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MATHEUS GOMES DE SOUSA

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE BACHARELADO EM HISTÓRIA

MATHEUS GOMES DE SOUSA

HANSENIANOS EM RIO BRANCO:

ISOLAMENTO, PRECONCEITO E MEMÓRIA SOCIAL

RIO BRANCO - ACRE 2017

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MATHEUS GOMES DE SOUSA

HANSENIANOS EM RIO BRANCO:

ISOLAMENTO, PRECONCEITO E MEMÓRIA SOCIAL

Monografia, apresentada ao curso de Bacharelado em História, da Universidade Federal do Acre - UFAC.

RIO BRANCO - ACRE 2017

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MATHEUS GOMES DE SOUSA

HANSENIANOS EM RIO BRANCO:

ISOLAMENTO, PRECONCEITO E MEMÓRIA SOCIAL

Monografia, apresentada ao curso de Bacharelado em História, da Universidade Federal do Acre - UFAC.

Orientador: Prof. Dr. Airton Rocha

Rio Branco – AC, 12 de abril de 2017.

Banca Examinadora:

___________________________________________ Prof. Dr. Airton Chaves da Rocha

___________________________________________ Prof. Dr. Francisco Pinheiro de Assis

____________________________________________________ Profª. Dra. Sandra Teresa Cadiolli Basílio

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RESUMO

Ao longo dos anos evidências históricas comprovam que a Hanseníase é vista como um infortúnio, principalmente para aqueles que desta enfermidade são acometidos. No Brasil, sobretudo na primeira metade do século XX, foi estabelecida uma política de profilaxia da “Lepra”, que estabelecia a segregação daqueles que eram acometidos de tal doença. Este trabalho situa as diversas fases dessa política de isolamento, bem como suas ações e sua conotação na construção da sociedade brasileira e na Amazônia a partir do século XIX e século XX, sobretudo durante os Governos de Getúlio Vargas. Procura também abordar as medidas utilizadas para que os hansenianos fossem enclausurados, dentre tais diligencias destaca-se a criação da Colônia Souza Araújo em Rio Branco no Acre, e nesse contexto, buscou-se caracterizar o fazer-buscou-se do sujeito social Francisco Augusto Vieira Nunes (Bacurau), e de alguns personagens que foram “marginalizados” pela sociedade. Examinados respeitosamente e buscando fugir dos anacronismos, esse trabalho foi possível a partir de várias leituras de diversos autores que trabalham o tema e abordam de forma sistemática o assunto por nós proposto.

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ABSTRACT

Over the years, historical evidence show that leprosy is seen as a misfortune, mainly for those who it is affected. In Brazil, especially in the first half of the twentieth century a prevention policy of "leprosy" was established, which established the segregation of those who were afflicted with this disease. This work places the various phases of this isolation policy and its actions and its connotation in the construction of Brazilian society and in the Amazon, from the nineteenth century and the twentieth century, especially during the governments of Getulio Vargas; It also seeks to address measures used for the leprosy patients were cloistered among such diligences highlights the creation of the Colony Souza Araújo in Rio Branco in Acre, and in this context, we sought to characterize the make-up of the social subject Francisco Augusto Vieira Nunes ( nighthawk), and some characters that were "marginalized" by society. Examined and respectfully seeking to escape the anachronisms, this work was possible from multiple readings of several authors working the issue and address systematically the subject we have proposed.

Keywords: leprosy, Bacurau, insulation policy, Memories.

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DEDICATÓRIA

À minha amada e querida esposa Jéssica Dantas Feitosa Gomes.

A todos os colaboradores do MORHAN e amigos que lutam por uma sociedade mais fraterna.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus o autor e consumador da minha fé que me deu forças e coragem para lutar e vencer mais essa batalha, a ele meu eterno louvor e honra! Agradeço a minha querida e amada esposa Jéssica Dantas que não mediu esforços para me auxiliar de forma idônea na elaboração desse trabalho, a ela devo minha eterna gratidão.

Sou grato aos meus familiares, de uma forma especial meu sogro Edilson Paiva e minha sogra Marilene Dantas que me apoiaram nos momentos mais difíceis dessa caminhada, agradeço aos meus colegas de curso que colaboraram com esse triunfo.

Quero aqui externar minha gratidão aos amigos do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase – MORHAN, em especial Élson Dias e Teresinha Prudêncio que não mediram esforços para abraçar esse projeto que contou de forma singela suas lutas e conquistas.

Enfim, quero agradecer a cada colega de turma e cada professor do Curso de Bacharelado em História que contribuíram de forma significativa para meu desempenho e aprendizado, de forma especial gostaria de citar os doutores Valdir Calixto, Sandra Teresa Cadiolli Basílio, Francisco Bento, José Dourado, Francisco Pinheiro de Assis, Geórgia Pereira e meu orientador Airton Chaves da Rocha que abraçou esse trabalho com diligencia e deu a ele uma atenção incomensurável tornando a obra mais faustosa em conteúdo.

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“Aliás, o amor ainda é o melhor remédio para todos os males do mundo, desde que seja traduzido em trabalho, em humildade, em justiça...

A hanseníase também se cura com amor. Com muito amor”

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Francisco Augusto Vieira Nuners, o Bacurau

SUMÁRIO

CAPÍTULO I: A POLÍTICA DE ISOLAMENTO DE HANSENIANOS NO

BRASIL... 15

1.1 Um breve histórico da Hanseníase no Brasil... 15

1.2 O governo Vargas e a Política de isolamento de hansenianos ... 19

1.3 A Política de isolamento de hansenianos na Amazônia... 23

CAPÍTULO II: MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DA COLÔNIA SOUZA ARAÚJO... 27

2.1 hansenianos no governo Hugo Carneiro: preconceito e isolamento... 29

2.2 A presença da Igreja Católica na Colônia Souza Araújo... 39

2.3 As Comunidades Eclesiais de Base no fazer-se de Sujeitos Sociais... 46

CAPÍTULO III: BACURAU: DA INVISIBILIDADE ÀS LUTAS SOCIAIS... 51

3.1 Bacurau no fazer-se sujeito social... 52

3.2 Bacurau e as CEB’S... 56

3.3 O Movimento de Reintegração de pessoas atingidas pela Hanseníase... 60

CAPÍTULO IV: MEMÓRIAS SUBTERRÂNEAS E LEMBRANÇAS INAPAGÁVEIS... 69

4.1 Homens silenciados... 70

4.2 Lembranças de Mulheres... 78

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 95

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos tempos hodiernos é do conhecimento de todos que a hanseníase é uma doença que tem tratamento e cura. Entretanto, nem sempre foi assim, muito pelo contrário. No ano de 1350 antes de Cristo, já se falava a respeito de tal enfermidade, porém, esta era vista como “maldição”, de modo que a pessoa que dela era acometida deveria ser imediatamente excluída do meio da sociedade.

Nessa monografia, busca-se compreender alguns elementos da política de profilaxia no Brasil e na Amazônia acreana, para isso, faremos um breve histórico da hanseníase no Brasil durante o século XIX, período em que a doença em questão é integrada à pauta de pesquisa cientifica no país. No século XX, sobretudo nos Governos de Getúlio Vargas, abordaremos seu conceito negativo ao longo dos tempos, para esse fim, situaremos as diversas fases dessa política de isolamento, bem como suas ações e sua conotação na composição da sociedade brasileira. Procura também abordar medidas utilizadas para que os hansenianos fossem enclausurados, a criação da casa de acolhida Souza Araújo em Rio Branco no Acre, bem como aspectos da trajetória de vida de Bacurau, a História de vida de Bacurau, desde quando este foi acometido pela hanseníase em 1944, até sua morte em 1997. Serão abordados seus feitos, suas lutas e andanças, suas utopias e seu desejo de ver um mundo mais justo e humanitário. Esse trabalho é uma láurea em alusão aos vinte anos da morte de Bacurau falecido no dia 12 de janeiro de 1997. Bacurau, mesmo com suas limitações, foi um homem aguerrido e não se conformava com a situação vivida por ele e por milhares de pessoas acometidas pela hanseníase. Por esses motivos, optou em lutar para garantir a igualdade social e pela promoção do respeito independentemente de raça, cor, credo religioso ou qualquer outra barreira que viesse a ofuscar o direito de liberdade que é assegurado a todas as pessoas.

