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Devolutivas pedagógicas construídas a partir das escolhas das alternativas pelos candidatos nos itens de física do ENEM

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FÍSICA “GLEB WATAGHIN”

GIULIANO PERINA SPAZZIANI

DEVOLUTIVAS PEDAGÓGICAS

CONSTRUÍDAS A PARTIR DAS ESCOLHAS

DAS ALTERNATIVAS PELOS CANDIDATOS

NOS ITENS DE FÍSICA DO ENEM

CAMPINAS 2019

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GIULIANO PERINA SPAZZIANI

DEVOLUTIVAS PEDAGÓGICAS

CONSTRUÍDAS A PARTIR DAS ESCOLHAS DAS

ALTERNATIVAS PELOS CANDIDATOS NOS

ITENS DE FÍSICA DO ENEM

Texto apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de MESTRE em ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA, na área de ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA.

Orientador: Prof. Dr. Maurício Urban Kleinke

ESTE EXEMPLAR

CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEFENDIDA PELO ALUNO GIULIANO PERINA SPAZZIANI E ORIENTADA PELO PROF. DR. MAURÍCIO URBAN KLEINKE.

CAMPINAS 2019

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Lucimeire de Oliveira Silva da Rocha - CRB 8/9174

Spazziani, Giuliano Perina,

Sp29d SpaDevolutivas pedagógicas construídas a partir das escolhas das alternativas pelos candidatos nos itens de física do ENEM / Giuliano Perina Spazziani. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

SpaOrientador: Maurício Urban Kleinke.

SpaDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Física Gleb Wataghin.

Spa1. Exame Nacional do Ensino Médio (Brasil). 2. Devolutiva pedagógica. I. Kleinke, Maurício Urban, 1958-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Física Gleb Wataghin. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Pedagogical feedback constructed from candidates' choices of

alternatives in ENEM physics items

Palavras-chave em inglês:

National Secondary Education Examination (Brazil) Pedagogical feedback

Área de concentração: Ensino de Ciências e Matemática Titulação: Mestre em Ensino de Ciências e Matemática Banca examinadora:

Maurício Urban Kleinke [Orientador] Adriana Vitorino Rossi

Cristina Leite

Data de defesa: 25-06-2019

Programa de Pós-Graduação: Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-7990-8932 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/8587822502769403

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COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Maurício Urban Kleinke Profª Drª Adriana Vitorino Rossi Profª Drª Cristina Leite

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno e na encontra-secretaria do programa de pós-graduação.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento desta pesquisa. Este financiamento, sob processo de número 1703218, tornou possível o desenvolvimento e conclusão deste trabalho.

Ao meu orientador Maurício, pelos conselhos, apoio, confiança, e, principalmente, pela paciência e pelas broncas necessárias.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, seus funcionários e seus docentes, peças fundamentais para meu desenvolvimento enquanto pesquisador e professor.

À Anila, pelo apoio incondicional, pelas críticas, ouvido e ombro amigo, por ser a melhor companhia possível durante este processo.

À todos meus colegas de graduação e pós-graduação, pelas conversas e desabafos compartilhados que, cada um ao seu modo, contribuíram também para o meu desenvolvimento.

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RESUMO

O Exame Nacional do Ensino Médio, ENEM, é o maior exame de larga escala de caráter de seleção para ingresso em Instituições de Ensino Superior (IES) do país. Assim, tem grande importância no cenário educacional brasileiro, seja ele da iniciativa pública ou privada. No entanto, essa característica só se tornou presente após a reestruturação do exame em 2009, quando passa a ter esse caráter em detrimento de ser um exame de avaliação dos estudantes ao fim do Ensino Básico. A prova reformulada ganha aspectos diferentes, e com seus diferentes objetivos, passa a ter também diferentes potencialidades de utilização de seus resultados por professores e demais agentes escolares. Utilizando os resultados do Enem de forma a viabilizar informações à esses agentes acerca do desempenho dos estudantes abre a porta para que o Enem seja utilizado também como uma avaliação formativa. O objetivo deste trabalho é, então, entender como o desempenho dos estudantes concluintes do Ensino Médio é afetado por suas condições socioeconômicas, e fornecer tais resultados estruturados na forma de devolutiva pedagógica a professores para que sejam utilizadas como ferramenta que cause reflexão acerca da prática docente. Para isso, utilizamos os microdados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão elaborador do Enem, que contem os resultados de todos os candidatos do Enem. Classificamos, a partir destas informações, os candidatos concluintes do Ensino Médio de acordo com uma escala de índice socioeconômico, para confrontar tal informação com o desempenho obtido pelo candidato, através da análise das respostas dadas por ele em cada uma das questões de Física dos exames dos anos de 2014 e 2015. Ao fazer essas análises, elas foram organizadas em devolutivas pedagógicas apresentadas a um grupo de professores de Física que foram entrevistados para entender como se dá a relação destes com o exame, a percepção que eles têm da relação de seus alunos com o exame, como também entender as potencialidades de utilização de devolutivas pedagógicas como ferramentas de ensino. Nossos resultados levam para as conclusões que o socioeconômico influencia o desempenho dos estudantes, através de fatores que compõem a caracterização socioeconômica, como o capital cultural dos estudantes, que os levam a ter diferentes atitudes frente à escola, ao exame, e aos conteúdos de Física especificamente. Os resultados também comprovam que devolutivas pedagógicas são poderosas ferramentas de ensino, desde que estejam acessíveis aos professores e interessados, tanto no aspecto direto de obtenção de tais documentos como no sentido de estar numa estrutura que permita sua correta leitura e interpretação.

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ABSTRACT

The Exame Nacional do Ensino Médio, ENEM, is the biggest large-scale exam for admission universities or colleges in the country. Thus, it has great importance in the Brazilian educational scenario, whether it be public or private initiative. However, this characteristic only became present after the restructure of the exam in 2009, when it began to have this characteristic to the detriment of being a evaluation test of students at the end of Basic Education. The reformulated test gains different aspects, and with its different objectives, it also has different potentialities of using its results by teachers and other school agents. Using the results of the Enem in order to provide information to these agents about student performance opens the door for the Enem also to be used as a formative evaluation. The objective of this work is to understand how the performance of the high school students is affected by their socioeconomic conditions and to provide such structured results in the form of a pedagogical devolutives to teachers so that they can be used as a tool that causes reflection on the teaching practice. To do this, we use the microdata provided by the Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), the organ responsible for the Enem, which contains the results of all the Enem candidates. Based on this information, we classify the High School concluding candidates according to a scale of socioeconomic index to compare this information with the performance obtained by the candidate, through the analysis of the answers given by him in each of the questions of Physics of the exams of the years 2014 and 2015. After these analyzes, they were organized in pedagogical devolutives presented to a group of physics teachers who were interviewed to understand how the relation of these teachers with the examination occurs, the perception that they have of the relation of their students with the exam, but also to understand the potentialities of using pedagogical devolutives as teaching tools. Our results lead to the conclusions that the socioeconomic influences students' performance, through factors that compose the socioeconomic characterization, such as the cultural capital of the students, that lead them to have different attitudes towards the school, the exam, and the contents of Physics specifically. The results also prove that pedagogic devolutives are powerful teaching tools, as long as they are accessible to teachers and stakeholders, both in the direct aspect of obtaining such documents and in the sense of being in a structure that allows their correct reading and interpretation.

