CLUSÃO E TEATRO ESPONTÂNEO:NOVOS
REGIMES
VERDADE?
JIHGFEDCBA
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zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
INCLUSION ANO SPONTANEOUS
THEATRE: NEW MOOES OF TRUTH?
SUMO
oZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a r t i g o a p r e s e n t a u m a r e f l e x ã o a r e s p e i t o d o - t r o e s p o n t â n e o e d o m o v i m e n t o i n c l u s i v o à l u z d o s a m e n t o d e M i c h e l F o u c a u l t e s u a c r í t i c a àr n i d a d e .
vras chave: verdade, poder, teatro espontâneo,
osão.
T h e a r t i c l e p r e s e n t s a r e f l e c t i o n a b o u t s p o n t a
-! L S t h e a t e r a n d i n c l u s i v e m o v i m e n t i n t h e l i g h t o f e l F o u c a u l t ' s t h o u g h t a n d h i s c r i t i q u e t o - r n i t y .
. words: truth,
power, spontaneous
theater,
-=lusi· on.
DADE! VERDADE? VERDADES ...
A hegemonia da verdade universal/essencial e
crição de sua prática, parece ser a inquietação
tral das análises históricas na obra de Michel ult.
Se pensássemos na obra de Foucault como
aturgia, diríamos trata-se de " uma história que , não contava".
Segundo a abordagem dramatúrgica ou psico-. " ca, Foucault é autor e ator de um tempo, de
- trama e um drama.
Enquanto autor, ele pensa, questiona, pesquisa
trói um enredo - uma crítica à modernidade e
NORMA SILVIA TRINDADE DE LIMA1
ao regime de verdade e poder hegemônico, que
apoi-ando-se em universais, prescreve e homogeneiza o
homem.
Diferente da versão tradicional e dominante, que
narra uma história como se fosse a verdade original, universal, natural, evolutiva e ordenada por uma
cro-nologia linear, ele nos apresenta uma nova versão. Sua nova versão, buscou metodologicamente os
descaminhos, as rupturas que, excluídas da
meto-dologia tradicional de análise histórica, sinalizam uma
modificação de enunciados e práticas sociais. Como ele mesmo comenta, sua questão foi:
. . . c o m oép o s s í v e l q u e s e t e n h a e m c e r t o s m o -m e n t o s e e m c e r t a s o r d e n s d e s a b e r , [ . . . ] , t r a n s f o r m a ç õ e s q u e n ã o c o r r e s p o n d e m à i m a g e m t r a n q u i l a e c o n t i n u i s t a q u e n o r m a l -m e n t e s e f a z ? [ . . . ] E m s u m a , p r o b l e m a d e r e g i m e , d e p o l í t i c a d o e n u n c i a d o c i e n t í f i c o (Foucault, 1998, pagA).
Sendo assim, sua versão ou seu enredo, não é
uma teoria, são fragmentos locais, baseiam-se nas descontinuidades históricas, nos acontecimentos e se
pretente instrumento de luta política, uma "caixa de
ferramentas" para a resistência.
Seu enredo destaca a tecitura de urna trama, onde
os personagens são constituídos e o enredo é prescritivo.
O palco é a modemidade, lugar espacial onde
se desenrola este enredo.
O cenário, sendo a arnbientação temporal, his-tórica e cênica onde o espetáculo acontece,
caracteri-za a sociedade disciplinar, sendo sua metáfora, a
arquitetura panóptica. Todos são, todo o tempo,
vigia-dos, ocupados e submetidos a um padrão de conduta,
desempenho e ética.
etoranda na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, integrante do LEPED - Laboratório de pesquisas e - s em ensino e diversidade/FEIUnicamp; Mestre em Educação pela Faculdade de Educação, Departamento de Metodologia de
=~'unicamp; Psicóloga e psicoterapeuta, com especialização em Psicodrama pelo Instituto de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo
pinas.
