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Avanços e conquistas do ambientalismo chinês na década de

Os chineses comuns começaram a sentir falta do céu azul, rios limpos, florestas verdes e pássaros. Tragédias devastadoras em minas de carvão tornaram-se notícias regulares na TV. A poluição fez do câncer a principal causa de morte na China. A poluição do ar, sozinha, é responsável por centenas de milhares de mortes todos os anos. Quase 500 milhões de pessoas não têm acesso à água potável segura. A China está sufocando no próprio sucesso. A OMS concluiu que a morte relacionada à poluição agora chegou a 750.000 por ano. Em comparação, 4.700 pessoas morreram nas minas inseguras da China em 2006... a consciência de baixo para cima sobre a necessidade de proteção ambiental contribuiu para a redefinição do que constitui interesse nacional pelo governo. Líderes chineses desenvolveram uma nova maneira de pensar que busca diminuir o chamado PIB ‘preto’ do país... Os líderes da China reconhecem que eles devem mudar de rumo (WEI

apud KASSIOLA; GUO, 2010, p. 1, tradução minha).

Superados os desafios iniciais de constituição das ONGs na década de 1990, os anos 2000 possibilitam o reconhecimento do papel das ONGs ambientais como importante ator na condução das políticas voltadas ao ambiente.

Acompanhando o desenvolvimento das políticas ambientais formuladas pelo governo, as ONGs conquistam maior autonomia, expandindo sua atuação e efetivamente promovendo melhorias ao meio ambiente. Nesse capítulo serão abordados diversos casos de ação das ONGs, como a atuação das ONGs ambientais perante o projeto de construção da Hidrelétrica no Rio Nu, que teve um resultado distinto da atuação na construção da Hidrelétrica das Três Gargantas, iniciada na década de 1990.

Além da atuação das ONGs, os protestos ambientais, a expansão do

greenspeak por meio das novas mídias, evidenciam que a população, de maneira

geral, começa a se mobilizar em prol de melhorias ambientais, indicando uma participação mais ativa na governança ambiental chinesa, o que enseja o reconhecimento de uma transição de um ambientalismo autoritário para um

3.1 Avanços políticos, legislação e problemática ambiental

Hu Jintao, em 2002, foi eleito como presidente da China, cargo que ocupou até 2012. A quarta geração de líderes28 ficou marcada pela preocupação com a crescente

desigualdade social, pelo reconhecimento da necessidade de conjugar crescimento econômico com desenvolvimento social e sustentável. O marco das ideias de Hu Jintao foi a defesa da noção de desenvolvimento científico, que desloca o centro das preocupações políticas – o foco deve ser o desenvolvimento social e a diminuição da desigualdade entre as áreas costeiras e interioranas, a política deve ser centrada nas pessoas e não no PIB (FEWSMITH, 2004).

A reorientação da estratégia de desenvolvimento da China passa por um redirecionamento ambientalmente sustentável. Hu Jintao e o premier Wen Jiabao repetidamente enfatizaram a necessidade de proteção do ambiente e conservação dos recursos energéticos, criando uma unidade dialética entre pessoas e natureza (JOHNSON, 2009). Tal reorientação, na visão de Johnson (2009), fez com que as questões ambientais se tornassem parte fundamental das estratégias de desenvolvimento, alinhadas com conselhos vindos de agências internacionais, como o Banco Mundial, que defendiam que apenas mudando a estratégia de crescimento a China poderia enfrentar com sucesso os desafios ambientais.

Hu Jintao inseriu a necessidade de desenvolvimento de uma sociedade

harmoniosa, noção apresentada em 2004, durante a 4ª sessão plenária do 16° Comitê

Central do Partido Comunista da China. Tal noção objetivava consolidar na China a convivência harmoniosa entre os indivíduos e a natureza, por meio de uma sociedade democrática, de direito, justa, segura e ordenada, além da implementação de uma agenda social sustentável.

