a maior parte da comunicação humana é a expressão e o reconhecimento das intenções. Além da Teoria da Relevância, também foram consideradas teorias a respeito do humor, qual a expectativa que ele cria no ouvinte, e teorias a respeito de como o tradutor pode efetivar essa expectativa no processo de tradução para outra língua e adaptação para outra cultura – a ponto de gerar um efeito semelhante no receptor. Os objetos deste estudo foram selecionados a partir de seriados, animados ou com atores reais, de cunho humorístico traduzidos e adaptados. Foram selecionados exemplos em que as piadas, trocadilhos e/ou jogos de palavras foram bem-sucedidos (cumpriram a expectativa de atingir o sentido desejado ao terem sido adaptadas para expressões ou piadas equivalentes na língua-alvo) e outros que não foram bem-sucedidos (foram traduzidas sem adaptação a ponto de não fazer sentido para um nativo de língua portuguesa sem conhecimento da língua do texto em questão ou de algum aspecto cultural necessário para compreensão). O primeiro passo dessa análise foi comparar o texto dito oralmente pelos personagens de quatro séries americanas, sendo duas animadas e duas com atores, na versão original em inglês na sua versão dublada para o português brasileiro. Depois disso, analisamos os textos transcritos sob os princípios da Teoria da Relevância. Os resultados da análise indicam que existem várias possibilidades de tradução quando a questão é tentar manter o humor do diálogo, sem esquecer que o texto traduzido, para ser dublado, precisa se adequar ao tempo de fala do personagem para que sua voz não fique dessincronizada. Considerando esses aspectos, pudemos concluir que cada caso exige um cálculo entre custo e benefício e que não é possível generalizar que a tradução adaptativa é sempre a mais eficaz na hora de traduzir um texto com o objetivo de usá-lo em dublagem, mas a tradução adaptativa é a que possui mais chances de cumprir o objetivo. Dentre os exemplos analisados, alguns mantiveram seu potencial de humor tanto na versão original quanto na tradução, porque foram devidamente adaptados, não somente para palavras e expressões equivalentes na língua-alvo, mas com mudanças drásticas de uma referência americana para uma brasileira. Outros textos perderam o humor e a referência quando foram traduzidos, uma vez que no português brasileiro não foi possível fazer a inferência que o texto original convida a fazer. Por fim, um dos exemplos mostrou que uma tradução literal também pode manter o humor se ele não está atrelado a algo cultural particular dos Estados Unidos ou a alguma peculiaridade da língua inglesa.

Palavras-chave: Teoria da Relevância; Tradução; Seriados; Série animada; Sitcon; Inglês

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ABSTRACT

This dissertation aims to study the translation and adaptation of jokes, puns and wordplays from American English to Brazilian Portuguese and analyze them based on Relevance Theory. This theory is about the cognitive aspect of interpretation and understanding of propositions from a sender by a receiver, through pragmatic and semantic processes. It was proposed for the first time by Sperber and Wilson in 1986 and it is based on the pragmatic theories developed by Grice (1989), which states that most human communication is the expression and the recognition of the intentions. Also, in addition to the Relevance Theory, other theories were also considered about humor, what expectation it creates in the listener, and theories about how the translator can reach this expectation in the process of translating into another language and adapting to another culture – to the point of generating a similar effect on the receiver. The objects of this study were selected from humorous animated and live-action series and its translated and adapted versions. Examples of successful jokes, puns and humorous speech were selected as well as unsuccessful one (they fulfilled or not the expectation of reaching the desired meaning when they were translated and adapted to expressions or equivalent jokes in the target language). The ones which were considered as not successful lost the funniness or made no sense in Portuguese because of the lack of knowledge about the culture or the English language aspects by the target-language audience. The first step of this analysis was to compare the orally spoken text by the characters of four American series, two animated and two with actors, in the original English version in its version dubbed into Brazilian Portuguese. After that, the texts were analyzed and transcribed under the principles of Relevance Theory. The results of the analysis indicate that there are several possibilities for translation when the point is to try to maintain the mood of the dialogue, not forgetting that the translated text, to be dubbed, needs to fit the character's speaking time so that his voice does not become desynchronized. Considering these aspects, we could conclude that each case requires a calculation between cost and benefit and that it is not possible to generalize that the adaptive translation is always the most effective when translating a text with the purpose of using it in dubbing, but the adaptive translation is the one that has the most chances to fulfill the objective. Some of the analyzed examples have retained their same potential humor in both original and in translated versions, because they have been adapted not only to equivalent words and expressions in the target language, but also to drastic changes from a US reference to a Brazilian one. Other ones lost their humor and reference when they were translated, since in Brazilian Portuguese it was not possible to make the inference that the original text invites to do. Finally, one of the examples showed that a literal translation can also maintain the humor if it is not tied to something particularly cultural of the United States or to some peculiarity of the English language.

Keywords: Relevance Theory; Translation; Animated Serie; Sitcon; American English;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 TEORIA DA RELEVÂNCIA, TRADUÇÃO E HUMOR ... 12

1.1 TEORIA DA RELEVÂNCIA E SEUS ASPECTOS ... 12

1.1.1 Relevância e Cognição ... 12

1.1.2 Relevância e Compreensão ... 16

1.2 SOBRE TRADUÇÃO E DUBLAGEM ... 17

1.3 O DISCURSO HUMORÍSTICO ... 28

2 HUMOR À LUZ DA TEORIA DA RELEVÂNCIA ... 33

3 MÉTODO: SELEÇÃO E ANÁLISE ... 39

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 53

CONCLUSÃO ... 54

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INTRODUÇÃO

A tradução por si só já abrange uma série de fatores que a transforma em um processo que precisa ser meticuloso e cuidadoso. Nenhum texto traduzido pode ser considerado idêntico ao texto original por diversos fatores, como as características da própria língua ou o perfil cultural do país para qual a tradução está sendo feita – uma vez que é quase impossível dissociar a língua-alvo da cultura do país ao qual ela está vinculada. Por isso, o conceito de tradução está mais próximo de uma noção de equivalência (NORD, 1994). É usual que, na hora de traduzir um texto, sejam buscados termos equivalentes na língua-alvo que causem um efeito similar ao efeito causado pelos termos originais da língua de origem (considerando que “termo” aqui se refere a palavras ou expressões com significados próprios de um contexto ou área profissional). Às vezes, o texto original faz alguma referência a algo muito notório no país de origem e, quando vai ser traduzido, aquela referência não causará o mesmo impacto, pelo fato de se referir a algo que, para o país da língua-alvo, não é muito notório. Ou então o texto pode fazer menção a características da própria língua, como um trocadilho ou uma brincadeira com o som das palavras. Nesse caso, não adianta traduzir literalmente o que foi escrito ou dito, mas é preciso adaptar para algo que cause um efeito semelhante, trocar por palavras que causem a mesma sensação ou uma sensação muito parecida à que o texto original causa aos nativos.

Por isso, na maioria dos casos, a tradução é mais eficaz quando ela é adaptativa (NORD, 1994). Podemos pensar em um exemplo próximo ao público brasileiro, o seriado de origem mexicana conhecido como “Chaves” (no original: El Chavo del Ocho). Um dos personagens costuma falar um bordão que, no português brasileiro (PB), foi traduzido da seguinte forma: “A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”. No texto original, a frase é a seguinte: “La

venganza nunca es buena, mata el alma y la envenena”. Literalmente, o que o personagem fala

é “a vingança nunca é boa”, porém, a palavra “boa” não rima com “envenena”. Então, na versão brasileira, a frase foi modificada, a fim de que mantivesse o mesmo efeito da rima.