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SUMÁRIO 1APRESENTAÇÃO ... 10 1.1Avaliação ... 12 1.2O Enem ... 13 2REFERENCIAIS TEÓRICOS... 17 2.1Avaliação ... 18 2.1.1Definições ... 18 2.1.2Objetivos da Avaliação ... 21

2.1.3Avaliação Somativa e Formativa ... 23

2.1.4Avaliação de Larga Escala ... 25

2.1.4.1Histórico das Avaliações de Larga Escala no Brasil ... 26

2.2O ENEM ... 28

2.2.1Panorama Geral ... 28

2.3Capital Cultural e o percurso escolar ... 34

2.4Devolutivas Pedagógicas ... 39

3METODOLOGIA ... 46

3.1Dos Itens de Física das Provas ... 46

3.Do Índice Socioeconômico ... 48

3.3Da Análise das Entrevistas ... 53

4RESULTADOS E DISCUSSÃO... 57

4.1Análise dos Itens ... 57

4.1.1Enem 2014 - Prova Azul - Item 64 ... 58

4.1.2Enem 2014 - Prova Azul - Item 82 ... 62

4.1.3Enem 2015 - Prova Azul - Item 63 ... 66

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4.2Análise das Entrevistas ... 73

4.2.1As (auto)caracterizações dos professores ... 73

4.2.2Análise do Bloco I - Do Exame do Enem ... 74

4.2.2.1Temas Identificados no Bloco I ... 74

4.2.2.2Frases e Comentários sobre o Bloco I ... 77

4.2.2.3Resumo do Bloco I ... 102

4.2.3Análise do Bloco II - Das Devolutivas Pedagógicas ... 104

4.2.3.1Temas Identificados no Bloco II ... 104

4.2.3.2Frases e Comentários sobre o Bloco II ... 106

4.2.3.3Resumo do Bloco II ... 118

5CONCLUSÕES ... 120

6REFERÊNCIAS ... 128

7Anexos ... 138

7.1ANEXO I - Roteiro das Entrevistas ... 138

7.2ANEXO II - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 140 7.3ANEXO III – Matriz de Referência do Enem ... 144

7.4ANEXO IV - Devolutiva da COMVEST ... 148

7.5ANEXO V – Devolutiva da Prova Brasil ... 149

7.6ANEXO VI – Devolutiva do SARESP ... 152

7.7ANEXO VII – Estrutura das Devolutivas ... 154

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1 APRESENTAÇÃO

O texto apresentado a seguir é resultado de minha pesquisa de mestrado realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática - PECIM - do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Universidade Estadual de Campinas.

Esse caminho teve início anos antes, durante minha formação inicial, que, por sua vez, teve diversas trilhas e encruzilhadas.

Iniciei meu percurso no ensino superior no curso de Física, num momento onde, na realidade, não tinha ideia do que fazer com uma graduação em Física. A escolha do curso veio pelos mesmos motivos clássicos que são compartilhados pelos estudantes de tal carreira: gosto pela ciência, facilidade com matemática, um ótimo professor a que nos espelhamos. Escolher um curso como esse, em nosso contexto social brasileiro, não é fácil. Em diversos aspectos pode-se afirmar que, no Brasil, a ciência não é valorizada, o curso de Física propriamente dito não é um dos cursos mais tradicionais e de prestígio perante a sociedade e, consequentemente, o apoio necessário para se iniciar, continuar e, principalmente, conclui-lo pode não existir. Por esses fatores, o caminho inicialmente escolhido no ensino superior mudou e me vi cursando Engenharia Agrícola, após muita reflexão sobre como proceder tal mudança de rumo.

No entanto, mesmo com a nova trajetória acadêmica, algo permaneceu: meu recém-descoberto prazer em trabalhar com educação. Ainda no curso de Física iniciei atividades de mediação educacional no Museu Exploratório de Ciências da universidade, onde pude ter contato direto com alunos da Educação Básica, e trabalhar junto a eles em atividades relacionadas à ciência, à divulgação científica.

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Essa atividade foi fundamental para me ajudar a reconhecer que, mesmo formado em Engenharia, e tido experiências no mercado corporativo, não era esse o local que gostaria de passar minha vida profissional.

Contra os mesmos fatores que inicialmente me fizeram sair da Física, decidi voltar. Desta vez, mais focado e com um objetivo muito claro: a Licenciatura. Era claro o que me motivava, o que eu queria fazer: ser professor. E o primeiro passo para isso seria valorizar a profissão, buscando a formação necessária, e o diploma que a oficializasse. Mais maduro, durante essa nova-velha graduação, o envolvimento e disciplina foram muito maiores, de modo que o aproveitamento do curso se deu de maneira muito mais eficiente e eficaz. Busquei me envolver em atividades extracurriculares que agregassem conhecimento à minha formação desde a volta ao curso, o que me possibilitou participar de diversas palestras e oficinas. Foi na Oficina de Física “Cesar Lattes” que tive meu primeiro contato com trabalhos e pesquisas envolvendo o Ensino de Física e o Enem, em palestras apresentadas pelo meu então futuro orientador.

Com uma graduação já concluída, pude ingressar no mestrado ao mesmo tempo em que concluía a Licenciatura. Cursando esses dois caminhos em paralelo, um contribuía para o outro, e o outro contribuía para o um. A escolha do tema de pesquisa surgiu naturalmente após uma reflexão acerca do que me motivava a ensinar, do que eu, enquanto professor, gostaria de ter em minhas mãos para ser melhor em minha atuação, e, consequentemente, contribuir para a melhoria do ensino de Física.

O caminho para o trabalho em pesquisa e em educação não é fácil, não é linear. Não é uma rota com espectadores prontos para aplaudir e motivar, como os

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torcedores numa maratona. Mas os poucos incentivos devem reverberar e servir para nos disciplinar, para que possamos continuar e concluir nossos objetivos.

Foi assim que pude concluir este trabalho aqui apresentado. Busquei realizar uma pesquisa que pudesse contribuir para a formação de professores, que pudesse contribuir para a ciência do Ensino de Física, mais especificamente. Para isso, tive que estudar e aprender coisas que não imaginei que faria, durante minha formação inicial, mas que se mostraram ser muito prazerosas. Apresento aqui, então, o trabalho realizado durante esse período.

1.1 Avaliação

No Brasil, durante todo o percurso escolar dos alunos pelo ensino básico, proposto para ser cumprido dos 6 aos 17 anos, passando pelo Ensino Fundamental e pelo Ensino Médio, a avaliação é uma etapa rotineira. O avaliar, no contexto escolar usual, está associado a ideia de aferição de desempenho, da medida do conhecimento adquirido pelo estudante durante cada etapa do percurso.

São diversas as definições de avaliação na academia, assim como seus propósitos, suas metodologias, seus objetivos e suas potencialidades. Aferir o desempenho de uma sala de algumas dezenas de alunos por um professor que convive diariamente com estes é substancialmente diferente de uma verificação da aprendizagem de uma rede escolar, seja ela estadual ou nacional. Para esse tipo de objetivo, os exames de larga escala são as ferramentas mais utilizadas, podendo ter não apenas essa função de avaliação e/ou diagnóstico da aprendizagem, mas também funções de ranqueamento e seleção, quando utilizados como critérios de ingresso em determinadas etapas do ensino, como acesso a colégios de formação técnica ou para o ensino superior.

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Percebe-se então que as avaliações de larga escala, por seus possíveis diferentes objetivos, podem ter também diferentes características em respeito ao retorno de seus resultados aos interessados: uma avaliação com caráter somativo – onde o que é considerado é apenas o ranqueamento dos alunos, atingindo ou não uma esperada proficiência – ou uma avaliação com caráter formativo – observada quando os resultados são utilizados e aplicados na reestruturação e na reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem aplicado na escola ou na sala de aula.

