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Sociedade civil, Estado e questão ambiental na China

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

MARIANA DELGADO BARBIERI

SOCIEDADE CIVIL, ESTADO E QUESTÃO

AMBIENTAL NA CHINA

CAMPINAS 2020

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MARIANA DELGADO BARBIERI

SOCIEDADE CIVIL, ESTADO E QUESTÃO AMBIENTAL NA CHINA

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Ambiente e Sociedade, na Área de Aspectos Sociais de Sustentabilidade e Conservação.

Orientadora: Profa Dra Leila da Costa Ferreira Coorientador: Prof Dr David Montenegro Lapola

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANA DELGADO BARBIERI, E ORIENTADA PELA PROFA DRA LEILA DA COSTA FERREIRA.

CAMPINAS 2020

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 17 de março de 2020, considerou a candidata Mariana Delgado Barbieri aprovada.

Profa Dra Leila da Costa Ferreira

Prof Dr José Augusto Valladares Pádua Prof Dr Mateus Batistella

Prof Dr Thales Haddad Novaes de Andrade Prof Dr Valeriano Mendes Ferreira Costa

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Dedico aos meus pais, Cláudia e Fausto

E ao meu filho, Inácio

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AGRADECIMENTOS

Uma tese de doutorado demanda muito tempo, dedicação, leitura, reflexão. Tudo isso só foi possível graças a presença de diversas pessoas ao meu redor.

Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais por todo apoio e dedicação nesses últimos 35 anos. Sem vocês eu não seria quem sou e não chegaria aonde estou.

Ao Inácio, meu filho, que nasceu quando eu ainda estava no mestrado. Quando entrei no doutorado ainda era uma criança, e agora, ao final, já se tornou um grande moço. Que você entenda minha paixão pelos livros, pela educação e pela pesquisa e reconheça o quanto tudo isso é importante para nossas vidas.

Esse doutorado só se concretizou pelo apoio, carinho e amizade com minha orientadora Leila, com quem, desde o início, desenvolvi grande afinidade. Como uma mãe ela esteve ao meu lado nos últimos 5 anos, ajudando, instruindo, colaborando. Os primeiros frutos dessa parceria já estão sendo colhidos e tenho certeza de que por muitas estações iremos continuar escrevendo, lendo, aprendendo e ensinando.

Agradeço também a todo grupo do LABGEC, em especial à Fabiana Barbi, que me acompanha desde o início do doutorado, auxiliando de inúmeras maneiras. Um obrigado especial a todos que sugeriram mudanças à tese, dedicaram tempo e fizeram tantos comentários construtivos. Valeu, Felipe, Niklas, Si, Marília, Jefferson, Charles, Eduardo, Lígia, Marcelo e também aos antigos membros do nosso grupo, Lisandra, Ana Paula, Marcelo, Estevão, Luiz. Em algum momento dessa trajetória todos tiveram participação.

Da mesma forma, tenho um carinho especial à minha turma de doutorado, com quem partilhei intensamente o primeiro ano de doutoramento, auxiliando na definição do projeto, dando coragem para seguir em frente. Agradeço ao Felipe, Carol, Isabel, Rodrigo, Natália, Tiago, André, Gabriela, Kelly, Raissa, Ana Paula.

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A China também me fez conhecer pessoas tão especiais no grupo Brasil-China, como a Mariana Ueta, Niklas, Augusto, Caroline. Tenho certeza que nossa parceria e amizade continuarão crescendo. Aos professores do grupo Brasil-China também deixo registrado meu agradecimento pelos ensinamentos, dicas, críticas, sugestões de leituras e debates tão interessantes, em especial ao Prof. Tom Dwyer e Prof. Celio Hiratuka.

Aos professores do NEPAM, com quem pude compartilhar tantos momentos, saibam que vocês foram essenciais nessa caminhada. Em especial à Profa Lúcia da Costa Ferreira, que tanto me ensina e se tornou uma amiga nessa jornada. Roberto, Aline, Cris, Simone, David, Célia, em sala de aula ou durante as reuniões da SubCPG muito pude aprender com vocês.

Funcionários do NEPAM, saibam que nós, alunos, só sobrevivemos graças a vocês! Em especial agradeço ao Waldinei, por toda ajuda na questão burocrática, à Maria pelo café sempre fresco e à Adreilde por toda ajuda com livros e referências. Mas, sem dúvida, todos são peças fundamentais para que o NEPAM e o programa ambiente e sociedade existam: Débora, Eduardo, Marcos, André, Neusa. Só conseguimos ser um programa nota 6 graças ao apoio de todos vocês.

Por fim, o doutorado foi compartilhado com alguém que chegou sem avisar e encheu minha vida de amor e alegria. Obrigada, Emerson, pelo companheirismo, compreensão, amor e cuidado.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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“If China cannot do it, no one can.”

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RESUMO

Num momento em que a China surpreende o mundo em virtude de seus índices econômicos, é fácil identificar as consequências ambientais das escolhas políticas e econômicas adotadas nesse país. Compreender como as organizações não governamentais (ONGs) ambientais se constituíram historicamente na China, sua atuação, limites e o papel fundamental desempenhado na sociedade global em que estamos inseridos são os objetivos principais dessa tese, que busca identificar como as organizações não governamentais ambientais estão agindo no interior da China e como elas se posicionam entre o Estado e a sociedade civil. Recuperando a noção de ambientalismo autoritário (centralizado) podemos propor a ideia de que na ausência de espaço para uma atuação política das ONGs ambientais chinesas, elas se moldam ao ambientalismo autoritário do Estado e se distanciam da atuação política direta. O que as ONGs propõem não são questionamentos das políticas adotadas pelo Estado chinês ou confronto político direto, o que temos na China é um ambientalismo dotado de delicadeza e suavidade, que foge dos conflitos políticos e é praticado à distância das direções políticas. Identificamos a existência de três fases no desenvolvimento do ambientalismo chinês e apresentamos na tese a primeira e segunda fase. Na primeira fase, diretamente relacionada com a estruturação do Estado e a constituição da sociedade civil, identifica-se que as ONGs ambientais, durante toda a década de 1990 e início da década de 2000, são caracterizadas por uma grande concentração em Beijing e Shanghai, mas com difusão restrita no restante do país. Ademais, há uma fragmentação no movimento e a ausência de constituição de um movimento capaz de agir nacionalmente e representar interesses da sociedade chinesa como um todo. Na segunda fase há um maior reconhecimento dos novos atores sociais por parte do Estado, que promulga novas leis que incentivam a expansão e ação das ONGs ambientais, que se multiplicam em todo país, diversificando suas áreas e temáticas de atuação e expandindo sua influência. Naquele momento, década de 2000, temos um aumento no número de protestos e maior mobilização da sociedade civil, mostrando que a população passa a se preocupar com as condições ambientais do país, estando disposta a reivindicar melhorias, alterar hábitos de consumo, dando início a uma transição rumo a um ambientalismo democrático (participativo).

