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Inclusão e teatro espontâneo: novos regimes de dade?

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Academic year: 2018

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CLUSÃO E TEATRO ESPONTÂNEO:NOVOS

REGIMES

VERDADE?

JIHGFEDCBA

_ ::.=

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

INCLUSION ANO SPONTANEOUS

THEATRE: NEW MOOES OF TRUTH?

SUMO

oZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

a r t i g o a p r e s e n t a u m a r e f l e x ã o a r e s p e i t o d o - t r o e s p o n t â n e o e d o m o v i m e n t o i n c l u s i v o à l u z d o s a m e n t o d e M i c h e l F o u c a u l t e s u a c r í t i c a à

r n i d a d e .

vras chave: verdade, poder, teatro espontâneo,

osão.

T h e a r t i c l e p r e s e n t s a r e f l e c t i o n a b o u t s p o n t a

-! L S t h e a t e r a n d i n c l u s i v e m o v i m e n t i n t h e l i g h t o f e l F o u c a u l t ' s t h o u g h t a n d h i s c r i t i q u e t o - r n i t y .

. words: truth,

power, spontaneous

theater,

-=lusi· on.

DADE! VERDADE? VERDADES ...

A hegemonia da verdade universal/essencial e

crição de sua prática, parece ser a inquietação

tral das análises históricas na obra de Michel ult.

Se pensássemos na obra de Foucault como

aturgia, diríamos trata-se de " uma história que , não contava".

Segundo a abordagem dramatúrgica ou psico-. " ca, Foucault é autor e ator de um tempo, de

- trama e um drama.

Enquanto autor, ele pensa, questiona, pesquisa

trói um enredo - uma crítica à modernidade e

NORMA SILVIA TRINDADE DE LIMA1

ao regime de verdade e poder hegemônico, que

apoi-ando-se em universais, prescreve e homogeneiza o

homem.

Diferente da versão tradicional e dominante, que

narra uma história como se fosse a verdade original, universal, natural, evolutiva e ordenada por uma

cro-nologia linear, ele nos apresenta uma nova versão. Sua nova versão, buscou metodologicamente os

descaminhos, as rupturas que, excluídas da

meto-dologia tradicional de análise histórica, sinalizam uma

modificação de enunciados e práticas sociais. Como ele mesmo comenta, sua questão foi:

. . . c o m oép o s s í v e l q u e s e t e n h a e m c e r t o s m o -m e n t o s e e m c e r t a s o r d e n s d e s a b e r , [ . . . ] , t r a n s f o r m a ç õ e s q u e n ã o c o r r e s p o n d e m à i m a g e m t r a n q u i l a e c o n t i n u i s t a q u e n o r m a l -m e n t e s e f a z ? [ . . . ] E m s u m a , p r o b l e m a d e r e g i m e , d e p o l í t i c a d o e n u n c i a d o c i e n t í f i c o (Foucault, 1998, pagA).

Sendo assim, sua versão ou seu enredo, não é

uma teoria, são fragmentos locais, baseiam-se nas descontinuidades históricas, nos acontecimentos e se

pretente instrumento de luta política, uma "caixa de

ferramentas" para a resistência.

Seu enredo destaca a tecitura de urna trama, onde

os personagens são constituídos e o enredo é prescritivo.

O palco é a modemidade, lugar espacial onde

se desenrola este enredo.

O cenário, sendo a arnbientação temporal, his-tórica e cênica onde o espetáculo acontece,

caracteri-za a sociedade disciplinar, sendo sua metáfora, a

arquitetura panóptica. Todos são, todo o tempo,

vigia-dos, ocupados e submetidos a um padrão de conduta,

desempenho e ética.

etoranda na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, integrante do LEPED - Laboratório de pesquisas e - s em ensino e diversidade/FEIUnicamp; Mestre em Educação pela Faculdade de Educação, Departamento de Metodologia de

=~'unicamp; Psicóloga e psicoterapeuta, com especialização em Psicodrama pelo Instituto de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo

pinas.

