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Surgimento e desenvolvimento das ONGs ambientais (década de 1990) – uma reconstrução histórica

Nesse capítulo será abordada, inicialmente, a problemática da questão ambiental na China. As transformações econômicas e sociais analisadas no capítulo 1 fizeram com que houvesse uma intensificação no uso dos recursos naturais, além do aumento da poluição atmosférica, contaminação de rios e solos, aumento na produção de lixo e aumento no consumo de carvão.

Tal situação torna-se visível no início da década de 1990. Após a promulgação de novas regulamentações referentes ao ambiente tornou-se claro que o Estado é incapaz de gerir sozinho os problemas ambientais evidentes que a China vivenciava. Impulsionadas por esse contexto e por ONGs internacionais, diversas ONGs ambientais surgem nos anos 1990, como é o caso da Friends of Nature, com o objetivo inicial de promover a educação ambiental, formando novos cidadãos com consciência ambiental, que permita usar adequadamente os recursos naturais, diminuindo desperdício e poluição.

Uma reconstrução histórica do desenvolvimento dessas ONGs ambientais nos permitirá vislumbrar a maneira como se mobilizavam, quais atores estavam envolvidos, como se relacionavam com o Estado. As campanhas ambientais e as GONGOs também serão apresentadas ao longo desse capítulo.

2.1 A intensificação da problemática ambiental na China

Ao longo da história da China temos a presença de problemas ambientais impactando diretamente a vida humana e sua organização social. Naturalmente o ambiente se modifica e enfrenta diversos fenômenos, como ocorrência de inundações, terremotos, tornados, entretanto pode-se afirmar que a ação humana tem intensificado a ocorrência desses problemas (IPCC, 2018).

Um exemplo dessa intensificação é a ocorrência de inundações no Rio Yangtze. Durante a Dinastia Qing (1644 – 1911) ocorria uma vez a cada década; entre 1921 e 1949 passou a ocorrer a cada 6 anos (em média); na década de 1980 a cada 2 anos; e a partir dos anos 1990 passou a ser um fenômeno anual (ZABIELSKIS,

2014). As alterações no uso do solo, construções, expansão das áreas urbanas, impermeabilização do solo são alguns dos fatores responsáveis por alterar a periodicidade das inundações.

Conforme afirma Lisandra Zago (2017), a vulnerabilidade da China aos desastres naturais não é restrita às últimas décadas:

A China sempre foi vulnerável a desastres naturais, como: epidemias, secas, enchentes, inundações, sismos, terremotos, tufões, furacões, tempestades de neve e areia. A fome era um risco constante, e para alimentar a população era necessário o desmatamento para a agricultura, mas como visto na introdução, a agricultura não foi a única causa de desmatamentos [...]. Do desmatamento, a erosão e a consequente enchente e/ou inundação, que arrastavam consigo minerais e matéria orgânia, lavando os nutrientes do solo, se não a própria plantação e, novamente, havia fome. Comunidades mudavam de lugar, abriam floresta para a plantação e o ciclo se repetia, além do intenso manejo socioambiental para a construção da Grande Muralha. Enfim, a maior população mundial vem sofrendo há muito tempo com os impactos socioambientais, todas as dinastias entendiam essa vulnerabilidade e a necessidade concomitante de manter a base agrícola da China e “controlar” o Yantze e o Huang He (ZAGO, 2017, p. 246).

As mudanças socioeconômicas vivenciadas a partir da segunda metade do século XX trouxeram novos desafios à administração política do país. O forte crescimento populacional, o aumento da demanda por alimentos, as políticas econômicas de desenvolvimento industrial, somados à expansão do desmatamento, aumento da erosão e enchentes, provocaram fortes impactos ao ambiente, entretanto, na visão de Mao Zedong os problemas ambientais eram fenômenos temporários que seriam resolvidos a partir do avanço da ciência e tecnologia (ZABIELSKIS, 2014). O líder chinês defendia a necessidade de domínio da natureza, lançando campanhas como “a luta contra os quatro males”, que dizimou a população de ratos, pardais, moscas e pernilongos, alterando profundamente o equilíbrio do ecossistema local (ZAGO, 2017).