Palavras-chave: China; ONGs; Políticas Ambientais; Governança Ambiental;

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ABSTRACT

At a time when China surprises the world because of its economic indicators, it is easy to identify the environmental consequences of the political and economic choices made in that country. Understanding how environmental non-governmental organizations were historically constituted in China, their actions, limits and the fundamental role they have played in the global society in which we live are the main objectives of this thesis, which seeks to identify how environmental non-governmental organizations are acting within China and how they are positioned between the state and civil society. Restoring the notion of authoritarian (centralized) environmentalism we propose the idea that in the absence of space for political action by Chinese environmental NGOs, they shape up to the authoritarian environmentalism of the state and are distanced from direct political action. The NGOs do not question the policies adopted by the Chinese state or propose direct political confrontation. In China, environmentalism is delicate and gentle, running away from political conflicts and practiced at a distance from political directions. We identify the existence of three phases in the development of Chinese environmentalism and present the first and second phases in the thesis. In the first phase, throughout the 1990s and early 2000s, environmental NGOs are directly related to the structuring of the state and the constitution of civil society, being largely concentrated in Beijing and Shanghai, with restricted diffusion throughout the rest of the country. Moreover, there is a fragmentation in the movement and the lack of national action, representing the interests of Chinese society as a whole. In the second phase, there is greater recognition of the new social actors by the State, which promulgates new laws that encourage the expansion and action of environmental NGOs. They multiply throughout the country, diversifying their areas and themes and expanding their influence. At that time, during the 2000s, we have an increase in the number of protests and greater mobilization of civil society, showing that the population starts to worry about the environmental conditions of the country, being willing to claim improvements, change consumption habits, beginning a transition towards democratic (participatory) environmentalism.

Keywords: China; NGOs; Environmental Policy; Environmental Governance; Civil

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Ação de GONGO em Shanghai...21

Figura 2 – Disposição das organizações não governamentais e a relação com o Estado...69

Figura 3 – Emissões incorporadas no comércio internacional (em 2013)...84

Figura 4 – Macaco do nariz arrebitado (Yunnan snub-nosed monkey)...110

Figura 5 – Obra Dong Qichang Project 2...144

Figura 6 – Obra de Xu Xiaoyan...145

Figura 7 – Fotografia e protesto ambiental...147

Figura 8 – Mapa de qualidade do ar disponibilizado pelo IPE...156

Figura 9 – Representação convencional do surgimento das ONGs ambientais...168

Figura 10 – Campos institucionais e o desenvolvimento das ONGs ambientais...173

Figura 11 – Distribuição espacial das 3.550 ONGs ambientais mais atuantes...181

Figura 12 – Ambientalismo autoritário versus Ambientalismo democrático...198

Figura 13 – Aumento do nível do mar em Shanghai (projeção)...206

Figura 14 – Logos da CCAN e CYCAN – Redes de Ação Climática...220

Figura 15 – Cartaz do projeto de economia de energia nos campi...224

Figura 16 – Responsabilidade pela ação climática...230

Figura 17 – Projeto de reflorestamento no trajeto entre Shanghai e Beijing...237

Figura 18 A;B – O tradicional e o moderno na China atual...241

Figura 19 – Fases de atuação das ONGs ambientais chinesas...242

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Campanhas ambientais na China (1995 – 2002)...113

Quadro 2 – Atuação de ONGs por tema e região...185

Quadro 3 – Atuação de ONGs por tema e região (continuação)...186

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Número de Organizações na China...72

Gráfico 2 – Produto interno bruto (PIB) da China (1978-2016)...79

Gráfico 3 – Emissão de CO2 (tonelada métrica per capita) na China (1978-2014)...80

Gráfico 4 – Emissões per capita (tCO2/pessoa)...83

Gráfico 5 – Funcionários governamentais empregados nos departamentos de proteção ambiental da China (1991 – 2004)...100

Gráfico 6 – Número de ONGs ambientais registradas...116

Gráfico 7 – Número de usuários da Internet na China (1998-2018)...151

Gráfico 8 – Número de usuários de internet via celular...152

Gráfico 9 – Crescimento das ONGs ambientais na China...178

Gráfico 10 – Classificação das ONGs ambientais em 2005...180

Gráfico 11 – Temáticas de atuação das ONGs ambientais chinesas...184

Gráfico 12 – Emissões cumulativas de CO2...202

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIA – Avaliação do Impacto Ambiental CAS – Chinese Academy of Sciences

CCAN – Chinese Civil Climate Action Network

CCICED – China Council for International Cooperation on Environment and Development

CCPC – Comitê Central do Partido Comunista CCTV – China Central TV

CECPA – China Environmental Culture Promotion Association CEPF – China Environmental Protection Foundation

CO2 – Dióxido de Carbono

COP – Conferência das Partes

CSES – Chinese Society of Environmental Sciences CYCAN – China Youth Climate Action Network

ECO 92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente ocorrida em 1992 na cidade do Rio de Janeiro

EPB – Environmental Protection Bureau EUA – Estados Unidos da América

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FON – Friends of Nature

GEE - Gases de Efeito Estufa

GONGO – Government organized non-government organization Gt - Gigatonelada

GVB – Global Village Beijing GWe – GigaWatt-eletric

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HBF – Heinrich Boell Foundation HIV – Human Immunodeficiency Virus ICF – International Crane Foundation

IPCC - Intergovernmental Panel of Climate Change IPE – Institute of Public & Environmental Affairs KM - Quilômetro

LABGEC – Laboratory of Social Dimensions of the Global Environmental Changes in the Global South

MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MEP – Ministry of Environmental Protection MV – Megavolts

NDRC – National Development and Reform Commission NEPA – National Environmental Protection Agency NIMBY – Not-in-my-backyard

NLWGACC - National Leading Working Group on Addressing Climate Change NO – Óxido de nitrogênio

OMC – Organização Mundial do Comércio ONG - Organização não-governamental

ONGA – Organização Não-Governamental Ambiental ONGIs – Organizações Não-governamentais internacionais ONU – Organização das Nações Unidas

PCC - Partido Comunista Chinês PIB – Produto Interno Bruto

PM2.5 – Material Particulado com até 2,5 micrômetros PNUD – Programa Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

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PX – Paraxileno

SARS – Síndrome Respiratória Aguda Grave

SEPA – State Environmental Protection Administration SMS – Short Message Service

SO2 – Dióxido de enxofre

tCO2/pessoa – Tonelada de Dióxido de Carbono por Pessoa (métrica de emissão)

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNFCCC – Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

WWF – World Wildlife Fund ZEE – Zona Econômica Especial

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 19

INTRODUÇÃO 27

A China Contemporânea 27

China e Sociedade de Risco 33

Questão ambiental e governança na China 38

Capítulo 1 – A emergência da sociedade civil e de novas organizações sociais

na China Contemporânea 44

1.1 Uma sociedade em transformação: novos elementos, modernização e

surgimento da sociedade civil 44

1.2 Sociedade Civil na China 51

1.3 O caso das organizações sociais na China 62

1.4 Considerações do Capítulo 73

Capítulo 2 - Surgimento e desenvolvimento das ONGs ambientais (década de

1990) – uma reconstrução histórica 76

2.1 A intensificação da problemática ambiental na China 76

2.2 A Política Ambiental Chinesa 91

2.3 O surgimento das ONGs ambientais 102

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Capítulo 3 – Avanços e conquistas do ambientalismo chinês na década de

2000 125

3.1 Avanços políticos, legislação e problemática ambiental 126 3.2 Greenspeak – papel da mídia e outras artes na formação do espaço

público verde 138

3.3 Protestos ambientais e mobilização social 159 3.4 O avanço das ONGs na década de 2000 167 3.5 Considerações do capítulo- Dificuldades e dilemas das ONGs

ambientais chinesas 191

Capítulo 4 – O enfrentamento às Mudanças Climáticas e a atuação das ONGs

de 2007 a 2015 200

4.1 A questão das mudanças climáticas na China 200 4.2 As políticas de mudanças climáticas 208 4.3 A participação de outros atores sociais na política climática 216 4.4 Considerações do Capítulo – avanços recentes e desafios futuros 234

Considerações Finais – do desespero à esperança? 240

As três fases das ONGs ambientais 242

Transição ao ambientalismo democrático? 252 China rumo à governança multiatores e multiníveis 255

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APRESENTAÇÃO

A presente tese busca compreender as relações existentes entre Sociedade Civil e Estado, no contexto das Mudanças Climáticas e das questões ambientais pertinentes à China Contemporânea. Tal estudo insere-se no Projeto de Pesquisa Regular da FAPESP (2017/06347-3) O desafio das mudanças ambientais

globais no Antropoceno: Ênfase nas questões das dimensões humanas das mudanças climáticas (Brasil, China e Moçambique), uma continuação do Projeto de

Pesquisa Regular da FAPESP (2013/19771-7) Mudanças Ambientais Globais: As

Políticas Ambientais na China com referência ao Brasil, ambos coordenados pela

Profa. Dra. Leila da Costa Ferreira.