(2)

No papel de ator, ele é o personagem pro-tagônico. Isto é, ele agoniza e explicita o dano de um

tempo, a prescrição de um regime de verdade

hegemônico, ou seja, o drama do sujeito moderno normatizado pelas instituições sociais de uma

socie-dade que caracteriza-se como disciplinar.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

a

s c r i p t ou enredo é soberano, estruturado e

definido neste espetáculo, sobre o qual FoucauIt

es-creve.

JIHGFEDCBA

É ,portanto, previsível.

a

diretor para esse tipo de espetáculo deve ser sistemático, controlador, onipresente (as autoridades,

as instituições e outras instâncias de poder).

-Para viabilizar o espetáculo, os personagens

complementam o script e o diretor. Devem ser

obedi-entes e submetíveis às normas. Para tanto, devem ter

disciplina a fim de desempenharem o padrão

ideali-zado pela harmonia e evolução do espetáculo. Não é

recomendável a improvisação.

A platéia é inexistente, pois todos trabalham o

tempo todo na produção do espetáculo, o que dificul-ta a possibilidade de crítica e reflexão.

Essa nova versão que Foucault nos apresenta, a

crítica ao espetáculo da modernidade, uma razão centrada

no sujeito, revela uma circularidade entre a produção de

discurso e saberes e certos exercícios de poder.

Analogicamente descrita na composição do espetáculo,

por meio da complementaridade e caracterização do

en-redo, tipo de diretor e construção dos personagens

A opção metodológica pela descontinuidade

histórica e pela noção de acontecimento, o caráter lo-cal e fragmentário da obra de Foucault, relativizam a

concepção e produção de verdade e poder. Trata-se

de regime de verdades e exercícios de poder

articula-dos internamente às práticas sociais e aos enunciados

de saberes. Não há exterioridade entre produção de

saber, exercícios de poder e prática social. Dessa

ma-neira, não há como ficarmos de fora.

Nesse sentido, o pensamento de Foucault,

pro-voca a reflexão sobre a minha prática acadêmica e profissional.

Afinal, Foucault destaca:

. . . 0p a p e l d o i n t e l e c t u a l e s p e c í fi c o d e v e s e t o r -n a r c a d a v e z m a i s i m p o r t a -n t e , n a m e d i d a e m q u e q u e r q u e i r a , q u e r n ã o , e l e é o b r i g a d o a a s s u m i r r e s p o n s a b i l i d a d e s p o l í t i c a s . . . . (Foucault, 1998, p.l2, o grifo é nosso).

Envolvida por tudo exposto até então, apresento

assim, a intenção desse estudo: reportar-me à minha

in-serção na Educação e no Psicodrama, agora revisitados

sob os holofotes acesos, genialmente, por Foucault.

INCLUSÃO E TEATRO ESPONTÃNEO:

NOVOS REGIMES DE VERDADES?

o

i m p o r t a n t e , c r e i o , éq u e a v e r d a d e n ã o e x i s -t e fo r a d o p o d e r o u s e m p o d e r [ . . . ] . A v e r d a d e é d e s t e m u n d o ; e l a ép r o d u z i d a n e l e g r a ç a s a m ú l t i p l a s c o e r ç õ e s e n e l e p r o d u z e fe i t o s r e -g u l a m e n t a d o s d e p o d e r . C a d a s o c i e d a d e t e m s e u r e g i m e d e v e r d a d e , s u a " p o l í t i c a g e r a l " d e v e r d a d e : i s t o é , o s t i p o s d e d i s c u r s o q u e e l a a c o l h e e fa z fu n c i o n a r c o m o v e r d a d e i r o s ; o s m e c a n i s m o s e a s i n s t â n c i a s q u e p e r m i t e m d i s t i n g u i r u n s e o u t r o s ; a s t é c n i c a s e o s p r o

-c e d i m e n t o s q u e s ã o v a l o r i z a d o s p a r a a o b -t e n ç ã o d a v e r d a d e ; o e s t a t u t o q u e t ê m o e n c a r g o d e d i z e r o q u e fu n c i o n a c o m o v e r d a d e i r o . (Foucault,1998,pag.12)