O período maoísta, que antecede o período de abertura e reforma, é marcado pela visão de que os problemas ambientais eram típicos do capitalismo, e por isso não incluía esses problemas como pauta governamental. Os anos seguintes à morte de Mao Zedong deixam claro que problemas pequenos e locais, mudanças ambientais pontuais, podem se acumular e se transformar num enorme problema, com diversas consequências para a localidade, mas também para o país e o planeta como um todo (ZABIELSKIS, 2014). O legado histórico do período de Mao é marcado pelos efeitos cumulativos da destruição ambiental, pela pressão populacional e pela

gestão econômica ineficaz. “[...] sob a ideologia de “batalhar com o céu e a terra”, o ambiente foi descaradamente ignorado, abusado e destruído pelas políticas do governo comunista na tentativa declarada de construir o socialismo” (KASSIOLA; GUO, 2011, p. 28, tradução minha).

As questões ambientais não são limitadas pelas demarcações geopolíticas, logo a poluição do ar e da água na China, a construção de barragens, o consumo de recursos, têm impacto profundo em todo o mundo. O que a China faz afeta a mudança climática global, o esgotamento da camada de ozônio, a perda da biodiversidade, a desertificação, a chuva ácida, os preços das commodities, a pesca, a vida selvagem, e mais diversos outros aspectos ambientais do globo (SHAPIRO, 2012; FERREIRA, 2017).

Plano das Quatro Modernizações e os impactos ambientais: a questão energética

As mudanças advindas com a implementação do Plano das Quatro Modernizações a partir do final da década de 1970 são responsáveis por uma série de graves consequências ambientais em toda a China. Conforme visto no capítulo 1 houve a intensificação da produção de mercadoria, expansão das cidades, aumento do consumo, inserção da China no mercado internacional (com exportação de bens de baixo valor agregado). Essas mudanças provocaram uma dramática erosão da qualidade ambiental, apesar de esforços governamentais terem sido feitos de maneira a minimizar esses impactos (ver item 2.2).

Como resultado de uma nova reorganização social que conjugava mercado e Estado, produção e lucro, consumo e sucesso, e um sucessivo crescimento do poder das localidades, que gozavam de fortes incentivos para seu desenvolvimento econômico a qualquer custo, burlando as coordenadas do governo central em benefício próprio, a China vivenciou sucessivos anos com forte crescimento econômico – diretamente acompanhado pelo aumento da demanda de recursos naturais e energéticos para suprir essa expansão da economia (JAHIEL, 1997).

O gráfico abaixo mostra a evolução do crescimento do PIB nos últimos 40 anos. Na década de 1980 o PIB se expandia em média 10% ao ano, enquanto na década atual está ocorrendo uma diminuição no ritmo de crescimento, com média de 6,5% a 7% ao ano.

Gráfico 2: Produto interno bruto (PIB) da China (1978-2016)

Fonte: elaboração própria a partir de dados dos Indicadores de Desenvolvimento Mundial16

Acompanhando o crescimento econômico temos uma série de outros indicativos, como: consumo energético, PIB per capita, urbanização, emissão de poluentes, produção de lixo. Todos esses indicadores apresentam uma curva crescente, com significativo aumento a partir da década de 2000. No gráfico 3 temos a evolução da emissão de dióxido de carbono (CO2) na China. Essa emissão é

significativa, afinal o CO2 é um subproduto da queima de combustíveis fósseis e da

biomassa, além de também ser emitido a partir de mudanças no uso da terra e outros processos industriais, como a produção de cimento. É o principal gás de efeito estufa antropogênico que afeta o equilíbrio radiativo da Terra. A queima de combustíveis baseados em carbono, desde a revolução industrial, aumentou rapidamente as concentrações de dióxido de carbono atmosférico, aumentando a taxa de aquecimento global, causando Alterações Climáticas. É também uma importante fonte de acidificação oceânica, uma vez que se dissolve em água para formar ácido carbônico (WORLD BANK, 2018).

16 Disponível em http://databank.worldbank.org 0 2 4 6 8 10 12 14 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 Tril h õe s d e d ólare s PIB 0 2 4 6 8 10 12 14 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 Tril h õe s d e d ólare s PIB

Gráfico 3: Emissão de CO2 (tonelada métrica per capita) na China (1978-2014)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos Indicadores de desenvolvimento mundial17.

Atualmente a China é o maior consumidor mundial de energia e também maior emissor de CO2, responsável por 30% das emissões globais. Um dos desafios

apresentados é a compilação de dados capazes de estimarem essas emissões com precisão, visto que a China não divulga oficialmente dados de emissões anuais, sendo essas emissões estimadas por institutos de pesquisas e centro universitários, havendo grandes discrepâncias entre eles (SHAN et al., 2018).