O discurso de Wen Jiabao, na Conferência Nacional de Proteção Ambiental de 2006, apresenta os principais pontos do novo redirecionamento estratégico e conclama a participação da população:

Proteger o meio ambiente está relacionado ao desenvolvimento geral e de longo prazo da modernização da China, e é uma causa que beneficia o presente e as futuras gerações. [...] apresentamos a importante ideia de estabelecer um conceito de desenvolvimento científico e construir uma

28 A primeira geração foi a de Mao Zedong, que ficou no poder de 1949 a 1966; a segunda geração foi

sociedade socialista harmoniosa, e propusemos o objetivo de construir uma sociedade que poupasse recursos e fosse favorável ao meio ambiente. [...] Proteger o meio ambiente é uma causa comum de toda a nação, devemos confiar nas amplas massas populares e mobilizar a força de toda sociedade para participar. Órgãos de todos os níveis devem assumir a liderança na conservação de recursos e proteção do meio ambiente, e servir de exemplo para toda sociedade. [...] Todos os cidadãos, todas as famílias, todas as unidades, todas as comunidades, devem partir de si, começar do que podem e participar voluntariamente das atividades de proteção ambiental. É necessário realizar vigorosamente a publicidade e a educação ambiental, melhorar a consciência ambiental de todo o povo, promover a cultura ambiental e criar um bom ambiente para proteger o meio ambiente em toda a sociedade (CHINA, 2006, pp. 1- 3, tradução minha).

Com objetivo de promover melhorias no bem-estar social e acompanhado por uma reestruturação do Estado, houve um deslocamento no modelo de responsabilidade, antes focado no Estado. Foram incorporados “mais atores na provisão de bem-estar social para estabelecer o equilíbrio entre igualdade e crescimento econômico” (SANDER; SCHMITT; KUHNLE, 2012, p. 29, tradução minha). Há um deslocamento da responsabilidade pelo bem-estar social, do Estado para a comunidade e indivíduo. Analisando a situação, Saich (2004) afirma que se desenvolve um “autoritarismo populista”, no qual a abordagem centrada nas pessoas visa a preservação da estabilidade social, fundamental para a continuação do crescimento econômico.

Bao Maohong (2012) reconhece que a partir de 2003 o pensamento ambiental chinês enfatiza a harmonia entre homem e natureza e entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental, porém afirma que “ainda existem lacunas decepcionantes entre teoria e realidade, academia e política, desenvolvimento econômico e proteção ambiental” (BAO, 2012, p. 482, tradução minha). Ainda que o direcionamento político seja mais abrangente e razoável que os anteriores, e por mais que siga tendências do ambientalismo internacional, ainda há falhas na implementação dessa nova política.

Para compreender melhor como a construção da noção de desenvolvimento científico e sociedade harmoniosa interfere na relação entre sociedade civil, Estado e questão ambiental, apresentaremos algumas modificações ocorridas na legislação e nos regulamentos ambientais, destacando a implementação da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e as alterações na política ambiental de 2007, que afetaram diretamente as ONGs e campanhas ambientais. Afinal,

o ambiente não controlado gera sérios custos econômicos que ameaçam a modernização da economia; por outro lado, a degradação ambiental gera protesto social (ou ‘instabilidade’, em termos governamentais). Assim, uma

política ambiental global contribuiria para a construção de uma ‘sociedade

harmoniosa’. Isso exigiria ‘coordenação e desenvolvimento sustentável global e abrangente’, significando que as várias dimensões do desenvolvimento

(econômica, política, cultural e social) devem ser coordenadas – com

preservação ambiental como prioridade – bem como equilibrar o

desenvolvimento a fim de reduzir as disparidades entre a cidade e o campo, entre regiões, entre desenvolvimento econômico e social (GOLDEN, 2017, p. 14, tradução minha).

Lei de Avaliação de Impacto Ambiental

Um conjunto de fatores propiciou uma janela de oportunidade política no início da década de 2000, como meio de lidar melhor com os problemas ambientais. A mudança na administração política com Hu Jintao e Wen Jiabao, a entrada da China na OMC, a expansão das ONGs ambientais e o agravamento da poluição e da degradação ambiental são fatores importantes que motivaram a criação da Lei de Avaliação do Impacto Ambiental.

A participação pública passou a ser reconhecida como importante elemento de boa governança (ASIAN DEVELOPMENT BANK, 1999), facilitando a concepção e implementação de projetos, auxiliando na responsabilização oficial, permitindo que o público acompanhe a implementação das leis pelos funcionários locais de diversos escalões. Ademais, a participação pública na área ambiental permite que os desejos dos cidadãos sejam conhecidos, funcionando como balizadores da política ambiental e de sua implementação (JOHNSON, 2009).

A Lei de Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) entrou em vigor em 1 de setembro de 2003:

Art. 1º Esta lei é formulada com a finalidade de implementar a estratégia de desenvolvimento sustentável, evitando impactos adversos ao meio ambiente devido à execução de planos e projetos de construção, e facilitando o desenvolvimento coordenado da economia, da sociedade e do meio ambiente (CHINA, 2002, p. 1, tradução minha).