Tais pesquisas são conduzidas pelo LABGEC (Laboratory of Social

Dimensions of the Global Environmental Changes in the Global South), e buscam

aprofundar os debates acerca das dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas, concentrando-se na questão de como a sociedade responde aos riscos decorrentes dessas mudanças, quais os impactos sociais e as políticas adotadas perante o problema. O foco atual dessas pesquisas são os países do sul global, principalmente Brasil, China e Moçambique.

A oportunidade de se fazer uma pesquisa vinculada a outras pesquisas desenvolvidas na mesma temática e com objetivos comuns permite que as pesquisas distintas focalizem alguns aspectos particulares, mas ao se vincularem às demais pesquisas promovem a consolidação de um panorama mais vasto e extremamente significativo, ainda mais quando o objeto de pesquisa se trata da China, país tão distante cultural e geograficamente, mas que nos últimos anos se aproxima da nossa realidade em virtude do crescimento econômico e da conquista de poderio enquanto potência mundial.

A inserção nesse grupo de pesquisa foi fundamental para o desenvolvimento desta tese. A troca de informações e bibliografias, as viagens à China realizadas por membros do grupo, as entrevistas feitas e o material compartilhado propiciaram grande enriquecimento ao conteúdo e reflexões desta tese. Por ser parte desse grupo foi possível utilizar entrevistas feitas por pesquisadores, que em visita à China entrevistaram pessoas ligadas às ONGs e à administração local

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com foco nas minhas perguntas de pesquisa1. Destaco ainda a presença de uma

pesquisadora chinesa, que veio à Universidade Estadual de Campinas para fazer o doutorado e trouxe consigo sua bagagem acerca da cultura, história e língua chinesa. Esses elementos agregam-se diretamente ao material de pesquisa, baseado em fontes primárias e secundárias, em sua maioria disponível na língua inglesa. Boa parte das fontes primárias estão disponíveis na Internet, em sites oficiais do governo chinês e das ONGs (chinesas e internacionais).

A seleção de autores feita ao longo da tese busca contemplar principalmente autores chineses, que se dividem em duas categorias: os que escrevem a partir da China e os que escrevem a partir de outros países onde desenvolvem suas pesquisas. Podemos afirmar que os autores que estão fora da China gozam de plena liberdade de escrita, não se submetendo à possíveis censuras por parte do governo. Tal censura, no âmbito acadêmico, é mais rara na China atual – a Universidade goza de mais liberdade de expressão e debate, porém nos anos de 1980 e 1990 (período analisado nessa tese) a censura impedia diversos estudos e publicações. A dificuldade maior fica restrita às entrevistas, surveys, debates abertos com a população, pesquisa de campo, publicação de artigos, que são diretamente influenciados pelo medo em se contrapor ao Partido Comunista Chinês. A questão da língua, a princípio uma grande barreira, mostrou-se não tão grande: em um mundo globalizado, os acadêmicos chineses já estão escrevendo diretamente em inglês, visando maior alcance e difusão de suas ideias. Além dos autores chineses buscamos autores especialistas em China, com reconhecimento internacional, publicações

peer-review, selecionando uma literatura extremamente especializada e muito variada.

Em setembro de 2018 realizei uma viagem a campo2 com duração de um

mês. Nesse período estive nas cidades de Beijing e Shanghai, buscando captar a dimensão ambiental nos mais diversos lugares e das mais variadas formas. Pude acompanhar a ação de duas ONGs em Shanghai. Uma GONGO (Government

organized non-government organisation), a Shanghai Greening, que trabalha com

educação ambiental a partir da ação com crianças, e uma ONG internacional, a Nature

Conservancy, que naquele momento estava com um projeto de hortas comunitárias.

1 Agradecimentos especiais ao Luiz Henrique Vieira de Souza e Alina Gilmanova

2 A pesquisa de campo foi viabilizada graças ao apoio do Programa de Pós-Graduação em Ambiente

e Sociedade, que disponibilizou verba Proex para pagamento de diárias, e da FAPESP, por meio do projeto regular coordenado pela Profa Leila da Costa Ferreira.

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A pesquisa de campo foi fundamental ao permitir entender um pouco melhor o modo

chinês de ser, a maneira como os indivíduos se relacionam, como interagem com a

natureza, além de outras dimensões como questões de consumo, mobilidade urbana, construção civil. Também foi possível observar políticas públicas e investimentos públicos em áreas de energia solar e eólica, trem eletromagnético, reflorestamento e recuperação florestal, cadastramento das árvores nas áreas urbanas, coleta seletiva, eletrificação do transporte urbano, e até mesmo pude presenciar dias seguidos de céu azul, com baixos índices de poluição (em torno de 50 a 70 µg/m3 de PM2.5), graças

às recentes políticas voltadas à poluição atmosférica. A viagem à China alterou completamente minhas percepções sobre o país, pois é inegável o impacto que a China pode causar em qualquer visitante.

Figura 1: Ação de GONGO em Shanghai

Fonte: autoria própria (Shanghai, 2018).

Ao estudarmos a China estamos olhando e refletindo sobre uma realidade e uma sociedade completamente distinta da Ocidental, a qual estamos acostumados. Fazemos isso a partir das mediações conhecidas por nós: elementos e conceitos-chaves que iluminam essa outra realidade. Para captar uma novidade é preciso

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associá-la ao que conhecemos, na busca de compreensão do objeto. Procuramos dessa forma pôr em prática certo cosmopolitismo metodológico, no qual olhamos de longe para uma outra realidade, a partir de diversas áreas do conhecimento e a partir de perspectiva diferenciada entre o ator e o observador cientista social, combinando elementos distintos da dimensão espacial e temporal (BECK, 2006; FERREIRA, 2017). A opção pelo cosmopolitismo metodológico se pauta na concordância com a produção de Ulrich Beck, que defende que “a dinâmica dos riscos ambientais só pode ser compreendida a partir de um cosmopolitismo metodológico” (BECK, 2008, p. 219), evitando o chamado nacionalismo metodológico, incapaz de captar a complexidade da sociedade atual.

Esta tese se insere no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais, um programa eminentemente interdisciplinar e por esse motivo lança-se ao desafio de ser interdisciplinar, afinal, a todo momento nos deparamos com um problema complexo, e uma única disciplina não é capaz de fornecer subsídios teóricos suficientes para responder às perguntas lançadas. A sociologia e a ciência política são as disciplinas nitidamente mais utilizadas ao longo da tese, mas elementos de ecologia e ciências climáticas aparecerão permeados em toda trama tecida a fim de se compreender holisticamente o problema de pesquisa. A intenção foi tornar as barreiras disciplinares permeáveis, de modo a facilitar a mobilização de temas e conceitos de diversas áreas.