A política de profilaxia estabelecida no Brasil é resultado de buscas para aniquilar doenças bacterianas, dentre as quais a hanseníase estava no topo da lista como uma doença que causa transtornos familiares e sociais. Nesse contexto, dialogaremos com vários personagens que fizeram parte desse período e que lutaram para que o preconceito diminuísse e para que suas histórias sejam lembradas, com a finalidade de mostrar para as futuras gerações, os transtornos e

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os diversos tipos de preconceitos sofridos por estes indivíduos considerados indesejáveis pela sociedade.

A luta de Bacurau em defesa da igualdade e do bem comum, motivado pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), não se restingue apenas ao campo da política, ele foi ator, produtor de peças teatrais, poeta, compositor, cantor dentre outras qualidades, que fizeram de Bacurau um guerreiro que optou por não se conformar com a situação de preconceito vivida pelos hansenianos.

Embora grande parte da população fosse preconceituosa para com a causa e para com a doença, Bacurau encontrou várias pessoas que assim como ele, acreditavam que seria possível mudar a mentalidade coletiva cotidiana, por esse motivo, o tema da monografia sugerido foi: “Hansenianos em Rio Branco: Isolamento, Preconceito e Memória Social”.

Justifica-se a escolha do tema em razão da passagem dos vinte anos da morte de um grande líder na luta contra a discriminação sofrida por pessoas portadoras da hanseníase que foi Bacurau que morreu no dia 12 de Janeiro de 1997, bem como a grande relevância social que é a construção dessa obra, haja vista que o hanseniano durante muito tempo foi tratado como um “maldito” e ao longo dos anos, houve uma necessidade de conscientização sobretudo em tempos de extrema ignorância e Bacurau em toda a sua vida e mesmo após a morte se tornou um baluarte na luta por dignidade e contra o preconceito. Suas lutas por diversos países, tais como: Estados Unidos, China e Itália, nos faz acreditar que é possível viver em uma sociedade mais justa e igualitária.

Ao tomar conhecimento da política de isolamento de hansenianos no Brasil, da trajetória de vida de Bacurau e das lutas cotidianas de homens e mulheres acometidos pela hanseníase, por meio de várias visitas ao Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN), e leituras detalhadas de jornais e outros artigos acabaram nos motivando a dar continuidade em nossas pesquisas buscando compreender o que foi a Política de isolamento no Brasil, bem como a história de um homem marginalizado pela sociedade, assim, resolvi dar início a este projeto, com a finalidade de tentar conscientizar a todos os leitores acerca dos perigos e flagelos causados pelo preconceito, além de mostrar para o leitor que as lutas e as dificuldades não são empecilhos para o sucesso, haja vista que lições como as de Bacurau devem ser perpetuadas. Espera-se ainda que esse trabalho possa ter uma relevância cientifica e acadêmica uma vez que os

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temas abordados farão diálogos com vários autores que já discutiram temas semelhantes, embora haja outros trabalhos que abordam o referido tema, o trabalho em questão é insólito, pois busca-se fazer relação entre História social e história da saúde e da doença, uma ligação entre a política de isolamento no Brasil e as lutas de Bacurau, bem como verificar de que modo o mesmo influenciou e ainda influencia a comunidade de hansenianos e quais as lições devem ser tomadas com este grande guerreiro, que apesar de suas limitações sempre esteve à frente de sua época, permanecendo até hoje como fonte de motivação na luta por dias melhores.

O presente trabalho tem como objetivo fundamental, contribuir para que o leitor possa ter uma dimensão do que era ser portador da Hanseníase no Brasil e na Amazônia durante o século XIX e XX, ou seja, período em que se discute a política de profilaxia no Brasil. Ademais, busca-se ainda compreender a trajetória de um personagem marginalizado, que vivia na contramão do sistema imposto pela sociedade de sua época.

O primeiro capítulo terá como título a política de isolamento de Hansenianos no Brasil; nesse capítulo, faremos uma discussão teórica com vários autores acerca do modo como eram tratados os “Leprosos” (Hansenianos) no Brasil durante o século XIX, o que foi a política de profilaxia adotada durante os governos de Getúlio Vargas e de que forma eram tratados estes indivíduos em algumas localidades da região Amazônica principalmente na capital do Acre.

O segundo capítulo, memorias e histórias da colônia Souza Araújo, abordaremos sobre a cidade de Rio Branco no Governo de Hugo Carneiro, sua política de urbanização bem como a exclusão dos hansenianos e as “utopias” de quem se encontrava internado e isento do convívio com os não acometidos pela doença, a presença da Igreja Católica dentro da colônia Souza Araújo bem como as ações desenvolvidas pelas Comunidades Eclesiais de Base no fazer-se de sujeitos sociais.

No terceiro capítulo, Bacurau: da invisibilidade às lutas sociais, buscaremos abordar de que forma se deu a criação do Movimento de Reintegração de Pessoas atingidas pela Hanseníase (MORHAN) bem como as lutas de Bacurau e o fazer-se do sujeito social assim como suas participações nas comunidades eclesiais de base as CEBs.

E por fim, no quarto capítulo, memórias subterrâneas e lembranças inapagáveis, faremos vários diálogos com homens e mulheres que foram

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esquecidos e por muito tempo silenciados, por conta do isolamento e do preconceito e da exclusão social.

Algumas problemáticas que envolvem os objetivos gerais e específicos também serão mencionados nesta obra, como: Como eram vistos os hansenianos no Brasil durante o século XIX? O que foi a Política de Profilaxia no Brasil e como pensava a sociedade Brasileira acerca dos Hansenianos durante os Governos de Getúlio Vargas? Como eram tratados estes personagens “marginalizados”, na região amazônica? Qual a importância das ações da Igreja Católica na Colônia Souza Araújo e na construção social dos sujeitos que ali viviam? De que modo Bacurau se insere nas lutas contra o preconceito? Quais lembranças ainda sobrevivem nas mentes daqueles que sofreram com essa política de isolamento?

Deste modo, espera-se que essa pesquisa possa contribuir para que o preconceito venha diminuir e que todos, independentemente de sexo, raça, credo religioso ou filosófico, possam viver em plena harmonia e companheirismo, para juntos construírem uma sociedade mais humana e igualitária.

Busca-se também reconstruir a história destes homens e mulheres que eram tidos como indesejáveis e que sofreram sequelas físicas, morais, espirituais e sociais, por conta de medidas utilizada em um período onde a pouca informação sobre o assunto e a falta de resolução contundente para o problema, tornavam o hanseniano e seus familiares, alvos de preconceito e desprezo

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CAPÍTULO I: A POLÍTICA DE ISOLAMENTO DE HANSENIANOS NO BRASIL O bacilo Mycobacterium leprae, ao longo de sua existência foi conhecido como Lepra, e no decorrer dos séculos, a Lepra tornou-se símbolo de hostilidade e foi vista com uma carga de preconceito, pois para muitos, a pessoa acometida de tal doença, era considerada “maldita” e por consequência de desobediência às leis terrenas e divinas, o leproso deveria ser excluído do convívio social.

Somente no ano de 1876, a terminologia “Lepra” muda para Hanseníase. Este termo é em alusão a descoberta do Bacilo pelo Médico Norueguês Amauer Hansen em 1873, no entanto, é com a Lei nº 9.010/95, que é oficializada a mudança no uso da expressão Lepra para hanseníase por estes motivos, utilizaremos ambos os termos obedecendo alguns recortes temporal temporais no qual ambos estão inseridos.