No papel de ator, ele é o personagem pro-tagônico. Isto é, ele agoniza e explicita o dano de um
tempo, a prescrição de um regime de verdade
hegemônico, ou seja, o drama do sujeito moderno normatizado pelas instituições sociais de uma
socie-dade que caracteriza-se como disciplinar.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a
s c r i p t ou enredo é soberano, estruturado edefinido neste espetáculo, sobre o qual FoucauIt
es-creve.
JIHGFEDCBA
É ,portanto, previsível.a
diretor para esse tipo de espetáculo deve ser sistemático, controlador, onipresente (as autoridades,as instituições e outras instâncias de poder).
-Para viabilizar o espetáculo, os personagens
complementam o script e o diretor. Devem ser
obedi-entes e submetíveis às normas. Para tanto, devem ter
disciplina a fim de desempenharem o padrão
ideali-zado pela harmonia e evolução do espetáculo. Não é
recomendável a improvisação.
A platéia é inexistente, pois todos trabalham o
tempo todo na produção do espetáculo, o que dificul-ta a possibilidade de crítica e reflexão.
Essa nova versão que Foucault nos apresenta, a
crítica ao espetáculo da modernidade, uma razão centrada
no sujeito, revela uma circularidade entre a produção de
discurso e saberes e certos exercícios de poder.
Analogicamente descrita na composição do espetáculo,
por meio da complementaridade e caracterização do
en-redo, tipo de diretor e construção dos personagens
A opção metodológica pela descontinuidade
histórica e pela noção de acontecimento, o caráter lo-cal e fragmentário da obra de Foucault, relativizam a
concepção e produção de verdade e poder. Trata-se
de regime de verdades e exercícios de poder
articula-dos internamente às práticas sociais e aos enunciados
de saberes. Não há exterioridade entre produção de
saber, exercícios de poder e prática social. Dessa
ma-neira, não há como ficarmos de fora.
Nesse sentido, o pensamento de Foucault,
pro-voca a reflexão sobre a minha prática acadêmica e profissional.
Afinal, Foucault destaca:
. . . 0p a p e l d o i n t e l e c t u a l e s p e c í fi c o d e v e s e t o r -n a r c a d a v e z m a i s i m p o r t a -n t e , n a m e d i d a e m q u e q u e r q u e i r a , q u e r n ã o , e l e é o b r i g a d o a a s s u m i r r e s p o n s a b i l i d a d e s p o l í t i c a s . . . . (Foucault, 1998, p.l2, o grifo é nosso).
Envolvida por tudo exposto até então, apresento
assim, a intenção desse estudo: reportar-me à minha
in-serção na Educação e no Psicodrama, agora revisitados
sob os holofotes acesos, genialmente, por Foucault.
INCLUSÃO E TEATRO ESPONTÃNEO:
NOVOS REGIMES DE VERDADES?
o
i m p o r t a n t e , c r e i o , éq u e a v e r d a d e n ã o e x i s -t e fo r a d o p o d e r o u s e m p o d e r [ . . . ] . A v e r d a d e é d e s t e m u n d o ; e l a ép r o d u z i d a n e l e g r a ç a s a m ú l t i p l a s c o e r ç õ e s e n e l e p r o d u z e fe i t o s r e -g u l a m e n t a d o s d e p o d e r . C a d a s o c i e d a d e t e m s e u r e g i m e d e v e r d a d e , s u a " p o l í t i c a g e r a l " d e v e r d a d e : i s t o é , o s t i p o s d e d i s c u r s o q u e e l a a c o l h e e fa z fu n c i o n a r c o m o v e r d a d e i r o s ; o s m e c a n i s m o s e a s i n s t â n c i a s q u e p e r m i t e m d i s t i n g u i r u n s e o u t r o s ; a s t é c n i c a s e o s p r o-c e d i m e n t o s q u e s ã o v a l o r i z a d o s p a r a a o b -t e n ç ã o d a v e r d a d e ; o e s t a t u t o q u e t ê m o e n c a r g o d e d i z e r o q u e fu n c i o n a c o m o v e r d a d e i r o . (Foucault,1998,pag.12)
Há algum tempo, a inclusão e a SocionomiaJ
teatro espontâneo vêm sendo meus "regimes de
ver-dades" e minhas "caixas de ferramentas" para pensar,
propor e intervir em realidades institucionais. Dito de
outro modo, são eles, meus referenciais teóricos e
metodológicos de reflexão, investigação e interven-ção acadêmico-institucional.
a
recente encontro com o pensamento de Michél Foucault apontou-me algumas possibilidadesde articulações entre o que venho estudando e alguns aspectos de sua obra.