O governo chinês publicou inventário nacional de emissões apenas em 1994, 2005 e 2012, mas, de qualquer forma, é inegável a gigantesca emissão, que apresenta um crescimento constante e lento no período entre 1980-2002, conforme demonstra o gráfico acima, mas se intensifica a partir de 2002, ano em que o país ingressou na Organização Mundial de Comércio (OMC)18, e a fabricação de bens para

17 Disponível em http://databank.worldbank.org

18 A China tornou-se membro da OMC em dezembro de 2001, após 15 anos de negociação. A aceitação

da China como membro da OMC foi condicionada pelo cumprimento às normas da OMC relativas ao meio ambiente. O Acordo de Marrakesh estipula: “os membros da OMC devem reconhecer que as suas relações no domínio do comércio e dos esforços econômicos devem ser conduzidas com o objetivo de elevar os padrões de vida, [...] permitindo ao mesmo tempo utilização otimizada dos recursos do mundo, de acordo com o objetivo de desenvolvimento sustentável, buscando tanto proteger e preservar o meio ambiente quanto os meios para fazê-lo”. Ver: Yang, Wanhua.Environmental provisions in the WTO Agreements and their implications for China as a member. Review of European Community & International Environmental Law, v. 11, n. 3, 2002.

0 1 2 3 4 5 6 7 8 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 to n elad as m étrica s p er cap ita anos

Emissão de CO2 (tonelada métrica per capita) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 to n elad as m étrica s p er cap ita anos

exportação expandiu rapidamente. No período entre 2002 e 2007, o incremento das emissões ficou em pouco mais de 13% ao ano, sendo que em 2007 a China assumiu a liderança no volume de emissões (SHAN et al., 2018; BEASLEY, 2014).

A queima do carvão, principal fonte energética da China, ainda é responsável por aproximadamente 68% da energia primária, sendo o mais importante poluidor da atmosfera. Comparado a outros combustíveis fósseis, como o petróleo e o gás natural, o carvão possui o menor rendimento em termos energéticos e é o mais poluente - para produzir uma mesma quantidade de energia a queima do carvão emite o dobro de CO2 que o gás natural. Ele polui em todas as fases do seu ciclo, desde a

extração, passando pelo transporte, pela lavagem, queima, rejeitos, contaminando o ar, o solo, a água (MARQUES, 2015).

O consumo de carvão pela China representava, em 2011, 47% do consumo global. Desde 1986 o país é o maior consumidor do mundo (SHIFFLETT et al., 2015). Foi na década de 1970 que o carvão se tornou estratégico para o crescimento chinês. Com a crise internacional do petróleo em 1973, com poucas reservas nacionais, a opção pelo carvão mostrou-se o melhor caminho para suprir as demandas energéticas do momento. Investiu-se muito em infraestrutura e produção de carvão, sustentando um crescimento econômico às custas do meio ambiente e da saúde pública, conforme Basso e Viola afirmam (2014).

Nos anos 1980 e 1990 o crescimento econômico, a expansão do consumo interno e o boom das exportações se basearam quase que exclusivamente na energia gerada pelo carvão, logo a política energética chinesa se preocupava apenas com a oferta e demanda de energia, não havendo indícios de transição energética e estímulo para o desenvolvimento de novas fontes (MARIA, 2017).

Segundo Boyd (2012), nos anos 1980 e 1990, a frase ‘primeiro desenvolvimento; depois meio ambiente; primeiro poluir, depois limpar’ se encaixava perfeitamente na realidade chinesa que subordinava totalmente as questões ambientais ao crescimento econômico e não suscitava nenhuma preocupação ou ação do governo chinês, no entanto, assim como a conservação de energia passou a ter destaque a partir do 11º Plano Quinquenal, a questão ambiental passou a figurar no planejamento de longo- prazo do governo. Duas razões principais estão ligadas a essa mudança de postura: a pressão internacional e as consequências ambientais desastrosas do padrão de crescimento intensivo em carbono (MARIA, 2017, p. 151, tradução minha).

Apesar do reconhecimento dos malefícios do carvão e das políticas ambientais recentes, principalmente com o 11º plano quinquenal (2006 - 2010) que

incitava a construção de uma sociedade harmoniosa, em 2007 “a China construiu, por semana, duas usinas termelétricas movidas a carvão com capacidade equivalente a cerca de 500 MV. Cada uma dessas usinas de 500MV gera por ano três milhões de toneladas de dióxido de carbono” (MARQUES, 2015, p. 262). Em 2013 foram aprovadas novas construções de minas de carvão, injetando 860 milhões de toneladas a mais de carvão, até 2015 (MARQUES, 2015).