A utilização de resultados de exames de larga escala, ou mesmo questionários aplicados em larga escala, não é recente na sociedade, nem como objeto de estudo pela academia na área educacional. Na década de 1960 um estudo conhecido como Coleman Report (1966) foi realizado com vistas a estudar como as oportunidades educacionais estavam repartidas entre os alunos de diferentes classes sociais dos Estados Unidos. Os resultados desse estudo foram validados a partir da aplicação de 645 mil questionários. As respostas obtidas foram então analisadas, organizadas e interpretadas para que as conclusões do estudo pudessem ser tiradas e, a partir delas, ações tomadas.

1.2 O Enem

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) surgiu em 1998 com objetivos de avaliação dos estudantes ao final de sua educação básica, mas, no decorrer dos anos - e especialmente após sua grande modificação estrutural em 2009 - passa a ser o principal exame para admissão em instituições de ensino superior (IES) federais. Com tal relevância, ele passa a ser cada vez mais disputado e concorrido, com alunos da iniciativa pública e privada de ensino buscando, ao final, o mesmo objetivo de acesso ao ensino superior. Pensando no cenário

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educacional do país, bem como no amplo universo de candidatos ao Enem, sabe-se que não se pode ignorar tamanha heterogeneidade em análises de desempenho em exames. Desse modo, utilizamos os conceitos de capital cultural da teoria sociológica de Pierre Bourdieu para dar fundamentação às análises e interpretações feitas em relação ao desempenho no exame.

Nesse contexto, destaca-se então, a potencialidade de utilização do Enem como um exame de larga escala, buscando compreender as relações educacionais e sociopolíticas associadas ao mesmo. No início de nosso trabalho de Mestrado, o objetivo era uma comparação simples entre o desempenho dos candidatos e o status socioeconômico familiar destes.

A pergunta de pesquisa inicial era “Qual a influência dos fatores socioeconômicos no desempenho dos concluintes da educação básica que realizam as provas do Enem, nos itens de Física?”, porém ela foi, de certa maneira, incorporada em uma discussão mais elaborada, associada às devolutivas pedagógicas. Entende-se aqui como devolutivas pedagógicas documentos feitos por órgãos oficiais ou não, por bancas elaboradoras de exames de larga escala, ou por pesquisadores educacionais que trabalhem analisando os resultados destes exames e como transformar esses resultados em informações que possam vir a ser apropriadas pela população interessada de modo que esta consiga entender e interpretar quais as consequências da aplicação das provas. A incorporação devido à mudança de ótica de pesquisa aconteceu ao serem iniciadas as análises socioeconômicas, onde fomos conduzidos a imaginar a possibilidade de desenvolver devolutivas pedagógicas associando as etapas de resolução dos itens com o desempenho em função do status socioeconômico. Essas devolutivas buscam modificar as características do Enem, passando de uma prova sem realimentação

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para as escolas, para uma prova onde existe um mínimo de contato e reflexão desses resultados com o ambiente escolar. Essas reflexões conduziram a uma nova questão de pesquisa: “Como transformar essas análises dos itens do Enem em devolutivas pedagógicas para os professores? De que forma e com que estrutura?”. Essa mudança acarretou alterações nos prazos das etapas de pesquisa, inclusive precisando de um período para readequação do projeto para submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), para o qual o projeto foi submetido e aprovado sob número do CAAE 83233618.4.0000.5404.

Para alcançar nossos objetivos e responder às perguntas propostas, trabalhamos com os microdados do Enem aplicado nos anos de 2014 e 2015, analisando especificamente as questões de Física da prova. Assim, buscamos entender um pouco mais sobre qual o papel do Enem na comunidade escolar brasileira, buscando essa compreensão por meio de uma análise do status socioeconômico do universo de candidatos estudado, de modo a gerar grupos com distintos status socioeconômicos. Dentro desses grupos foi buscado analisar quantitativamente a distribuição dentre os cinco itens possíveis das respostas dos candidatos para cada questão de física. A etapa seguinte foi propor possíveis cenários que pudessem levar o candidato a escolher sua resposta. Essas análises então foram organizadas em uma devolutiva pedagógica que foi apresentada, junto a outras já existentes, a um grupo de professores de Física do Ensino Médio que se disponibilizaram a ser entrevistados pelo pesquisador após um convite, para que houvesse um maior entendimento da relação e do posicionamento dos docentes frente ao Enem, bem como a percepção dos mesmos dizendo respeito à relação de seus alunos para com o exame. Perguntamos a eles também sobre as devolutivas pedagógicas, para entender suas potencialidades enquanto documentos e

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ferramentas educacionais. Para a análise das respostas dadas pelos professores utilizamos ferramentas metodológicas da técnica da análise de conteúdo de Lawrence Bardin.

Em relação à estrutura do texto, no segundo capítulo apresentaremos os referenciais teóricos que fundamentaram o trabalho; no terceiro capítulo traremos a descrição das metodologias de análise utilizadas; no quarto capítulo colocaremos os resultados obtidos, junto à sua leitura e interpretação. As considerações finais estão no quinto capítulo.

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2 REFERENCIAIS TEÓRICOS

Neste capítulo apresentaremos os referenciais teóricos utilizados para compreensão do problema de pesquisa, das hipóteses utilizadas, bem como das metodologias utilizadas para pesquisar sobre o problema e analisar os dados coletados. Iniciamos a revisão bibliográfica pelo estudo de definições de avaliação, seus objetivos e suas características potenciais de agregar, ou não, na formação dos agentes escolares, sejam eles alunos, docentes ou outros funcionários. Em seguida passaremos pela apresentação de avaliações de larga escala, trazendo o histórico desse tipo de avaliação no Brasil, e, então, apresentaremos uma revisão acerca do Enem.

Num segundo momento, apresentaremos a revisão bibliográfica necessária para interpretar e compreender um fenômeno abordado por essa pesquisa: o efeito da condição/status socioeconômico no desempenho dos estudantes numa prova. Neste momento apresentaremos a teoria sociológica de Pierre Bourdieu, referencial que utilizaremos de base para nossas análises, que busca explicar o desempenho escolar de alunos por fatores extraclasse.

Por fim, apresentaremos uma revisão acerca de devolutivas pedagógicas, documentos associados a exames de larga escala que trazem informações acerca do mesmo, das mais variadas naturezas, formas, tipos, e estruturas. Trataremos também da existência de documentos desse tipo para alguns exames de larga escala aplicados no Brasil e da ausência dessa iniciativa em relação ao Enem, fator que nos motivou a pensar em um modelo de devolutiva para o exame.

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2.1 Avaliação

A avaliação escolar evoca diferentes reações e percepções enquanto assunto de debate, consequência de causas pessoais, históricas, éticas e morais que surgem em âmbito individual e coletivo (TARAS, 2010). Avaliação é um tema que causa tensões entre os agentes escolares: instituições, professores, alunos e responsáveis pelos últimos. Os debates acerca do que é uma avaliação - ou o que seria uma boa avaliação -, como avaliar, o que avaliar, e qual o uso de seus resultados datam pelo menos do século XVII, e perduram até os dias de hoje (PERRENOUD, 1999; FERNANDES, 2009).