Por ora, pensamos, que a inclusão escolar e o
teatro espontâneo são enunciados que se alinham ao
seu projeto genealógico, apresentado como
. . . u m a i n s u r r e i ç ã o d o s s a b e r e s a n t e s d e t u d o c o n t r a o s e fe i t o s d e p o d e r c e n t r a l i z a d o r e s q u e e s t ã o l i g a d o s ài n s t i t u i ç ã o e a o fu n c i o n a m e n -t o d e u m d i s c u r s o c i e n t í fi c o o r g a n i z a d o n o i n t e r i o r d e u m a s o c i e d a d e c o m o a n o s s a . (Foucault, 1998, pag.17!).
Este trabalho, como já foi dito, refere-se a uma
reflexão de nossa praxis à luz do pensamento de
Foucault, no que concerne sua crítica à hegemonia de
um regime de verdade e de poder correlatos,
pasteurizante e excludente.
Em direção a tal ousadia, utilizamos, principal-mente, neste estudo, três textos de Michel Foucault.
São eles respectivamente: "Verdade e poder",
"Genealogia e Poder", em Microfisica d o p o d e r , Rio de Janeiro, ed.Graal, edição de 1998 e "O poder e a
norma", em P s i c a n á l i s e , p o d e r e d e s e j o , editor Chaim S.Katz. col. Ibrapsi, Rio de Janeiro, 1979).
Destacaremos num primeiro momento, três as-pectos do movimento inclusivo: a escola como um
sistema aberto, a abertura à diversidade e a fusão do
ensino. Em seguida, quanto ao teatro espontâneo, res-saltaremos os conceitos de criação coletiva, papel e
espontaneidade. Posteriormente, apresentaremos
nos-sas considerações.
INCLUSÃO
Um breve histórico do movimento inclusivo
ondiz com as idéias de Foucault, no que se refere às escontinuidades históricas ou mudanças de
enuncia-os e de práticas que em determinadas condições co-meçam a ocorrer, como que um novo "regime" no
iscurso e no saber.
Conforme ele comenta,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
. . . 0 i m p o r t a n t e d e t a i s m u d a n ç a s n ã o és e s e -r ã o -r á p i d a s o u d e g r a n d e a m p l i t u d e , o u m e -l h o r , e s t a r a p i d e z e e s t a a m p -l i t u d e s ã o a p e n a s o s i n a l d e o u t r a s c o i s a s : u m a m o d i fi c a ç ã o n a s r e g r a s d e fo r m a ç ã o d o s e n u n c i a d o s q u e s ã o a c e i t o s c o m o c i e n t i fi c a m e n t e v e r d a d e i r o s . (idem, 1998, pag.4).
o
movimento da educação inclusiva introduz - vidades, entre as quais destacaremos a que se refe-re à concepção de escola e ensino: a" a b e r t u r a i n c o n-- -- i o n a l àd i v e r s i d a d e dos perfis humanos e a escola cebida como um s i s t e m a a b e r t o .
A inclusão escolar é uma concepção
educacio-aberta à diversidade incondicionalmente.
Trata-se da educação concebida como um sis-aberto, onde a heterogeneidade de performances
as demanda novos parâmetros de abordagem,
ento, organização e funcionamento institucional.
eja, um novo paradigma.
esse sentido, a inclusão engendra um
movimen-ical de re-significações de: valores, atitudes,
cri-. enfim uma outra concepção de vida, sociedade, ionamento humano interpessoal e,
evidentemen-~ ~ transformações funcionais e organizacionais.