A tradução não só precisa buscar uma equivalência, uma adaptação para a língua-alvo, como também é preciso ter atenção a outros detalhes quando se trata de tradução para material audiovisual: quanto tempo dura a fala original e como traduzir isso para uma fala equivalente que possa ser sincronizada com o movimento labial do ator original (VARELA, 2004). E quando se trata de humor é preciso considerar que nem tudo que soa engraçado para um país vai soar engraçado para outro país, nem todos os trocadilhos que funcionam em uma língua funcionam em outra. Pym (2010) explica que, na equivalência, a tradução terá o mesmo valor

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que no texto correspondente da língua-alvo, e exemplifica com o caso da ‘sexta-feira 13’. Quando se traduz esse termo se sabe exatamente que informação é requisitada. Em países de língua espanhola, o dia considerado de azar é a terça-feira treze, mas em países de língua inglesa é a sexta-feira. Nesse caso, se o que está em questão no texto é o azar, então o mais adequado seria trocar sexta-feira para terça-feira quando for veicular o texto em um país de língua espanhola. Contudo, se o foco for apenas a sexta-feira, independente do dia ou do azar relacionados a ela, é preferível manter o dia como sexta-feira. Por isso, para manter o efeito cômico de um texto, muitas vezes, o tradutor precisa trocar o termo para um equivalente na língua-alvo. O funcionamento dessas inferências e conclusões feitas pelo ouvinte está explicado no Teoria da Relevância.

Um dos principais pressupostos da Teoria da Relevância é o de que a maior parte da comunicação humana é baseada na expressão e no reconhecimento de intenções (GRICE, 1989), e a interpretação de um estímulo (uma informação nova vinda do mundo externo como uma imagem, um texto ou um som) seria escolhida através da que mais satisfizesse à expectativa do ouvinte, que busca a informação mais relevante de cada estímulo (YUS, 2012). O conhecimento de mundo, a bagagem cultural, o conjunto de todos os estímulos anteriores que um receptor já recebeu, somados com o novo estímulo, tendem a produzir uma inferência a respeito da situação à qual o receptor está exposto, ou seja, o receptor infere um significado somando à sua base de informação uma nova evidência fornecida (SPERBER, WILSON, 2005). Se vemos uma pessoa parada na calçada próxima a uma esquina, olhando para a rua enquanto os carros passam, podemos inferir que ela quer atravessar a rua assim que os carros parem de passar. Ou seja: criamos uma expectativa.

É justamente a quebra de uma expectativa que provoca o efeito cômico (YUS, 2003). Tomemos por exemplo uma piada qualquer: um filho chega para o pai e diz “pai, tirei 7,5 no teste”; o pai responde “que bom, filho, era teste de quê?”. E o filho completa com “teste do bafômetro. E levaram meu carro”. Esse pequeno diálogo é considerado humorístico porque a pessoa que o está ouvindo ou lendo cria uma expectativa em relação à primeira fala. Supomos que essa piada tenha sido feita no Brasil. O conhecimento de mundo da população em geral entende que sete e meio é uma nota razoavelmente boa, e se um filho foi contar a um pai, então provavelmente ele está se referindo a um teste escolar. Quando o pai parabeniza o filho e pergunta sobre que teste, o ouvinte ou leitor tem a ideia reforçada de que o filho se refere a um teste escolar. Entretanto, no fim da piada, o filho informa que foi um teste do bafômetro – no

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qual sete e meio nunca é esperado, e conflita com a ideia inicial de que era uma notícia boa. Por isso, causa a quebra de expectativa e o efeito cômico.

Ao se traduzir um diálogo humorístico de um filme ou uma série, é preciso avaliar todos esses aspectos: a equivalência na língua e cultura-alvo, o efeito que ele pode causar no ouvinte daquele discurso, a expectativa que o ouvinte daquela língua e inserido naquela cultura poderá fazer daquele discurso, as inferências que pode acarretar e, também, a duração do diálogo para que o áudio traduzido possa ser sincronizado com os movimentos labiais causados pela emissão do texto original. O processo de tradução e dublagem de produções audiovisuais é complexo e requer que os profissionais envolvidos considerem todos esses aspectos, a fim de que o público-alvo compreenda efetivamente o texto.

Nesta dissertação, estudamos os textos humorísticos de acordo com a Teoria da Relevância (SPERBER; WILSON, 2005), porque essa teoria prevê o processamento dedutivo-inferencial para a interpretação verbalizada como um princípio universal (SANTOS, 2014, p. 109).

Considerando tais aspectos, os objetivos da presente pesquisa são analisar de acordo com a Teoria da Relevância a dublagem de textos humorísticos de língua inglesa para o PB e verificar se a dublagem é bem-sucedida em termos de custo e benefício.

Os exemplos foram tirados de quatro seriados americanos, sendo dois animados e dois do gênero sitcon. Os seriados animados foram Os Simpsons e Gravity Falls, sendo escolhidos pelo fato de um ter início na década de 1980 e o outro já nos anos 2000, podendo assim abarcar variações idiomáticas possíveis em ambos idiomas (inglês americano e português brasileiro). Os mesmos critérios foram utilizados para a escolha dos seriados do gênero sitcon, sendo eles Friends (que começou a ser lançado na década de 1990) e The Big Bang Theory (década de 2000). Também foi considerada a facilidade ao acesso dos quatro programas na hora da escolha. Esta dissertação está dividida em quatro capítulos. No primeiro, explicitamos a Teoria da Relevância, considerando a sua relação com tradução. Abordamos, também, aspectos teóricos sobre tradução e dublagem, bem como sobre discurso humorístico. No segundo capítulo, discorremos sobre elementos sobre o humor à luz da Teoria da Relevância. No terceiro capítulo, apresentamos o método, considerando a seleção e a análise dos textos humorísticos. Por fim, no capítulo 4, apresentamos a análise e a discussão dos materiais selecionados e, depois disso, as considerações finais.

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1 TEORIA DA RELEVÂNCIA, TRADUÇÃO E HUMOR

1.1 TEORIA DA RELEVÂNCIA E SEUS ASPECTOS

Pode-se dizer que a Teoria da Relevância é uma proposta pragmática que leva em consideração a cognição humana em relação a seus processos cognitivos, e é baseada na característica dos seres humanos de procurar sempre a informação mais relevante de cada estímulo recebido (YUS, 2012).

A Teoria da Relevância foi proposta pela primeira vez por Sperber e Wilson em 1986. Essa teoria leva em consideração a cognição humana no que diz respeito à comunicação e faz uma crítica às teorias pragmáticas desenvolvidas por Grice, que afirma que a maior parte da comunicação humana é a expressão e o reconhecimento das intenções (GRICE, 1989). Para Grice, enunciados criam expectativas que conduzem o ouvinte em direção ao significado do falante, e essas expectativas obedecem ao que ele denominou de princípio de Cooperação e Máximas Conversacionais, sendo estas de qualidade, quantidade, relação e modo. Contudo, para Sperber e Wilson (2005), os enunciados geram expectativas de relevância “não porque falantes obedeçam a um princípio de cooperação ou a alguma outra convenção comunicativa, mas porque a busca pela relevância é uma característica básica da cognição humana” (p. 223). Segundo Sperber e Wilson (2005), “a afirmação central da Teoria da Relevância é a de que expectativas de relevância geradas por um enunciado são precisas e previsíveis o suficiente para guiar o ouvinte na direção do significado do falante” (p. 222). Vamos abordar duas suposições dessa teoria, (1) Relevância e Cognição e (2) Relevância e Compreensão, a seguir esmiuçadas.

