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A emergência da sociedade civil e de novas organizações sociais na China Contemporânea

Neste capítulo será abordada a questão do desenvolvimento da sociedade civil, buscando compreender quais foram os elementos essenciais que permitiram a emergência dessa esfera social na China Contemporânea, a partir de uma revisão bibliográfica sobre o tema, privilegiando autores chineses.

As bases da sociedade civil alicerçadas nas transformações econômicas e políticas do final da década de 1970 propiciaram o surgimento das organizações sociais. As organizações não-governamentais ambientais, objeto central de análise dessa tese como via de compreensão da atuação da sociedade civil, são apenas um dos tipos de organizações sociais que se desenvolveram a partir da década de 1990. Desse modo, esse capítulo intenta reconstruir o desenvolvimento histórico e social das organizações sociais, permitindo a compreensão do contexto e das intensas transformações do período.

Esse capítulo é fundamental para os demais: serão elencados os elementos que precedem tanto as organizações ambientais como também a intensificação da problemática ambiental, que será apresentada no capítulo 2.

1.1 Uma sociedade em transformação: novos elementos, modernização e surgimento da sociedade civil

O Plano das Quatro Modernizações, implementado a partir de 1978, abrangia a agricultura, indústria, ciência & tecnologia, e defesa nacional. Foi aprovado pela Constituição do Partido e pela Constituição do Estado, visando tornar a China um Estado moderno até 2020. A ideia central era modernizar a sociedade chinesa em suas várias vertentes, sem alteração do comando político (HSÜ, 2000).

Como consequência de sua implementação a China vivencia ao longo da década de 1980 uma ampla gama de transformações, responsáveis por modelar a China contemporânea. A liberalização e modernização da economia foi estimulada a partir de mudanças na agricultura, que deixou de ser comunal e passou a ser um empreendimento individual ou de pequena coletividade, com a implementação do

sistema de responsabilidade familiar (LULL, 1992). Tal alteração impacta diretamente na organização social do meio rural: o fim da década de 1970 marca o aumento da iniciativa local e aumento da responsabilidade dos trabalhadores. Permite a venda da produção no mercado aberto, a preços não controlados pelo governo; com liberdade para venda há o estímulo à maior produção, logo surge um mercado que emprega mão-de-obra, e essa mão-de-obra assalariada deseja consumir os novos produtos que começaram a surgir no mercado (SPENCER, 1995).

Ao mesmo tempo a China vivenciava alterações em suas indústrias, que deixavam de ser apenas indústria pesada, expandindo a produção de bens de consumo (LULL, 1992). A privatização também avançou significativamente desde 1978, influenciada diretamente pela industrialização e modernização, em oposição à tendência estatizante que predominou a partir dos anos de 1950, após a Revolução de 1949, alterando a configuração industrial até então estatal, com baixos salários (PINHEIRO-MACHADO, 2013)

Apesar da liberalização da economia alguns setores se mantiveram fortemente ligados ao Estado, como é o caso de bancos e empresas petrolíferas. No início dos anos 1990 houve recuo do Estado na indústria e no comércio, incentivando o desenvolvimento das empresas privadas, com rápida implantação de grupos internacionais, facilitando a expansão do mercado de trabalho e a redução das estruturas de proteção social do indivíduo (SANJUAN, 2009).

A China se define como uma economia socialista de mercado com características próprias. Hoje, os mecanismos de mercado governam a produção e a venda de bens e serviços não coletivos. Os mercados são, porém, estritamente regulados, embora em diferentes graus. Não existe propriedade privada da terra. (...) o crescimento chinês deriva da industrialização e da urbanização de uma sociedade predominantemente rural, por vias que refletem a especificidade das suas instituições (DUNFORD, 2015, p. 228).

O poder central legitimou, e até estimulou, a corrida para os negócios, incentivando a abertura de fábricas privadas que geravam empregos e levavam a melhoras na economia local. Havia um grande contingente populacional ocioso, que começava a abandonar as áreas rurais em busca de melhores perspectivas nas cidades. Junto a isso o mercado consumidor (externo e interno, que começava a surgir) estava ávido por consumir: logo era preciso cada vez mais indústrias, o que levou à dinamização econômica (PINHEIRO-MACHADO, 2013).