A metáfora da inclusão é o caleidoscópio. Pois,
- 'ersidade de formas e cores compõe uma
configu-• - ,que é local, específica, dinâmica e fugaz,
con-a pcon-articipcon-ação de vários elementos, como por
emplo, o desejo, o objetivo, a velocidade e a
inten-- inten-- e de quem realiza o movimento com o
caleidos-_ 0,o momento em que realiza ...
Um novo regime de verdade?
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:
UMA ESCOLA ABERTA
À
DIVERSIDADE EA ESCOLA COMO UM SISTEMA ABERTO
Uma escola aberta à diversidade significa
aco-lhimento incondicional do ser humano. Ou seja,
to-dos e qualquer pessoa têm direito à educação. Independente de sua "performance" particular, o
alu-no é bem-vindo à escola que tem esse ideário.
Um ambiente educacional aberto à diversidade
trabalha com o princípio de que a única igualdade entre
as pessoas é a diferença entre elas, sendo esta, o que nos afirma como seres particulares e originais. Ou seja,
a pluralidade pessoal é o consenso.
Um princípio fundamental, na escola
inclusi-va, é ai g u a l d a d e d e v a l o r , que se diferencia do prin-cípio liberal que defende a igualdade de oportunidades.
A igualdade de valor apóia-se em
resig-nificações conceituais da deficiência que são
funda-mentais na proposição de "educação para todos", como
pressupõe a educação inclusiva, dada a premissa de
que "o ser humano não tem que ser valorizado pela
sua eficiência, mas pela sua própria condição. Ele é
defectível" .
O movimento da inclusão emergiu em um
con-texto histórico, social e político de lutas, no bojo da efervescência política e cultural na década de 60 com
outros movimentos~ de minorias. Entretanto, as
mu-danças conceituais com relação à deficiência, que
for-taleceram a inclusão, convergindo para novos impulsos
e legitimidade jurídica, ocorreram na década de 90, em várias conferências e eventos. Os respectivos
even-tos foram: a conferência em J omtien, na Tailândia,
organizada pelas Nações Unidas, em prol da Educa-ção para Todos; as Normas Uniformes para as
Pesso-as com Incapacidade, promulgadas pela Assembléia
Geral das Nações Unidas e adotadas em 1993; e, a Declaração de Salamanca, que em 1994 na Espanha,
convocou todos os governos a adotar com urgência, como questão legal ou de política, o princípio da
edu-cação inclusiva; e outras a partir de Salamanca.
(Mantoan, 1999).
De fato,
. . . 0 m o v i m e n t o e m fa v o r d e u m a e s c o l a a b e r -t a àd i v e r s i d a d e p a r t i u d a e x c l u s ã o d a s p e s
-s o a -s c o m d e fi c i ê n c i a d a s o c i e d a d e , d a s e s c o l a s , d a v i d a l a b o r i a l , d o s s e r v i ç o s c o m u -n i t á r i o s . [ . . . ] A i n c l u s ã o e s c o l a r d e p e s s o a s c o m d e fi c i ê n c i a é c o m p r e e n d i d a c o m o p a r t e
d e u m c o n t e x t o m a i s a m p l o d e r e i v i n d i c a ç õ e s s o c i a i s , q u e e n g l o b a m a e x c l u s ã o d e t o d a s a s m i n o r i a s . (idem, p.9)
Os princípios inclusivos, cientificamente, en-contraram legitimidade na reformulação da
con-ceituação de deficiência da A.A.M.R.-1992, quando
a noção de deficiência, tornou-se uma função da
interação entre as características individuais do
sujei-to e o ambiente. Neste sentido, há correlações a serem
consideradas que são: necessidades específicas do
sujeito, meio-ambiente e a interação destes aspectos
(Mantoan, 1997).
A abordagem da deficiência sob este ângulo
interativo, explicita o quanto o meio ambiente media
a deficiência favorecendo ou desfavorecendo sua
de-finição e seu "status" social.