1.1.1 Relevância e Cognição

Qualquer estímulo externo ou representação interna fornece um input, mas quando um

input é relevante? Um input pode ser uma visão, um som, um enunciado ou uma memória, e

para Sperber e Wilson (2005), ele se torna relevante quando se conecta com alguma informação já existente e disponível, como uma espécie de background. Essa conexão de um novo input com uma informação pré-existente pode gerar uma conclusão que seja importante para o indivíduo, uma resposta para alguma dúvida, a confirmação de uma suspeita ou a correção de uma informação equivocada:

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nos termos da Teoria da Relevância, um input é relevante para um indivíduo quando seu processamento, em um contexto de suposições disponíveis, produz um EFEITO COGNITIVOPOSITIVO. Um efeito cognitivo positivo é uma diferença vantajosa na representação de mundo do indivíduo, uma conclusão verdadeira, por exemplo. (SPERBER; WILSON, 2005, p. 223, grifo dos autores).

Quando uma conclusão é falsa, ela também gera um tipo de efeito cognitivo, porém não positivo, porque não são vantajosas para o indivíduo. Para Sperber e Wilson (2005), o tipo mais importante de efeito cognitivo que um indivíduo pode alcançar ao processar um input é o que eles chamam de implicação contextual, que é uma conclusão que pode ser deduzida através da união do input com seu contexto. Um exemplo: suponhamos que João marcou de encontrar seu amigo no shopping às seis da tarde. Contudo, às seis horas e quinze, João olha o relógio e percebe que seu amigo está atrasado. Considerando que às seis da tarde é o horário de término do expediente na cidade de João, ele pode chegar à conclusão de que seu amigo está atrasado porque está preso no trânsito. João combina a informação nova (o atraso) com a informação existente (o horário de rush da cidade em que mora) para chegar a essa conclusão. Entretanto, se o amigo de João liga e avisa que vai que atrasar porque teve que ir a pé, então a conclusão anterior de João é cancelada e descartada.

Ainda que os contextos sejam idênticos, o input pode ser mais ou menos relevante de acordo com o valor das conclusões alcançadas por seu processamento, ou seja, quanto maior forem os efeitos cognitivos positivos alcançados. “A Teoria da Relevância afirma que o que faz um input merecer ser reconhecido dentre uma massa de estímulos competidores não é somente que seja relevante, mas que ele seja mais relevante que um input alternativo disponível para nós ao mesmo tempo” (SPERBER; WILSON, 2005, p. 224). Outro exemplo: o contexto seria de um trem chegando atrasado. Se ele está chegando apenas um minuto atrasado, essa informação não fará muita diferença na representação de mundo de quem o está esperando para ir trabalhar. No entanto, se ele chegar meia hora atrasado, essa informação pode levar a uma reorganização do dia, mudanças de planos, e então essa informação vai possuir um valor maior para o indivíduo que o espera.

Portanto, cada um desses inputs possui um grau de relevância diferente. “Nos termos teóricos da Teoria da Relevância, em contextos idênticos, quanto maior o esforço de

processamento requerido, menos relevante será o input” (SPERBER; WILSON, 2005, 225).

Dessa forma, é possível calcular o nível de relevância em termos de efeitos cognitivos e esforço de processamento partindo de dois princípios: (a) em contextos idênticos, quanto maior forem os efeitos cognitivos positivos pelo processamento, maior será a relevância; (b) em contextos idênticos, quanto maior for o esforço de processamento de um input, menor será sua relevância.

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Uma das formas de analisar o grau de relevância de um input é calculando quanto esforço ele demanda para ser processado. Ou seja, se o indivíduo A fornece uma informação em código, ou pouco clara, que exija certo nível de raciocínio para se chegar à resposta, e se o indivíduo B dá uma informação direta e clara, a informação dada pelo indivíduo B possuirá um grau de relevância maior. Por exemplo, imaginemos que Maria se hospeda na casa de alguns amigos por uns dias, e que ela não gosta de animais e é alérgica a pelos de gato. Quando pergunta se seus anfitriões possuem algum animal de estimação, ela obtém uma as seguintes respostas:

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a) Temos animais de estimação. b) Temos um gato de estimação.

c) Ou temos um gato de estimação ou sete ao quadrado menos três não são 46.

Segundo a caracterização da relevância, as três respostas poderiam ser relevantes para Maria, pois todos contém informações que ela procura. Contudo, o enunciado (b) seria o mais relevante de todos, porque ele acarreta as informações presentes no (a) e isso satisfaria todas as dúvidas de Maria. Além disso, é mais relevante que o (c) porque este demanda mais esforço de processamento. O (b) e o (c) são logicamente equivalentes, mas (b) é mais fácil e rápido de compreender. Portanto, pode-se dizer que quanto maior for o esforço requerido, menos relevante será o input. Sendo assim, a relevância pode ser calculada em termos de efeito cognitivos e esforço de processamento da seguinte forma, se considerarmos que eles ocorrem em contextos idênticos: (1) o input que produzir mais efeitos cognitivos positivos será mais relevante para o indivíduo naquela situação específica; (2) o input que precisar de maior esforço de processamento será menos relevante para o indivíduo naquela situação específica. A cognição humana tende, automaticamente, a maximizar as relevâncias, mas isso não é exatamente uma escolha, mas sim a forma como o sistema cognitivo humano se desenvolveu.

Como resultado de constantes pressões de seleção na direção do aumento de eficiência, o sistema cognitivo humano desenvolveu-se de tal forma que nossos mecanismos perceptuais tendem automaticamente a escolher estímulos potencialmente relevantes; nossos mecanismos de recuperação de memória tendem automaticamente a ativar suposições potencialmente relevantes; e nossos mecanismos inferenciais tendem espontaneamente a processá-los em um modo mais produtivo. Assim, enquanto todos nós provavelmente notaríamos o som de um copo se quebrando em nossa vizinhança, nós provavelmente prestaríamos mais atenção, e processaríamos o fato mais profundamente, quando nossa memória e mecanismos de inferência identificassem-no como o som de nosso copo se quebrando, e

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computaríamos as consequências que mais valessem a pena para nós. (SPERBER; WILSON, 2005, p. 227).

Uma informação é relevante quando ela possui efeitos cognitivos e, quanto maiores forem esses efeitos, maior será a relevância. Contudo, é necessário considerar os gastos para obter esses efeitos, e as informações são consideradas mais relevantes quanto menor forem os esforços para depreendê-las (RAUEN, 2007).

Um input, ou seja, uma informação nova, é relevante quando ele interage com esse contexto para gerar efeitos cognitivos, que são orientados pela cognição humana. Segundo Rauen (2007), há três efeitos cognitivos de uma informação em um contexto:

a) O fortalecimento de uma suposição contextual;

b) A contradição e a eliminação de uma suposição contextual;

c) A combinação dessa informação com a suposição contextual para gerar implicações contextuais.

Comunicar é oferecer informações nas quais emissor de uma mensagem (seja falante ou escritor) produz um estímulo ostensivo que fornece evidência com a qual deseja que o receptor (seja ouvinte ou leitor) infira certa conclusão (RAUEN, 2007). O mesmo enunciado pode ter várias interpretações, todas potencialmente relevantes, e a interpretação que o receptor aceitará será a que melhor satisfizer sua expectativa de relevância.

Existe uma tendência universal de maximizar a relevância de um enunciado e assim, de certa forma, predizer o estado mental do ouvinte. Isso ocorre se o enunciador escolher os inputs mais relevantes para o ouvinte e conduzir um estímulo que atraia sua atenção e que ative um conjunto de suposições contextuais apropriadas para que a conclusão pretendida seja entendida. “Por exemplo, eu posso deixar meu copo vazio em sua linha de visão, pretendendo que você o note e conclua que eu poderia querer outro drinque” (SPERBER; WILSON, 2005, p. 228). Sperber e Wilson (2005) também explicam o conceito de Comunicação

Ostensivo-Inferencial, que é um tipo de comunicação que envolve um nível adicional de intenções: a

intenção informativa (intenção de informar algo a uma audiência) e intenção comunicativa (intenção de informar uma intenção informativa a uma audiência). “A compreensão é alcançada quando a intenção comunicativa é satisfeita, isto é, quando a audiência reconhece a intenção informativa (SPERBER; WILSON, 2005, p. 228). Uma comunicação ostensivo-inferencial precisaria mais do que apenas o enunciador deixar o copo no campo de visão, como por exemplo tocar o braço de alguém e apontar o copo vazio (um estímulo ostensivo). Dessa forma o

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enunciador pode criar expectativas de relevância precisas e previsíveis não geradas por outros

inputs (SPERBER; WILSON, 2005, p. 229).