Compreendemos, deste modo, que a avaliação pode ter diversas facetas, propósitos, metodologias e potencialidades. Podemos avaliar alunos, podemos avaliar aprendizagens, e poderíamos inclusive avaliar avaliações ou exames como o ENEM. Não é objetivo deste trabalho, no entanto, fazer tais avaliações de forma direta. Ainda assim, é fundamental que tenhamos ciência desse amplo panorama acerca da temática avaliação, pois mesmo ao utilizarmos os dados do ENEM, de certa forma, estamos também avaliando o ENEM.

2.1.1 Definições

Segundo Perrenoud (1999), a avaliação consiste num processo de criação de “hierarquias de excelência” que será utilizada para a definição do avaliado dentro do seu contexto: uma progressão escolar, como mudança de ano (antigas “séries”), seleção em colégios ou cursos, obter certificação de estudos, orientação própria para futuros estudos, e também até servir como contratação para um início no mercado de trabalho. O autor também diz:

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“Avaliar também é privilegiar um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil para uns, imaginativo e autônomo para outros...”. (PERRENOUD, 1999, p. 9)

Ao se criar as “hierarquias de excelência”, não se faz nada diferente de uma classificação, sendo que à esta classificação está associado um julgamento, um juízo de valor que pretende dizer se, para os critérios analisados, o que é avaliado é apto ou não a ter um determinado futuro. Esta linha de raciocínio segue a definição de Scriven (1967):

“A avaliação é uma atividade metodológica essencialmente similar em qualquer contexto: não importa se estamos avaliando máquinas de café ou máquinas de ensinar, planos para uma casa ou planos para um curso. Trata-se de uma atividade que consiste simplesmente na junção e combinação de dados de desempenho com um conjunto ponderado de escalas de objetivos para gerar listas comparativas ou numéricas, com base (a) nos instrumentos de coleta de dados, (b) nas ponderações e (c) na seleção dos objetivos”. (SCRIVEN, 1967, p.40 apud TARAS, 2010).

No entanto, ainda que exista certa ideia ou definição acerca de avaliação no imaginário coletivo - seja pela semântica da palavra, seja pelas experiências avaliativas a que as pessoas se submetem no decorrer da vida - esta definição, ao decorrer do tempo, não se manteve única e imutável (MADAUS e STUFFLEBEAM, 2000). Black (1997) define avaliação como:

“um termo genérico que engloba todos os métodos habitualmente utilizados para aferir o desempenho de um aluno ou um grupo. Pode referir-se a uma ampla avaliação, incluindo muitas fontes de evidências e muitos aspectos do conhecimento, compreensão, habilidades e atitudes de um aluno, ou

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para uma ocasião ou instrumento particular. E instrumento de avaliação pode ser qualquer método de procedimento, formal ou informal para a produção de informações sobre alunos”.

Autores como Gatti (2003), Villas Boas (2007) trazem definições e propósitos acerca da avaliação que a descrevem como ferramenta de ensino e aprendizagem, agindo como um instrumento que permite análises acerca do desempenho conforme ele ocorre, de modo que se aperfeiçoem esses dois processos educacionais.

Historicamente, a avaliação, seus métodos e objetivos também passaram por mudanças. De acordo com Fernandes (2009), a era inicial da avaliação é marcada pela aferição de habilidades e competências associadas a técnicas e processos técnicos, como testes de inteligência ou exames psicológicos. Foram esses testes que permitiram a hierarquização e classificação dos submetidos a essas medidas. Essa era inicial ocorreu no período entre 1900 e 1930, é após ela, graças a Ralph Tyler, houve uma mudança na forma de avaliar (FERNANDES, 2009). Marcom (2015) traz em sua pesquisa que há um novo paradigma relacionado às avaliações, trazido por Tyler, ao propor que estas tratem por descrever os resultados educacionais obtidos por alunos (FERNANDES, 2004). Tyler relaciona as avaliações a objetivos educacionais baseados num currículo escolar a ser trabalhado pelos professores, de tal modo que as avaliações então se tornam instrumentos para descrever pontos fortes e fracos dos alunos, e também quantificar e qualificar seus resultados frente aos currículos. Dessa forma, a avaliação tem em si um potencial caráter descritivo do processo educacional e da aprendizagem do aluno (FERNANDES, 2004). Nota-se uma nova visão da avaliação, em termos de

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interpretar os agentes educacionais e ser interpretada pelos mesmos, acompanhando a evolução das teorias educacionais de ensino e aprendizagem.

2.1.2 Objetivos da Avaliação

Presentes no sistema escolar brasileiro, as avaliações escolares apresentam como objetivo verificar o aprendizado dos alunos, atribuindo uma nota ao conjunto dos conhecimentos aprendidos e apreendidos pelos alunos, sejam essas avaliações as tradicionais de sala de aula ou exames de larga escala. O resultado das avaliações impacta no futuro acadêmico dos discentes, que pode incluir aulas de reforço, novas avaliações com o intuito de “recuperar” o conteúdo não aprendido, e a aprovação ou não, para seguir no curso de ensino, estando então apto a cursar o ano escolar seguinte. Uma característica marcante das avaliações escolares brasileiras é que é o próprio professor quem prepara a avaliação, baseado justamente em suas aulas ministradas. Desta forma, de acordo com Gatti (2003), o professor se torna responsável pela avaliação e pelo processo avaliado, podendo-se utilizar de diversas ferramentas e metodologias para proceder com a avaliação.

Essas metodologias podem variar não somente com características pessoais do responsável pela avaliação – que pode ou não ter um método de preferência pessoal – mas também daquilo que se espera avaliar. Com uma ampla gama de aspectos educacionais passíveis de avaliação, tem-se também variados métodos para realizar tais aferições: perguntas dissertativas (abertas), perguntas com alternativas, dentre as quais os alunos devem escolher a que mais julgarem adequada (fechadas), trabalhos e projetos em grupo e apresentações orais são alguns exemplos dessas possíveis metodologias. Os critérios para julgar o

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desempenho discente em cada metodologia são estabelecidos pelo professor, de modo que, espera-se, ele possa compreender o processo de aprendizagem de seus alunos e dar a eles um retorno sobre esse desempenho, não apenas atribuindo uma nota, a qual por si só traz pouco ou nenhum significado.

Fernandes (2009) aponta para o fato de a avaliação estar inserida na cultura escolar, afirmando que a identidade e a autoridade pedagógica do professor estão, em grande parte, baseadas no exercício da avaliação.

Alguns autores defendem uma correção na estrutura e relação das avaliações com os processos de ensino e aprendizagem. Fernandes (2009), Ebenezer e Gaskell (1995) e Klassen (2006), apontam para que as verificações de conhecimento do aluno sejam feitas de maneiras diferentes, contextualizadas à realidade do aluno, para que ele mobilize as habilidades necessárias intrínsecas e extrínsecas a ele adequadamente para enfrentar as situações problema apresentadas, e tenha uma aprendizagem efetiva e satisfatória, conforme diz Fernandes (2009, p.33): “conhecer alguma coisa significa ter de interpretá-la e ter de relacioná-la com outros conhecimentos já adquiridos. Além disso, hoje se reconhece que não basta saber como desempenhar uma dada tarefa, mas é preciso saber quando desempenhá-la e como adaptar esse desempenho a novas situações”.

Com as ideias de Tyler reverberando, Fernandes (2009) aponta que foi entre os anos de 1958 a 1972 que as ideias contemporâneas sobre avaliação e seus processos se estabeleceram em diferentes países. É nesse período, por exemplo, que os exames de larga escala se tornam populares, e autores como Bloom e Scriven (FERNANDES, 2009) divulgam suas ideias e reflexões acerca dos processos avaliativos.