Há algum tempo, a inclusão e a SocionomiaJ

teatro espontâneo vêm sendo meus "regimes de

ver-dades" e minhas "caixas de ferramentas" para pensar,

propor e intervir em realidades institucionais. Dito de

outro modo, são eles, meus referenciais teóricos e

metodológicos de reflexão, investigação e interven-ção acadêmico-institucional.

a

recente encontro com o pensamento de Michél Foucault apontou-me algumas possibilidades

de articulações entre o que venho estudando e alguns aspectos de sua obra.

Por ora, pensamos, que a inclusão escolar e o

teatro espontâneo são enunciados que se alinham ao

seu projeto genealógico, apresentado como

. . . u m a i n s u r r e i ç ã o d o s s a b e r e s a n t e s d e t u d o c o n t r a o s e fe i t o s d e p o d e r c e n t r a l i z a d o r e s q u e e s t ã o l i g a d o s ài n s t i t u i ç ã o e a o fu n c i o n a m e n -t o d e u m d i s c u r s o c i e n t í fi c o o r g a n i z a d o n o i n t e r i o r d e u m a s o c i e d a d e c o m o a n o s s a . (Foucault, 1998, pag.17!).

Este trabalho, como já foi dito, refere-se a uma

reflexão de nossa praxis à luz do pensamento de

Foucault, no que concerne sua crítica à hegemonia de

um regime de verdade e de poder correlatos,

pasteurizante e excludente.

Em direção a tal ousadia, utilizamos, principal-mente, neste estudo, três textos de Michel Foucault.

São eles respectivamente: "Verdade e poder",

"Genealogia e Poder", em Microfisica d o p o d e r , Rio de Janeiro, ed.Graal, edição de 1998 e "O poder e a

norma", em P s i c a n á l i s e , p o d e r e d e s e j o , editor Chaim S.Katz. col. Ibrapsi, Rio de Janeiro, 1979).

(3)

Destacaremos num primeiro momento, três as-pectos do movimento inclusivo: a escola como um

sistema aberto, a abertura à diversidade e a fusão do

ensino. Em seguida, quanto ao teatro espontâneo, res-saltaremos os conceitos de criação coletiva, papel e

espontaneidade. Posteriormente, apresentaremos

nos-sas considerações.

INCLUSÃO

Um breve histórico do movimento inclusivo

ondiz com as idéias de Foucault, no que se refere às escontinuidades históricas ou mudanças de

enuncia-os e de práticas que em determinadas condições co-meçam a ocorrer, como que um novo "regime" no

iscurso e no saber.

Conforme ele comenta,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

. . . 0 i m p o r t a n t e d e t a i s m u d a n ç a s n ã o és e s e -r ã o -r á p i d a s o u d e g r a n d e a m p l i t u d e , o u m e -l h o r , e s t a r a p i d e z e e s t a a m p -l i t u d e s ã o a p e n a s o s i n a l d e o u t r a s c o i s a s : u m a m o d i fi c a ç ã o n a s r e g r a s d e fo r m a ç ã o d o s e n u n c i a d o s q u e s ã o a c e i t o s c o m o c i e n t i fi c a m e n t e v e r d a d e i r o s . (idem, 1998, pag.4).

o

movimento da educação inclusiva introduz - vidades, entre as quais destacaremos a que se refe-re à concepção de escola e ensino: a" a b e r t u r a i n c o n

-- -- i o n a l àd i v e r s i d a d e dos perfis humanos e a escola cebida como um s i s t e m a a b e r t o .

A inclusão escolar é uma concepção

educacio-aberta à diversidade incondicionalmente.

Trata-se da educação concebida como um sis-aberto, onde a heterogeneidade de performances

as demanda novos parâmetros de abordagem,

ento, organização e funcionamento institucional.

eja, um novo paradigma.

esse sentido, a inclusão engendra um

movimen-ical de re-significações de: valores, atitudes,

cri-. enfim uma outra concepção de vida, sociedade, ionamento humano interpessoal e,

evidentemen-~ ~ transformações funcionais e organizacionais.