Lidarei com a questão dos riscos ambientais, que por sua complexidade e necessidade de uma solução global/cosmopolita, necessita de um novo instrumento analítico (o cosmopolitismo metodológico), a partir dos esforços em se produzir uma ciência social cosmopolita:

a cosmopolitização deve ser vista como um processo não-linear e dialético, no qual o universal e o contextual, o semelhante e o diferente, o global e o local são apreendidos não como polaridades culturais, mas como princípios estritamente ligados entre si (BECK, 2006, p. 144).

O cosmopolitismo metodológico nos permite olhar a China nas suas particularidades, preservando as diferenças de culturas, etnias, religiões, sem que caiamos no erro de ocidentalizar suas experiências e práticas, reconhecendo a existência do multiculturalismo e da pluralidade de experiências históricas, sociais e políticas. Beck e Beck-Gernsheim (2010) destacaram que as variedades da

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individualização é uma das tarefas mais importantes do cosmopolitismo metodológico,

reconhecendo a diversidade de formações sociais e a importância de seu estudo para o renascimento da teoria social (FERREIRA, 2018).

O cosmopolitismo metodológico auxilia na superação das amarras do ocidentocentrismo, perspectiva que prioriza o desenvolvimento ocidental, seus valores essenciais (como direitos humanos e democracia), em detrimento de outras experiências históricas, desconsiderando que o Ocidente exerceu um domínio na ordem global apenas no último um século e meio (STUNKEL, 2018).

O ocidentocentrismo presume que o Ocidente é fundamentalmente diferente de qualquer outra coisa, e produziu a premissa intelectual que divide o mundo entre o Ocidente e o resto (ou centro e periferia). Isto rebaixa o “resto” a um agrupamento cuja característica principal é a sua alteridade, isto é, o fato de não serem ocidentais (STUNKEL, 2018, p. 41).

Como destaca Christian Baudelot, no prefácio de Société chinoise vue par

ses sociologues (ROCCA, 2008), para compreendermos a sociedade chinesa não

precisamos trabalhar com a noção dicotômica de “pensamento ocidental” e “pensamento chinês”, mas devemos nos esforçar para utilizar as ferramentas que as ciências sociais nos oferecem e que permitem entender a China em sua particularidade e totalidade.

Tal ideia também foi debatida por Edward Said (SAID, 1990), ao afirmar que a noção de Oriente construída pela visão ocidental é de algo que se opõe, é uma experiência contrastante, e tal dicotomia só se fortalece com a construção de estereótipos antagônicos. É preciso superar as dificuldades de se compreender a China, rompendo estereótipos, preconceitos, incompreensões, que permeiam tantas pesquisas sobre a China. Isso só será possível com muito estudo, reflexão e reconhecimento das dificuldades, que muitas vezes se assentam nas diferenças fundamentais existentes entre as diversas civilizações, elementos intrínsecos à sociedade e ao indivíduo, tais como diferenças conceituais sobre filosofia, religião, organização social, padrões hierárquicos, ação coletiva, que influenciam no cerne da constituição das sociedades distintas. É preciso esforço intelectual para entender que a China não precisa se encaixar nos moldes aos quais estamos acostumados, afinal, há um contexto e desenvolvimento histórico completamente diverso do ocorrido na Europa e até mesmo nas Américas.

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Já em 1969 Josué de Castro (CASTRO, 1969) afirmava que o desconhecimento sobre a civilização com mais de 4 mil anos de existência, e a pouca preocupação ocidental em desvendar os mistérios do Oriente, refletia diretamente no espanto sobre tal civilização. Essa tese buscará iluminar pequenos pontos sobre a sociedade chinesa, levantando hipóteses e reflexões sobre sua organização social e poder político, e suas inter-relações num momento em que as mudanças climáticas se tornam uma preocupação efetiva para o século XXI e um problema que deve ser enfrentado globalmente.

Meu interesse por estudar a China remonta a 2003, quando ainda no primeiro ano de graduação fui apresentada à China maoísta. Desenvolvi minha iniciação científica e mestrado em Sociologia a respeito da educação no período de transição socialista, a partir da análise da Revolução Cultural Chinesa (BARBIERI, 2009). Nesse momento me dediquei a aprender mais sobre a língua e cultura chinesa, me matriculando na Escola Chinesa de Campinas, num período em que poucos se interessavam academicamente pela China, no Brasil.

Anos após a defesa do Mestrado soube das pesquisas do Grupo Brasil China, e fui incorporada como assistente técnica de pesquisa (FAPESP 2014/22384-8). Entre as pesquisas que estavam sendo conduzidas pelo grupo, a lacuna existente sobre a questão da sociedade civil era clara. A bibliografia apontava para alguns estudos sobre o movimento ambientalista e sua importância crescente na condução das políticas ambientais nacionais, e nesse instante se definiu o objeto de pesquisa dessa tese. As questões iniciais que nortearam a pesquisa buscavam reconhecer se havia um movimento ambientalista, como era possível sua existência em um Estado autoritário3, como as Organizações Não-Governamentais (ONGs) ambientais se

3 Segundo Bobbio: “Na tipologia dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes que

privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas (Bobbio, 1998, p. 94); “os regimes autoritários se caracterizam pela ausência de Parlamento e de eleições populares, ou, quando tais instituições existem, pelo seu caráter meramente cerimonial, e ainda pelo indiscutível predomínio do poder executivo. No segundo aspecto, os regimes autoritários se distinguem pela ausência da liberdade dos subsistemas, tanto no aspecto real como no aspecto formal, típica da democracia. A oposição política é suprimida ou obstruída. O pluralismo partidário é proibido ou reduzido a um simulacro sem incidência real. A autonomia dos outros grupos politicamente relevantes é destruída ou tolerada enquanto não perturba a posição do poder do chefe ou da elite governante” (BOBBIO, 1998, p. 100).

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desenvolveram. Tais perguntas serão respondidas ao longo do primeiro e segundo capítulo da tese.

Entre andanças e revisões bibliográficas o objeto de pesquisa foi se delineando, mostrando ser impossível desvincular o Estado e a Sociedade Civil, elementos que andam lado a lado na realidade social chinesa, conforme apresento no capítulo 1.

A pergunta central desta tese reflete exatamente a necessidade de compreender melhor essa relação: De que maneira a sociedade civil chinesa,

através das ONGs ambientais, participa da governança ambiental num país autoritário?

A partir desse questionamento central buscam-se alcançar os seguintes objetivos: 1 – compreender o desenvolvimento histórico das ONGs ambientais chinesas, reconhecendo suas atuações e formas de organização; 2 – analisar a relação que se estabelece entre o Estado chinês e as ONGs ambientais; 3 – Refletir sobre os impactos e contribuições que o movimento ambientalista, representado pelas ONGs, causa nas políticas estatais e na sociedade chinesa, isto é, compreender a internalização da problemática ambiental a partir da atuação das ONGs ambientais; 4

– reconhecer e refletir sobre o papel da governança ambiental frente às mudanças

climáticas e a importância da atuação da sociedade civil.

As hipóteses de pesquisa construídas a partir da reflexão inicial sobre o tema sugerem que: 1 – na ausência de espaço para atuação política do movimento ambientalista chinês, esse se molda ao ambientalismo autoritário do Estado e se distancia da atuação política direta durante toda a década de 1990; 2 – entretanto, ao longo dos anos 2000 há profundas alterações na relação entre Estado e Sociedade Civil, que permitem reconhecer um período de transição para um ambientalismo

democrático, com aumento na participação política e atuação pública, além de

reconhecimento por parte do Estado da importância que os movimentos sociais conquistaram perante a sociedade; 3 – a complexidade dos riscos, com as mudanças climáticas e a degradação ambiental, necessitam da governança multiatores, quando não basta o Estado, por isso a sociedade civil e demais atores conquistaram seu espaço de atuação.