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Assim, de acordo com Luckesi (1998), as avaliações de larga escala assumem papel fundamental de verificação do programa pedagógico previamente estabelecido, podendo a aferição ser utilizada por professores sobre seus alunos, escolas sobre alunos, bem como órgãos governamentais sobre instituições de ensino - como Secretarias de Educação ou mesmo o Ministério da Educação, a fim de modificar de maneira micro e macro os rumos educacionais.

As práticas de avaliação de larga escala atuais no Brasil, bem como a forma de utilização dos resultados, precisam ser modificadas e atualizadas. Se assim não se fizerem, rapidamente se tornam defasadas em relação às exigências curriculares e sociais - e aqui cabe ressaltar que existe uma relação de reciprocidade quanto à causa-e-efeito: as exigências sociais podem pautar evoluções curriculares, e evoluções curriculares podem pautar exigências sociais.

2.1.3 Avaliação Somativa e Formativa

Perrenoud (1999) aponta que as avaliações situam-se entre duas lógicas: uma a serviço da seleção (avaliação somativa) e outra a serviço da aprendizagem (avaliação formativa), e que estas não são mutuamente excludentes. O autor observa que, ainda que lentamente, ocorre uma mudança da busca pela excelência em uma avaliação somativa representada pelas notas altas para uma avaliação mais formativa e mais próxima dos processos de aprendizagem. Ao mesmo tempo, deixa elucidado que antes desse propósito, a avaliação regula todo o modus operandi do contexto escolar, mantendo seu status quo de atividades e processos já estabelecidos, bem como as relações existentes no meio escolar.

É a partir da década de 70 que essas mudanças começam a se tornar mais visíveis. Sob a ótica das análises de Bloom, a avaliação passa a ter um papel

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determinante no aprendizado, não agindo somente como uma ferramenta da classificação e hierarquização, porém se colocando a serviço da aprendizagem. Essa nova forma de avaliar recebe o nome de avaliação formativa, e se objetiva também a entender os processos de aprendizagem e regulá-los, com propostas de compreender individualmente estes processos. De acordo com Bain (1988, p. 24) “a avaliação formativa está, portanto, centrada essencial, direta e imediatamente sobre a gestão das aprendizagens dos alunos (pelo professor e pelos interessados)”, devendo então o professor ter uma visão mais próxima e sensível perante seus alunos.

Taras (2010) diz que as avaliações formativas e somativas estão sendo definidas, cada vez mais, a partir de suas funções. Pode-se encontrar definições acerca dessas avaliações a partir também de suas características. A autora diz:

“A avaliação formativa ocorre quando os professores utilizam as informações obtidas por meio da avaliação para auxiliar os alunos a aprenderem mais e melhor. Assim, o proposito principal da avaliação é apoiar uma aprendizagem de melhor qualidade.” (Taras, 2010, p. 3).

Taras (2010) caracteriza a avaliação formativa como sendo uma ferramenta que oferece feedback aos avaliados interessados, que também é citado por Black (2009). Para que haja o retorno construtivo, resultado das avaliações, aos alunos e/ou envolvidos na avaliação que desejarem um retorno acerca de seu desempenho, é necessário que a avaliação não seja analisada por si só. Isto é, que todo o desenvolvimento do aluno seja acompanhado, que suas atividades, participação, e também o desempenho sejam continuamente monitorados pelo professor, a fim de produzir um diagnóstico mais confiável. Dessa maneira, o retorno oferecido pelo feedback representa algo não de caráter probatório, mas sim como

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uma ferramenta que serve para “harmonizar, apoiar, orientar, melhorar o processo de ensino aprendizagem, preocupando-se com a função de formar o aluno” (GONÇALVES JUNIOR, p. 7, 2012).

A avaliação formativa também pode ser instrumento passível de utilização para democratizar os sistemas educativos. Ao utilizar os resultados da avaliação de maneira formativa, os professores podem indagar se suas metodologias para ensino oferecem as mesmas oportunidades de aprendizado para todos os alunos; se eles podem alcançar seus objetivos pessoais, de acordo com suas motivações, interesses e saberes, e se a todos é dada uma formação e educação de forma que se integrem plenamente na sociedade (Fernandes, 2009). Sem esse propósito de auxílio aos processos de aprendizagem, servindo apenas para registro e comunicação de desempenho, a avaliação é chamada de somativa (HARLEN, 2006).

2.1.4 Avaliação de Larga Escala

Avaliações em larga escala são entendidas como avaliações externas ao ambiente escolar; aplicadas a um grande número de candidatos; e que permitem uma observação do panorama de um recorte específico do sistema de ensino. Principalmente o fato de observar um perfil estudantil em milhares de alunos a avaliação “torna-se uma ferramenta útil a favor do ensino” (BRITO, 2015), por conseguir coletar informações que permitem caracterizar o conjunto dos estudantes que fazem a prova, como também informações que possibilitem uma visão crítica acerca do sistema educacional a partir dos resultados obtidos.

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2.1.4.1 Histórico das Avaliações de Larga Escala no Brasil

Em sua dissertação de mestrado, Brito (2015) traz um histórico das avaliações de larga escala no Brasil, expondo que iniciativas desta natureza remetem à década de 1960, com o surgimento do Centro de Estudos de Testes e Pesquisas Psicológicas (CETPP), no Rio de Janeiro. Apoiada no trabalho de Gatti (2009), Brito aponta que a criação do CETPP resultou na primeira aplicação de uma avaliação em larga escala a alunos do último ano do Ensino Médio, com conteúdos escolares de Linguagens, Matemática, Ciências Sociais, Ciências Físicas e Naturais, sendo que também foram aplicados a estes alunos questionários socioeconômicos. O CETPP realizou, além disso, cursos sobre confecção de provas objetivas e a publicação de estudos ligados à avaliação educacional.

A partir deste momento citado, diversas outras iniciativas de avaliação em larga escala surgiram no país, em escalas estaduais - como o caso do Paraná,

Avaliação do Rendimento de Alunos das segundas e quartas Séries de Escolas Oficiais do Estado do Paraná (VIANNA & GATTI, 1988; VIANNA, 1989), em escalas

regionais - como a Avaliação do Rendimento de Alunos de Escolas de 1º grau da

Rede Pública, que envolveu as cidades de Belém, São Luís, Natal, Recife, Aracaju,

Belo Horizonte, Niterói, Florianópolis, Cuiabá e Brasília (VIANNA, 1988), e também a criação do Programa de Expansão e Melhoria da Educação no Meio Rural do Nordeste, envolvendo 400 municípios dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, sendo este projeto inclusive avaliado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) (CORSETTI, 2012).

Foi em 1988 que o Ministério da Educação (MEC) aplica pela primeira vez um piloto do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público (SAEP), que veio para suprir a necessidade de verificação e monitoramento do sistema educacional

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em nível nacional, bem como o desempenho dos alunos nos diversos ciclos de aprendizagem. Compreendido num período de 1988 a 1993, o SAEP deixa de existir para dar lugar ao recém-criado pelo MEC Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), realizado anualmente por uma amostra nacional de alunos, envolvendo estudantes do ensino fundamental e médio. O SAEB foi criado com o objetivo de, a partir da sua avaliação da Educação Básica, ajudar na melhora e evolução da qualidade da educação, através de políticas públicas voltadas justamente para a Educação Básica (BRASIL, 2002, p. 9 apud BRITO, 2015).