A metáfora da inclusão é o caleidoscópio. Pois,

- 'ersidade de formas e cores compõe uma

configu-• - ,que é local, específica, dinâmica e fugaz,

con-a pcon-articipcon-ação de vários elementos, como por

emplo, o desejo, o objetivo, a velocidade e a

inten-- inten-- e de quem realiza o movimento com o

caleidos-_ 0,o momento em que realiza ...

Um novo regime de verdade?

JIHGFEDCBA

:

UMA ESCOLA ABERTA

À

DIVERSIDADE E

A ESCOLA COMO UM SISTEMA ABERTO

Uma escola aberta à diversidade significa

aco-lhimento incondicional do ser humano. Ou seja,

to-dos e qualquer pessoa têm direito à educação. Independente de sua "performance" particular, o

alu-no é bem-vindo à escola que tem esse ideário.

Um ambiente educacional aberto à diversidade

trabalha com o princípio de que a única igualdade entre

as pessoas é a diferença entre elas, sendo esta, o que nos afirma como seres particulares e originais. Ou seja,

a pluralidade pessoal é o consenso.

Um princípio fundamental, na escola

inclusi-va, é ai g u a l d a d e d e v a l o r , que se diferencia do prin-cípio liberal que defende a igualdade de oportunidades.

A igualdade de valor apóia-se em

resig-nificações conceituais da deficiência que são

funda-mentais na proposição de "educação para todos", como

pressupõe a educação inclusiva, dada a premissa de

que "o ser humano não tem que ser valorizado pela

sua eficiência, mas pela sua própria condição. Ele é

defectível" .

O movimento da inclusão emergiu em um

con-texto histórico, social e político de lutas, no bojo da efervescência política e cultural na década de 60 com

outros movimentos~ de minorias. Entretanto, as

mu-danças conceituais com relação à deficiência, que

for-taleceram a inclusão, convergindo para novos impulsos

e legitimidade jurídica, ocorreram na década de 90, em várias conferências e eventos. Os respectivos

even-tos foram: a conferência em J omtien, na Tailândia,

organizada pelas Nações Unidas, em prol da Educa-ção para Todos; as Normas Uniformes para as

Pesso-as com Incapacidade, promulgadas pela Assembléia

Geral das Nações Unidas e adotadas em 1993; e, a Declaração de Salamanca, que em 1994 na Espanha,

convocou todos os governos a adotar com urgência, como questão legal ou de política, o princípio da

edu-cação inclusiva; e outras a partir de Salamanca.

(Mantoan, 1999).

De fato,

. . . 0 m o v i m e n t o e m fa v o r d e u m a e s c o l a a b e r -t a àd i v e r s i d a d e p a r t i u d a e x c l u s ã o d a s p e s

-s o a -s c o m d e fi c i ê n c i a d a s o c i e d a d e , d a s e s c o l a s , d a v i d a l a b o r i a l , d o s s e r v i ç o s c o m u -n i t á r i o s . [ . . . ] A i n c l u s ã o e s c o l a r d e p e s s o a s c o m d e fi c i ê n c i a é c o m p r e e n d i d a c o m o p a r t e

d e u m c o n t e x t o m a i s a m p l o d e r e i v i n d i c a ç õ e s s o c i a i s , q u e e n g l o b a m a e x c l u s ã o d e t o d a s a s m i n o r i a s . (idem, p.9)

(4)

Os princípios inclusivos, cientificamente, en-contraram legitimidade na reformulação da

con-ceituação de deficiência da A.A.M.R.-1992, quando

a noção de deficiência, tornou-se uma função da

interação entre as características individuais do

sujei-to e o ambiente. Neste sentido, há correlações a serem

consideradas que são: necessidades específicas do

sujeito, meio-ambiente e a interação destes aspectos

(Mantoan, 1997).