O aumento da produção e do consumo não foram fenômenos que ocorreram no mesmo momento. Demorou quase uma década para que o mercado consumidor se tornasse significativo e apto a consumir os bens. O início dos anos de 1990 é marcado por campanhas para que as pessoas passassem a consumir. O prazer de consumir foi estimulado, ligando o consumo à modernidade. O consumo também foi uma iniciativa de cima para baixo, na qual o Estado procurava conectar a economia nacional à global. Comprar passou a ser algo positivo, consumir produtos ocidentais (como Coca-Cola, Nestlé) passou a ser uma experiência de vida moderna, que todos deveriam desejar (PINHEIRO-MACHADO, 2013).

A busca pelo lucro privado, o incremento do consumo e o maior anseio por liberdade e realização pessoal são característicos das populações urbanas, que vivenciavam fortemente as transformações econômicas e conferiam um novo significado à vida pessoal, numa clara transformação da consciência cultural, fruto da modernização e avanço tecnológico. O indivíduo toma o destino em suas mãos, as pessoas pensam em mudar de emprego, em busca de melhor rentabilidade (PINHEIRO-MACHADO, 2013; LULL, 1992).

As cidades são, sobretudo, lugares privilegiados de recomposição da sociedade chinesa e de novas estratificações sociais. Ao desmantelamento das comunas populares nas zonas rurais sucedeu a descoletivização urbana. A transformação da maior parte das unidades de trabalho obriga as populações a enfrentar os riscos do desemprego, da doença e da velhice, e os governos locais tentam, como resultados diversos e de formas diferentes, novas soluções coletivas para atenuar as desigualdades e as injustiças (SANJUAN, 2009, p. 12).

As cidades passam a se organizar de novas maneiras, alcançando níveis de vida similares aos dos países altamente industrializados, com possibilidades de consumo, maior nível de instrução, mais oportunidades de emprego (SANJUAN, 2009). Isso incentivou as migrações internas de trabalhadores, que foi considerada incontrolável. O governo estimava 8 milhões de pessoas se mudando para as cidades a cada ano, e 400 milhões já moravam nas 365 maiores cidades (SPENCER, 1995). Tal contingente criou novas pressões: houve aumento na demanda de moradias, educação, saúde, postos de trabalho. O rápido crescimento econômico elevou a renda de toda a população, entretanto em velocidade e intensidade diferente, ampliando a desigualdade social. Conforme afirma Dunford: “A reforma chinesa traz prosperidade

sem criar perdedores, embora os proveitos sejam muito desiguais” (DUNFORD, 2015, p. 227).

Na década de 1980 uma nova classe média se constituiu7. Ela

representava 20% das famílias urbanas, e seu consumo era voltado para bens e serviços. O aumento dos gastos com saúde e educação é representativo da política de privatização desses serviços sociais. Tal mudança no padrão de consumo promoveu maior diferenciação entre os habitantes urbanos e rurais. Esse consumo trouxe consequências de ordem ambiental, como aumento da dependência energética, maior poluição, maior produção de lixo (SANJUAN, 2009).

A industrialização estimulada em determinadas áreas provoca maior diferenciação social entre moradores dessas cidades, que usufruem de melhores salários, maior mobilidade ascendente e melhor padrão de vida. Essa diferença de vida fica ainda mais nítida quando comparada com os padrões das áreas rurais, intensificando a oposição entre o campo e a cidade (HSÜ, 2000). A área rural sofre uma modernização desigual, com serviços públicos de baixa qualidade, falta de infra- estrutura, pouca oportunidade de crescimento pessoal (SANJUAN, 2009).

Outro fenômeno fruto da modernização é a emergência de novos grupos sociais. Uma nova camada da sociedade começa a gozar de maior prestígio: cientistas, engenheiros, técnicos, administradores, escritores, artistas, intelectuais, principalmente os vinculados aos altos postos do partido, passam a fazer parte de um grupo privilegiado (HSÜ, 2000). A estratificação se tornou uma realidade, com grandes disparidades de renda, apesar de Deng garantir que a reforma não geraria uma sociedade estratificada (LULL, 1992).

Outra importante transformação ocorrida no período foi a abertura econômica da China que a inseriu no contexto da globalização. A globalização influenciou diretamente as bases da sociedade chinesa, que por milênios se pautou no confucionismo e ordenava a estrutura tradicional e ritualística (PINHEIRO- MACHADO, 2013).