Inicialmente o SAEB consistia em prova de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências, sendo esta última retirada em seu segundo ciclo de existência. Num terceiro momento, em 1997, provas das Ciências Naturais (Biologia, Química e Física) foram incluídas para os estudantes do Ensino Médio e a prova de Ciências retorna para os alunos de quartas e oitavas séries do Ensino Fundamental (BONAMINO e FRANCO, 1999).

É importante ter em consideração que em 1996 há a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), regulamentando e definindo os princípios e objetivos da educação nacional. A partir desta lei, em seu artigo 2º, fica estabelecido o dever compartilhado entre o estado e a família do educando pela sua educação, que, como estabelecido no artigo 22º, tem como “finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. (BRASIL, 1996, p.9)”.

A LDB sistematiza também a obrigação do estado em avaliar a educação, e através dessas avaliações - externas e de larga escala - promover políticas públicas que visem a melhora da educação nacional.

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No estado de São Paulo, em 1996, é criado o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo - Saresp. O Saresp é uma avaliação que afere o rendimento escolar de centenas de milhares de estudantes anualmente, gerando indicadores de desempenho dos estudantes, e que, a partir deste desempenho, coloca à disposição da comunidade escolar e da população em geral os escores acumulados da avaliação e uma série de estudos estatísticos e pedagógicos (SÃO PAULO, 2005). O Saresp avalia, atualmente, habilidades cognitivas relacionadas à Leitura e Escrita e também à Matemática, fundamentadas a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e o que de fato ocorre no sistema de ensino paulista. A partir dos resultados do Saresp, os gestores e educadores podem monitorar o ensino em cada escola, bem como reorientar seu trabalho pedagógico dentro de sala de aula, conhecendo as demandas de cada unidade escolar.

É a partir da promulgação da LDB, que é criado, em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM.

2.2 O ENEM

2.2.1 Panorama Geral

O ENEM é um exame de larga escala criado em 1998 pelo Ministério da Educação (MEC), realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), com o objetivo de avaliar o aluno ao término da escolaridade básica: o ensino médio (INEP, 1998). Essa avaliação era proposta tanto em aspectos educacionais estritos - ou seja, o desempenho escolar dos candidatos, quanto também em aspectos relacionados ao aprendizado e

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desenvolvimento de competências e características básicas dos alunos para exercer sua cidadania.

Criado fundamentalmente para “avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento das competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania” (INEP, 1998), o exame também pretendia oferecer uma auto-avaliação sobre seu aprendizado para que o próprio candidato pudesse realizar suas análises, auxiliando em decisões sobre escolhas futuras em relação aos seus estudos e/ou ingresso no mercado de trabalho, bem como oferecer uma forma alternativa de seleção para o mercado de trabalho e também para o ingresso em cursos de nível superior ou profissionalizantes (INEP, 1998).

Enquanto manteve sua estrutura de prova desde sua criação até 2008, nesse período, com o crescimento do número de inscritos, sua relevância e reconhecimento no cenário educacional do país fez com que os resultados individuais do exame pudessem ser utilizados pelos candidatos para pleitear vagas em Instituições de Ensino Superior (IES), públicas ou privadas, utilizando suas notas como critério definido por estas instituições, podendo ser critério de composição de nota total ou parcial em seus próprios exames de admissão.

O Programa Universidade para Todos (Prouni), criado pelo governo federal em 2004, é um programa de concessão de bolsas de estudo para alunos matriculados em IES privadas, estabelecido pela Lei nº 11.096/2005. Para participar do Prouni, estes alunos devem ter realizado o ENEM na edição anterior ao seu ano de ingresso na IES, e seu desempenho no exame se torna critério para contemplação de uma bolsa do programa.

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Em 2009 o ENEM passa por uma grande reformulação estrutural: antes com 63 itens de múltipla escolha e uma redação, passa a ser composto por 4 provas (Ciências Humanas e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Linguagens e Códigos e, por fim, Matemática e suas Tecnologias), com 45 itens de múltipla escolha cada, e uma redação. Essa mudança marca também o a utilização dos resultados do ENEM para o ingresso ao ensino superior, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que foi instituído pela portaria normativa número 21, de 5 de novembro de 2012. O Sisu é uma plataforma eletrônica do MEC que, com o resultado individual do candidato no ENEM, serve como ferramenta para realizar a seleção dos candidatos nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). com essa mudança nas características do exame, mudaram também seus objetivos: o ENEM passa a ser o maior exame de seleção para ingresso em IES. Acreditamos que, devido ao fato do ENEM se tornar uma ferramenta de seleção cada vez mais utilizada por diferentes IES, o interesse pelo exame por parte dos agentes educacionais - sejam eles diretores, professores, alunos ou até mesmo políticos – aumenta de forma significativa. É a partir desse momento que o desempenho do candidato no ENEM passa a ser critério para obtenção de auxílio financeiro para custeio de mensalidades em IES privadas através do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).

Deste modo, o ENEM pode ser entendido como um exame de larga escala, tanto pela abrangência que se propôs e alcançou, quanto pelas características de nivelamento da aplicação da prova entre os candidatos (GONÇALVES JUNIOR e BARROSO, 2014). Há também de se considerar o fato que os resultados são padronizados, podendo estes serem comparados com uma

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média geral ou qualquer grupo que possa ser de interesse, como por exemplo médias estaduais, municipais, ou até mesmo dentro da própria escola.

Na portaria 109, de 27 de maio de 2009 (BRASIL, 2009), fica estabelecido o novo ENEM, que tem como objetivos

I - oferecer uma referência para que cada cidadão possa proceder à sua auto-avaliação com vistas às suas escolhas futuras, tanto em relação ao mundo do trabalho quanto em relação à continuidade de estudos;

II - estruturar uma avaliação ao final da educação básica que sirva como modalidade alternativa ou complementar aos processos de seleção nos diferentes setores do mundo do trabalho;

III - estruturar uma avaliação ao final da educação básica que sirva como modalidade alternativa ou complementar aos exames de acesso aos cursos profissionalizantes, pós-médios e à Educação Superior;

IV - possibilitar a participação e criar condições de acesso a programas governamentais;

V - promover a certificação de jovens e adultos no nível de conclusão do ensino médio nos termos do artigo 38, §§ 1o - e 2o - da Lei no - 9.394/96 - Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB);

VI - promover avaliação do desempenho acadêmico das escolas de ensino médio, de forma que cada unidade escolar receba o resultado global;

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VII - promover avaliação do desempenho acadêmico dos estudantes ingressantes nas Instituições de Educação Superior; (BRASIL, 2009).

O ENEM, então, se propõe a ser uma avaliação formativa, por fornecer uma referência para que o candidato faça uma autoavaliação do seu rendimento. Ao mesmo tempo, a citada referência não está clara nem disponível de maneira direta aos candidatos, dificultando ou impossibilitando a reflexão acerca de seu desempenho. Em outras palavras, apesar de sua proposta, na prática o ENEM se caracteriza como uma avaliação somativa, justamente por não fornecer as ferramentas necessárias de feedback para que os indivíduos possam criticamente analisar seus desempenhos e pontos de melhoria.

Apesar disso, decorrente da portaria citada, o exame passa a ser a maior prova para ingresso em IES, parcial ou totalmente, e em sua maioria instituições federais. Também passou a ser critério para a concessão de bolsas em IES particulares através do Programa Universidade para Todos (PROUNI), atrelando as bolsas ao desempenho dos candidatos na prova e também tendo caráter de avaliação do desempenho do ensino médio nacional.