1.1 Um breve histórico da Hanseníase no Brasil

Ao longo dos séculos ou até dos milênios, a hanseníase sempre esteve na lista das doenças que mais aterrorizou a humanidade, em muitas nações, essa doença era vista pela comunidade como uma maldição, castigo digno de exclusão, abandono e até morte. Escritos bíblicos mostram que a pessoa acometida de tal enfermidade era tratada como um maldito, imundo e pecador, que deveria ser separado dos seus; como afirma os livros de Levíticos e Números, terceiro e quarto livro da Bíblia Cristã:

O sacerdote o examinará. Se o tumor da chaga for de um branco-avermelhado na parte calva posterior ou dianteira, tendo o aspecto da lepra da pele do corpo, esse homem é leproso, Leproso é aquele homem, imundo está; o sacerdote o declarará totalmente por imundo, na sua cabeça tem a praga. Também as vestes do leproso, em quem está a praga, serão rasgadas, e a sua cabeça será descoberta, e cobrirá o lábio superior, e clamará: Imundo, imundo. Números - 5:2 Ordena aos filhos de Israel que lancem fora do arraial a todo o leproso, e a todo o que padece fluxo, e a todos os imundos por causa de contato com algum morto. (Levítico 13:43-45 e Números 5:2) (Almeida Revista e corrigida fiel).

No Brasil, sobretudo na primeira metade do século XIX, os estudos sobre a hanseníase começaram a ser integradas à pauta das pesquisas da ciência biológica,

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mesmo sendo caracterizadas pelo estigma de que a doença se tratava de um problema sanitário e que sua proliferação seria causadora de transtornos sociais. Foi nesse período que os primeiros trabalhos foram produzidos sobre o assunto. Sanitaristas como Joaquim Cândido Soares de Meirelles, João Maurício Faivre, Luís Vicente De-Simoni e Francisco de Paula Cândido, se esforçaram para fazer um estudo mais aprofundado que pudesse contribuir para o melhor conhecimento da doença e assim elucidar certas duvidas que ainda eram grandes para os especialistas e para a comunidade em geral.

Nesse período, a pesquisa sobre a hanseníase visava buscar um consenso de sua definição na busca de dar uma característica do quadro clínico da enfermidade, esforçando-se para elucidar um diagnóstico diferencial com outras doenças, tais como a elefantíase ou a sífilis, como afirmou Dilma Cabral em seu artigo “A terapêutica da lepra no século XIX” publicado no Arquivo Nacional/UFF:

O esforço em dissipar esta instabilidade conceitual da lepra integrou um importante momento na história moderna da doença, quando se produziram estudos que procuravam estabelecer elementos que a tornassem clinicamente distinguível. (P.36)

Durante todo aquele século, os isolamentos dos leprosos eram amparados por conceitos científicos, religiosos e popular. O século XIX, é marcado por várias transformações políticas e sociais no Brasil, é nesse período que o Brasil se torna uma Monarquia e depois uma República, a escravidão é abolida, a identidade nacional está se formando, as mudanças de hábitos, o modo de falar e pensar mudaram. No campo das ciências biológicas, o Darwinismo está em discussão, os debates sobre a teoria microbiana das enfermidades, o nascimento da medicina social e surgimento das clinicas marcam esse período.

No entardecer do século XIX, já se via necessário fazer discursões de políticas públicas para resolver a situação dos hansenianos que dividiam o mesmo espaço com não contagiados, por isso, encontramos nesse período algumas opções profiláticas voltadas para este problema, pois ficava cada vez mais comum encontrar leprosos mendigando nas ruas dos grandes centros do país.

Para elucidar tais afirmações, elaboramos um diálogo com a tese de doutorado de Luciano Marcos Curi intitulada “Excluir, isolar e conviver: um estudo sobre a lepra e a hanseníase no Brasil”. O autor afirma que:

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Assim, a perambulação esmoleira tão comum de outrora é revista. Aquele horroroso espetáculo à vista que incitava a piedade e a caridade é visto sob o novo estilo de pensamento como perigoso e sofre forte retração. Sua livre circulação passou a ser considerada incômoda. Foi a partir daí que o leproso, cada vez mais, assumiu a condição ambígua que os asilos-colônias construídos para ele lhe reservava: um misto de paciente e prisioneiro. (P.167).

No período que perpassa o final do século XIX, o Brasil passava por um processo de reordenamento das cidades, grande parte da população era composta por pessoas com pouco ou sem conhecimento algum sobre doenças virais e bacterianas. A grande maioria dessas doenças chegou às Américas através dos europeus e a hanseníase estaria inserida na lista das doenças que afetavam não somente a vida daquele que dela era acometido, mas, de toda a sociedade em que este indivíduo estava inserido, portanto, se via necessário adotar medidas emergentes com a finalidade de excluir e isolar toda pessoa que não se enquadrasse nos padrões estéticos exigidos pela sociedade da época.

De acordo com as leituras de Curi, podemos constatar que em 1869, Gerhard Henrik Amauer Hansen (1841-1912), realiza uma pesquisa e publica na revista norueguesa Nordisk Medicinskt Arkv13, nessa pesquisa, Hansen descreve as alterações e as aparências do tecido linfoide nos pacientes com Lepra hanseníase. Neste texto Hansen utiliza o termo “Infectnosstoff” (substancia infecciosa) contudo, seu significado permanece obscuro. Hoje, sabemos que a precariedade dos laboratórios da época, não permitiam que pesquisadores fizessem uma análise mais aprofundada de certas doenças. (Pp. 211).

O século XIX marcou na história da hanseníase não somente no Brasil, mas, em todo o mundo. É no século acima citado que tal doença passa a ser denominada hanseníase, esse período é caracterizado por um momento de mudanças importantes, o avanço de pesquisas e de descobertas sobre o assunto, mudaram a forma de como a lepra era vista. Segundo Curi:

Os adventos da teoria microbiana das doenças, da Hansenologia e da medicina social suplantaram definitivamente o terreno durante o qual na época moderna assentou-se esta doença. O Estado brasileiro termina o século assessorado por médicos já arquitetando planos de intervenção junto aos males nacionais. Todos esses fatores mudaram a forma como a lepra era vista. A luz do novo estilo de pensamento e dos novos fatos, agora parecia muito mais grave e ameaçadora do que antes. Resultado da convergência entre bacteriologia, ascensão social dos médicos, desejosos de intervirem

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socialmente, e do Estado que gradualmente reclamará para si uma parcela cada vez maior de penetração junto do corpo social. (P. 211)

No início do século XX, o Brasil passava por um período caracterizado pela definição de uma identidade nacional, nesse período, a nação se transformou em um “canteiro de obras” e a preocupação com o asseio e a higiene das cidades assumem uma proporção gigantesca. É no século XX que as políticas sanitaristas se fortalecem e medidas preventivas são adotadas para conter doenças tais como a varíola e a sífilis.

Nesse período acima citado, grande parte da população brasileira era formada por pessoas com pouco ou sem nenhum tipo de instrução sobre o assunto e essas medidas causaram em vários lugares do país revoltas populares, como por exemplo, a revolta da vacina em 1904, onde a campanha obrigatória de vacinação contra a varíola adotada pelo governo Rodrigues Alves, encabeçada pelo Médico Sanitarista Oswaldo Cruz, e o desalojamento de milhares de pessoas pobres para os cortiços, com a finalidade de reconstruir a então capital federal Rio de Janeiro, gerou uma revolta da população, que desconhecia os efeitos de uma vacina e por tal motivo, se esquivavam de tomar o medicamento.

É nesse contexto de urbanização das capitais que a hanseníase é tratada com um olhar mais aprofundado, pois no limiar do século XX, essa doença já era vista como um problema grave no Brasil elevando a quantidade de pessoas que se preocupavam com tal enfermidade. Nesse período a preocupação com a saúde pública nacional tinha pouco ou quase nenhum apoio social, no entanto no início do citado século, a hanseníase já estava sendo tratada de forma diferenciada em consideração a outras doenças e por esse motivo o governo brasileiro se viu com a necessidade de criar medidas sociais, como afirma Curi:

A lepra, mesmo diferenciada das outras doenças, adquiria novos contornos no início do século XX quando passou-se a exigir, para seu controle, a emergência e interferência de outro tipo de estilo de pensamento na lida com tão antigo flagelo. Neste contexto, a medicina se autoproclamava capaz de debelar tão hediondo e horrendo mal da nação, reivindicando para isso amplo apoio social e estatal, elaborando metas e planos profiláticos que dominaram a cena e roubaram a atenção durante várias décadas. Essa situação não era exclusividade brasileira. (P.201)

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Na análise desse contexto surge uma pergunta: em que governo ou governos foi estabelecido políticas de atendimento aos portadores de hanseníase? Como hansenianos foram tratados na Amazônia brasileira?