A abordagem da deficiência sob este ângulo

interativo, explicita o quanto o meio ambiente media

a deficiência favorecendo ou desfavorecendo sua

de-finição e seu "status" social.

A contribuição desta abordagem é relativizar

os prognósticos e a evolução da patologia, não apenas

a partir das características individuais, intrínsecas ao

sujeito, ou seja, da descrição clínico-fenomenolõgica,

mas das condições e possibilidades de interação entre

as adversidades individuais e as redes inter-relacionais

onde o indivíduo se desenvolve. Trata-se de uma

interação que participa ativamente da construção de um status social.

Não havendo categorias ou padrões

pré-esta-belecidos de desempenho escolar, social e afetivo, a

exclusão por "performances" peculiares de çonduta

e/ou desempenho não procede.

Dito de outro modo, a escola aberta à

diversi-dade não é feita para um sujeito constituinte,

univer-sal, abstrato, idealizado, padronizado e previsível por

uma verdade essencial "o aluno normal".

De fato, a diversidade é da ordem do inde-terminado, do imprevisível, do local, do particular.

Trata-se de uma escola para um aluno - sujeito

cons-tituído em uma trama histórica, de múltiplos

elemen-tos e condições que se articulam e se modificam

conforme as possibilidades.

Enquanto um sistema aberto, a escola

inclusi-va busca adaptar-se

JIHGFEDCBA

à diversidade do funcionamento humano, na medida em que valoriza as diferenças entre

as pessoas enquanto originalidade.

A construção do conhecimento, nessa

concep-ção de escola, não é um movimento isolado, linear e

equilibrado.

Conforme Wickens (xerox), um sistema de en-sino aberto,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

e n g e n d r a u m d e s e q u i l í b r i o c o n t í n u o , c o n s i -d e r a -d o c o m o u m e s t a d o c o n s t a n t e . E s t e e s t a

-d o é c a r a c t e r i z a d o p o r u m a r e o r g a n i z a ç ã o p e r m a n e n t e d o p r o g r a m a , e p e l a t r a n s fo r m a -ç ã o d o m e i o e s c o l a r s e g u n d o a s n e c e s s i d a

-d e s (p .6 ).

O desenvolvimento individual é resultante da

interação do sujeito com o meio, e não de padrões "a priori".

Sendo assim, a escola inclusiva recusa as téc-nicas de avaliação global, por conceber o

desenvolvi-mento e a aprendizagem como um processo particular

e não produtos.

Estes processos ocorrem por meio de saltos

qualitativos, mediante os desequilíbrios e as

condi-ções que a riqueza da heterogeneidade promove.

Esta proposta é análoga à noção de

des-continuidade histórica e acontecimento que Foucault

analisa como anunciantes de um novo regime, novos mecanismos de verdade e exercícios de poder.

Por outro lado, a educação inclusiva converge

para a fusão do sistema educacional, atualmente

cindido em ensino especial e regular.

A dicotomia do ensino retrata uma concepção

epistemológica e filosófica que inspira e rege o

siste-ma educacional e suas escolas, o positivismo

cartesiano, ainda hegemônico em nossa sociedade. Calcado em universais, este regime de verdade e

po-der homogeneiza e exclui. Ou seja, categoriza os

alu-nos por meio de um padrão geral e apriorístico de

desempenho educacional e conduta social e exclui os

que se desviam da norma.

I Os excluídos do ensino regular são incluídos pelo desvio-deficiência no ensino especial ou em

ins-tituições especializadas.

O sistema de ensino dual como hoje está estruturado, dicotomizado entre regular e especial, não

absorve a nova proposição - a inclusão, pois suas

ba-ses políticas e científicas (regime de verdade e

exer-cício de poder) apóiam-se em conceituações universais

- o sujeito constituinte, isto é, uma identidade geral

de natureza a-histórica, descontextualizada e

indivi-dualizada. Dito de outro modo, um sujeito aprisionado.