Com essas mudanças, o ENEM se projeta como o maior exame vestibular do país, tendo, consequentemente, sua importância aumentada pelo fato de que o ensino - em seus conteúdos e metodologias - no país é, oficialmente ou não, norteado por estes exames, como apresentado por Silveira e Esquinsani (2013).

Ao se tornar a maior avaliação do país, e dadas as condições para que qualquer aluno possa prestá-la - seja pela ampla geografia e logística de aplicação, seja pelas condições financeiras acessíveis para a inscrição, como redução parcial

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ou total da taxa de inscrição - o ENEM atrai para si maior atenção por parte da comunidade escolar (MARCOM e KLEINKE, 2016). Estas novas configurações do exame levaram a um crescimento do número de inscritos, que desde 2009 tem números maiores que das edições do antigo ENEM. Apesar de não ser uma avaliação do sistema educacional, o ENEM não deixa de ser um indicador relevante sobre a educação básica, também fornecendo uma avaliação individual para o candidato (GONÇALVES JR e BARROSO, 2014).

As inscrições do ENEM têm tendência de crescimento desde sua implantação, como apresentado a seguir.

Figura 1. Evolução das Inscrições do ENEM. Fonte: autor.

Apesar de ter iniciado sem esse caráter, hoje o ENEM se tornou o maior exame de acesso ao Ensino Superior no país, e o segundo maior do mundo, atrás apenas do Gaokao (BRASIL, 2015), o exame vestibular nacional chinês. Mesmo não tendo obrigatoriedade em sua realização por parte dos estudantes/concluintes do Ensino Médio, o exame é reconhecido como ferramenta de seleção para as IES, tornando-o válido nesse aspecto.

0 2.000.000 4.000.000 6.000.000 8.000.000 10.000.000 12.000.000 Inscritos Ano

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2.3 Capital Cultural e o percurso escolar

As questões relativas às pesquisas educacionais com abordagens quantitativas ou que utilizam ferramentas estatísticas no tratamento de dados são de interesse de organismos internacionais desde a década de 1950 (FREITAS, 2005). Na mesma linha dos trabalhos anteriores, na década de 1960 foi implementado um estudo chamado Equality of Education Opportunity, mais conhecido como Coleman

Report; o qual foi realizado com vistas a estudar como as oportunidades

educacionais estavam repartidas entre os alunos de diferentes classes sociais dos Estados Unidos. Como forma de validar o resultado desse estudo, Nascimento et al (2017) aponta que ele foi realizado a partir da aplicação de 645 mil questionários, aplicados entre alunos e professores da comunidade acadêmica norte americana do período. O Coleman Report apontou como resultado principal que o nível socioeconômico dos alunos possui forte relação com seu desempenho escolar, enquanto que características relacionadas às escolas e aos professores, apesar de também significativamente importantes, possuem relevância menor.

Ainda em seu trabalho, Nascimento et al (2018) apontam que, apesar de alguns estudos já relatarem que condições socioeconômicas muito baixas influenciam negativamente as funções mentais e cognitivas dos alunos desde os anos da primeira infância, outras variáveis, como envolvimento familiar, nível de instrução dos pais e outros fatores também influenciam significativamente o desempenho escolar, quando se considera um intervalo de tempo maior dentro do percurso escolar do indivíduo. É na junção desses dois fatores, então, que o status socioeconômico torna-se um fator de influência no desempenho a longo prazo, mesmo que ele não seja tão acentuado a ponto de prejudicar as faculdades cognitivas do indivíduo.

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Nesse contexto, ainda na década de 1960 e 1970, o sociólogo francês Pierre Bourdieu se dedica a estudar e entender os fatores que estão associados ao desempenho escolar do indivíduo, no decorrer deste percurso.

Bourdieu (2015) coloca uma forte crítica à visão social da escola como instrumento de mudança de vida, ao dizer:

“É provavelmente por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da “escola libertadora”, quando, ao contrário, tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural”. (BOURDIEU, 2015)

Ainda neste trabalho, o autor traz dados que mostram que o ingresso no ensino superior tem influência do acúmulo de características sociais, econômicas e culturais do círculo social dos alunos, de modo que “um jovem da camada superior tem oitenta vezes mais chances de entrar na universidade do que um filho de um assalariado agrícola e quarenta vezes mais do que um filho de operário, e suas chances são, ainda, duas vezes superiores àquelas de um jovem de classe média” (BOURDIEU, 2015). Isso se dá pelo fato de que cada família - e aqui cabe, para dias atuais, a interpretação de família como sendo o grupo social de convívio direto e próximo dos alunos - transmite aos estudantes, mais por vias indiretas que diretas, determinado capital cultural e valores implícitos que contribuem para determinar o modo de encarar a instituição escolar e suas atividades. Corroborando essas afirmações, Clerc (1964) afirma que, para formações acadêmicas similares, a renda dos pais não afeta o desempenho e o êxito escolar dos alunos. Em contrapartida, também afirma que para rendas iguais, formações diferentes influenciam o êxito, de

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modo que pais diplomados têm filhos com maior êxito acadêmico, uma maior chance de virem a ser também diplomados. Apesar originalmente publicada na década de 1960, essa análise ainda se mostra assertiva, podendo levar à conclusão de que os fatores de êxito escolar estejam mais fortemente ligados a aspectos culturais dos pais, responsáveis e do grupo familiar do estudante, do que fatores puramente de renda. Não se deve, no entanto, desprezar o fator renda. A questão aqui é como a renda está atrelada à ocupação, e como essa ocupação traz como pressuposto um capital cultural que, inclusive, diz muito sobre a própria relação da pessoa com a escola e as instituições e atividades escolares. Ou seja, o sucesso escolar por muitas vezes atribuído a um “dom natural” do estudante, é claramente resultado de diversos fatores que incluem a relação com a instituição escolar, o modo de encarar a educação, que por sua vez é produto de transmissão de capital cultural do círculo familiar do aluno.

A conceituação do capital cultural surge em Bourdieu e Passeron (1964). É um conceito baseado em estruturas e sistemas simbólicos, como a cultura, a língua, a arte e a ciência, que é utilizado para explicar a construção do mundo e também apreender a dominação social existente na sociedade, uma vez que são grupos dominantes que possuem tal capital e legitimam sua dominância através dessa posse (ALMEIDA, 2007). No entanto, não é apenas dessa posse que se faz a legitimação: há também o controle do capital econômico e do capital social, este último podendo ser entendido como “o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações (...), ou, em outros termos, à

vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de

propriedades comuns, mas também são unidos por ligações permanentes e úteis.” (BOURDIEU, 2015(c)).

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A influência do capital cultural no percurso escolar se dá a partir de como ele pode estar presente na vida social de um estudante. E essa presença tem três estados: o estado incorporado, que envolve o que já está assimilado pelas pessoas que o possuem, algo que requer tempo e trabalho de inculcação, uma propriedade que se torna parte integrante da pessoa, o estado objetivado, que é o capital representado por itens materiais, tais como obras de arte, escritos, esculturas, etc., e o estado institucionalizado, representado pelo que se assume e se valida sob a forma de um diploma, de uma certificação (BOURDIEU, 2015(d)).