1.2 O governo Vargas e a Política de isolamento de Hansenianos.

No início do século XX nasce no Brasil uma perspectiva de avanços econômicos, sociais e políticos. O período de 1901 a 1929, é marcado pela busca de recuperação da economia com um modelo agrário voltado para a exportação do Café, Borracha, Cacau e Algodão. No contexto político, encontramos a hegemonia das oligarquias Paulistas e Mineiras onde reversavam no poder da nova República e no contexto social, encontramos um Brasil marcado pelo processo de “Urbanização” e “Higienização”, sobre tal assunto, é importante afirmar que a medicina se configura como uma pavimentação para a modernização brasileira.

Para consolidar a política de profilaxia estabelecida, foi criado em todas as regiões do Brasil, hospitais Colônias e Preventórios motivados pelo modelo embrionário criado na Noruega por Hansen, este modelo denominado tripé, consistia na separação de crianças saudáveis filhos de pais Hansenianos, tais crianças eram retiradas do colo se suas mães na grande maioria das vezes no mesmo dia do seu nascimento e assim, eram levadas aos Preventórios onde foram criadas longe dos perigos de contaminação.

A professora Ana Albano Amora, arquiteta e pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, em um artigo que tem como título “Utopia ao avesso nas cidades muradas da hanseníase: apontamentos para a documentação arquitetônica e urbanística das colônias de leprosos no Brasil” afirma:

Durante o primeiro governo de Vargas (1930-1945) ocorreu uma intensificação das políticas de saúde pública, principalmente com Gustavo Capanema à frente do ministério (1934-1945) com a afirmação das concepções gestadas na Primeira República e a atuação do Estado nacional por todo o território. No caso da hanseníase observou-se nesse período a construção em maior número de colônias para leprosos seguindo a concepção de tê-las com a dupla função de cidade e de hospital. (P. 5)

No Brasil, a política de profilaxia foi uma das medidas para solucionar o problema social que exigia o estabelecimento de um convívio em sociedade

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conforme os padrões estabelecidos para a formação da identidade nacional que buscava incorporar os moldes dos países da Europa sobretudo, França e Inglaterra. Segundo Amora,

Entre 1915 e 1919, a Comissão de Profilaxia da Lepra, a qual teve papel significativo na institucionalização do problema, debateu temas referentes ao combate da enfermidade considerando como mais eficaz o estabelecimento dos pacientes em regime de confinamento preferencialmente em colônias agrícolas que permitissem uma réplica da sua vida social anterior, resguardando da propagação os parentes e vizinhos. (P. 8)

Com a queda do Governo de Washington Luís, Getúlio Vargas assume o comando do Brasil com o apoio de vários grupos aliados, entre eles, oligarquias dissidentes, banqueiros e grande parte da burguesia ascendente.

É na era Vargas que a política de profilaxia é estabelecida com um olhar social mais abrangente, pois o período em questão é caracterizado pela definição das cidades e a consolidação de uma identidade nacional, com a finalidade de modificar os hábitos de um povo que era visto como impróprios para uma sociedade civilizada e capitalista. Nesse contexto surge à necessidade de segregar todo aquele que não se adequasse aos padrões estéticos da sociedade ou seja, os “indesejáveis” assim, era cada vez maior a necessidade de inserir o hanseniano nessa lista de exclusão.

O ano de 1937, é o ano em que Getúlio Vargas decreta o Estado Novo, é nesse mesmo ano que se dá o início das políticas que afastaram os portadores de hanseníase em colônias que tinham a característica de prisão ou asilos, pois, os especialistas do período, entendiam que com o afastamento dos tais, de forma compulsória, haveria uma grande possibilidade de afastar os focos da doença. Neste contexto, a hanseníase ganha uma característica marcante, com uma vasta carga de preconceito por grande parte da sociedade brasileira como afirmou Éverton Reis Quevedo em sua Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História, intitulada “Isolamento, isolamento e ainda, isolamento: O Hospital Colônia Itapuã e o Amparo Santa Cruz na profilaxia da lepra no Rio Grande Do Sul (1930 - 1950)”:

Símbolo da máxima desgraça, a lepra passou pelos séculos completamente fatal. Não no sentido literal, pois é uma doença que raramente leva à morte, porém do ponto de vista moral, já que o seu portador era considerado impuro, pecador, e ainda capaz de

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transmitir seu mal a outras pessoas. Tais condições o condenavam a uma “morte” social, a um desaparecimento de entre os saudáveis, fazendo com que desaparecessem da vista e da convivência de seus afetos: da parentela, da vizinhança, enfim, de seus conhecidos de modo geral. (p.43)

A seguir, apresenta-se uma imagem registrada em um jornal de meados de 1930, onde podemos ver um acampamento de hansenianos na beira de uma estrada no estado de São Paulo. A imagem abaixo retrata a situação vivida pelos egressos de asilos e colônias que viviam como páreas, isolados da sociedade e sem assistência por parte do Governo brasileiro1.

Na grande maioria das vezes o isolamento dos hansenianos nas colônias, era dado por motivos que acompanhavam a vida dos “mazelados” por conta da doença. A pessoa era excluída do meio da sociedade, perdendo seus empregos e assim aumentava a fome e a miséria desse individuo marginalizado, com isso, grande parte dos hansenianos iam para os locais popularmente denominados “Leprosários” de forma voluntária em busca de sua própria sobrevivência.

Curi, o autor que estamos dialogando através de sua tese de doutorado já citada, em sua dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia “Defender os sãos e consolar os lázaros” Lepra e isolamento no Brasil 1935/1976. Afirma que:

A história do isolamento dos Leprosos no Brasil mostra que ninguém se apresentava com satisfação para isolar-se nos asilos-colônias que foram construídos. Aqueles que ingressavam nestes

1

Imagem disponível em:

<https://www.google.com.br/search?q=folhetos+do+%C2%B4sec+xx+contra+a+hanseniase+alco%C3%B3latras&espv=2&biw= 1366&bih=638&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwj9naTu6DPAhWIW5AKHUHtDp8Q_AUIBigB#tbm=isch&q=Colon ias+de+hansenianos+governo+vargas+&imgrc=CZyj4G5dj09KbM%3A>

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estabelecimentos e que não haviam sido recolhidos com o uso de violência, isto é, “espontaneamente”, o faziam por outros motivos que não se relacionavam com os aspectos “edênicos” destes estabelecimentos tão divulgados pelos serviços oficiais. Estigmatizarão, fome, miséria, intercorrência clínica de outras doenças, eram as razões mais frequentes para esta apresentação voluntária. (Pp. 93).

Ao mesmo tempo em que a política de isolamento adotada pelo governo Vargas buscava soluções para o caso da hanseníase, a filantropia encabeçada pela Igreja Católica desempenhava um papel fundamental no conforto dos hansenianos e na alfabetização de seus filhos quando estes eram separados dos pais e levados para preventórios, tornando a caridade a grande auxiliadora da exclusão, como destaca Curi:

No Brasil, país onde o isolamento compulsório teve razoável sobrevida verifica-se que sempre esteve acompanhado da filantropia, nele surgida no século XIX, o que possibilita uma reflexão a respeito do quão arraigado ainda se encontrava as recentes práticas sociais para com os leprosos na tradição milenar de exclusão e estigmatizacão deste personagem tão marcante no ocidente. (Pp 95)

A criação dos asilos-colônias foi responsável por inúmeros órfãos, filhos separados dos pais, esposos afastados das esposas, para que ocorresse o desmembramento de toda a família, era necessário que houvesse uma suspeita de que algum membro da mesma estivesse acometido pela hanseníase. Em muitas das vezes em lugares distantes aquele que era acometido de tal enfermidade era separado dos seus entes e entregues ao total desprezo e abandono, assim, o hanseniano, abandonado por seus familiares, vagava pelas ruas ou até pelas matas no Brasil afora, pois não somente a sua vida, mas de toda a sua família ficaria estigmatizada.