Esse regime de verdade vigente desconsidera a

condição humana que é essencialmente local, social e histórica, sensível a trocas que participam da

constru-ção de um sujeito. Ele é constituído pelo e em um

campo tenso de forças, possibilidades e condições de

existência.

Conforme Foucault (1998) a inteligibilidade da

determinação e dominação histórica é intrínseca dos confrontos, das relações de poder. "A historicidade

que nos domina e determina é belicosa" (pag.S).

A noção de doença, deficiência, incapacidade

como intrínsecas à constituição do sujeito, justificam

a dicotomia do sistema de ensino, assim como a

marginalização de todas as minorias que fogem à norma .

(5)

Segregados e/ou incluídos nas instituições

di-tas especializadas, impossibilita-se o acesso aos

di-eitos básicos da cidadania, assim como todo o

convívio social.

Atualmente, nosso sistema de ensino,

inspira-o ninspira-o minspira-odelinspira-o françês, de princípiinspira-o liberal (igualdade

~ oportunidades), tem defendido e desenvolvido a

tegração escolar dos alunos com deficiência a partir

~ um modelo que se compara a uma cascata.

Nesse "sistema de cascata", a integração

esco-depende, exclusivamente, das condições do

sujei-· 0 em adaptar-se às expectativas quanto a um íesempenho padrão. Ou seja, é o sujeito que deverá

- enquadrar à média do grupo, normalizando-se.

O sistema como um todo é fechado e não se

modifica diante da diversidade. É o diferente que

de-erá tomar-se "igual". A igualdade de oportunidades

refere-se à oportunidade de tomar-se igual, horno-geneizado. Como se todos os alunos fossem iguais,

afir-- -se ou legitima-se, o desempenho padrão - a norma.

Dessa forma, é fundamental diferenciar os

con-_eitos de inclusão e integração, na medida em que

bos implicam em consequências bastante distintas.

A inclusão é radical em suas implicações. A abertura incondicional à diversidade dos

alu-- . a escola concebida como um sistema aberto e a - são do ensino modificam o sistema educacional, no

~_'" diz respeito às condições e as possibilidades de

ução de saber e dos exercícios ge poder. Pois,

_. formam-se: as concepções de ensino e

aprendi--:em , as técnicas de avaliação, as regras no

funcio-ento institucional e as relações interpessoais. Como um sistema, a escola transformando-se,

ansformam-se diversos papéis e funções inerentes à

organização. Vários exemplos seriam viáveis,

en-cetanto, não serão explorados nesse estudo em fun-- de seu recorte.

TRO ESPONTÂNEO

O teatro espontâneo é uma modalidade de teatro tivo, que resgata as bases teatrais - metodológicas

_ istemológicas da sociatria. Isto é, uma das

ramifi-- metodológicas da Socionornia que se propunha

tamento e intervenção nos sistemas sociais.

A Socionomia refere-se ao conjunto teórico e

.co desenvolvido por Moreno, no início deste

sé-. O seu objeto de estudo, diferente da sociologia

- psicologia, é a intersecção entre o individual e o

etivo.

O sentido do projeto socionôrnico não foi cons-__ uma teoria fechada que digitalizasse o psiquismo

humano em termos estruturais. Muito pelo contrário, inspirando-se no teatro e utilizando seus instrumentos,

Moreno explorou a pluralidade do homem por meios dramáticos. Uma ciência das relações e sistemas sociais.

A saúde mental nessa ótica refere-se à

flexibi-lidade de trânsito entre dois universos

complementa-res e distintos do ser humano, a fantasia e a realidade.

A obra moreniana não é um sistema fechado. Ela é extensa, não linear e constituída por fragmentos

de investigações, experimentos e teorizações.

Sendo uma obra aberta, ela permite

contribui-ções e atualizacontribui-ções (Aguiar, 1998).

Todos os conceitos morenianos são relacionais, situacionais e originários de experimentos.