7 Enquanto a maioria dos cientistas sociais, incluindo os economistas acadêmicos, tem rejeitado a

ideia de uma classe média chinesa na última década, por não conseguirem identificar uma identidade coerente, uma cultura de classe, atitudes e valores sociopolíticos ou ação de classe, entre os pesquisadores chineses (embora a definição exata do termo seja muito contestada) há um acordo geral agora que esse grupo existe e está se expandindo rapidamente” (ZHANG; SHAW, 2015, p. 103,

A globalização, contudo, é um processo composto por diversas camadas, fluxos ou panoramas (econômico-financeiro, tecnológico, informacional, cultural, artístico etc.) no qual circulam bens, pessoas e informações. Ao mesmo tempo em que essas camadas possuem características próprias, é impossível dissociar uma das outras. Ideologias acompanham mercadorias. Ideias, visões de mundo e valores capitalistas entram no país junto aos bens, ainda que os chineses confiram significados próprios a esses bens. Globalizar é abrir os horizontes, apontar novas possibilidades e mostrar um leque de escolhas aos sujeitos no processo de construção da individualidade e cidadania (PINHEIRO-MACHADO, 2013, p. 175).

A globalização atingiu as diversas esferas da China, não apenas a esfera econômica. Regras e modos ocidentais são incorporados ao comportamento dos chineses, importando regras de etiqueta que acabam controlando as ações cotidianas e alterando padrões de comportamento milenares, como o escarro em público. As reformas pós 1978 trouxeram o consumo de bens, a percepção de moda, anteriormente julgados como práticas burguesas, para toda a população jovem e urbana, que via com grande orgulho o aumento do consumo em todo país. Efetivamente temos a “revolução das aparências”, que se intensifica com a individualização, marcada pela diferenciação e afirmação pessoal (PINHEIRO- MACHADO, 2013).

A Política de Portas Abertas e a expansão da economia trouxeram para a China mais do que comércio, turistas, tecnologia e especialização. Uma cultura popular contemporânea, em parte formada pela importação de programas de televisão, de filme, de músicas e de outros materiais da mídia também se desenvolveu durante o período de modernização. Mas a dinâmica cultural contemporânea da China não é fruto apenas de influências estrangeiras. Os produtos e ideologias da cultura popular ocidental estavam sendo importados ao mesmo tempo em que escritores, produtores de TV, cineastas, músicos e outros artistas do próprio país estavam conquistando uma liberdade sem precedentes e provocando grande impacto (LULL, 1992, p. 87).

A individualização passa a ser reconhecida até mesmo na maneira de se vestir: o vestuário padrão que prevaleceu a partir da Revolução Cultural (1966-1976) era marcadamente masculinizado e uniformizante. A população usava o uniforme de revolucionário, na cor azul, e as elites do Partido Comunista usavam a cor verde. O consumo passou a ser a personificação das escolhas individuais, ligando-se diretamente aos direitos individuais de autonomia e liberdade, que passam a ser possíveis no micro nível das relações sociais (YANG, 2002). O padrão de consumo muda: as pessoas das cidades compravam bicicleta, televisão, geladeira. Queriam consumir por moda e não mais por mera necessidade (LULL, 1992).

Os ‘Quatro Necessários’, que definiam os anseios materialistas sob o maoísmo, eram uma bicicleta, um rádio, um relógio e uma máquina de costura. No novo mundo de Deng Xiaoping, eles foram substituídos pelos ‘Oito Grandes’: uma televisão em cores, um refrigerador, um aparelho estereofônico, uma máquina fotográfica, uma motocicleta, mobília, uma máquina de lavar e um ventilador (SPENCER, 1995, p. 681).

A modernização atinge então as diversas esferas da vida social chinesa, a partir da liberalização da economia e da inserção da China nos fluxos da globalização. Com isso os chineses começaram a ousar pensar em mudanças políticas, influenciados diretamente pela atmosfera liberal da economia e da cultura (LULL, 1992). O avanço dos direitos individuais, representados pela liberdade de consumo e de escolhas de vida passam a formar a base para protestos e resistências, assim como objeto de luta política (YANG, 2002). “Pode-se ver nas mutações atuais uma simples modernização e, por maioria de razão, uma mera ocidentalização da sociedade” (SANJUAN, 2009, p. 14), entretanto apesar das mutações há continuidades que sobrevivem, como o primado da família.