O uso do estímulo ostensivo cria uma presunção de relevância e, para esclarecer o que a audiência tem direito de esperar em termos de esforço e efeito, é preciso entender o conceito de relevância ótima: um estímulo ostensivo é relevante somente se é relevante o suficiente para merecer o esforço de processamento da audiência e se é o mais relevante compatível com as habilidades e preferências do comunicador (SPERBER; WILSON, 2005, p. 230).

1.1.2 Relevância e Compreensão

Sperber e Wilson (2005) dividem o processo global de compreensão em três principais subtarefas: (1) Explicaturas: construção de uma hipótese apropriada sobre um conteúdo, passível de mais de uma interpretação; (2) Premissas Implicadas: construção de uma hipótese apropriada sobre suposições contextuais pretendidas; (3) Conclusões Implicadas: construção de uma hipótese apropriada sobre implicações contextuais pretendidas.

Contudo, essas subtarefas não precisam necessariamente seguir essa ordem, uma vez que o ouvinte não decodifica primeiro a forma lógica e somente depois constrói uma hipótese apropriada com um contexto adequado e, por fim, chega a um conjunto de conclusões implicadas. As três subtarefas podem ser executadas simultaneamente a partir de um

background de expectativas e podem ser modificadas à medida que o enunciado vai sendo

absorvido e interpretado pelo ouvinte.

Para facilitar a compreensão, Sperber e Wilson (2005) ilustram com um exemplo na forma de um diálogo:

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(a) João devolveu o dinheiro que devia a você? (b) Não, ele esqueceu de ir ao banco.

Ao ouvir a resposta, a pessoa que fez a pergunta (a) supõe que o enunciado da pessoa que respondeu (b) é otimamente relevante para ela, supondo que o enunciado (b) é o suficiente para responder à sua pergunta. Nesse caso, a forma lógica do enunciado (b) fornece um acesso fácil à suposição contextual de que o fato de alguém esquecer de ir ao banco pode impedir a ação de alguém de devolver um dinheiro que devia a outra pessoa. Essa informação pode ser

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usada como uma premissa implícita no enunciado de (b) que pode explicar o comportamento de João de não devolver o dinheiro. Podemos colocar dessa forma: a afirmação de que João se esqueceu de ir ao banco é uma premissa explícita, enquanto a interpretação de que alguém se esquecer de ir ao banco justifica a impossibilidade de pagar uma dívida pode ser considerada uma premissa implícita. Somando as duas, o ouvinte pode facilmente chegar a uma conclusão implícita, ou até mesmo duas: a de que João não pode pagar o dinheiro porque esqueceu de ir ao banco; e que João poderá pagar o dinheiro que deve quando for ao banco. Para isso, é preciso saber de antemão de que o ‘banco’ citado em (b) é um local onde as pessoas vão para retirar dinheiro, ou seja, quando (b) respondeu a (a) sobre a devolução do dinheiro, (b) supôs que (a) saberia, através de suas experiências de vida, para que servem os bancos e por que as pessoas vão até lá (background), e também que ‘banco’ nessa situação se refere à instituição bancária, e não ao assento sem encosto que se encontra em praças.

1.2 SOBRE TRADUÇÃO E DUBLAGEM

A noção de tradução de palavra-por-palavra e sentido-por-sentido surgiu na época de Cícero e Horácio, e muitos consideram que a tradução começou com os romanos. Já naquele período, eles possuíam o conceito de que era possível enriquecer sua língua materna e também sua literatura através da tradução. Dessa forma, novas palavras começavam a surgir, e novas expressões, enquanto outras tornaram-se obsoletas. Horácio comparou esse processo com as a folhas na primavera e no outono.

Com a invenção das técnicas de impressão, a importância da tradução novamente passou por mudanças, o que acarretou o aumento no número de traduções. Também foi nessa época que começaram novas tentativas de formular teorias sobre a tradução. O início das grandes navegações, e invenções como instrumentos para medir o tempo e o espaço, e também as teorias de Corpérnico sobre o universo, afetaram a forma como a sociedade via a cultura e o conhecimento de mundo. Foi nesse período que o francês Etienne Dolet formulou uma teoria de tradução, e publicou em 1540 um pequeno esboço sobre os princípios da tradução intitulado “Como traduzir bem de uma língua para outra”. Nele, ele estipulou cinco princípios para o tradutor: (1) O tradutor precisa entender o sentido e o significado completo do autor original, embora ele tenha a liberdade de esclarecer o que ficou obscuro; (2) O tradutor deve ter conhecimento perfeito da língua original e da língua alvo; (3) O tradutor deve evitar a tradução de palavra por palavra; (4) O tradutor deve usar formas de discurso de uso comum; (5) O

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tradutor deve escolher e ordenar as palavras de forma apropriada para produzir o tom correto. (BASSNETT, p. 61). Os princípios foram ordenados por hierarquia de importância. Dolet foi morto acusado de heresia por ter supostamente traduzido errado os diálogos de Platão ao ponto de sugerirem descrença e imoralidade.

No século dezoito, popularizou-se a ideia de que o tradutor possui uma obrigação moral com os seus leitores contemporâneos e a premissa de que o objetivo do escritor é ser lido. Se um autor escreveu algo em sua época nos termos de sua época, para que seus contemporâneos entendessem, o tradutor precisa traduzir esse texto levando em consideração os tempos em que ele se encontra e como seus leitores atuais entenderão o texto traduzido. “O direito do indivíduo de ser dirigido em seus próprios termos, no seu próprio solo, é um elemento importante na tradução do século dezoito e está relacionado com as mudanças no conceito de ‘originalidade’” (BASSNETT, 2002, p. 67). Já no final do século dezoito, Alexander Fraser Tytler publicou um volume chamado “Os Princípios da Tradução”, que foi o primeiro estudo sistemático em inglês sobre o processo de tradução. Tytler partiu de três princípios: (1) A tradução deve dar uma transcrição completa da ideia do trabalho original; (2) O estilo e o modo de escrita devem ter a mesma caracterização que o original; (3) A tradução deve ter o mesmo grau de facilidade que a composição original. (BASSNETT, 2002, p. 69). Tytler concorda que é parte da obrigação do tradutor esclarecer obscuridades do original, ainda que isso signifique a omissão ou o acréscimo de algo.

No período vitoriano, havia um grande respeito pela obra original, uma espécie de idolatria às obras originais e ao valor de seu autor. Naquela época, o tradutor convidava, de certa forma, apenas os leitores mais intelectuais a compartilhar o enriquecimento cultural através da leitura, uma vez que ao produzir traduções conservadoras, limitava o público àqueles com conhecimento suficiente para interpretar tais textos. Sendo assim, como os intelectuais e bem instruídos representavam a minoria da sociedade, a grande parte das pessoas não conseguiam usufruir as traduções. Henry Wadsworth Longfellow (1807-81) defendia a tradução do verso branco em detrimento do rimado, pois o tradutor deveria ser fiel àquilo que o autor original pretendia transmitir. Se o tradutor buscasse manter a rima de um poema, ele poderia estar se desviando do que o autor realmente quis dizer com aquelas palavras. Já Edward Fitzgerald (1809-63) defendia que era melhor ter um pardal vivo que uma água empalhada, declarando que o texto deveria viver a todo custo da forma como ele era no original (no caso de um poema rimado, com as rimas). Contudo, esse tipo de tradução gerou um debate que perguntava se um texto traduzido de forma a manter a rima, ainda que não transmitisse

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exatamente o que o autor original tentou transmitir, deveria mesmo ser chamado de tradução, ou de adaptação ou versão.