A cada nova descoberta, uma certeza: um gigante começava a se desvendar sobre os meus olhos, e suas relações, tão camufladas, começavam a fazer sentido. Estudar a China não é apenas exótico, é essencial, ainda mais quando

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tratamos de mudanças climáticas e impactos ambientais. Afinal a China, hoje, já é o maior emissor de gases de efeito estufa e suas ações repercutem diretamente no mundo todo. Além disso, o país possui 20 das 30 cidades mais poluídas do mundo (GRUNOW; HEBERER, 2011; IEA, 2015). Numa geopolítica conturbada, na qual os Estados Unidos, sob direção do Presidente Donald Trump, se afastam das negociações internacionais e negam as mudanças climáticas, a China conquista o papel de ator principal nessas negociações, e tem se esforçado, ao longo da última década, para implementar políticas efetivas e alcançar seus planos estabelecidos (FERREIRA, 2017; BARBI, 2015; BARBI; FERREIRA, 2016).

Para compreender as mudanças na condução das políticas ambientais e no papel desempenhado pelas ONGs ambientais, abordarei no capítulo 2 a problemática ambiental chinesa e o início da atuação das ONGs ambientais. No capítulo 3 apresentarei as novas legislações ambientais e a atuação mais recente das ONGs ambientais – a partir dos anos 2000. No capítulo 4 tratarei das recentes ONGs voltadas, especificamente, para as mudanças climáticas, identificando como elas atuam, como compreendem a problemática, o papel do Estado perante essa atuação e a relação dialética que se estabelece entre as ONGs e as esferas políticas. Por fim, nas considerações finais retomarei alguns conceitos fundamentais trabalhados ao longo da tese, como ambientalismo autoritário, ambientalismo democrático e governança multiatores, buscando pontuar as contribuições inéditas dessa tese.

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INTRODUÇÃO

A China Contemporânea

Para compreender a China contemporânea, acompanhar as decisões atuais e a maneira como o Estado e a Sociedade Civil se relacionaram nos últimos trinta anos, é preciso reconhecer as profundas transformações políticas, econômicas e sociais ocorridas em solo chinês, a partir de 1978.

Após quase 30 anos da vitória comunista na Revolução de 1949, conduzida por Mao Zedong4, foi preciso repensar estratégias políticas, equacionar economia e

crescimento, objetivando a conquista de um novo momento histórico, responsável por transformar a China em uma nova superpotência mundial.

O fracasso da Revolução Cultural (1966-1976) podia ser sentido em várias esferas: na política, com caos e destruição no interior do Partido; na economia, com forte recessão e estagnação econômica; no fracasso do modelo stalinista de controle estatal; no questionamento ao modelo de coletivização de terras; no descontentamento social com os rumos tomados pela Revolução Cultural e na falta de crença no socialismo. Em 1976 temos a morte de Mao Zedong, culminando a necessária sucessão no poder, que já vinha sendo cogitada desde o início da década de 1970, quando forças opositoras à Gangue dos Quatro5 já se articulavam para

garantir seus postos no interior do partido. Em uma complexa manobra de poder, Deng Xiaoping assume o poder em 1978, sendo o responsável pelo desenvolvimento da China contemporânea.

Quando Deng Xiaoping assumiu o poder, a necessidade de transformações políticas, econômicas e sociais era premente. A China encontrava-se fechada para o mundo, ainda era um país pobre e rural, com um pesado fardo de três décadas

4 Usaremos o sistema de romanização Pin Yin, adotado desde 1982, como o modelo padrão para o

chinês moderno.

5 A chamada Gangue dos Quatro é o grupo responsável pela implementação da Revolução Cultural,

formado por Jiang Qing (esposa de Mao Zedong), Zhang Chunqiao, Wan Hongwen e Yao Wenyuan. Com o fim da Revolução Cultural foram condenados pelos excessos praticados. Jiang Qing e Zhan Chunqiao foram condenados à morte, com penas comutadas para prisão perpétua, e Yao Wenyuan e Wang Hongwen foram condenados a vinte anos de prisão (SPENCER, 1995; HSÜ, 2000).

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orientada pela política maoísta, que esfacelou a economia nacional6. Ainda que o

período pós 1949 tenha conquistado alguns avanços, como expansão da rede de energia elétrica, expansão do ensino primário em áreas rurais, avanço nas indústrias pesadas, a China se encontrava muito distante de uma inserção na economia globalizada (CHANG, 1991).

De maneira diferente do que ocorreu na antiga União Soviética, exemplo seguido pela China nos primeiros anos após 1949, as transformações da década de 1980 são vagarosas, cumprindo diversas etapas previstas e calculadas, possibilitando a melhoria de vida da população e um significativo incremento na produção agrícola e industrial (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008).

O comando político oficializou a adoção de reformas econômicas em 1978, com o intuito de promover um grande crescimento econômico, mas sem alterar as bases da política, isso é, sem que o Partido Comunista saísse do poder. Chamado de Plano das Quatro Modernizações, visava tornar a China uma grande potência mundial, a partir do desenvolvimento da agricultura, da indústria, da defesa e da ciência e tecnologia, estimulando a reinserção internacional (GAMER, 1999; LEITE, 2013). Deng Xiaoping afirmou que o objetivo era quadruplicar o PIB, além de absorver os investimentos estrangeiros, a tecnologia e a ciência, abrindo a China para o mundo, com a chamada política de portas abertas (HSÜ, 2000). Houve uma completa virada política em relação aos anos maoístas, que manteve a China isolada. Deng defendia abertamente a impossibilidade de se desenvolver sem se relacionar com os demais países, a modernização demandava as relações entre Estados, a partir de trocas comerciais, científicas e tecnológicas. Entretanto, tais trocas não deveriam permitir a influência cultural e de valores ocidentais, pois temia-se que o poderio do Partido ficasse abalado.

O setor industrial, no plano das quatro modernizações, ficou responsável por desenvolver mais de 120 grandes projetos, nas áreas de ferro, óleo, gás, estações de energia elétrica, minas de carvão, metais não ferrosos, responsáveis por fornecerem a matéria prima necessária para o enorme crescimento chinês planejado já em 1976, durante o 5º Congresso Nacional. A estimativa era de aumentar a

6 Esse período histórico foi abordado na tese de Lisandra Zago, pesquisadora do LABGEC. Ver: ZAGO,

Lisandra. Estratégias político-econômicas chinesas e suas consequências socioambientais: uma

análise do período entre Mao Zedong a Deng Xiaoping. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) –

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produção de ferro de 60 milhões de toneladas em 1985 para 180 milhões em 1999; a extração de carvão deveria saltar para 900 milhões de toneladas, praticamente o dobro da média anual da década de 1970; mas entre tantos números grandiosos a expansão da produção de energia elétrica era a menor entre todos os crescimentos previstos pelo plano de modernização. A instalação de novas plantas para produção de energia elétrica deveria aumentar em cerca de 6 a 8 milhões de quilowatts por ano, muito distante do necessário para sustentar um crescimento econômico de 10% ao ano, já ficando claro a necessidade e o estímulo ao consumo do carvão (HSÜ, 2000).