A modernização afeta as instituições, que procuram se adequar aos novos padrões sociais. “Surgiram formas de democratização local em algumas zonas rurais, bem como em alguns bairros urbanos” (SANJUAN, 2009, p. 14). Observou-se uma retração do poder estatal sobre a economia, a mobilidade social, e outras áreas de proteção social dos indivíduos, com redução do controle ideológico, com o surgimento das eleições nos níveis locais, com distribuição de poder entre outras esferas, principalmente no nível local, que conquistou maior autonomia. Houve também a formação de associações, a consolidação de um sistema legal, a entrada da China em acordos e organismos internacionais. Todas essas transformações claramente sinalizam a adaptação e o esforço em modernizar a economia, a esfera social e cultural (YU, 2007).

O movimento por “liberdade e democracia”, encabeçado por estudantes no final da década de 1980 demonstra que o movimento de reforma enfrentava novos desafios. A inflação aumentava, chegando em 27% em março de 1989; o cenário de intensa transformação fez com que aumentasse o descontentamento de parcelas da população, com o aumento do desemprego e a insegurança quanto ao futuro como elementos importantes, além do descontentamento dos intelectuais e estudantes cada vez mais visível, como demonstraram as manifestações de 1989, que provocaram o

conhecido episódio do Massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen)8. Os

chineses cada vez mais reivindicavam direitos democráticos para acompanhar o processo de modernização econômica (LULL, 1992; SPENCER, 1995).

Se a China queria se desenvolver como nação moderna, através de sistemas de incentivo, zonas de empresas, contratos individuais de longo prazo e joint

ventures, aqueles que se arriscavam teriam que desempenhar algum papel

nas tomadas de decisões políticas. Para os dirigentes chineses da década de 1980, tal como para os dos quatro séculos anteriores, o protesto político e o desejo de participar do governo continuavam a ser uma prova de deslealdade ou o prenúncio do caos. Mas essas atitudes teriam de mudar na década de 1990, se o país não quisesse cair em um novo ciclo de desamparo miserável. Os cintilantes tetos amarelos e os espaçosos pátios de mármore da Cidade Proibida ainda estavam lá, mas reverberavam agora um novo tipo de desafio que acontecia no grande espaço aberto diante deles. Não haveria uma China verdadeiramente moderna até que o povo recebesse de volta sua voz (SPENCER, 1995, p. 693).

Essas profundas transformações sociais são os elementos constituintes da consolidação da sociedade civil na China, que analisaremos a seguir, a partir da problematização conceitual e revisão da caracterização de tal conceito aplicado à realidade chinesa.

Na década de 1990 ficou claro que não haveria como controlar as consequências sociais decorrentes das transformações econômicas, das transações do mercado e do desenvolvimento das empresas privadas (Davis, 2000). O regime político se manteve intacto, mas as relações entre os agentes do governo e os cidadãos comuns se transformaram. Os ganhos para os moradores das áreas rurais foram enormes, com grandes ganhos financeiros conquistados pelas reformas econômicas pós-Mao, que trouxeram rapidamente números expressivos.

Ganharam novas formas de comunicação, mas também novos vocabulários de discurso social, deixando claro haver uma revolução no consumo. Não é apenas um incremento no consumo, mas uma completa alteração na maneira como se consomem os bens, seus significados, e também uma profunda alteração com relação aos bens fornecidos pelo Estado, que era a prática existente desde 1949. Quando se reduz o controle estatal sobre os produtos é permitida uma maior

8 Em 4 de junho de 1989 estudantes e intelectuais contestadores tomaram conta da praça Tiananmen,

erguendo a “deusa da democracia”, uma escultura inspirada na Estátua da Liberdade, com o objetivo de reivindicar maior liberdade política. O Exército reprimiu violentamente a manifestação, matando dezenas de manifestantes, ainda que não divulgue o número oficial de mortos. O episódio foi um desfecho depois de mais de dois meses de constantes manifestações populares (LULL, 1992; SANJUAN, 2010).

autonomia na sociabilidade diária. A separação entre o local de produção e o local de vivência também traz novas oportunidades de interação e socialização fora dos ambientes domésticos ou do trabalho (DAVIS, 2000).

Criação de um mercado, comercialização, industrialização, urbanização, descentralização, burocratização, secularização, diversificação e globalização não alteram somente o equilíbrio e a dinâmica das forças sociais, mas também criam terreno fértil para o surgimento de novos grupos sociais, associações e culturas com maior autonomia, liberdade, direitos e acesso ao poder e ao lucro, o que contribui para o estabelecimento e solidificação de uma enérgica sociedade civil (YU, 2007).