Já no século dezenove, com o aumento do isolamento da vida intelectual britânica e da americana, combinada com os desenvolvimentos antiteóricos na crítica literária, os estudos científicos em inglês não receberam muita atenção.

A tradução literária é importantíssima para mediar povos e culturas, e contribui para aprimorar o conhecimento humano para aspectos bastantes distintos. Até um tempo atrás, especialistas em tradução técnica defendiam que o campo para se trabalhar tradução pertencia à Linguística, ainda que os estudiosos da área da Literatura afirmavam que a Literatura Comparada deveria ser responsável pela atividade de tradução (BARZOTTO, 2007). Ainda no século XIX, intensificou-se a reflexão teórica sobre o próprio fenômeno da tradução:

Já em 1798 Novalis, que incluía na tradução transferências entre níveis distintos da expressão cultural e artística, admitia, de forma marcadamente idealista, três tipos fundamentais: a tradução gramatical, a modificadora e a mítica. Se a primeira não exigia mais do que erudição e capacidades discursivas, já a segunda não era possível senão mediante a intervenção do mais alto espírito poético. Só as traduções do terceiro tipo, porém, representariam o puro e perfeito caráter da obra de arte individual. (DELILLE et. al, 1986).

Essa polêmica continuou por algumas décadas, até que no final do século XX profissionais de ambas linhas do saber chegaram ao consenso de que a Tradução Literária deveria ter seu próprio espaço, uma vez que ela possui características peculiares que são únicas de sua área. Ela se diferencia da tradução técnica e literal (palavra por palavra a ser analisada) por ter envolvimento com um aspecto sociocultural que abarca as culturas fonte e alvo e que deve ser altamente considerado em um processo tradutório, abordando assim as sociedades e os indivíduos que as constituem (BASSNETT, 1980, apud BARZOTTO, 2007).

A expressão ‘Estudos de tradução’ é relativamente recente, e não se refere ao estudo de uma segunda língua (L2), ainda que a tradução seja parte do processo de aprendizado de uma L2, mas sim ao processo sistemático de estudo de tradução. Justamente pela tradução ser uma parte do processo de ensino e aprendizagem de uma língua, ela demorou até ser estudada por ela mesma (BASSNETT, 2002). A tradução envolve passar a informação de uma língua de origem para uma língua-alvo de forma que o significado na segunda seja similar ao transmitido no texto de origem. A tradução foi por muito tempo percebida como uma atividade secundária, mais mecânica do que criativa, que cabia a qualquer um que possuísse conhecimentos básicos

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de uma língua que não fosse a sua língua materna. E comumente se estudou o resultado de uma tradução, e não o processo em si.

O processo de tradução envolve transferir o significado contido em um grupo de sinais linguísticos para outro grupo de sinais através de um uso adequado do dicionário e da gramática, mas não é apenas isso, o processo envolve vários critérios extralinguísticos (BASSNETT, 2002). Segundo Roman Jakobson, (1959), em seu texto “On Linguistic Aspects of Translation”, existem três tipos de tradução: (1) Tradução intralingual, que é a interpretação de signos verbais através de outros signos verbais na mesma língua; (2) Tradução interlingual, que é a interpretação de signos verbais através de outra língua; (3) Tradução intersemiótica, que é a interpretação de sinais verbais através de sinais não verbais. Quando se estuda tradução, é preciso considerar que não há uma equivalência completa pela tradução, uma vez que mesmo sinônimos não são considerados equivalentes. É preciso entender o significado e a função que os termos possuem na cultura da língua-alvo. Por exemplo, se traduzir a palavra “pastry” de uma frase em inglês para o italiano, sem se preocupar com o significado dessa palavra na língua italiana, a frase poderá não desempenhar a mesma função que a original em inglês, porque “pasta” em italiano possui um campo de associação muito diferente (BASSNETT, 2002). Por exemplo, ao traduzir um diálogo do inglês para o PB, é possível esbarrar em um erro comum de equivalência. Considere o exemplo:

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A: Did you buy the book? B: Yes.

Se formos traduzir para o equivalente em português, o diálogo ficaria assim:

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A: Você comprou o livro? B: Sim.

Contudo, no Brasil, esse diálogo soaria mais incomum porque o diálogo em inglês simula a forma como os personagens conversam em sua língua materna. No Brasil, a forma tradicional de se responder perguntas como essa é utilizando o verbo, e não a palavra “sim”. A forma mais popular seria:

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A: Você comprou o livro? B: Comprei.

Bassnett (2002) ressalta a forma como nativos de língua inglesa atendem o telefone, que é da mesma maneira como eles cumprimentam as pessoas quando as encontram pessoalmente. Já em outras línguas, como alemão, francês, italiano e até o português, usa-se uma forma para atender o telefone diferente do cumprimento que usam para falar com pessoas pessoalmente. Por exemplo, em português, o “alô” se usa apenas para atender o telefone, enquanto pessoalmente as pessoas dizem “olá” ou “oi”. Ou seja, mesmo existindo, em alguns casos, a possibilidade de várias versões se aproximarem de uma equivalência a da língua de origem, ainda assim existem casos em que apenas uma possibilidade encaixa de forma adequada.

É um fato estabelecido nos Estudos de Tradução que se doze tradutores traduzirem o mesmo poema, eles irão produzir uma dúzia de versões diferentes. E ainda assim em algum lugar nas doze versões haverá aquilo que Popovič chamou de “núcleo invariável” do poema original. Esse núcleo invariável, ele alega, é representado por elementos semânticos constantes básicos e estáveis no texto. (BASSNETT, 2002, p. 35)1

Transformações ou variações são mudanças que não transformam a essência do significado de um texto, mas influenciam a sua forma expressiva, enquanto que invariante é aquilo que existe em comum em todas as versões do mesmo texto traduzido. Traduzir é mais do que substituir os elementos léxicos e gramaticas de uma língua para outra de forma equivalente, até mesmo porque existem elementos que são intraduzíveis ou que passam uma ideia ou imagem mental possível apenas em algumas culturas (ou em uma específica), mesmo se traduzida por um termo equivalente na língua-alvo. Por isso alguns teóricos da tradução fazem diferenças entre “tradução” e “reprodução” ou “tradução literal” e “tradução livre”, sendo a primeira uma tradução a nível de palavra por palavra e a segunda de sentido por sentido, porque, muitas vezes, é preciso adaptar ou alterar um trocadilho ou jogo de palavra, ou alguma frase contendo alguma especificidade da cultura daquela língua, de modo que cause o mesmo efeito na língua-alvo, levando em consideração sua cultura e contexto. E, ao tomarmos por

1 No original: “It is an established fact in Translation Studies that if a dozen translators tackle the same poem, they will produce a dozen different versions. And yet somewhere in those dozen versions there will be what Popovič calls the ‘invariant core’ of the original poem.”

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premissa que uma equivalência perfeita não pode existir em duas línguas distintas, podemos entender a questão de “perdas e ganhos” no processo de tradução. Muitas vezes, apenas a perda é focada, aquilo que não é contemplado na tradução, algo que ficou faltando ou que não passou o mesmo significado na língua-alvo. Contudo, também é possível pensar nos ganhos, uma vez que o tradutor pode enriquecer ou esclarecer algo da língua de origem (BASSNETT, 2002).