Desde quando foi estabelecida as políticas de profilaxia, a criação das casas de acolhimento, os Leprosários e os preventórios, o destino dos “infectados” eram estes lugares sombrios e tenebrosos, carregados de medo e dor. A grande intenção do Governo Federal sempre foi de acabar com a Hanseníase, no entanto, o que ocorreu durante esse período um grande desmembramento familiar.

Nas regiões do Brasil onde não haviam as casas acolhedoras era comum familiares de pessoas acometidas pela hanseníase construírem quartos isolados,

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assim, nos espaços de exclusão, os familiares cuidavam da alimentação, medicamentos e vestimenta dos enfermos.

Embora a mutilação física fosse notória entre homens, mulheres e crianças acometidos pela hanseníase, havia uma mutilação mais profunda que era a da alma, a hanseníase deixa várias cicatrizes na alma das pessoas dela acometida, o estigma enraizado naqueles homens e mulheres, promovem várias mudanças comportamentais, espirituais, filosóficas e acima de tudo social.

1.3 A Política de Isolamento de hansenianos na Amazônia

Como vimos, a história da hanseníase e dos hansenianos se dão dá através de um longo período de tempo que vai desde tempos bíblicos perpassando por séculos. Neste item iremos destacar de que forma a doença era vista na região Amazônica e como foram aplicadas as ações governamentais de profilaxia, tendo em vista que no início do século XX a região ainda se via isolada das grandes cidades do centro brasileiro. No período acima citado uma grande leva de Nordestinos estavam adentrando nas florestas da região em busca de riquezas motivados pelo imaginário do “milagre econômico” produzido pela produção da borracha, uma verdadeira epopeia estaria sendo escrita por aqueles homens.

Com o crescimento do espaço urbano na região amazônica durante a primeira metade do século XX, as elites locais entendiam que era necessário adequar estes espaços ao modelo estético estabelecido conforme ‘o padrão da Europa, sobretudo de Paris, para tanto, era necessário anular todo e qualquer indivíduo que era visto como “indesejável”, dentre os tais, destacamos o hanseniano. Segundo o Professor do Departamento de História da Universidade Federal do Acre, Doutor Sérgio Roberto Gomes de Souza, em sua dissertação, intitulada “Fábulas da Modernidade no Acre: A utopia modernista de Hugo Carneiro”:

“[...] a modificação dos espaços são “referendadas” por saberes técnicos/científicos, que tem como principal objetivo “legitimar” as ações políticas que excluem do mundo e do imaginário urbano sujeitos sociais e modos de vida tidos como indesejáveis. (Pp35)

No Amazonas, o maior estado da região, as primeiras medidas que objetivavam modernizar o espaço urbano, foram estabelecidas pelo então Governador Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900) ainda no fim do século XIX, é

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nesse período que as obras públicas em Manaus se tornam maiores e com isso a preocupação com a higiene e o asseio da população viram pauta de discussão, pois era necessário adotar medidas que “varressem” dos espaços urbanos, os “indesejáveis”, os “marginais”, os “lazarentos” e todo e qualquer indivíduo que viesse a “manchar” a estética proposta pelos padrões da época. No artigo intitulado “A política de isolamento para a hanseníase e a saúde pública: a geografia do isolamento em Manaus – AM/Brasil”, Juliana Araújo Alves afirma que:

A preocupação com o asseio e a higiene da cidade assume grandes proporções. A onda imigratória atraída pela falácia da ilusão do fausto do período áureo da borracha compromete a harmonia e a beleza da cidade de Manaus, começam a surgir a problemas de abastecimento, higiene e habitação que se ampliam para questões sociais como a prostituição, a vadiagem e etc. (P.1)

Até o início da década de 30, as preocupações com a higiene dos centros urbanos ganham proporções enormes, nesse contexto, é possível observar a existência de muitas pessoas infectadas por doenças virais e bacterianas que ocupavam as ruas e becos das cidades, desprovidos de educação básica e sem condições de trabalho, muitos mendigavam esmolas nas calçadas e praças públicas, alguns sobreviviam apenas de doações de roupas e alimentos doados por entidades filantrópicas, por isso, via-se como necessário a criação de Colônias que pudessem receber tais pessoas, principalmente os hansenianos. Segundo Alves:

As cidades eram o foco principal de atuação dos chamados médicos higienistas, pois se tratavam de lugares insalubres, onde geralmente viviam as classes de menor poder aquisitivo, carentes de condições salubres e, portanto, mais propícias na difusão de doenças. (P. 2-3)

No início da década de 1930, o Governo brasileiro adotou ações governamentais com a finalidade de legitimar seus atos contra os “indesejáveis”, nesse discurso, havia na região um grupo de liberais que entendiam que as pessoas acometidas pela hanseníase deveriam ser tratadas em pequenas colônias ou em suas próprias residências, tornando o isolamento seletivo apenas aos mutilados ou àqueles que apresentavam hematomas maiores, considerados incontroláveis.

Em várias regiões da Amazônia as pessoas acometidas pela hanseníase eram criadas de forma isolada trancafiados em quartos, porões e em casos mais graves, muitos eram abandonados no meio das matas entregues à própria sorte

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sem perspectiva de vida, tendo seus irmãos, pais, cônjuges e filhos arrancados de seus braços, muitos hansenianos chegavam a tirar a própria vida por não suportar tamanha dor e tristeza.

Com o fortalecimento de ações governamentais de profilaxia no Brasil a região amazônica integrou-se às exigências sanitárias que estabelecia na região um modelo de tripé profilático que tinha o dispensário como início do isolamento, onde os exames iniciais eram feitos, dado como positivo os exames, o segundo passo era o encaminhamento dos diagnosticados pela doença aos Hospitais Colônias, e por fim, todo hanseniano que possuía filho sadio, este era encaminhado para os Preventórios, nos casos de gestação interna, os recém nascidos eram arrancados de suas mães no mesmo dia do parto, muitos dessas crianças se quer chegavam aos Preventórios devido à distância percorrida, nas matas, varadouros, rios e igarapés.

Com o declínio da borracha e a falta de incentivo para o homem da floresta muitos migraram para os centros urbanos da região amazônica, levando consigo seus costumes, crenças, valores e em muitas vezes o aumento de pessoas infectadas pela doença torna-se comum, pois muitos destes homens e mulheres passam morar em locais com pouca ou sem condições alguma de higiene. Alves afirma que:

O processo de decadência da economia da borracha acarreta na migração populacional em direção à cidade, esse processo carrega consigo, além de outros costumes, culturas, miscigenação, possibilita também, a chegada de várias doenças. (Pp13)

Até os anos 50, essas medidas de exclusão eram as únicas formas conhecidas pela Medicina Legal, nesse contexto a função dos dispensários ganham uma grande importância na busca pela caça e eliminação dos hansenianos, que foi realizada com requintes de crueldade motivada pelo preconceito, segundo Curi:

O dispensário de lepra criou uma das figuras mais temidas pelos leprosos e suas famílias: “o fiscal de lepra”. Quando o dispensário era dinâmico, isto é, dispunha de visitadores e ambulâncias, o fiscal encarnava o papel do guardião da saúde pública que palmilhava a jurisdição dos respectivos estabelecimentos objetivando dar cumprimento da primeira finalidade dos dispensários: a) descobrir

novos casos de lepra precocemente. A fim de intimidar os

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suas funções, este fiscal, esporadicamente, utilizava-se do auxílio de contingentes da polícia civil ou militar. (Pp. 171)

Quando havia em uma casa alguém com sintomas das doenças, estes eram logo diagnosticados, em muitos casos, em regiões isoladas da região Amazônica, com a falta de médicos, os diagnósticos eram feitos por professores, padres e até parentes do suposto infectado ao apresentar características da hanseníase, o portador dessa doença era tratado como um “indesejável” que deveria ser excluído da comunidade, não importando sua idade, religião ou condição social.