A contribuição desta abordagem é relativizar
os prognósticos e a evolução da patologia, não apenas
a partir das características individuais, intrínsecas ao
sujeito, ou seja, da descrição clínico-fenomenolõgica,
mas das condições e possibilidades de interação entre
as adversidades individuais e as redes inter-relacionais
onde o indivíduo se desenvolve. Trata-se de uma
interação que participa ativamente da construção de um status social.
Não havendo categorias ou padrões
pré-esta-belecidos de desempenho escolar, social e afetivo, a
exclusão por "performances" peculiares de çonduta
e/ou desempenho não procede.
Dito de outro modo, a escola aberta à
diversi-dade não é feita para um sujeito constituinte,
univer-sal, abstrato, idealizado, padronizado e previsível por
uma verdade essencial "o aluno normal".
De fato, a diversidade é da ordem do inde-terminado, do imprevisível, do local, do particular.
Trata-se de uma escola para um aluno - sujeito
cons-tituído em uma trama histórica, de múltiplos
elemen-tos e condições que se articulam e se modificam
conforme as possibilidades.
Enquanto um sistema aberto, a escola
inclusi-va busca adaptar-se
JIHGFEDCBA
à diversidade do funcionamento humano, na medida em que valoriza as diferenças entreas pessoas enquanto originalidade.
A construção do conhecimento, nessa
concep-ção de escola, não é um movimento isolado, linear e
equilibrado.
Conforme Wickens (xerox), um sistema de en-sino aberto,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e n g e n d r a u m d e s e q u i l í b r i o c o n t í n u o , c o n s i -d e r a -d o c o m o u m e s t a d o c o n s t a n t e . E s t e e s t a
-d o é c a r a c t e r i z a d o p o r u m a r e o r g a n i z a ç ã o p e r m a n e n t e d o p r o g r a m a , e p e l a t r a n s fo r m a -ç ã o d o m e i o e s c o l a r s e g u n d o a s n e c e s s i d a
-d e s (p .6 ).
O desenvolvimento individual é resultante da
interação do sujeito com o meio, e não de padrões "a priori".
Sendo assim, a escola inclusiva recusa as téc-nicas de avaliação global, por conceber o
desenvolvi-mento e a aprendizagem como um processo particular
e não produtos.
Estes processos ocorrem por meio de saltos
qualitativos, mediante os desequilíbrios e as
condi-ções que a riqueza da heterogeneidade promove.
Esta proposta é análoga à noção de
des-continuidade histórica e acontecimento que Foucault
analisa como anunciantes de um novo regime, novos mecanismos de verdade e exercícios de poder.
Por outro lado, a educação inclusiva converge
para a fusão do sistema educacional, atualmente
cindido em ensino especial e regular.
A dicotomia do ensino retrata uma concepção
epistemológica e filosófica que inspira e rege o
siste-ma educacional e suas escolas, o positivismo
cartesiano, ainda hegemônico em nossa sociedade. Calcado em universais, este regime de verdade e
po-der homogeneiza e exclui. Ou seja, categoriza os
alu-nos por meio de um padrão geral e apriorístico de
desempenho educacional e conduta social e exclui os
que se desviam da norma.
I Os excluídos do ensino regular são incluídos pelo desvio-deficiência no ensino especial ou em
ins-tituições especializadas.
O sistema de ensino dual como hoje está estruturado, dicotomizado entre regular e especial, não
absorve a nova proposição - a inclusão, pois suas
ba-ses políticas e científicas (regime de verdade e
exer-cício de poder) apóiam-se em conceituações universais
- o sujeito constituinte, isto é, uma identidade geral
de natureza a-histórica, descontextualizada e
indivi-dualizada. Dito de outro modo, um sujeito aprisionado.
Esse regime de verdade vigente desconsidera a
condição humana que é essencialmente local, social e histórica, sensível a trocas que participam da
constru-ção de um sujeito. Ele é constituído pelo e em um
campo tenso de forças, possibilidades e condições de
existência.