O caráter inovador da lei repousa no artigo 5, que afirma “o Estado incentivará as unidades pertinentes, os peritos e o público a participarem na avaliação do impacto ambiental pelos meios adequado” (CHINA, 2002, p. 1). Tal incentivo à participação popular não havia sido expresso anteriormente, e as cláusulas presentes

na Lei da AIA facilitam a incorporação da opinião pública sobre os projetos de grande escala, ao menos em teoria. Os planos e projetos governamentais também ficaram sujeitos a avaliações ambientais de especialistas e do público em geral.

O artigo 11 da AIA especifica que os departamentos de planejamento do governo local deveriam criar condições favoráveis para a expressão das opiniões públicas através de reuniões, audiências e outros canais, como meio de melhorar a governança ambiental da China (JOHNSON, 2009; CARTER; MOL, 2007). Outra lei que reforça essa participação é a Lei de Licenciamento Administrativo, de 2003, que determina que os cidadãos que se sentem afetados pelos licenciamentos devem ter possibilidade de participação nas audiências. Com isso, o público e as ONGs ambientais passam a ter um espaço de participação reconhecido legalmente.

A fraca participação pública na China contribuiu para a baixa implementação da legislação ambiental e, segundo Martens (2006), um maior envolvimento do público potencializaria a proteção ambiental, sendo um dos elementos fundamentais para obter melhorias no sistema de governança ambiental.

Com a Lei de AIA, o governo central encorajou a participação pública ambiental, principalmente a partir de canais legais criados oficialmente e a incorporação de um anexo com relatório da Avaliação de Impacto Ambiental em todos os projetos de grande porte, indicando razões pelas quais as opiniões públicas foram aceitas ou rejeitadas. Ao final de 2005, 70% das divisões administrativa haviam estabelecido hotlines de poluição, por meio dos quais a população podia registrar queixas e fazer denúncias. As cartas e visitas aos escritórios oficiais também foram outros meios encontrados pela população para ter sua voz ouvida pela administração política (JOHNSON, 2009).

Tal incentivo também permitiu uma participação mais ampla na formulação do 11º Plano Quinquenal, quando o governo recebeu um grande número de comentários públicos na fase de elaboração do plano. Apesar da alta participação pública, um empecilho importante era a falta de mão-de-obra apta a analisar as sugestões e selecionar aquelas que poderiam ser incorporadas ao Plano.

O mesmo problema ocorria com a participação pública na proteção ambiental, afinal, muitas vezes o público não sabia se suas opiniões foram compreendidas e adotadas pelo governo, ou se o processo de participação era mera formalidade instituída pela lei da AIA. Tal fato enfraquece o interesse pela

participação, pois os cidadãos não veem impactos diretos decorrentes da realização de audiências, cartas etc (CHEN; QIAN; ZHANG, 2015).

Visando esclarecer as formas de participação popular, foram promulgadas em 2006 as Medidas Temporárias de Participação Pública na Avaliação do Impacto Ambiental, reconhecendo cinco maneiras distintas de participação: através de opinião, consulta, seminários, debates e audiências. Apesar dos esforços Wang e Li (2005) reconhecem que não havia divulgação suficiente de informações que propiciassem a participação pública, além de muitas vezes a participação ocorrer muito tarde no processo de tomada de decisão.

A princípio esse novo modelo de governança, com possibilidade de participação pública, foi bem aceito pelo público e pelas ONGs, e tolerado pelos diversos órgãos do governo. De toda forma, significou um fortalecimento das ONGs, afinal o governo percebe que havia uma necessidade de fortalecer a sociedade civil (HO, 2001), pois o público é mais propenso a acreditar nas organizações da sociedade do que no governo (SCHWARTZ, 2004). As ONGs passaram a atender os anseios do governo ao assumir responsabilidades antes exclusivas do Estado, ao mesmo tempo em que melhoram a governança ambiental e mantém a estabilidade social (HO, 2001).

Johnson (2009) defende que a lógica autoritária prevalece, afinal o medo das autoridades é que os novos atores ambientais possam causar desassossego e provocar insatisfação popular. Por isso, o Estado controla rigidamente as informações, muitas vezes não responde às reclamações populares, mantendo sob controle o espaço de ação das ONGs e da população. Tal fato será retomado adiante.

Ainda que apresente falhas, a Lei de AIA possibilitou a atuação da população em diversas campanhas e avaliações de empreendimentos. Dois exemplos significativos serão apresentados a seguir, o caso da hidrelétrica do Rio Nu e do lago do antigo Palácio de Verão, em Beijing.