O resultado desse intenso uso do carvão foram os índices altíssimos de poluição, que atingiram seu auge entre 2013 e 2015, principalmente na região norte do país. Em 2000 a China tinha 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo, e dados da SEPA (State Environmental Protection Administration) indicaram que 200 das 300 grandes cidades apresentavam índices de qualidade do ar abaixo dos níveis considerados seguros (BASSO; VIOLA, 2014).

As consequências dessa poluição são diversas: estima-se em mais de 200 milhões de pessoas com doenças pulmonares ligadas à poluição (BEASLEY, 2014), mais de 1,2 milhão de mortes prematuras anuais por complicações respiratórias, cardiovasculares e cerebrais (ALBERT; XU, 2016), redução da expectativa de vida em áreas mais poluídas (na região norte a expectativa é 5,5 anos mais baixa que ao sul do país) (ALBERT; XU, 2016), ocorrência de chuva ácida, perdas econômicas, intensa degradação ambiental, além das mudanças climáticas, que serão tratadas no capítulo 4.

A situação da poluição atmosférica tornou-se uma preocupação governamental na década de 2000, quando pressões domésticas e internacionais passaram a ameaçar a estabilidade política do país. Uma das discussões refere-se ao aumento das emissões e a necessidade de a China ratificar acordos internacionais a fim de reduzir o volume de emissões. Dois dos pontos defendidos pelos governantes chineses referem-se diretamente ao gráfico e a imagem apresentados a seguir:

Gráfico 4: Emissões per capita (tCO2/pessoa)

Fonte: LIU, 2015

O gráfico acima apresenta as emissões per capita dos maiores emissores globais, mostrando que apesar do crescimento intenso das emissões na China, principalmente a partir de 2002, sua emissão per capita ainda é bem inferior ao de vários outros países. Somado a esse dado os governantes chineses também buscam justificar suas emissões com base nos produtos exportados, isto é, os países consumidores dos bens made in China devem assumir parte da responsabilidade pelas emissões.

Mais de um terço das emissões de CO2 da China em 2007 [...] pode ser

atribuído às suas exportações. [...] A responsabilidade para cada tonelada de

dióxido de carbono é compartilhada entre o país no qual o CO2 é emitido e os

países onde os produtos que o geraram são consumidos. Um trabalho de Jintai Lin, da Universidade de Pequim, mostra que, apenas em 2006: 36% das emissões antropogênicas de dióxido de enxofre, 27% de óxidos de nitrogênio, 22% de monóxido de carbono e 17% de partículas de carvão produzidas na China estavam associadas à produção de bens para exportação (MARQUES, 2015, p. 34).

A imagem a seguir ilustra as emissões que são incorporadas no comércio internacional. Calcula-se que 25% das emissões totais da China estão diretamente relacionadas às exportações. A largura do fluxo representa proporcionalmente o volume incorporado de emissões, e a cor representa a região de produção original.

Por exemplo, o amarelo representa todas as emissões advindas de bens produzidos na China. Os maiores fluxos são da China para os Estados Unidos e União Européia (WILBY, 2017; LIU,2015).

Figura 3: Emissões incorporadas no comércio internacional (em 2013)

Fonte: LIU, 2015.

Com essas informações de emissões per capita, emissões incorporadas aos bens exportados, além da preocupação com a manutenção do crescimento econômico, a China teve, ao longo da década de 2000, uma difícil negociação nos

acordos internacionais, colocando-se como um país em desenvolvimento, sustentando que as mudanças climáticas eram resultados das atividades econômicas dos países desenvolvidos, principalmente Europa e América do Norte, desde a Revolução Industrial (IMURA, 2013). Nesse sentido, posicionou-se defendendo a ideia de “responsabilidades comuns porém diferenciadas”, ou seja, a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos deveria guiar as políticas climáticas, com os países desenvolvidos (representados pelos Estados Unidos) arcando com cortes mais altos nas emissões, enquanto os países em desenvolvimento (representados por China e Índia) se comprometeriam a reduzir as emissões desde que não impactassem em seu desenvolvimento econômico19. Além disso, na COP 21 a China posicionou-se

fortemente a favor dos amplos investimentos em tecnologia e financiamento de projetos pró melhoria do clima vindos de países desenvolvidos, que deveriam firmar parceria com os países em desenvolvimento (LI, 2016). Esse posicionamento da China sofre uma significativa mudança a partir do início da década de 2010, conforme veremos no capítulo 4. Ademais, na década de 2010 a China deixa de ser vista como “fábrica do mundo”, como fornecedora de mercadorias baratas produzidas a partir de mão-de-obra mal paga. Isso faz com que lentamente haja um deslocamento da produção de bens manufaturados e altamente poluentes para outros países, da Ásia e África, o que também pode alterar os volumes de emissões na próxima década (ARCE; LÓPEZ; GUAN, 2016).