Os principais conceitos, (idem, 1998),

referem-se ao teatro da espontaneidade. Isto é, um teatro

cria-do e realizacria-do por Moreno em oposição ao teatro convencional de Viena, no ínicio do século. Neste

te-atro, não havia um script "apriori", pronto para ser

apresentado. O enredo era encenado pelos atores, a

partir de histórias contadas pela platéia.

Moreno buscou nas artes cênica e dramatúrgica o modelo metodológico e epistemológico de sua obra.

Transportar o modelo do teatro para as relações sociais é reconhecer o potencial analógico do teatro

como modelo de compreensão desse importante

as-pecto da vida humana (Aguiar, 1998, pag.143).

O teatro espontâneo é um método de

investiga-ção e interveninvestiga-ção nos sistemas sociais e portanto, de

produção de conhecimentos. Por meio da teatralidade

e dramaturgia, visa propiciar condições de uma criação

coletiva a partir do relato de histórias e da

improvisa-ção cênica. Em outra palavras, o texto/enredo e a apre-sentação são criados coletivamente pelos participantes

e a improvisação busca a multiplicação de sentidos.

Trata-se de uma estratégia metodológica de

abordagem analógica. Essa forma de intervenção e

reflexão não trabalha com o mapeamento do conflito,

individualizando-o, mas com o estímulo à

esponta-neidade-criatividade dos participantes em direção a

uma co-criação. É uma escolha feita pelo diretor do

evento, próxima à estratégia sistêmica de des-focalização da queixa/problemática.

Aguiar expõe a esse respeito:ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o q u e s e p r o p õ e , n o t e a t r o e s p o n t â n e o , é q u e a s p e s s o a s s e u n a m c o m o o b j e t i v o d e c r i a -r e m , e m c o n j u n t o , a l g o n o v o , o e s p e t á c u l o . E s s e é o m é t o d o .

F u n d a m e n t a - s e n o p r e s s u p o s t o d e q u e a e x -p e r i ê n c i a d e c o - c r i a r t e m o c o n d ã o d e d e s

-p e r t a r a c r e n ç a n a s p o s s i b i l i d a d e s d e b u s c a

JIHGFEDCBA

(6)

e m c o m u m d e s o l u ç õ e s p a r a p r o b l e m a s c o -m u n s . [ . . . } , p r o v o c a r i a a l g u m a s m u d a n ç a s fu n d a m e n t a i s d e a t i t u d e e d e c l i m a a fe t i v o , fa v o r á v e i s à m u l t i p l i c a ç ã o d o s e fe i t o s d a v i v ê n c i a d e s e n c a d e a d o r a . C r i a r é d a r e x i s

-t ê n c i a [ . . . ] c o - c r i a r éfa z e r i s s o c o l e t i v a m e n t e .

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

O

c o n t e ú d o q u e s e c r i a n e m s e m p r e ér e l e

-v a n t e , p e l o m e n o s n a a p a r ê n c i a , n ã o h a v e n -d o a m í n i m a n e c e s s i d a d e d e q u e s e c a r a c t e r i z e c o m o u m a g r a n d e s a c a ç ã o o u u m a p e r s p e c t i -v a r e c o n h e c i d a m e n t e o r i g i n a l . N o e n t a n t o , a c r e d i t a - s e q u e p o r s e r n e c e s s a r i a m e n t e

a n a l ó g i c o s e j a s u fi c i e n t e r e v e l a d o r . ( p a g A

JIHGFEDCBA

I)

Alguns dos conceitos fundamentais na obra

moreniana serão apresentados aqui por se

relaciona-rem diretamente com o teatro e merecerem ser

con-ceituados socionomicamente, pelo fato de terem sido

absorvidos por outros campos do conhecimento

sen-do alterasen-dos em sua concepção original. São esses: o

conceito de papel e o de espontaneidade.

Inspirado no teatro, o conceito de papel

apresenta uma constituição relacional inerente à

intercomplementação que uma relação concreta de-sempenha. Ou seja, um papel só ganha sentido na

complementaridade de um contra-papel. Ele, o papel,

não existe descontextualizado da situação específica.