Conforme Foucault (1998) a inteligibilidade da
determinação e dominação histórica é intrínseca dos confrontos, das relações de poder. "A historicidade
que nos domina e determina é belicosa" (pag.S).
A noção de doença, deficiência, incapacidade
como intrínsecas à constituição do sujeito, justificam
a dicotomia do sistema de ensino, assim como a
marginalização de todas as minorias que fogem à norma .
Segregados e/ou incluídos nas instituições
di-tas especializadas, impossibilita-se o acesso aos
di-eitos básicos da cidadania, assim como todo o
convívio social.
Atualmente, nosso sistema de ensino,
inspira-o ninspira-o minspira-odelinspira-o françês, de princípiinspira-o liberal (igualdade
~ oportunidades), tem defendido e desenvolvido a
tegração escolar dos alunos com deficiência a partir
~ um modelo que se compara a uma cascata.
Nesse "sistema de cascata", a integração
esco-depende, exclusivamente, das condições do
sujei-· 0 em adaptar-se às expectativas quanto a um íesempenho padrão. Ou seja, é o sujeito que deverá
- enquadrar à média do grupo, normalizando-se.
O sistema como um todo é fechado e não se
modifica diante da diversidade. É o diferente que
de-erá tomar-se "igual". A igualdade de oportunidades
refere-se à oportunidade de tomar-se igual, horno-geneizado. Como se todos os alunos fossem iguais,
afir-- -se ou legitima-se, o desempenho padrão - a norma.
Dessa forma, é fundamental diferenciar os
con-_eitos de inclusão e integração, na medida em que
bos implicam em consequências bastante distintas.
A inclusão é radical em suas implicações. A abertura incondicional à diversidade dos
alu-- . a escola concebida como um sistema aberto e a - são do ensino modificam o sistema educacional, no
~_'" diz respeito às condições e as possibilidades de
ução de saber e dos exercícios ge poder. Pois,
_. formam-se: as concepções de ensino e
aprendi--:em , as técnicas de avaliação, as regras no
funcio-ento institucional e as relações interpessoais. Como um sistema, a escola transformando-se,
ansformam-se diversos papéis e funções inerentes à
organização. Vários exemplos seriam viáveis,
en-cetanto, não serão explorados nesse estudo em fun-- de seu recorte.
TRO ESPONTÂNEO
O teatro espontâneo é uma modalidade de teatro tivo, que resgata as bases teatrais - metodológicas
_ istemológicas da sociatria. Isto é, uma das
ramifi-- metodológicas da Socionornia que se propunha
tamento e intervenção nos sistemas sociais.
A Socionomia refere-se ao conjunto teórico e
.co desenvolvido por Moreno, no início deste
sé-. O seu objeto de estudo, diferente da sociologia
- psicologia, é a intersecção entre o individual e o
etivo.
O sentido do projeto socionôrnico não foi cons-__ uma teoria fechada que digitalizasse o psiquismo
humano em termos estruturais. Muito pelo contrário, inspirando-se no teatro e utilizando seus instrumentos,
Moreno explorou a pluralidade do homem por meios dramáticos. Uma ciência das relações e sistemas sociais.
A saúde mental nessa ótica refere-se à
flexibi-lidade de trânsito entre dois universos
complementa-res e distintos do ser humano, a fantasia e a realidade.
A obra moreniana não é um sistema fechado. Ela é extensa, não linear e constituída por fragmentos
de investigações, experimentos e teorizações.
Sendo uma obra aberta, ela permite
contribui-ções e atualizacontribui-ções (Aguiar, 1998).
Todos os conceitos morenianos são relacionais, situacionais e originários de experimentos.
Os principais conceitos, (idem, 1998),
referem-se ao teatro da espontaneidade. Isto é, um teatro
cria-do e realizacria-do por Moreno em oposição ao teatro convencional de Viena, no ínicio do século. Neste
te-atro, não havia um script "apriori", pronto para ser
apresentado. O enredo era encenado pelos atores, a
partir de histórias contadas pela platéia.