Na região Amazônica os hansenianos foram tratados de forma cruel e desumana, como em todas as outras regiões do Brasil. A falta de saneamento básico nas cidades contribui para a proliferação da doença, a falta de informações acerca da hanseníase só aumentou o preconceito e a “caça às bruxas” que estigmatizava não somente o hanseniano, mas todo e qualquer homem excluído da sociedade como afirma Alves:

Tratar da espacialidade da lepra é adentrar na completa estigmatização da doença, seja na Idade Antiga quando os doentes eram expulsos para além dos muros das cidades, seja na Idade Média relacionando-se a doença a atos de paganismo e bruxarias. (Pp 5)

O termo “Leproso” tornou-se uma conotação para todo aquele que está fora dos padrões estéticos e morais do período. A carga de preconceito recaia não somente aos hansenianos, mas, aos familiares. Com o diagnóstico positivo a casa ou o negócio do diagnosticado estaria em ruínas. Quem queria comprar pão em um estabelecimento onde tinha um hanseniano? Quem queria passar perto da casa deste ou quem queria declarar-se amigo? De certo que ninguém.

Embora o hanseniano tenha sido rejeitado em todo o Brasil, na região Amazônica, a rejeição foi mais contundente, pois o atraso, a falta de informações e a forte crença no catolicismo que via o hanseniano como um “maldito”, “pecador” e “condenado”, aumentou a discriminação e a exclusão.

Sobre o preconceito, entendemos que ele uma vez incorporado torna-se a engrenagem motora para a discriminação levando todo aquele que por ele está carregado e dele municiado a praticar a exclusão e a violência contra os menos favorecidos dentre esses, o hanseniano que é visto como um flagelado inapto e por consequência deve ser segregado, levado para as colônias, separados dos seus

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entes, tornando seus sonhos, suas utopias e suas expectativas de vida distantes e praticamente incapaz de realiza-los.

CAPÍTULO II: MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DA COLÔNIA SOUZA ARAÚJO

A “colônia2 Souza Araújo” foi o espaço geográfico, localizado no município de Rio Branco de acolhimento de hansenianos provenientes de várias localidades do Acre e de outras localidades da Amazônia, a partir dos anos 20 do século passado. Que representações (memórias e histórias) foram construídas sobre aquele espaço social de isolamento e de tratamento de hansenianos? O que dizem as fontes existentes?

No capítulo anterior discutimos as intervenções do governo brasileiro em relação à hanseníase no País e na Amazônia, bem como as medidas profiláticas que faziam parte dos programas governamentais principalmente durante o governo de Getúlio Vargas. Assim, o objetivo deste capítulo é dialogar com algumas fontes que registraram memórias do funcionamento da Colônia Souza Araújo como espaço social de acolhida de hansenianos, as intervenções do governo Hugo Carneiro e a atuação da Igreja Católica junto aos hansenianos através das ações de grupos de evangelização.

No capítulo que se inicia, buscaremos responder as problemáticas que nos norteiam na escrita do mesmo, objetivando responder as seguintes questões: Como os hansenianos do Acre foram tratados pelo governo de Hugo Carneiro, principalmente os que estavam no Município de Rio Branco? A partir do funcionamento da Colônia Souza Araújo que assistência os hansenianos tiveram dos poderes públicos? Qual o papel desenvolvido pela Igreja Católica e fundamentalmente pelas Comunidades Eclesiais de Base criada na década de 1970 no Acre, junto aos hansenianos da Colônia Souza Araújo?

2

A colônia recebeu esse nome em homenagem ao médico do Estado de Minas Gerais, Dr. Heráclico de Souza Araújo, um dos precursores na pesquisa da hanseníase. E a finalidade do mesmo foi sempre prestar assistência integral médico-hospitalar aos portadores dessa patologia.

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A foto a seguir é da Colônia Souza Araújo embora a legenda na mesma esteja datando sua inauguração no ano de 1930, na realização da pesquisa encontramos documentos que comprovam que o período inicial de funcionamento do “Leprosário Souza Araújo”, deve ter sido inaugurado em 1928 e não 1930. Percebemos também vestígios de quem foram alguns dos primeiros hansenianos internados na “colônia agrícola” de Rio Branco, no então “Território do Acre”. Observa-se a presença de mais de vinte pessoas: mulheres, homens e crianças, sendo alguns com características de serem negros e índios ou melhor índias. Afinal quem foram aqueles homens e mulheres? De onde eles vieram e quais eram suas expectativas? Foram eles silenciados e suas memórias foram jogadas ao subterrâneo esquecimento?

“Território do Acre: O leprosário Souza Araújo, o mais modesto do país, fundado em 1930, dispõe de uma colônia agrícola, também modesta”.

Na década de 1920, a região que atualmente é o estado do Acre, assim como várias outras regiões do Brasil, passava por um processo de ocupação. Nesse período do “entre guerras” a exploração da borracha havia caído de forma significativa, há uma década atrás holandeses e ingleses entraram no comércio mundial e passaram a produzir em escala gigantesca e com custos abaixo do mercado, era então o fim do primeiro ciclo da borracha no Brasil.

O professor Dr. Sergio Roberto Gomes de Sousa em sua dissertação que tem como título: Fábulas da modernidade no Acre: A utopia modernista de Hugo Carneiro, já citado no capítulo anterior afirma:

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No espaço em que se constituía a área urbana da cidade de Rio Branco, muitos territórios sociais confrontavam-se/conviviam possibilitando ao observador mais atento perceber a heterogeneidade de etnias, costumes, tradições e modo de vida existentes na capital do território. (P. 34)

A dissertação acima citada foi apresentada ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco no ano de 2002, nessa obra o professor Sergio Roberto faz um diálogo acerca da construção do espaço urbano da capital acreana bem como os projetos modernistas dentro da perspectiva de Hugo Carneio, com base nessa obra buscaremos abordar como se deu o tratamento aos hansenianos durante aquele período haja vista que tais pessoas não se enquadravam nos padrões estéticos exigidos pela sociedade. Souza faz um diálogo a partir de documentos oficiais analisando o contexto historiográfico em que está inserido o Governo acima citado buscando analisar a história a “contrapelos”. Assim, nos apressaremos em resolver as seguintes problemáticas: como foram tratados os hansenianos durante o Governo de Hugo Carneiro? Que medidas foram tomadas para segregar tais pessoas e como eram vistas as pessoas portadoras da hanseníase naquele período?

2.1 hansenianos no governo Hugo Carneiro: preconceito e isolamento.

Durante as pesquisas conseguimos localizar alguns registros que dão conta da construção e funcionamento da “Colônia Souza Araújo” como jornais, fotografias, um livro da Igreja Católica, uma dissertação de mestrado e um livro de memória de uma hanseniana. Todos esses materiais foram fundamentais na pavimentação desse trabalho e nos ajudaram a elucidar algumas problemáticas por nós levantadas.

Na segunda década do século XX, a capital do território Federal do Acre tinha suas construções em sua grande maioria feitas em madeira. No primeiro distrito, além da residência oficial do Governador e a sede do Governo, havia cerca de 80 casas cobertas por palha ou telha de barro. Essa arquitetura rude tornava Rio Branco um espaço visto pela pequena elite local como um lugar de atraso. Já no segundo distrito, concentrava-se o comércio, onde Sírios, Portugueses e libaneses tinham praticamente a hegemonia comercial.

Nas ruas havia alcoólatras, tuberculosos, pedintes, hansenianos e algumas prostitutas ocupavam o espaço urbano, mas afinal quem eram essas pessoas? Não

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vamos nos debruçar em debater todos esses grupos sociais de homens e mulheres vistos pela grande maioria da população como “indesejáveis”, no entanto é na figura do hanseniano que queremos fazer uma exegese mais aprofundada para que possamos compreender de que forma aqueles sujeitos sociais foram tratados naquele período tendo em vista que o grande preconceito sofrido por eles só aumentava sua dor e seu sofrimento pois esses eram pessoas que foram arrancados do convívio familiar, desprezados pelos amigos, impedidos de frequentar locais públicos, ficando assim “silenciados” e oprimidos em uma terra desbravada por muitos desses.