O caso da hidrelétrica do Rio Nu

O projeto hidrelétrico do Rio Nu foi aprovado em 14 de agosto de 2003 pela

National Development and Reform Commission (NDRC). O projeto previa a

construção de 13 represas no curso inferior do rio, na província de Yunnan. A capacidade instalada do projeto seria da ordem de 21 milhões de quilowatts,

superando o projeto da hidrelétrica das Três Gargantas, e geraria mais de 8 bilhões de yuans anualmente em receitas fiscais ao governo local. O projeto foi desenvolvido pela empresa estatal National Huadian Power Corporation (REN, 2010; YANG, CALHOUM, 2007; THIBAUT, 2011; SUN; ZHAO, 2008).

Em setembro de 2003, a ativista ambiental Wang Yongchen teve acesso ao projeto a partir de informações vazadas por funcionário do governo. Ela entrou com contato com outros ambientalistas e jornalistas de Beijing, iniciando o movimento anti- barragens do rio Nu. Concomitantemente, ambientalistas e ONGs de Yunnan organizaram visitas aos locais de construção das barragens, com o intuito de informar a comunidade da província e agricultores sobre as consequências ecológicas e sociais das grandes barragens. Ao menos 50.000 moradores locais seriam realocados. Ao final de 2003, os ativistas de Yunnan e Beijing se encontraram, fortalecendo o movimento (WU; XU, 2013).

As controvérsias do projeto também foram identificadas pela SEPA, que promoveu dois fóruns (em setembro e outubro de 2003) para discutir as implicações do projeto. O fórum realizado em Beijing foi marcado por críticas severas ao projeto, enquanto o fórum realizado em Kunming, Yunnan, com a presença maciça de funcionários do governo local e especialistas, foi marcado pela defesa veemente do projeto. A mídia local apresentou uma visão desenvolvimentista, mostrando como a produção de energia hidrelétrica no rio Nu era viável, eficaz e ambientalmente amigável, levando riqueza e desenvolvimento à região. Com o impasse instaurado a partir dos dois fóruns, a campanha contra a construção encabeçada pelos ambientalistas, jornalistas e agricultores teve um papel fundamental na mobilização da opinião pública contra o projeto, e também na conscientização da população (YANG, 2004; LIU; LI; LIU, 2012).

Após o fórum de Kunming uma petição pública assinada por 62 cientistas, jornalistas, escritores, artistas e ambientalistas foi divulgada, pedindo que a recente Lei de Avaliação do Impacto Ambiental fosse aplicada. A ONG Green Volunteer

League de Chongqing, mobilizou 15.000 estudantes universitários que assinaram

petição se opondo ao projeto. Em janeiro de 2004, ONGs nacionais e internacionais, como a Friends of Nature e Green Watershed, organizaram um fórum em Beijing para discutir impacto econômico, social e ecológico dos projetos hidrelétricos, fazendo críticas ao projeto do rio Nu. Em fevereiro de 2004, ambientalistas e jornalistas realizaram uma excursão ao longo do Rio Nu, e em seguida fizeram uma exposição

fotográfica em Beijing, mostrando as riquezas naturais da região, a vida dos agricultores, a riqueza histórica e social da área. A exposição fotográfica foi levada para o 5º Fórum Global da Sociedade Civil do PNUMA, realizada em Jeju, na Coréia do Sul, conseguindo mobilizar apoio internacional (YANG, 2004; YANG; CALHOUM, 2007).

O rio Nu faz parte dos Três Rios Paralelos das Áreas Protegidas de Yunnan, que foram tombados como Patrimônio Mundial pela UNESCO em 3 de julho de 2003. Esse fato reforçou o argumento dos ambientalistas, que defendiam a preservação da área, marcada por uma biodiversidade que é única no mundo, logo, a construção das barragens ameaçaria uma herança mundial, conforme eles argumentaram (YANG; CALHOUM, 2007). ONGs, como a Green SOS e a Friends of

Nature, apontaram que a área dos Três Rios Paralelos representa apenas 0,4% do

território chinês, porém concentra 25% das espécies animais e vegetais, incluindo 77 espécies protegias pelo Estado, sendo um significativo repositório global de recursos genéticos (DENG, 2013).