Moreno buscou nas artes cênica e dramatúrgica o modelo metodológico e epistemológico de sua obra.
Transportar o modelo do teatro para as relações sociais é reconhecer o potencial analógico do teatro
como modelo de compreensão desse importante
as-pecto da vida humana (Aguiar, 1998, pag.143).
O teatro espontâneo é um método de
investiga-ção e interveninvestiga-ção nos sistemas sociais e portanto, de
produção de conhecimentos. Por meio da teatralidade
e dramaturgia, visa propiciar condições de uma criação
coletiva a partir do relato de histórias e da
improvisa-ção cênica. Em outra palavras, o texto/enredo e a apre-sentação são criados coletivamente pelos participantes
e a improvisação busca a multiplicação de sentidos.
Trata-se de uma estratégia metodológica de
abordagem analógica. Essa forma de intervenção e
reflexão não trabalha com o mapeamento do conflito,
individualizando-o, mas com o estímulo à
esponta-neidade-criatividade dos participantes em direção a
uma co-criação. É uma escolha feita pelo diretor do
evento, próxima à estratégia sistêmica de des-focalização da queixa/problemática.
Aguiar expõe a esse respeito:ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o q u e s e p r o p õ e , n o t e a t r o e s p o n t â n e o , é q u e a s p e s s o a s s e u n a m c o m o o b j e t i v o d e c r i a -r e m , e m c o n j u n t o , a l g o n o v o , o e s p e t á c u l o . E s s e é o m é t o d o .
F u n d a m e n t a - s e n o p r e s s u p o s t o d e q u e a e x -p e r i ê n c i a d e c o - c r i a r t e m o c o n d ã o d e d e s
-p e r t a r a c r e n ç a n a s p o s s i b i l i d a d e s d e b u s c a
JIHGFEDCBA
e m c o m u m d e s o l u ç õ e s p a r a p r o b l e m a s c o -m u n s . [ . . . } , p r o v o c a r i a a l g u m a s m u d a n ç a s fu n d a m e n t a i s d e a t i t u d e e d e c l i m a a fe t i v o , fa v o r á v e i s à m u l t i p l i c a ç ã o d o s e fe i t o s d a v i v ê n c i a d e s e n c a d e a d o r a . C r i a r é d a r e x i s
-t ê n c i a [ . . . ] c o - c r i a r éfa z e r i s s o c o l e t i v a m e n t e .
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O
c o n t e ú d o q u e s e c r i a n e m s e m p r e ér e l e-v a n t e , p e l o m e n o s n a a p a r ê n c i a , n ã o h a v e n -d o a m í n i m a n e c e s s i d a d e d e q u e s e c a r a c t e r i z e c o m o u m a g r a n d e s a c a ç ã o o u u m a p e r s p e c t i -v a r e c o n h e c i d a m e n t e o r i g i n a l . N o e n t a n t o , a c r e d i t a - s e q u e p o r s e r n e c e s s a r i a m e n t e
a n a l ó g i c o s e j a s u fi c i e n t e r e v e l a d o r . ( p a g A
JIHGFEDCBA
I)Alguns dos conceitos fundamentais na obra
moreniana serão apresentados aqui por se
relaciona-rem diretamente com o teatro e merecerem ser
con-ceituados socionomicamente, pelo fato de terem sido
absorvidos por outros campos do conhecimento
sen-do alterasen-dos em sua concepção original. São esses: o
conceito de papel e o de espontaneidade.
Inspirado no teatro, o conceito de papel
apresenta uma constituição relacional inerente à
intercomplementação que uma relação concreta de-sempenha. Ou seja, um papel só ganha sentido na
complementaridade de um contra-papel. Ele, o papel,
não existe descontextualizado da situação específica.
Pois é o jogo tenso, dinâmico e local de uma relação
que lhe atribui sentido e significado.
Diverge portanto da conceituação da
sociolo-gia e psicolosociolo-gia enquanto: um conjunto de regras
internalizadas, parte da personalidade, área de
ativi-dade, equivalente de papel social. Essas acepções são
individualizantes e descontextualizadas.