Quando Hugo Ribeiro Carneiro chega ao Acre, em 1927, com a missão de governar o então território Federal, se depara com esse modelo de cidade visto por ele como retrogrado e ultrapassado. Assim, Hugo Carneiro propõe dar início a um processo de “modernização” com a finalidade de adequar o Acre, em especial sua capital, aos padrões estéticos e higiênicos estabelecidos por sua visão de progresso que tinha o Rio de Janeiro e Paris como exemplo. Para Hugo Carneiro a floresta representava o atraso, isto é, um espaço de ignorância total. Em contrapartida, a cidade e as construções em alvenaria simbolizavam o progresso.

Até o Governo de Hugo Carneiro não havia construções de alvenaria em Rio Branco, esse modelo arquitetônico era símbolo de modernidade para o então Governador. Na cidade não havia um espaço adequado para o comércio de frutas, verduras e legumes, não havia um espaço adequado para que a Policia Militar pudesse exercer suas atividades burocráticas e também não havia um local que pudesse demonstrar a imponência de seu Governo. Por tais motivos, Hugo Carneiro adota uma série de medidas que visa enquadrar Rio Branco aos moldes estéticos por ele desejado. A construção do Mercado Municipal, do Quartel da Policia Militar e do Palácio do Governo foram fundamentais para sacramentar sua política de modernização, pois ele entendia que era preciso construir um Acre para o futuro, um Acre voltado para os interesses das elites locais.

Na imagem a seguir3, notamos a presença de membros da elite acreana juntamente com o Governador Hugo Carneiro na solenidade de inauguração da

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Grupo de senhores na solenidade de inauguração da parte térrea do Palácio Rio Branco, sentado ao centro o Governador. Data: Início da década de 30. Acervo Digital: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural - FEM

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parte térrea do Palácio Rio Branco, marco da política desenvolvimentista de seu Governo.

Para dar início ao processo de urbanização em Rio Branco, a primeira medida foi condenar os modos de construção que se tinha na capital, as casas de madeira deveriam ser extintas, pois sua estética era patógena e reprovável. Segundo Souza:

O olhar preconceituoso para as construções em madeira, impulsiona diversas tentativas pelo poder público, a partir de 1927, visando impedir ou dificultar a propagação das “barracas” tendo até tentado impor restrições a partir de ações de ordem jurídicas. (P. 54)

Outra contrariedade comum em Rio Branco era a falta de assepsia, na maioria das casas não haviam latrinas, o mau cheiro era constante e as doenças se proliferavam. Para isso, foi criada a Diretoria de Higiene, com a finalidade de fiscalizar e acompanhar casos de doença contagiosa, em sua maioria na própria residência do enfermo. No entanto, até esse no período acima citado a hanseníase ainda era vista como uma doença altamente perigosa, seria inadmissível para os padrões de modernidade de Hugo Carneiro que hansenianos ocupassem o mesmo espaço que as pessoas saudáveis transitavam, pois o que se buscava era a construção de um espaço urbano propício para um puro desenvolvimento físico e moral da comunidade. Como afirma Souza:

Para o governador, médicos da Diretoria de Higiene e principalmente as elites, sanear o Território passa a ser sinônimo de transforma-lo em um ambiente propício para um saudável desenvolvimento físico e moral da população. (P. 58)

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É clara a percepção de que para Hugo Carneiro não poderia haver um progresso em Rio Branco se não houvesse um processo de higienização, não somente higienização no que diz respeito a salubridade, mas na “higienização” dos costumes e valores morais que até aquele momento era comum no cotidiano local, esses costumes traziam sérios prejuízos ao projeto desenvolvimentista estabelecido por Hugo Carneiro. Assim, o processo de sanitização do Território marcou o pontapé inicial para que as ações intervencionistas pudessem ser efetivadas e para que os “indesejáveis” fossem segregados do convívio social e separados para novos espaços onde não apresentassem ameaça à população reeducada, dentre esses “indesejáveis” apontamos a figura do hanseniano. Segundo Souza:

“O primeiro contato de Hugo Carneiro com alguns dos hansenianos residentes em Rio Branco deu-se logo após seu desembarque no Território no dia 15 de junho de 1927” (P.75).

De fato, na região central da capital do Território do Acre transitavam pessoas das mais diversas características, pessoas infectadas por doenças andavam livres no mesmo espaço daqueles que não estavam infectados. Assim, para que se evitassem a propagação de certas moléstias o governo propôs a criação da “Santa Cruzada do bem”. No entanto, a forma cruel como o hanseniano foi tratado nesse período demonstra a intolerância de um governo que utilizou de políticas públicas para satisfazer os seus e os deleites e de uma classe elitizada da sociedade sem levar em conta os sentimentos e a história de luta de cada hanseniano que foi tratado de forma brusca nesse período.

Quando assumiu de forma oficial o governo do Território do Acre, Hugo Carneiro conclamou uma reunião para discutir os problemas do Território. Nessa reunião ogovernador cuidou de convidar parte da elite econômica que mantinham o controle político e financeiro do Território. Segundo Souza:

Dentre seus convidados, ”personalidades” como o Coronel João Cancio Fernandes, o Dr. Francisco de Oliveira Conde, o Agrimensor Achyles Peret, o Coronel João Coelho de Miranda, o Major Djalma Dias Ribeiro, o Dr. Alberto Leão Martin, o Dr. Francisco de Melo, o professor Pedro de Matos e o Dr. Amaro Teodhoro. (P. 75/76)

Todos aqueles homens faziam parte de uma pequena elite financeira que mantinham o domínio do território, e Hugo Carneiro entendia que para sua política

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lograsse êxito era necessário que homens estivessem em seu controle ou então de acordo com sua forma de governo, participando das tomadas de decisões. Dentre essas tomadas de decisões, podemos apontar a criação da Liga de Defesa Sanitária, fundada em março de 1928. Esse modelo de política governamental foi um marco na luta pela higienização do espaço urbano de Rio Branco, pois para esses homens era necessário segregar os “indesejáveis” pela sociedade local.

Na parte introdutória desse capítulo mostramos uma foto onde a presença de alguns homens nos chamou a atenção, percebe-se ali que esses homens eram hansenianos que contribuíram para a criação do Acre, na imagem citada podemos notar a presença de alguns indígenas e provavelmente nordestinos ou filhos destes que deixaram seus familiares no nordeste brasileiro em busca de vida melhor, alguns chegaram ao Acre sadios e no interior dessas matas foram contaminados pela doença. Assim, por conta da enfermidade, passaram a ser vistos por grande parte da população como pessoas “marginalizadas” e “amaldiçoadas”, homens e mulheres vistos como indignos de transitar em meio a uma sociedade sadia. De fato, a eugenia social estava sendo aplicada com notoriedade.

Para que a política de profilaxia que estava sendo adotada nesse período em todo o Brasil fosse também concretizada no Acre, era necessário que fosse criado um espaço de isolamento/acolhimento para que o hanseniano fosse conduzido para ele. Para Souza, “a medida de isolamento dos hansenianos caracteriza-se importante símbolo do novo governo e de seu projeto modernista” (P. 76), visto que a presença do hanseniano em meio a comunidade “sadia” causava transtornos, sobretudo à elite que via em tais práticas um retrocesso para a região. Segundo Souza:

A primeira medida que colocaria o Acre nos trilhos do “progresso” foi a de isolar em uma ação conjunta da Diretoria de Higiene e a Força Policial, todos os hansenianos notificados em suas residências (P. 78)

No entanto, o isolamento domiciliar era uma medida temporária, para Hugo Carneiro havia a necessidade de criar um espaço separado do perímetro urbano de Rio Branco, onde os hansenianos pudessem ser levados a fim de evitar o contato com pessoas saudáveis. Para a construção desse leprosário o Governo buscou parcerias com a iniciativa privada. A Liga de Defesa Sanitária desempenhou um papel fundamental com ações filantrópicas para a arrecadação de fundos que

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custeassem a obra do leprosário, como era conhecido até então, não sabemos se de fato todos os recursos foram empregados na obra daquele leprosário que Posteriormente foi denominado Casa de Acolhida Souza Araújo em homenagem ao Dr. Heráclico de Souza Araújo, nascido em Minas Gerais e pioneiro na pesquisa cientifica da hanseníase a qual dedicou seu tempo e seus esforços com a finalidade de contribuir em busca de cura e tratamento dessa doença.