Tais elementos surgem intrinsecamente relacionados, mas é fundamental analisá-los para elucidar a dinâmica social de intensas transformações que marcaram o período pós 1978.

1.2 Sociedade Civil na China

O termo sociedade civil pode apresentar diferentes definições, de acordo com o referencial teórico adotado, sendo uma das categorias mais confusas e emaranhadas usadas pelas ciências sociais, conforme Boron (2003). Se no Ocidente tal termo ainda enfrenta dificuldades para ser plenamente definido, tratar de sociedade civil na China requer ainda mais cuidado. É preciso abandonar pressupostos ocidentais para compreendê-lo com mais exatidão, buscando em teóricos e intelectuais chineses a chave para a compreensão do que vem a ser a sociedade civil chinesa.

No Ocidente acompanhamos uma ressignificação do conceito de sociedade civil a partir da década de 1980, quando as definições surgidas no seio intelectual do norte (EUA e Europa) passam a ser reinterpretadas para se adequar aos acontecimentos do chamado sul global. As novas democracias da América Latina incentivaram a reflexão sobre sociedade civil, e algo semelhante também ocorreu na China (BALLESTRIN; LOSEKANN, 2013).

A produção teórica sobre sociedade civil situa-se no norte global e corrobora a noção de que há uma geopolítica do conhecimento, conforme Mignolo (2002). Se o norte se vincula com a produção teórica, o sul global traz as experiências práticas. Tal divisão entre norte e sul não assume significado meramente geográfico,

mas é uma metáfora sociológica e ideológica para os países desenvolvidos, subdesenvolvidos e em desenvolvimento (BALLESTRIN; LOSEKANN, 2013). Nesse aspecto, a China é vinculada ao sul global, por estar em desenvolvimento apenas nas últimas décadas.

Conceitualização do termo Sociedade civil na perspectiva da experiência chinesa

A diversidade de definições do termo sociedade civil é enorme, e com significativas variações de acordo com o momento histórico, local e autor que tratou do termo. Acompanhando as discussões da ciência política ao longo de séculos é possível reconhecer a variedade de definições e no século XX a multiplicidade de interpretações continuou se intensificando, mostrando, claramente, ser possível entender a terminologia de infinitas maneiras. Enquanto uns associam o termo a uma perspectiva gramsciana e enxergam a sociedade civil como parte orgânica do Estado, outros compreendem como algo dissociado do Estado e da economia, outros como um arranjo que permita a articulação em prol da viabilização de políticas públicas (NOGUEIRA, 2003).

É fundamental reconhecer que é preciso uma perspectiva contextualizada para entender o termo sociedade civil, afinal não podemos desconsiderar as realidades diferentes, o histórico político-social e a existência de forças sociais que variam de país para país. O que Atilio Boron e tantos outros teóricos do sul global defendem é a necessidade de reconhecer a existência de sociedades civis, e é nessa linha interpretativa que apresentaremos o desenvolvimento e uso do termo sociedade civil para o caso chinês.

O conceito de sociedade civil na China aparece nos primeiros estudos a partir de 1990, quando influenciados pelas transformações que a sociedade chinesa sofreu nos últimos anos (principalmente pelos ocorridos em 1989 em Tiananmen), além da importante tradução da obra de Jürgen Habermas em 1989, A transformação

estrutural da esfera pública, os intelectuais chineses passam a se debruçar sobre a

questão, a fim de compreender: existe na China Contemporânea uma sociedade civil? Como ela se define? (YANG, 2002).

O ano de 1993 é um marco nos estudos sobre sociedade civil na China. A partir de um encontro realizado em Hong Kong, diversos especialistas no tema

produziram uma série de textos sobre a temática9. Desde 1990 sinólogos começaram

a se debruçar sobre a questão, produzindo diversas interpretações e difundindo a necessidade de se desenvolverem estudos chineses sobre sociedade civil, não sendo mero esforço retórico, mas sim algo imprescindível para se compreender as transformações que fundam a China Contemporânea.

Em 1993 também foi divulgado um número especial da revista acadêmica

Modern China, voltada para o debate sobre sociedade civil desde a China tradicional.

Nesse número se difundiu a ideia de que havia uma esfera social autônoma já na China Antiga, em virtude da dificuldade do Estado em penetrar nas áreas rurais, criando um terceiro reino no qual o Estado e grupos sociais interagiam e cooperavam (HUANG, 1993; CHAN, 2009). Alguns sinólogos identificam o surgimento de algo