A espontaneidade originada do latim, sua
"sponte": do interior para o exterior, é clássicamente
conceitualizada por Moreno (1993) como "a
respos-tas adequada a uma situação nova ou a nova resposrespos-tas
a uma situação antiga" (pag.52).
A respeito da circunscrição do ato espontâneo:
n ã o é u m a t o q u a l q u e r , p o r m a i s c r i a t i v o q u e
s e j a , p o r m a i s q u e e x p r e s s e o d e s e j o d e q u e m o p r a t i c a , p o r m a i s l i v r e d e r e g r a s q u e p o s s a p a r e c e r .
É
p r e c i s o q u e e l e s e j a u m a r e s p o s t a q u e v e r d a d e i r a m e n t e r e s p o n d a a o s e s t í m u l o s d o m o m e n t o [ . . . ] . (Aguiar, 1998, pag.l47)Como podemos notar o sujeito na obra de
Mo-reno é compreendido numa circunscrição local e
coe-rente com os sistemas e relações sociais vigentes.
Ainda citando Aguiar (1998),
éa i m p e r i o s i d a d e d a c o n s t r u ç ã o c o l e t i v a , p e r
-m i t i n d o - n o s c o n s t a t a r ; p o r n o s s a p r ó p r i a o b -s e r v a ç ã o , q u e n o t e a r e m q u e s e p r o d u z o t e c i d o s o c i a l n ã o e x i s t e t r a m a s e m a r d i d u r a . N ã o h á i n d i v i d u a l i d a d e fo r a d a c o l e t i v i d a d e ;
a m b o s d e v e m s e r v i s t o s c o m o u m t o d o i n d i s s o c i á v e l . ( pago 14617)
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Os princípios teóricos, metodológicos e
epistemológicos nos quais o movimento inclusivo e o
teatro espontâneo estão baseados convergem para o
resgate e afirmação de uma liberdade, por viabilizar a
expressão e o reconhecimento da pluralidade
huma-na, possível em uma existência social e solidária.
Se-melhante ao que Foucault (1998) denomina de
insurreição de saberes desqualificados.
Nesse sentido, parece que ambos - o teatro
es-pontâneo e o movimento inclusivo - consubstanciam "instrumentos de resistência política" ao propor novos
regimes de verdades com novos exercícios de poder.
Em outras palavras, o movimento inclusivo pro-põe novas formas e regras de produção e legitimidade
de conhecimentos, a partir da abertura à diversidade e do sistema aberto de ensino.
Os enunciados que sugerem a transformação
organizacional da escola, estabelecem novos parâmetros
que flexibilizam e modificam os exercícios de poder e
o reconhecimento de saberes antes desqualificados.
Capra (1996) comenta de outro modo, a
rela-ção inerente e circular entre verdade-poder, quando a
destaca a emergência de novos paradigmas diante da
ampla crise atual. Ele refere-se à mudança do
paradigma cartesiano para o ecológico, implicando na
transformação do tipo de poder, de hierarquia
passa-ria à rede.
A escola inclusiva pretende transformar sua
missão de "instituição de sequestro", em formadora
de cidadãos solidários em um mundo pós-moderno
(Mantoan, 1997).
Por outro lado, o teatro espontâneo contribui
com uma metodologia artística e analógica que reali-za um movimento centrífugo e não centrípeto, no que
se refere a construção do conhecimento como uma
tarefa coletiva, portanto, privilegiando a múltiplicidade (Aguiar, 1998).
Essa é a contribuição da arte, escapando à
in-tenção hegemônica de digitalizar os fenômenos e o
homem a fim de controlá-Ios numa perspectiva
prescritiva, uma racionalidade técnico-instrumental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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(xerox).
JIHGFEDCBA
E D U C A Ç Ã O E M D E B A T E · F O R T A L E Z A · A N O 2 1 • V 1 • N Q 3 9 • p. 63-69 • 2 0 0 0 • 69