Num primeiro momento, os reformadores efetuaram uma descentralização dos poderes de iniciativa econômica e protegeram sistemas socioeconômicos internos com uma delimitação tanto geográfica como setorial das experiências das reformas, que tomaram como modelo os pequenos dragões asiáticos, o Japão e o Ocidente. Essa foi a fase das zonas econômicas especiais (SANJUAN, 2009, p. 11).

Já a modernização científica, outro pilar do plano de Deng Xiaoping, visava estimular a troca de conhecimentos e produções científicas da China com diversos países, além de incentivar a formação acadêmica, aumentando o número de intelectuais, pesquisadores e cientistas capacitados para fundarem novos centros de pesquisa, integrados por um sistema nacional de pesquisa científica e tecnológica.

O setor militar, que contava com um grandioso número de membros das forças armadas, necessitava de urgente modernização, pois apesar de ser o maior poderio mundial em termos numéricos, contava com uma estrutura e tecnologia antiga, ainda calcada nas indústrias bélicas inspiradas pela União Soviética na década de 1950. Tal atualização tecnológica das forças armadas custou em torno de 33 bilhões de dólares, estimativa feita por países ocidentais, já que o governo chinês não divulgou o valor na época. Entretanto, ao menos 330 bilhões de dólares seriam necessários para uma completa atualização e modernização das forças armadas, custo excessivamente alto para um momento em que tantos outros investimentos estatais eram mais necessários (HSÜ, 2000; GAMER, 1999).

Ao lado dessas áreas, a reforma ocorrida no campo foi o principal fator para uma série de mudanças econômicas e sociais experimentadas pela China durante a década de 1980. A transformação se inicia a partir da população rural, que percebendo o esgotamento do modelo de agricultura baseado no sistema de comunas passa a adotar o sistema de responsabilidade familiar, numa transformação endógena que recebeu apoio de Deng Xiaoping após as primeiras experiências bem-sucedidas

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(HUANG, 2008). Com esse sistema a terra é distribuída entre as famílias, que conquistam autonomia para escolher seus métodos de gestão, plantação e colheita. Uma parte da produção é entregue ao Estado, que paga baixos valores em troca. O excedente da produção pode ser vendido ou trocado. Tão simples transformação impactou profundamente a organização econômica e social do país: a possibilidade de venda do excedente cria um mercado consumidor, um mercado de troca e comercialização. Para além disso, já sinaliza a existência de uma organização social capaz de propor alterações nas legislações e modos de produção e comercialização (LEITE, 2013; BARBIERI; ZAGO, 2015).

Esse pequeno mercado que surge passa a estimular o advento de pequenas indústrias e a contratação de mão de obra, afinal, aumentando a produtividade das terras aumenta-se o excedente produzido, colocando mais produtos no recém mercado criado. A população rural torna-se uma população consumidora, comprando produtos e serviços no comércio local, permitindo a circulação econômica e a consolidação de um ciclo consumidor (LEITE, 2013). Inicia-se a produção de bens de consumo de baixo valor, acessível a muitas famílias e também vendido para o mercado internacional, internacionalizando a produção, ao mesmo tempo que permitiu a expansão da mão de obra assalariada e do consumo local.

A possibilidade de comercialização do excedente incentivou o aumento da produtividade, assim como a competitividade entre os produtores e a regulação dos preços dos produtos. Provocou uma completa transformação na dinâmica do campo, não prendendo todos os membros da família ao trabalho no campo, liberando trabalhadores para o emprego nas pequenas empresas que começavam a surgir. Dados indicam (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008) que entre os anos de 1980 e 1986, apesar da redução da população rural, que se deslocava para as cidades, a produção bruta mais que duplicou – efeito direto da política econômica voltada para a agricultura, que conferiu dinamismo e incentivo à produção.

A vida no campo passa a ter melhores condições, com incremento na renda per capita - ainda que a renda per capita anual fosse de 250 dólares, enquanto a renda de um americano chegava a mais de 12 mil dólares (HSÜ, 2000). A pobreza era a regra entre a população rural, mas o dinamismo provocado por essa mudança na estrutura agrária é uma pequena faísca capaz de provocar grandes mudanças no futuro do país.

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Com a modernização do campo e as reformas do mercado, ao longo da década de 1980, houve um intenso processo migratório do campo para a cidade. O ano de 1984 marcou oficialmente a expansão do mercado para as áreas urbanas; assim como nas áreas rurais, as forças do mercado conduziram transformações também nas cidades, impulsionando um novo desenvolvimento econômico responsável por permitir um maior acréscimo na economia urbana na segunda metade da década de 1980, em comparação com a economia rural, que voltava a se estagnar em virtude da ausência de novas reformas e incentivos governamentais.

Ao mesmo tempo em que ocorre um estímulo à economia urbana e rural e à criação de empresas privadas, por outro lado há um enfraquecimento das empresas estatais que ocasiona uma redução na arrecadação pelo governo central. Em contraposição, as esferas locais se fortalecem a partir da aliança com as empresas privadas, aumentando a arrecadação de impostos municipais, beneficiando os funcionários locais (a partir da corrupção), mas também trazendo melhorias para as populações locais. Disso decorre um fortalecimento do poder político e econômico local, que provoca um enfraquecimento no poder central. Ao manter o imposto arrecadado em sua própria região há um maior estímulo ao crescimento, pois é possível visualizar as melhorias que a vinda de empresas causava à região (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008).

O governo cria as Zonas Econômicas Especiais como meio de atrair investimento estrangeiros, oferecendo incentivos fiscais em troca de produção de novas tecnologias e aumento nas exportações. Tais Zonas provocaram intensa urbanização nas áreas ao longo da costa sudeste da China, no delta de Guangdong e no rio Yangzi, atraindo mão-de-obra barata que produzia bens não-duráveis, como vestuários.

Uma economia de mercado efetivamente se consolida, com empresas estrangeiras expandindo suas atividades, empresas privadas aumentando exponencialmente, e consequentemente, o Estado começa a ter menor controle sobre a vida pessoal dos chineses; as escolhas individuais passam a ser possíveis, conferindo flexibilidade à vida pessoal, que se vê cada vez mais autônoma em relação ao Partido.

A década de 1980 vivenciou, graças à abertura comercial ao exterior e ao envio de chineses para outros países, a introdução de ideias políticas e valores ocidentais. Centenas de livros, filmes, músicas e influências por meio da televisão,

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rádio, fax, entraram nos lares chineses e nas rodas de conversas, principalmente nos grandes centros urbanos. Tal fenômeno se intensifica na década de 1990, quando novas tecnologias de comunicação expandem as áreas de influência para a área rural, levando novas perspectivas aos chineses que habitavam locais longe dos centros urbanos (DAVIS, 2010).

Nos últimos anos da década de 1980 fica nítida a influência de valores e culturas ocidentais, perceptível nas manifestações de estudantes, no questionamento ideológico, na crise da legitimidade do Partido e dos ideais socialistas, com diminuição na capacidade de liderança (HSÜ, 2000). O episódio da Praça da Paz Celestial, que teve repercussão internacional em 1989, é um exemplo significativo do que estava acontecendo na China, conforme veremos no capítulo 1. Ao mesmo tempo em que a insegurança pelo presente dominava as diversas camadas da população, ideias positivas e políticas governamentais incentivavam uma visão idílica de futuro, com a modernidade resolvendo os conflitos existentes.