As relações entre os três estados permitem entender como se dá a influência do capital cultural na mudança de classe e desempenho escolar das pessoas: para adquirir capital cultural em seu estado incorporado, a pessoa necessita investir tempo em contato com esse capital, que não se transfere via procuração, é a percepção, a atitude frente a situações - escolares, por exemplo, como é o objetivo deste trabalho - e sua incorporação através do contato com um círculo de pessoas que também detenham tal capital, e o exponham de maneira natural (ou premeditada, como por exemplo no caso de professores ou especialistas em um determinado assunto), ou seja, que de fato o tenha em seu estado incorporado. É diferente do estado objetivado, onde as materializações do capital cultural podem ser transferidas, mas isso não se torna suficiente para que este estado obtido se torne incorporado pela pessoa. Por fim, deve-se entender que o estado institucionalizado traz, a partir da certificação escolar, a possibilidade de comparação entre os diplomados, e permite também uma conversão entre o capital cultural e o capital econômico, quantificando em cifras a posse do capital cultural, de tal modo que essa quantificação acaba por estabelecer o “valor” de um diploma na sociedade, e que então, coloca o investimento no percurso escolar algo válido

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apenas se ele tiver rentabilidade, se ele tiver um retorno econômico garantido (BOURDIEU, 2015(d)).

É válido ressaltar que a teoria social de Bourdieu não está isenta de críticas. Nogueira e Nogueira (2002) apontam que a eficácia da transmissão do capital cultural, dada de maneira indireta, depende de diversos fatores intra-familiares, como as “relações de interdependência social e afetiva entre seus membros”. Há também a ponderação de que esse trabalho de transmissão requer um comportamento ativo dos portadores para com os não portadores, e que esse trabalho pode ou não ser bem sucedido (SINGLY, 1996), confrontando a ideia de transmissão osmótica de Bourdieu.

O acesso à educação superior, mesmo com exames de larga escala padronizados, não é igualitário. Isto é, o sucesso obtido ou não ao se pleitear tal vaga está relacionado a fatores como os já citados pela teoria de Bourdieu, em menor ou maior intensidade. Estudos mostram que, nos Estados Unidos, o desempenho de estudantes pertencentes a grupos de minoria social em exames externos como o Scholastic Assessment Test (SAT) ou o American College Testing (ACT) é menor que os de grupos sociais historicamente mais favorecidos (WALPOLE, 2005; HORVAT, 2001, apud OLIVEIRA, 2014). No Brasil, estudos como o de Andrade (2012) dão a perspectiva em relação à essa característica, mostrando que, analisado o acesso ao ensino superior pela renda, 60% dos jovens de 18 a 24 anos chegam ao ensino superior, se pertencerem ao grupo formado pelos 20% mais ricos, enquanto o acesso é de apenas 3% para o grupo formado pelos 20% mais pobres. Se analisado sob o aspecto étnico, a porcentagem dos jovens brancos que chegam ao ensino superior é de 28%, enquanto os de não brancos é de 11%.

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Nesse aspecto, mesmo exames de larga escala e avaliações que se proponham ser isentos e idôneos acabam por não estarem imunes à fatores que afetem o desempenho escolar, que não a própria escola e percurso escolar, como mostram os trabalhos de Nascimento et al (2018), Silva Junior e Amorim (2013), Palermo et al (2014), Almeida Pinto (2015), Kleinke (2017) e Marcom e Kleinke (2014).

2.4 Devolutivas Pedagógicas

Em sua dissertação de mestrado, Stadler (2017) fez um mapeamento de trabalhos que relacionam, entre outros aspectos, avaliações em larga escala ao ensino-aprendizagem. Como padrão das pesquisas trabalhadas, ela aponta para a convergência da preocupação dos professores para com os resultados de tais avaliações, bem como com a qualidade do ensino e do êxito dos seus alunos nas suas respectivas trajetórias escolares. Além disso, uma observação preocupante é de que além da pressão sofrida pelos docentes em relação aos exames de larga escala, a autora diz que “ficou evidente o despreparo e desamparo dos professores alfabetizadores quanto às informações e conhecimentos sobre os objetivos e funções das avaliações externas, bem como suas buscas por bons resultados da escola e dos alunos. Esses fatores induzem à responsabilização, por parte do governo, sobre os professores, quanto aos resultados alcançados.” (STADLER, 2017. p. 33).

As informações relativas aos resultados dos exames de larga escala aplicados dependem de quem realiza e de quem aplica o exame, variando forma e tipo da informação divulgada como resultado. Essas devolutivas dos resultados podem dificultar a leitura e a interpretação por parte dos professores e demais

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agentes escolares, que precisam dominar diversos estilos de apresentação das informações para interpretar os resultados das provas que lhes forem pertinentes, bem como apresentar domínio em teorias educacionais que consigam embasar a associação entre os resultados e os alunos de modo geral.

No caso do ENEM, estudado neste trabalho, os dados são divulgados e publicados oficialmente pelo INEP, disponibilizados para download em seu site para qualquer um que tenha acesso à internet. No entanto, essas informações são apresentadas na forma de microdados, isto é, arquivos de computador no formato de planilhas com milhões de linhas e centenas de colunas de informação. Nesses arquivos, cada linha representa um candidato que realizou o exame, e as diversas colunas descrevem os dados relativos àquele aluno; desde qual a escola onde estudou, se ela é particular ou pública, qual a escolaridade de seus pais, acrescidas de uma série de respostas ao questionário socioeconômico, além de permitir o acesso às alternativas escolhidas para cada item da prova.

Esse tipo de divulgação permite que os dados sejam tratados e analisados de acordo com diferentes perspectivas, olhando para resultados referentes à diferentes grupos de controle, como por exemplo alunos concluintes no ano em que prestaram o exame (grupo analisado por este trabalho), ou por escola, município, entre outros.

Mesmo com essa disponibilização dos resultados, Stadler aponta para o fato de que:

“(...) pesquisas já realizadas, (...) revelam que há muita dificuldade de acesso, interpretação e utilização dos referidos dados no âmbito das redes de ensino e das escolas que as integram, ou seja, por parte dos gestores educacionais, equipes pedagógicas e professores. O que se tem constatado é que não basta que os resultados sejam publicados e disponibilizados

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publicamente, mas como eles são interpretados e utilizados na organização das escolas e nas práticas pedagógicas dos professores.” (Stadler, 2017. p. 107)

A divulgação dos resultados dos exames sem que exista cuidado no tratamento dos dados ou na contextualização dos resultados, põe em risco o entendimento e a interpretação destes resultados por agentes escolares e mesmo pela sociedade em geral. É comum encontrar notícias veiculadas pela imprensa, ou mesmo propagandas de escolas privadas que trazem os resultados dos exames de forma a ranquear as escolas frente a um exame de larga escala, como é o caso do ENEM. Mesmo que os dados sejam tratados, e as devolutivas sejam feitas por órgãos oficiais ou aqueles que aplicaram a prova, falta um preparo e conhecimento dos fundamentos teóricos utilizados para a elaboração das devolutivas, bem como as potencialidades de utilização destes documentos pelos professores no ensino e na aprendizagem dos alunos.

O INEP criou, em 2017, uma plataforma online onde disponibiliza devolutivas pedagógicas para os exames de larga escala, chamado Plataforma Devolutivas Pedagógicas1. O objetivo da iniciativa é, de acordo com o INEP1, promover melhora no desempenho dos estudantes da educação básica, explicitar para a comunidade escolar (professores e gestores) quais as habilidades verificadas pelo SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), e, além de proporcionar a apropriação, pela comunidade escolar, dos resultados das avaliações em larga escala, que essa apropriação colabore para o desenvolvimento das atividades de ensino.

1

Acessível através do endereço eletrônico: http://devolutivas.inep.gov.br/

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