A mídia nacional teve um papel importante ao divulgar informações, opiniões, fotos, principalmente o jornal China Youth Daily, que publicou mais de 200 artigos sobre o tema. A internet também foi utilizada como meio de divulgação da campanha, principalmente a partir da ação da ONG Green Earth Volunters, que organizou debates mensais com jornalistas e utilizou diversos sites para fomentar a discussão. A ONG Instituto do Meio Ambiente e Desenvolvimento criou o site

www.nujiang.ngo.cn, que tinha uma versão online da exposição fotográfica do Rio Nu, além de conter muitas informações sobre o projeto e toda região (LI, 2012).

As campanhas, manifestações e fóruns atrasaram o cronograma do projeto, e fizeram com que o projeto devesse cumprir as novas regras que entraram em vigor com a Lei de AIA. Em virtude da pressão social e da divulgação do fato na imprensa nacional e internacional, em fevereiro de 2004, o premier Wen Jiabao suspendeu o projeto, escrevendo no relatório sobre o projeto do rio Nu que “dado o alto nível de preocupações sociais e ambientais sobre a grande construção de hidrelétrica, é necessária uma pesquisa mais cuidadosa para se chegar a uma decisão científica” (MENG, 2011, p. 1). Wen Jiabao defendeu que o projeto fosse cuidadosamente discutido, com envolvimento de todas as partes interessadas (REN, 2010).

Desde 2005, os ambientalistas defendem a participação formal do público na tomada de decisão sobre o projeto, reivindicando a aplicação da Lei da AIA. Conforme fala de Wang Yongchen, ambientalista da ONG Green Earth Volunteers:

Nós não somos cegamente contra as barragens...Queremos que o público saiba prós e contras ambientais de tais projetos. O que as organizações verdes exigem é um processo justo de tomada de decisão. A avaliação ambiental foi feita? Haverá uma audiência pública? Como os interesses dos afetados serão protegidos? (JOHNSON, 2010, p. 437, tradução minha).

O movimento contra as barragens aproveitou-se da crescente importância da política nacional de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável, conquistando apoio de agências governamentais, como a SEPA. Tal movimento coloca-se contrário às práticas de negócios, políticas governamentais locais, mas não se opõe diretamente ao governo central, pelo contrário, tenta formar aliança com lideranças governamentais (YANG, 2004).

A campanha contra a construção das barragens teve sucesso até o presente momento, porém, debates recentes mostram que a preocupação nos anos 2010 é voltada para a produção de energia limpa, e nesse sentido, o governo central está mais interessado em atingir os objetivos do 12º e 13º Plano Quinquenal, o que inclui reiniciar os planos de construção de hidrelétricas. Diversas reuniões ocorreram em Beijing, entre a empresa estatal Huadian Power e agências governamentais, na tentativa de liberar a construção (DENG, 2013).

Esse exemplo da campanha contra as barragens do Rio Nu é ainda mais significativo se comparado com o episódio da hidrelétrica das Três Gargantas. O projeto das Três Gargantas foi aprovado pelo Congresso Nacional em 1992, com as obras iniciadas em 1994. Em 2003, teve início a geração de energia e a obra foi finalizada em 2006 (LIANG, 2010). Com mais de 200 metros de altura, a obra possui um reservatório com mais de 600 quilômetros de extensão e capacidade de armazenamento de 40 bilhões de metros cúbicos. Com 26 turbinas gerados instaladas, alcançou a produção de 98,8 milhões de MW/h, superando a marca de Itaipu (LIANG, 2010; BARBIERI, 2019).

A obra apresentou uma série de impactos ambientais, sociais, ecológicos e geológicos, com alteração das características climáticas locais, mudando índices médios de temperatura e precipitações (GLEICK, 2009). Estima-se que entre 1,3 e 2

milhões de pessoas tiveram que se deslocar da área, com 13 cidades, 140 vilas e 1300 vilarejos submersos (MAHER, 2010).

Uma das maiores obras da humanidade e a mais significativa alteração na paisagem natural do mundo, ocorreu a partir de um processo decisório centralizado no Estado, sem que houvesse a participação popular na tomada de decisão. A aprovação das obras das Três Gargantas ocorreu pouco tempo após o episódio do

Massacre na praça da paz celestial, ocorrido em 1989. Tal fato dificultou a

manifestação de expressões políticas contrárias ao governo e questionamento dos impactos advindos com a construção. As campanhas iniciadas por moradores locais atingidos, ambientalistas e jornalistas foram duramente reprimidas, com prisões e forte ação do aparato estatal. A legislação ambiental também era recente, com baixa implementação e fiscalização. Pouco mais de uma década separa a aprovação das Três Gargantas e o projeto do Rio Nu, entretanto é possível reconhecer muitos