À margem esquerda do igarapé Aliança estava localizado o Seringal Belo Jardim, propriedade do senhor Irineu Amâncio, distante do perímetro urbano de Rio Branco e de difícil acesso, o qual se dava por meio de um estreito varadouro. O local era apropriado para a construção do leprosário4, e prontamente o proprietário do seringal cedeu aquele espaço de terra para a dar início a construção que em seu primeiro momento era apenas uma casinha de Paxiúba5 coberta com palhas. Para Souza:

A construção de um espaço distante da cidade para isolar os hansenianos, foi saudada entusiasticamente pelos médicos e assessores de Hugo Carneiro, que classificavam a medida como “inovadora”, “audaciosa” e “necessária” (P. 84)

A construção de um espaço onde os hansenianos pudessem ser isolados parecia ser uma boa e moderna atitude de Hugo Carneiro. Entretanto como já afirmado anteriormente, para o Governador construções feitas em madeira era sinônimo de atraso e se esse tipo de construção representava o retrocesso por que motivo Hugo Carneiro não fez tal construção em Alvenaria de acordo com sua ideia de progresso e modernidade? Assim, notamos que a ideia de Hugo Carneiro era de isolar os hansenianos, afastá-los do convívio social, enclausura-los, condená-los à uma vida longe de suas casas e dos seus familiares e assim atender as exigências propostas pela elite local e pelo Governo Federal, pois para esses grupos sociais o hanseniano era símbolo do “medievalismo”, retrógrado e maléfico à uma sociedade saudável em seus costumes e valores.

O Periódico Jornal FOLHA DO ACRE do dia 18 de março de 1928, nº 617, fez uma matéria intitulada: “Liga de Defesa Sanitária do Acre - A Realização de sua

primeira obra material – Está terminada a Construção do Isolamento dos leprosos –

4 Leprosário: Utiliza-se esse nome pois nesse período ainda não se utilizava o nome atual – Casa de Acolhida Souza Araújo 5

Paxiúba: Uma árvore da família das palmeiras bastante comum na região amazônica, seu caule serve para construções de casas nos seringais da região

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O Relatório do Dr. Franko Ribeiro, Fiscal De Obras6”. Nesse relatório, o Dr. Franko

Ribeiro faz um levantamento sobre a construção do leprosário, sua estrutura física, bem como os materiais utilizados para a elaboração do projeto. Segundo Ribeiro:

O prédio é todo construido de madeira de lei e está assente em 24 possantes tocos de itaúba, de 1m 60 cada um, e apoiado em 10 resistentes esteios, sendo 8 de intaúba e 2 de cumarú ferro, medindo 27 palmos cada um e 8x8 de bitola.

Empregaram-se 94 palmos de itaúba com a bitola 4x5 para a cumieira, 2 linhas de itaúba para cruz, cada uma com 30 palmos de 5x6; 2 ditas de andiroba com as mesmas dimensões e bitolas; 2 linhas para longarinas, também de andiroba, com 195 palmos e 4x5; 64 caibros roliços e de madeira resistente para o ar; 5 pontaletes de itaúba, de 4x5; 10 pernamancas de castanheira de 21/ 2x3; 2 madres de guariúba com 180 palmos, de 6x7, e 2 ditas de andiroba, com a mesma dimensão e bitola; 38 peças para vigamento, de castanheira, cada uma com 27 palmos, e 21/ 2x3. Está coberto com 1.200 palhas de jacy, medindo só o corpo da casa propriamente dito, 91 palmos de comprimento (20m), tendo toda construcção um total de 127 e ½ palmos (28m), sendo 9 palmos para a varanda, à frente, 7 palmos o passadiço, e 20 a ½ palmos a cosinha.

Empregaram-se no soalho (que é todo de cumarú) 190 taboas (16 dúzias e 8t.) bem cuidadas e limpas; as paredes externas da construcção são de cedro, madeira apropriada para esta parte; as internas, contêm cedro, cumaru e andiroba. Foram construidas 12 portas de cedro, sendo 6 internas (a dos aposentados para homens e mulheres) e 2 da cosinha; 8 janellas, sendo 6 para cada um dos aposentos já referidos. As portas externas medem 1m. 20x2m. 70, excluídas as bandeirolas que têm 0m. 40; as internas medem 1m. 20x20m 40, e finalmente as janelas têm 1m 20x1m. 90. Empregaram-se para cada metro de parede, 6 taboas de modo que, só no corredor, foram utilisadas 14 duzias de táboas.

No próprio local foram cerradas 72 e ½ duzias de taboas de cedro, de cumaru e andiroba, inclusive os dos soalho: desdobraram-se varios pranchoes, que produziram 14 duzias de pernamancas de várias bitolas, das taes especies de madeiras já referidas, para prumos, portaes, batentes e outras applicações, e mais 3 duzias de taboas de castanheira, de 9 palmos e com 2” de bitola, para soalho da varanda à frente do edifício, e das meia-varandas lateraes, cada uma destas ultimas com 5m. Finalmente foram serradas mais 3 duzias de pernamancas de cumarú e castanheira para os parapeitos. Utilizaram se 13 e ½ duzia de castanheiras (taboas de refugo) na construcção das duas WC. Foram gastos em todo trabalho 61 maços de prego, dos quaes, 28m o almoxarifado forneceu. Os 6 aposentos destinados aos doentes comportam francamente 4 camas de vento cada um, ou, uma rêde e 3 camas.

Terminando, cabe-me fazer referir, que foi argumentado o pequeno campo já existente, com uma parte de broca e derruba de páos, pelos operarios, em diversos dias, quando o tempo o permittio, e bem assim destócados e capinados 5m de terreno em roda do

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edifficio, e os caminhos para as WC, e para as aguadas dos homens e das mulheres. (P.1)

Podemos notar que a matéria do Jornal acima citado tem como público alvo a pequena elite local ou até nacional pois o objetivo do texto positivista é foi exaltar as ações de Hugo Carneiro através de matérias “românticas” que exaltam as ações do então governador por esses motivos, é preciso que levantemos algumas problemáticas: se as construções em madeira eram sinônimo de atraso para Hugo Carneiro, por que motivo a Colônia Souza Araújo teve sua construção nesse período toda com esse material? Será que Hugo Carneiro tinha o objetivo de levar a “modernidade” para o hanseniano? De certo que não, pois podemos perceber que a escolha do material utilizado para essa construção e o local onde o leprosário foi construído foram feitos de forma proposital com o objetivo “condenar” homens e mulheres sem crimes e sem “julgamento”.

Após a conclusão da Colônia Souza Araújo, o difícil acesso ao local, os escassos recursos governamentais, ou quem sabe o pouco apoio filantrópico dificultava o funcionamento do mesmo. Assim, é preciso levantar algumas questões: Em meio a tanta intolerância por parte da comunidade, quem estaria disposto a doar seu tempo, seu trabalho e até sua vida em defesa desses “indesejáveis”? De certo que somente pessoas desprovidas do egocentrismo e com suas vidas voltadas à caridade e o amor ao próximo poderiam apoiar e conduzir aquele local. Nessa perspectiva a Igreja Católica desempenhou um papel fundamental na condução do leprosário. Segundo a publicação do Periódico Jornal a Folha do Acre, do dia 28 de outubro de 1928. nº 666:

O nosso leprosário, no dia 13 de setembro, foi visitado, pela primeira vez, por um sacerdote catholico. O ver. Padre Julio Mattioli, vigario desta parochia, para ali se transportou em companhia do Sr. director de hyggiene que fazia, então, uma de suas habituaes visitas ao estabelecimento ao qual, por si pessoalmente e também interpretando os sentimentos do exmo. Sr. governador do Território, dispensa o maior carinho.

A religião e a sciencia davam-se, assim, as mãos procurando lenir os males dos infelizes alí recolhidos, levando-lhes uma, a consolação da missa, a exemplo do divino abnegado e resignado soffredor de penas immerecidas, o perdão pela confissão e a communhão pela hostia, a outra, os recursos empregados contra a sua terrível pathologia, e, ambas, o supremo consolo àquelles desherdados da sorte, condemnados sem julgamento, e desterrados sem crime que ali se acham para sempre segregados do convívio de seus semelhantes

Referências

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