Existem também especificidades de uma língua, classificações e atributos que existem em uma língua e em outra, não. Por exemplo, na língua Guaica (falada na Venezuela), não existe apenas uma dicotomia entre “bom” e “ruim”, mas existe uma tricotomia, pois eles possuem um nível a mais nessa classificação, assim como no francês existem palavras para diferentes tipos de neve, e em árabe, para aspectos do comportamento dos camelos. Isso nos leva à intraduzibilidade. Algumas expressões simplesmente não podem ser traduzidas porque o sistema linguístico de outras línguas não possui as mesmas características e estruturas que o sistema linguístico do texto original. Por exemplo, a língua alemã não possui o gerúndio como conhecemos no PB e no inglês.

Delille (1986) explica que Johann Wolfgang von Goethe, sendo ele próprio um tradutor, ressaltou a existência de um eixo de importância fundamental, que é o da relação pragmática, ou seja, a relação entre a tradução e o seu imediato destinatário. É uma ligação considerada em uma perspectiva sincrônica ou diacrônica. “Assim, Goethe admite e valoriza os diversos tipos de tradução possíveis conforme as necessidades dos vários níveis etários ou, numa perspectiva diacrônica, do grau de maturidade de uma cultura” (DELILLE, 1986). Delille então entra no quesito “equivalência”, que seria uma forma de adaptar a tradução do texto fonte para o que seria equivalente à língua e cultura alvo:

Traduzir um texto literário implica, especialmente nos domínios em que os sistemas linguístico-culturais não apresentam correspondências, encontrar equivalentes nacionais que, consoante a maior ou menor abertura e maleabilidade dos sistemas de chegada e do público visado, podem admitir algum grau de estranheza (dissimilação) ou pelo contrário, como mais frequentemente acontece, tender para a assimilação (...) do texto de partida. (DELILLE, 1986, p. ??)

As mesmas questões que são encontradas no ato de traduzir um texto literário são encontradas ao traduzir os diálogos de um filme ou de uma série. Os textos nada mais são que obras de um autor ou roteirista e possuem um sentido artístico de criação que deve ser respeitada. Se um diálogo possui uma frase que foi escrita para causar um efeito dramático na audiência, então ao ser traduzido, ele precisa causar o mesmo efeito no público da língua-alvo.

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Se a ideia era causar uma situação cômica, fazer os telespectadores rir, então quando se assiste a cena em questão no idioma em que foi dublado a frase precisa causar a mesma sensação. Mas, como dito acima, alguns sistemas linguístico-culturais não possuem correspondência, então é preciso modificar a frase para que a sensação desejada seja mantida. Nesse caso a tradução dos diálogos deveria ser mais adaptativa do que literal.

Tradução e adaptação estão diretamente relacionadas. Ambas partem do princípio de passar uma informação de uma língua de origem para uma língua alvo. Por exemplo, se pensarmos no termo “licensed electrician” poderemos traduzir, em um texto, como “eletricista licenciado”. O leitor poderá entender do que se trata, mas no Brasil não lidamos com licenças da mesma forma como nos Estados Unidos, então poderíamos optar por adaptar o termo licenciado para regulamentado, registrado, cadastrado ou autorizado.

A tradução propriamente dita está ligada ao conceito de equivalência, e a equivalência puramente linguística entre elementos de um sistema linguístico foi provada inadequada como um critério para a tradução de estruturas mais complexas, como textos. Segundo Nord (1994), aspectos pragmáticos devem ser considerados, e vários requerimentos, listados a seguir, precisam ser preenchidos para que o texto na língua alvo seja equivalente ao texto na língua de origem:

a) Dentro do que a pragmática engloba, texto equivalente na língua-alvo precisa ter a mesma função ou efeito comunicativo que o texto na língua de origem, sendo endereçado ao mesmo grupo-alvo de destinatários.

b) No que diz respeito à dimensão linguística, um texto equivalente na língua-alvo precisa imitar ou espelhar as características estilísticas do texto da língua de origem.

c) No âmbito da semântica, um texto equivalente na língua alvo tem que transmitir o mesmo significado ou a mesma mensagem transmitida pelo texto na língua de origem.

Podemos pensar no exemplo também levantado por Nord (1994). Se analisarmos a frase em sueco “Karta över Finland” podemos facilmente traduzir por “Mapa da Finlândia” ou “Map

of Finland” sem muitos problemas. É um texto puramente informativo. Contudo, nos

depararemos com um problema se compararmos essa situação com a do seguinte slogan, também em sueco: “Det finnis i Finland”. Literalmente, em uma tradução equivalente, podemos entender “Isso é o que você encontra na Finlândia”. Contudo, o slogan possui um detalhe, que

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o torna mais difícil de traduzir: a repetição da sílaba fin(n). Essa sílaba, em “finnis” e depois em “Finland” produz um efeito particular de métrica que faz a frase soar como um slogan. Em outras línguas, esse efeito se perde. Por isso, a opção é tentar adaptar esse efeito usando algum outro recurso da língua-alvo. Nord (1994) ainda dá o exemplo do título “Wuthering Depths”, que faz alusão ao título original do livro “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Brontë, que é “Wuthering Heights”. “Dephts” é ‘profundezas’ enquanto “Heights” é ‘alturas’. Esse título precisaria ser adaptado para o PB, se fosse publicado no Brasil, e talvez fizesse uma brincadeira com o título do livro já publicado em PB, e não uma tradução do título original.

Também é preciso levar em consideração que o senso comum do público-alvo também conta na hora de fazer uma tradução adaptativa. No caso do título do livro de Aldous Huxley “Brave New World”, é preciso considerar que ele faz uma alusão à citação shakespeariana da peça “A Tempestade”. Em francês, esse título aparece como “Le meilleur des mondes”, que não é uma tradução propriamente dita do título, pois significa “o melhor dos mundos”, e não “bravo novo mundo”. Contudo, o título em francês faz alusão a uma citação de Voltaire tanto quanto o título em inglês faz uma alusão à citação de Shakespeare (NORD, 1994). Provavelmente, ao decidir um título equivalente, o tradutor tenha pensado que para o público francês seria mais compreensível uma referência a uma citação de Voltaire, que era francês, do que Shakespeare, que era britânico. Foi considerado que era mais importante o título aludir a uma citação poética do que meramente reproduzir o conteúdo do título original. O conteúdo semântico nesse caso precisava ser mais valorizado do que a estrutura sintática original. A citação de Voltaire, nesse caso, poderia ser considerada mais eficaz por remeter à uma citação poética mais rapidamente do que a citação de Shakespeare na cultura em questão.

Traduções a adaptações dificilmente são perfeitas se comparadas ao texto original, mas ainda assim uma certa fidelidade é necessária. Contudo, enquanto a ênfase está tanto no conteúdo quanto na forma na tradução, na adaptação o conteúdo é mais ressaltado (JOHNSON, 1984). Isso significa que a perda de informações é um pouco maior na adaptação do que na tradução, como é o caso do exemplo anterior com o título do livro “Brave New World”. A adaptação é mais flexível, ela abre espaço para uma modificação maior com o objetivo de manter o efeito na língua alvo semelhante ao efeito causado na língua de origem, e também visando manter a intenção comunicativa do autor.

Nord (1994) ainda apresenta outro exemplo de um título de Simone de Beauvoir “Une

mort três douce”, que em uma tradução literal seria “Uma morte muito doce”. Esse título,

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elementos “très” e “douce” em francês. Contudo, quando foi traduzido para o alemão, o mesmo título ficou “Ein sanfter Tod”, que, literalmente traduzido seria “Uma suave morte”. Nord supõe que a tradução alemã busca atingir essas funções sonoras justamente evitando as palavras “sehr” do alemão (“muito” em português e “très” em francês) e “süße” (“doce” em português e “douce” em francês). “Sehr” possui uma sonoridade agressiva e forte e süße possui uma conotação oposta à morte, remetendo à vitalidade. Portanto, a sugestão sem o “sehr” e com o “sanftes” como adjetivo aproxima-se do objetivo almejado.