A questão da água e do solo

Ao lado da poluição atmosférica a contaminação e escassez da água é outro problema ambiental de grande impacto na China. Nenhum outro recurso é tão importante quanto a água para a China: permite a produção de alimentos, a produção industrial, a geração de energia e a sobrevivência da população.

19 Sobre a atuação na China nos acordos internacionais do Clima, recomendo a leitura da tese de

Jefferson Estevo (Os Riscos e Negociações Climáticas (2009- 2018/9): Os Casos de Brasil e China, políticas domésticas e internacionais), também membro do LABGEC e parceiro no projeto de pesquisa regular “O desafio das mudanças ambientais globais no Antropoceno: ênfase nas questões das dimensões humanas das mudanças climáticas (Brasil, China e Moçambique)” (Processo FAPESP 2017/06347-3).

O problema da escassez vincula-se diretamente às condições naturais e sociais: seus recursos hídricos são mal distribuídos, tanto geográfica quanto sazonalmente; o país possui 19% da população mundial, mas apenas 6% do recurso hídrico (GALL, 2012; SHAPIRO, 2012), tornando compreensível a afirmação de Wen Jiabao, primeiro-ministro chinês no período de 2003 a 2013, sobre a escassez da água enquanto ameaça à sobrevivência da nação chinesa (GALL, 2012). Para além da escassez de água são diversas as causas dos problemas de água na China:

1ª) Desvalorização, desperdício e uso excessivo

2ª) Rápido esgotamento dos grandes reservatórios subterrâneos acumulados ao longo de milhares de anos

3ª) Erosão, desmatamento e assoreamento dos rios 4ª) Deterioração da infraestrutura de irrigação

5ª) Poluição dos rios e lençóis freáticos por resíduos agrícolas, industriais e domésticos (GALL, 2012, p.1, tradução minha).

O rápido esgotamento dos grandes reservatórios subterrâneos evidenciou- se principalmente nas grandes cidades, que vivenciaram um afundamento da terra em pelo menos 2 metros de profundidade, em mais de 50 cidades no norte da China. Beijing, que obtém 2/3 dos recursos hídricos através de dezenas de milhares de poços, sofreu com o afundamento de terras que danificou encanamentos de água e gás, além de atrasar os planos de expansão do metrô. Em Shanghai, a construção de mais de 5000 prédios acima de aquíferos esvaziados provocou afundamento e causou colapso em mais de 7 km de novas vias da rota Shanghai-Beijing (GALL, 2012). Ao lado do intenso esvaziamento dos aquíferos temos a poluição que faz com que apenas 3% dos aquíferos urbanos sejam considerados limpos, uma situação extremamente preocupante, visto que 1/3 do abastecimento hídrico do país é feito a partir dos aquíferos (MARQUES, 2015).

A poluição afeta 75% dos rios e lagos da China e 90% das águas subterrâneas urbanas, 28% dos rios são classificados como pertencentes ao nível cinco, o pior nível numa escala de um a cinco, sendo tão tóxicos que suas águas são impróprias para consumo, agricultura ou processo industrial (SHAPIRO, 2012). Cerca de 4.050.000 de hectares (7,4% da área total) de terras irrigadas utilizam água contaminada (SHIFFLETT et al., 2015). Em 2010 foram estimados que 600 a 700 milhões de pessoas, dependentes do abastecimento de água pelo rio Yangzi, consumiram água contaminada por lixo, animais mortos e esgotos industriais. Relatórios indicam que houve um aumento significativo nos casos de cólera, hepatite,

diarreia e câncer no aparelho digestório, diretamente relacionados à má qualidade da água consumida (BEASLEY, 2014). Só em 2007 houve mais de 800 milhões de casos de diarreia, resultado direto do consumo de água contaminada (BASSO; VIOLA, 2014), além de 60.000 mortes prematuras por ano em decorrência da baixa qualidade da água consumida, e mais de 360 milhões de camponeses sem acesso a água adequada para o consumo humano (ZABIELSKIS, 2014). O geógrafo Lee Liu divulgou em 2010 que ele identificou 459 “cancer villages”, isto é, localidades em que a taxa de ocorrência de câncer é muito maior do que o padrão, em torno de 30 vezes maior que a média nacional. A maioria dessas localidades estão situadas ao redor de rios com altas taxas de contaminação (ECONOMY, 2014).

A poluição hídrica é causada principalmente pelo uso de pesticidas, pela