O crescimento econômico e o dinamismo que a sociedade conquistava tornou possível maior expressão intelectual, cultural e individual, e Deng Xiaoping não reprimiu tal acontecimento. Diferentemente do período de Mao Zedong houve uma diminuição no controle do Partido sobre a vida pessoal, social, cultural e sobre as atividades econômicas, porém, mantendo o controle na área política e fortalecendo a política do filho único (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008). As ideologias oficiais deixam de ser as únicas possíveis, e há um crescente número de chineses em busca de uma religião, seja o catolicismo, o protestantismo, daoísmo ou budismo. Novas práticas filosóficas e religiosas são permitidas, possibilitando pela primeira vez após 1949, a manifestação das crenças e valores individuais, sem a interferência e orientação do Partido comunista. Tal cenário é fundamental para o surgimento da sociedade civil, objeto a ser estudado no capítulo 1 dessa tese.

As cidades passam a ser o locus privilegiado de desenvolvimento e recomposição da sociedade chinesa, acompanhada pelas novas estratificações sociais, grandes prédios, intensa atividade industrial, com profundas alterações nas unidades de trabalho, que trazem novos problemas à sociedade: os riscos do desemprego, das doenças, da velhice, novas formas de desigualdades e injustiças. Novos contrastes se evidenciam: megalópoles se desenvolvem e permitem o surgimento de níveis e estilos de vida semelhantes aos dos países da Europa; há uma elevação no nível de instrução da população mais jovem; as universidades crescem e

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melhoram muito, tornando-se novos pólos de ensino e pesquisa adequados aos desafios internacionais. Ao mesmo tempo, as zonas rurais não acompanham tal desenvolvimento no mesmo ritmo. As áreas rurais próximas aos grandes centros urbanos foram incorporadas às cidades, mas as áreas distantes seguem à periferia do desenvolvimento: poucos serviços sociais, escassa rede de transporte, poucas escolas, baseadas numa agricultura de base, num claro exemplo de modernização desigual (SANJUAN, 2009).

China e Sociedade de Risco

A intensa transformação social vivenciada a partir da década de 1980 foi conduzida a partir de três forças principais: desenvolvimento econômico (vinculado ao incremento da manufatura, do setor de serviços e da urbanização), transição econômica (do modelo socialista planificado para a economia de mercado) e globalização (integração econômica da China com outros mercados, influenciando a vida social) (ALPERMANN, 2011).

Novas significações foram conferidas às estruturas sociais, modos de organização, com uma nova reestruturação da sociedade como um todo. Para entender a profundidade dessas transformações, diversos analistas buscam reconhecer a existência de uma modernização comprimida, fenômeno no qual mudanças típicas da primeira modernidade e da segunda modernidade ocorrem concomitantemente, em um curto período de tempo (BECK; GRANDE, 2010; HAN; SHIM, 2010). Tal fenômeno é identificado no leste asiático, em países como Japão, Coréia do Sul e China, que foram diretamente influenciados por uma tendência global ao desenvolvimento da segunda modernidade, a partir da década de 1960, sem que houvessem vivenciados plenamente a primeira modernidade. De certa forma todas as sociedades de desenvolvimento tardias foram, de alguma maneira, locais de ocorrência de uma modernidade comprimida, ainda que experienciada de maneiras distintas (CHANG, 2010).

Segundo definição de Kyung-Sup Chang (2010),

A modernidade comprimida é uma condição civilizadora na qual as mudanças econômicas, políticas, sociais e/ou culturais ocorrem de uma maneira extremamente condensada em termos de tempo e espaço, e em que a coexistência dinâmica de elementos históricos e sociais mutuamente díspares levam à construção e reconstrução de um sistema social altamente

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complexo e fluido. A modernidade comprimida (...) pode ser manifestada em

vários níveis de existência humana – isto é, na vida pessoal, família,

organizações, espaços urbanos, unidades sociais (incluindo sociedade civil, nação, etc), e, sobretudo na sociedade global. Em cada um desses níveis, a vida das pessoas precisa ser gerenciada de forma intensa, intrincada e flexível para permanecer normalmente integrada com o resto da sociedade (CHANG, 2010, p. 6, tradução minha).

A primeira modernidade é característica da sociedade industrial europeia e há uma forte estrutura social que protege os indivíduos dos riscos, a partir da existência da família, da religião, do welfare state. As diversas instituições são fortalecidas e com isso há uma forte confiança no progresso e no desenvolvimento científico e tecnológico. A primeira modernidade marcou um novo período no qual os sistemas de produção se diferenciaram fundamentalmente dos sistemas preexistentes, permitindo expansão da produção e acumulação de riqueza, a partir de uma alta taxa de inovação tecnológica (GIDDENS, 2005).

Modernização significa o salto tecnológico de racionalização e a transformação do trabalho e da organização, (...) a mudança dos caracteres sociais e das biografias padrão, dos estilos e formas de vida, das estruturas de poder e controle, das formas políticas de opressão e participação, das concepções de realidade e das normas cognitivas (BECK, 2010, p. 23).

A primeira modernidade é marcada pela desincorporação sucedida pela reincorporação de formas tradicionais pelas estruturas sociais industriais (BECK, 1997), no qual o pensamento religioso e tradicional é substituído pela razão instrumental, pela crença na ciência, numa constante busca pela ordem e pelo progresso (BAUMAN, 1999). Nesse momento, o sistema produz auto-ameaças, mas essas não se tornam questões públicas ou produtoras de conflitos políticos (BECK, 1997).

A segunda modernidade, a modernização da modernização (BECK, 1997), surge como uma consequência da radicalização da primeira modernidade, a partir da dinamização do desenvolvimento alcançado. Ela destrói os padrões da primeira modernidade e cria novos padrões, a partir de uma reinvenção da modernidade. Ela representa “a vitória da modernização ocidental” (BECK, 1997, p. 12) que se expande por todo o mundo com a globalização.

Tal radicalização da modernidade promove uma reconfiguração institucional, a partir da ruptura com os padrões da primeira modernidade. As instituições da modernidade, como a família e o Estado, se enfraquecem e não

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conseguem mais proteger os indivíduos (HAN; SHIM, 2010). O desenvolvimento científico e tecnológico passa a criar novos riscos e alcança-se um ponto de não retorno na relação homem-natureza (BECK, 1997). A utilização desenfreada dos recursos naturais, a partir da Revolução Industrial, impõe a impossibilidade de se retornar ao estado natural do planeta.

Se a primeira modernidade é característica da sociedade industrial, a segunda modernidade é marcada pela sociedade de risco. Conceito central na obra de Ulrich Beck, o risco é fruto dos avanços científicos, que geram não apenas benefícios, mas também novas situações de risco. As inovações tecnológicas e científicas produzem efeitos colaterais negativos e cada vez mais complexos (BECK, 1997), fazendo com que o poder do progresso seja cada vez mais ofuscado pela produção de riscos e de potenciais autoameaças até então desconhecidas (BECK, 2010). O risco torna-se um elemento global, uma ameaça que pode atingir a todos e que pode promover uma possível autodestruição da vida humana na Terra.

Por conta da complexidade, da natureza dos riscos e das estruturas sociais da segunda modernidade, os riscos são cada vez mais abrangentes e globalizados, tornando-se imprevisíveis, com uma espacialidade e temporalidade que não se restringe mais às fronteiras geopolíticas nacionais. Além disso, pode-se dizer que os riscos são institucionalmente fabricados e muitas vezes são invisíveis e incalculáveis. Conforme Beck (2010), os riscos “contém uma tendência globalizante que tanto se estende à produção e reprodução como atravessa fronteiras nacionais, e, nesse sentido, com um novo tipo de dinâmica social e política, faz surgir ameaças globais

supranacionais e independentes de classe” (BECK, 2010, p. 16).