É preciso considerar o contexto cultural do público-alvo na hora de uma tradução adaptativa. Zabalbeascoa (1996) examina um exemplo retirado de um episódio da série de comédia inglesa “Yes, Minister”. Na abertura do episódio chamado “The Chalenger”, um repórter entrevista o ministro. Em algum momento da entrevista, ele comenta, em inglês (língua original do seriado), que o departamento do ministro subiu 10%, no que o ministro corrige que na verdade foi 9,97%. Mais adiante, na mesma entrevista, o ministro comenta que não está informado sobre algumas propostas recentes porque ele foi para o estúdio direto da “Number

Ten”. Na Inglaterra, “Number ten" (que significa “número dez”) é o nome dado à residência

oficial do Primeiro Ministro da Inglaterra, que fica na rua Downing Streed número 10. Quando o ministro diz a frase “After all, I’ve come here directly from Number Ten” o entrevistador responde “From Number 9.97 perhaps”. Essa é nitidamente uma brincadeira na qual o entrevistador está fazendo uma referência à porcentagem que o ministro levantou ao corrigir o entrevistador quando ele sugeriu que a subida havia sido de 10%.

No diálogo desse mesmo episódio transcrito para o catalão, o tradutor manteve apenas a tradução literal, sem adaptar a piada para uma que fizesse algum tipo de trocadilho ou que transpusesse o senso de humor pretendido na piada feita no diálogo original. Zabalbeascoa (1996) sugere que a razão disso possa ter sido porque o tradutor imaginou que a audiência da língua-alvo não estaria familiarizada com essas peculiaridades da cultura inglesa ou porque o próprio tradutor não entendeu o cunho humorístico da brincadeira com os números pelo fato de ele próprio não conhecer a nomenclatura referente à residência do ministro.

Ao traduzir um texto é preciso levar em conta a cultura do país para qual o texto está sendo traduzido, mesmo que a língua seja a mesma. Brasil e Portugal, apesar de dividirem, teoricamente, a mesma língua, possuem diferenças linguísticas gigantescas a ponto de um mesmo termo ter dois significados distintos. Por exemplo, o que no Brasil é dito “sorvete”, em Portugal é dito “gelado”. O que no Brasil chamamos de “trem”, em Portugal é “comboio”. E isso não se estende apenas ao vocabulário, mas sim às formas de falar ou ordenar uma sentença.

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No Brasil, em um diálogo em um livro é possível encontrar “Me dá uma caneta?”, e em Portugal seria mais comum escrever “Dá-me uma caneta?”. O mesmo ocorre com os verbos no gerúndio. Enquanto no Brasil dizemos “Estou preparando o jantar.”, em Portugal é dito “Estou a preparar o jantar”, com o verbo no infinitivo.

É possível notar adaptações até mesmo em livros que permanecem na mesma língua. Um bom exemplo disso é a série de livros de literatura ficcional Harry Potter. A série foi originalmente lançada na Inglaterra, mas, ao ser publicada nos Estados Unidos, sofreu grande alteração. Por exemplo, “fortnight” foi substituído por “two weeks”; “football” para “soccer”; e até mesmo o título do primeiro livro, “Harry Potter and the Philosopher’s Stone” (Harry Potter e a Pedra Filosofal no PB) foi trocado para “Harry Potter and the Sorcerer’s Stone” quando o livro foi publicado nos Estados Unidos. A editora responsável pela publicação (Scholastic) explicou que a palavra “Philosopher” possuía usos diferentes na Inglaterra e nos Estados Unidos e, para aquele contexto, a palavra “Sorcerer” soaria mais adequada.

Se dentro de uma mesma língua é preciso adaptar as palavras e os termos de acordo com cada país, cultura ou realidade a qual o texto vai ser apresentado, como não fazer uma adaptação no momento de traduzir de uma língua para a outra? Delia Chiaro (1992, apud ZABALBEASCOA, 1996) afirma que uma série de comédia só é considerada de sucesso se a situação retratada não é muito específica de uma cultura. Como exemplos ela cita a série George

and Mildred e também Different Strokes. Ambas séries falam a respeito da classe média no

geral sem fazer grandes alusões a estereótipos britânicos muito específicos. Ambas fizeram bastante sucesso na Itália. Contudo, a série Bless Me Father fez menos sucesso, pois satiriza aspectos da Igreja Anglicana e é muito mais específica culturalmente para agradar aos Católicos Romanos.

A tradução pode ser relacionada a um sistema de prioridades e restrições, sendo que o conceito de prioridade pode expressar os objetivos intencionados pela tradução em questão, e as restrições podem ser consideradas como os obstáculos e problemas que ajudariam a justificar a escolha do tradutor na hora de hierarquizar as prioridades na tradução (ZABALBESCOA, 1996). É possível hierarquizar as prioridades em uma escala de importância para facilitar a tradução. Por exemplo, um discurso, mesmo que seja sério, pode conter algumas brincadeiras e piadas para descontrair. Nesse caso, a prioridade da tradução é o cunho do discurso: se for político, talvez seja atrair votos, espalhar uma ideologia ou levantar fundos para alguma causa. Nesse caso, a parte humorística estaria em segundo plano. No caso de uma tradução, pode ser mais adequado até mesmo não traduzir nenhuma piada, caso seja a norma de alguma audiência

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excluir o uso de humor no mesmo sentido em que a língua original utiliza em sua cultura (ZABALBESCOA, 1996).

Na dublagem de um texto humorístico para televisão, os cuidados são parecidos, mas não são os mesmos. É preciso ter em consideração o que cada cultura considera mais engraçado e que tipo de piadas e recursos linguísticos são mais apropriados para se utilizar em cada cultura ao qual o texto vai ser traduzido e adaptado. Zabalbescoa (1996) dá o exemplo do seriado

Fawlty Towers, que foi dublado em catalão. No seriado original, existe um personagem que é

baixinho, escuro, usa um bigode e é mostrado como sendo uma pessoa ignorante. Esse personagem é de Barcelona na versão original. Contudo, na versão traduzida para o catalão, ele vem de Jalisco, no México. Isso foi modificado porque o público catalão não vê os espanhóis com o mesmo estereótipo que os britânicos veem, ou seja, foi preciso modificar para que se mantivesse o cunho humorístico. Se mantivessem o personagem como sendo de Madri, o público poderia ter percebido como ofensivo, e não como humorístico. Coloca-se, então, como uma das prioridades na hora de traduzir, a busca por uma equivalência – algo que cause o mesmo efeito na língua traduzida, ou um efeito muito parecido ao causado na língua original ao público original. Ao se traduzir uma comédia com o objetivo de produzir um resultado humorístico, o efeito cômico é prioritariamente pretendido. Zabalbescoa (1996) ressalta que esse efeito é “pretendido” porque nem sempre ele ocorre ao término da tradução. Em alguns momentos, o tradutor pode se esbarrar em uma situação praticamente impossível de ser colocada de forma equivalente na língua e cultura alvo.

Além disso, o tradutor não só encontra situações nas quais não há uma equivalência adequada na língua-alvo que cause o mesmo efeito que o texto causa na língua original, como também é possível deparar-se com restrições de tradução. Os contextos culturais, históricos, valores morais, costumes e tradições pesam muito na recepção de um programa e podem ser fatores decisivos para que o público encontre ou não graça naquele programa. Às vezes, algo que pode soar engraçado para um país, pode soar ofensivo para outro.

A tradução de roteiros de filme é considerada por muitos profissionais da área um dos tipos de tradução mais peculiares. O texto entregue pelo tradutor não costuma ser a versão definitiva, e sequer é uma das fases final do projeto. O texto traduzido por ele costuma ser o ponto inicial de um processo longo e complexo, que passa por várias pessoas e várias operações, cujo nível de respeito ao texto original pode variar de acordo com cada situação (MARTINEZ, 2004). As etapas do processo também podem variar de acordo com cada estúdio.

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Também devemos lembrar que um dos pontos mais importantes na dublagem de algum material audiovisual é a sincronização. Sincronizar uma fala significa que o texto gravado pelo ator que está interpretando a voz dublada do personagem precisa se adequar ao texto falado pelo ator original na língua original do filme ou episódio. Segundo Varela (2004), a sincronização força o tradutor a colocar suas habilidades criativas em seu uso completo. O mundo da dublagem profissional prioriza a sincronização acima dos outros critérios (VARELA, 2004), e uma dublagem é considerada de qualidade se a fala gravada na língua-alvo está encaixada com os movimentos labiais do ator que gravou a cena na língua original. O mesmo processo vale para filmes e seriados de animação, uma vez que os movimentos labiais desenhados nos personagens obedecem aos movimentos que um falante nativo faz ao pronunciar aquelas palavras que o personagem animado está pronunciando.

Porém, não é apenas o tempo de duração da fala original para a fala traduzida que define se a sincronização labial será considerada de qualidade. Muitos estúdios também tentam reproduzir na fala dublada a articulação de vogais ou de certas consoantes, para que o texto dublado soe mais natural, como se o ator estivesse falando em sua língua materna. Para isso, é preciso respeitar as pausas e a velocidade da fala do ator ou personagem animado original. Sincronização labial se trata da substituição do discurso original por uma gravação de voz que é fiel à tradução do discurso original e da tentativa de reproduzir o tempo cronometrado e os movimentos labiais da fala original (LUYKEN, 1997, apud VARELA, 2004).

Na próxima sessão, falaremos sobre o discurso humorístico.

1.3 O DISCURSO HUMORÍSTICO

O humor é um fenômeno polêmico e interdisciplinar que desperta o interesse de muitas pessoas. Contudo, existe uma grande dificuldade em tentar definir o que é o humor. “A discussão sobre humor é rica e variada e a literatura especializada apresenta uma taxonomia também polêmica sobre as fronteiras, limites e interfaces do humor” (SANTOS, 2014, p. 26). Várias pessoas tentaram definir e caracterizar os tipos de humor e suas subdivisões, como tiradas inteligentes, piadas, besteirol, deboches, sátiras, ironia, sarcasmos trocadilhos dentre outros. Entretanto, falta consenso quanto à definição de humor:

Seria pretensioso demais querer restringi-los a um único termo – humor – já que o mesmo serve a áreas tão variadas como a filosofia, a psicologia, a antropologia, a sociologia, a medicina, as ciências da informação e a educação, a teoria literária e a linguística. Nessa última, mais especificamente na linguística cognitiva, o conceito de

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humor está relacionado ao de processamento cognitivo da linguagem, o que de certa forma mantém fortes ligações com o conceito de cultura na antropologia e na sociologia. (SANTOS, 2014, p. 27).

Um dos motivos para que exista uma grande quantidade de conceitos em relação ao humor se deve ao fato de que não existem geradores exclusivos para o humor. O que pode gerar humor em uma época e local, ou para um grupo de pessoas, pode não ser considerado humorístico em outro local ou época, ou para outro grupo de pessoas. Historicamente, o conceito de humor deriva de “cômico”, um conceito pertencente ao campo de estética filosófica que designa a faculdade de fazer rir e divertir (SANTOS, 2014). Contudo, nem é possível afirmar que apenas o humor leva ao riso, porque existem outros fatores que podem gerar essa consequência, como, por exemplo, cócegas.

A risada por si só, como uma convulsão estranha que aparenta ser um efeito ambíguo e assinalar uma realidade fisiológica, normalmente faz com que o conceito popular de humor, em termos de linguagem, seja bastante óbvio (VANDAELE, 2002). Ninguém vai negar a existência de algo engraçado que possivelmente provocou essa reação fisiológica. No entanto, ainda que a reação esteja relacionada ao estímulo humorístico, a dita “graça” pode estar lá sem que a pessoa tenha, de fato, rido. Vandaele (2002) afirma que o humor pode ser tanto sobredeterminado quanto subdeterminado por dois fatores: incongruência e superioridade.

A incongruência nada mais é que o conflito entre o que é esperado e o que realmente acontece em uma piada (SCHULZ, 1976, apud VANDAELE, 2002). E a definição de uma determinada expectativa, se se ela ainda não existe na memória de alguém, deve ser criada por um estímulo comunicativo para ser “contrabalançada” pela comunicação subsequente (VANDAELE, 2002). Podemos observar isso com um exemplo simples:

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Em uma delegacia, uma mulher conversa com o delegado:

Mulher: Seu delegado, meu marido saiu de casa ontem à noite para comprar arroz e até

agora não voltou. O que eu faço?

Delegado: Sei lá, faz macarrão.

Ao ouvir ou ler que a pequena história se passa em uma delegacia e que uma mulher relata o desaparecimento do marido, o ouvinte ou leitor tende a inferir que o policial deve se preocupar e tentar ajudar em relação ao desaparecimento. Contudo, quebrando a expectativa, o policial se preocupa com o fato de o marido não ter levado o arroz para casa. O clima da

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delegacia e o relato da mulher ativam a memória do ouvinte ou leitor sobre a informação de que policiais e delegados trabalham resolvendo mistérios como o desaparecimento de alguém, possíveis sequestros e crimes no geral. A primeira informação, sobre a delegacia, e a fala da mulher, relatando o ocorrido, são o estímulo comunicativo que cria a expectativa. E a fala do policial é o estímulo subsequente que “contrabalança” o estímulo anterior. Santos refere Kant ao dizer que “o riso é um deleite de um jogo de ideias no qual a disposição para a clarividência do fato oscila temporariamente entre a dúvida e o engano” (SANTOS, 2014, p. 37). Segundo essa perspectiva, a expectativa do prazer não é só intelectual, mas também física, sendo dessa forma indissociável entre o corpo e o espírito. Santos (2014, p. 37) afirma que para Schopenhauer a causa do riso em todos os casos é simplesmente a ‘percepção repentina’ da incongruência entre um conceito e os reais objetos que foram pensados por meio disso na mesma relação, e o riso por si é apenas a expressão dessa incongruência.

O conceito de incongruências, se observado sob as perspectivas psicológica e filosófica, parte da dualidade da relação entre a percepção do estado das coisas no mundo e a sua representação, a relação entre os objetos e os conceitos e a realidade. Essa interpretação lógica do mundo e do quão congruentes ou incongruentes as coisas e as ideias se apresentam no mundo é a premissa básica para a teoria da incongruência.

Attardo (1994), por sua vez, ao conceituar incongruência, toma emprestado o conceito do psicólogo Paul McGhee (1972, apud Attardo, pg. 48), para quem a noção de incongruência se refere à relação entre componentes de um objeto, evento, ideia, expectativa social etc. Quando o arranjo dos elementos constituintes de um evento é incompatível com o padrão normal de expectativa, o evento é percebido como incongruente. (SANTOS, 2014, p. 39)

A superioridade pode ser definida em termos muito amplo como um “reforço ou um incremento de felicidade” ou “elevação da autoestima” (LA FAVE et al, 1976, apud VANDAELE, 2002). Superioridade, como sendo um sentimento, pode ter várias causas, e também depende da circunstância em que o indivíduo se encontra. Relacionado às piadas ou jogos de linguagem, ela pode estar ligada ao fato de que entender uma piada demanda algum esforço. Qualquer falha no entendimento pode conduzir a uma pressão social – considerando o contexto interativo de uma piada. Por isso, entender uma piada pode levar a um sentimento de superioridade (VANDAELE, 2002). Alguns discursos humorísticos, especificamente os de cunho agressivo como comentários sarcásticos ou irônicos, com frequência alvejam uma vítima, e o emissor do discurso pode estar envolto em um sentimento de superioridade.

Referências

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