Temos, dessa forma, a modernização produzindo os riscos - “modernização como causa, dano como efeito colateral” (BECK, 2010, p. 37). A radicalização dessa modernidade e o aumento exponencial dos riscos geram então a reflexividade – a modernidade reflexiva. Os novos riscos da modernidade reflexiva são variados: mudanças climáticas, destruição ecológica, desigualdade econômica, desemprego, pandemias globais (BECK, 2010). A partir da reflexividade, que se diferencia da mera reflexão por não ser individual e consciente, coletivamente há o reconhecimento das deficiências do desenvolvimento e suas consequências. Os riscos possuem um componente futuro, eles estão diretamente relacionados com a antecipação das destruições que ainda não ocorreram, mas que são previstas. A reflexividade propõe a autoconfrontação e a crítica, a partir da imaginação dos danos

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no futuro e a luta por aquilo que deve ser evitado, e como resultado temos o estímulo à individualização e à quebra das instituições modernas. “Na sociedade do risco, o passado deixa de ter força determinante em relação ao presente. Em seu lugar entra o futuro” (BECK, 2010, p. 40).

A emergência dos riscos abala a crença nas instituições tradicionais, e surge a necessidade de os indivíduos assumirem sua própria biografia afinal, na modernidade reflexiva, eles se desconectam de estruturas coletivas, como a família e o estado-nação. A individualização impõe a necessidade de os sujeitos serem responsabilizados por seus atos, afinal, a estrutura social não mais protege os indivíduos dos riscos, como acontecia na primeira modernidade (HAN; SHIM, 2010).

As formas radicalizadas de dinâmicas da modernização produzem, então, a individualização, o risco e a cosmopolitização. Esta última refere-se ao reconhecimento da interdependência existente entre os seres humanos que habitam as diversas partes do planeta. O risco civilizacional demanda uma solução integradora e a necessidade de superar as barreiras físicas e políticas dos países – uma solução cosmopolita.

A cosmopolitização é uma resposta à imprevisibilidade dos riscos, que estimulam respostas morais e políticas que devem transcender as barreiras nacionais e os conflitos nacionais (BECK; DENG; SHEN, 2010). Assim, conforme sua definição originária na filosofia grega, cosmopolitização significa que o indivíduo deixa de ser cidadão da polis e passa a ser cidadão do mundo. Tal processo é fundamental para se enfrentarem os novos desafios da segunda modernidade, que demandam governança global e interconexões transnacionais (HAN; SHIM, 2010).

O framework teórico da Sociedade de Risco de Ulrich Beck, assim como as proposições teóricas formuladas por Ferreira (2017; 2018), Ferreira e Barbi (2012) e Barbi (2015), acompanharão o desenvolvimento dessa tese, afinal, é possível reconhecermos que a China vivencia o processo de modernização comprimida a partir do final da década de 1970.

A presença de um forte Estado burocrático autoritário, responsável por promover um elevado crescimento econômico, intensificou inúmeros riscos, que se agravaram em virtude da coexistência de riscos típicos da sociedade tradicional, da sociedade moderna e da sociedade pós-moderna. Os riscos produzidos são condensados na escala temporal e a diversidade de riscos gera maior complexidade e heterogeneidade. Riscos como desigualdade social e falta de democracia, típicos

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da primeira modernidade e que já foram, de certa maneira, resolvidos nos países ocidentais, coexistem com os riscos ambientais, que são intensificados em virtude do apressado desenvolvimento, que gera maiores efeitos colaterais. Ademais, a rápida modernização não propicia as habilidades necessárias para controlar os riscos iminentes (HAN; SHIM, 2010).

A utilização de tal aparato teórico para compreender a realidade chinesa leva-nos, necessariamente, a confrontar uma crítica muito comum à obra de Ulrich Beck: nos textos iniciais desse autor há uma forte tendência em lidar apenas com a experiência europeia de modernização (principalmente a partir da Alemanha Ocidental), que o leva a preconizar a existência de um padrão único de modernidade, baseado na realidade ocidental/europeia (CALHOUM, 2010).

Entretanto, os últimos anos de sua vida foram voltados, em grande parte, em compreender a diversidade de modernidades, com clara aproximação e interesse ao que acontecia no Oriente, especialmente na China e Coréia do Sul.

Em Chinesische Bastelbriographie? Variationen der Individualisierung in

kosmopolitischer Perspektivec Beck e Beck-Gernsheim (2010) apresentam tipologias

de modernidades: as diferentes formas de integração social associadas a diferenças históricas geram quatro tipos de modernidade e individualização. (1) Modernidade Europeia, (2) Modernidade Americana, (3) Modernidade Chinesa, (4) Modernidade Islâmica. Essas variantes de modernidades baseiam-se em papéis distintos que o Estado assume, assim como o indivíduo, alterando o funcionamento das estruturas sociais. Entretanto, os autores destacam que há outras experiências híbridas, que unem características de mais de um desses tipos.

A noção de sociedade de risco incorpora essas diferenciações e variedades históricas de modernidades, porém, como ela abarca a noção de cosmopolitismo, de globalização, ela é pensada como fenômeno global. Dessa forma, a modernização reflexiva, ainda que no local adquira características particulares, ritmos e caminhos diversos, trata-se de um acontecimento que atinge a todos do planeta, em maior ou menor grau, validando, dessa forma, a utilização de sociedade de risco para compreender as transformações da China.

Conforme enunciado anteriormente, essa tese dedica-se a investigar a atuação da sociedade civil na China contemporânea, a partir da dimensão ambiental. Tal atuação está diretamente vinculada ao desenvolvimento da chamada subpolítica

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enfraquecimento das instituições políticas tradicionais, agentes que não fazem parte do sistema político formal passam a atuar e a interferir na política formal de maneira mais direta, a partir da inserção de questões reflexivas no debate público e também no debate político formal (SÁ, 2010). É uma nova forma de se fazer política, a partir de um desdobramento não-institucional do político, típico da modernização reflexiva, que incorpora novos atores sociais a partir de uma nova cultura política (BECK, 1997; BECK, 2010).

Subpolítica, então, significa moldar a sociedade de baixo para cima. No despertar da subpolitização há oportunidades crescentes de se ter uma voz e uma participação no arranjo da sociedade para grupos que até então não estavam envolvidos na tecnificação essencial e no processo de industrialização: os cidadãos, a esfera pública, os movimentos sociais, os grupos especializados, os trabalhadores no local de trabalho (BECK, 1997, p.35).

Dessa forma, iremos percorrer nessa tese o delinear do surgimento e desenvolvimento da subpolítica híbrida em atuação na China, a partir da existência de organizações que visam atuar diretamente em dois dos riscos mais significativos da segunda modernidade: o risco ecológico e as mudanças climáticas.

Questão ambiental e governança na China

A problemática ambiental na China se intensificou a partir da década de 1980, em virtude do intenso crescimento econômico incentivado pelo Plano das Quatro Modernizações, proposto por Deng Xiaoping. Tal plano objetivava atingir a agricultura, a indústria, a defesa e a ciência e tecnologia, estimulando a reinserção internacional (GAMER, 1999; LEITE, 2013), de forma a tornar a China uma grande potência mundial até 2050. Deng Xiaoping afirmou que o objetivo era quadruplicar o PIB, além de absorver os investimentos estrangeiros, a tecnologia e a ciência, abrindo a China para o mundo, com a chamada política de portas abertas (HSÜ, 2000).

Para obter tal crescimento econômico foi necessário aumentar exponencialmente o consumo de carvão, a principal matriz energética da China, e responsável por boa parte das emissões de gases de efeito estufa (LIU, 2015). O que observamos ao longo da década de 1980 é o incremento nas emissões desses gases,

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