Pois é o jogo tenso, dinâmico e local de uma relação

que lhe atribui sentido e significado.

Diverge portanto da conceituação da

sociolo-gia e psicolosociolo-gia enquanto: um conjunto de regras

internalizadas, parte da personalidade, área de

ativi-dade, equivalente de papel social. Essas acepções são

individualizantes e descontextualizadas.

A espontaneidade originada do latim, sua

"sponte": do interior para o exterior, é clássicamente

conceitualizada por Moreno (1993) como "a

respos-tas adequada a uma situação nova ou a nova resposrespos-tas

a uma situação antiga" (pag.52).

A respeito da circunscrição do ato espontâneo:

n ã o é u m a t o q u a l q u e r , p o r m a i s c r i a t i v o q u e

s e j a , p o r m a i s q u e e x p r e s s e o d e s e j o d e q u e m o p r a t i c a , p o r m a i s l i v r e d e r e g r a s q u e p o s s a p a r e c e r .

É

p r e c i s o q u e e l e s e j a u m a r e s p o s t a q u e v e r d a d e i r a m e n t e r e s p o n d a a o s e s t í m u l o s d o m o m e n t o [ . . . ] . (Aguiar, 1998, pag.l47)

Como podemos notar o sujeito na obra de

Mo-reno é compreendido numa circunscrição local e

coe-rente com os sistemas e relações sociais vigentes.

Ainda citando Aguiar (1998),

éa i m p e r i o s i d a d e d a c o n s t r u ç ã o c o l e t i v a , p e r

-m i t i n d o - n o s c o n s t a t a r ; p o r n o s s a p r ó p r i a o b -s e r v a ç ã o , q u e n o t e a r e m q u e s e p r o d u z o t e c i d o s o c i a l n ã o e x i s t e t r a m a s e m a r d i d u r a . N ã o h á i n d i v i d u a l i d a d e fo r a d a c o l e t i v i d a d e ;

a m b o s d e v e m s e r v i s t o s c o m o u m t o d o i n d i s s o c i á v e l . ( pago 14617)

CONSIDERAÇÕES

FINAIS

Os princípios teóricos, metodológicos e

epistemológicos nos quais o movimento inclusivo e o

teatro espontâneo estão baseados convergem para o

resgate e afirmação de uma liberdade, por viabilizar a

expressão e o reconhecimento da pluralidade

huma-na, possível em uma existência social e solidária.

Se-melhante ao que Foucault (1998) denomina de

insurreição de saberes desqualificados.

Nesse sentido, parece que ambos - o teatro

es-pontâneo e o movimento inclusivo - consubstanciam "instrumentos de resistência política" ao propor novos

regimes de verdades com novos exercícios de poder.

Em outras palavras, o movimento inclusivo pro-põe novas formas e regras de produção e legitimidade

de conhecimentos, a partir da abertura à diversidade e do sistema aberto de ensino.

Os enunciados que sugerem a transformação

organizacional da escola, estabelecem novos parâmetros

que flexibilizam e modificam os exercícios de poder e

o reconhecimento de saberes antes desqualificados.

Capra (1996) comenta de outro modo, a

rela-ção inerente e circular entre verdade-poder, quando a

destaca a emergência de novos paradigmas diante da

ampla crise atual. Ele refere-se à mudança do

paradigma cartesiano para o ecológico, implicando na

transformação do tipo de poder, de hierarquia

passa-ria à rede.

A escola inclusiva pretende transformar sua

missão de "instituição de sequestro", em formadora

de cidadãos solidários em um mundo pós-moderno

(Mantoan, 1997).

Por outro lado, o teatro espontâneo contribui

com uma metodologia artística e analógica que reali-za um movimento centrífugo e não centrípeto, no que

se refere a construção do conhecimento como uma

tarefa coletiva, portanto, privilegiando a múltiplicidade (Aguiar, 1998).

Essa é a contribuição da arte, escapando à

in-tenção hegemônica de digitalizar os fenômenos e o

homem a fim de controlá-Ios numa perspectiva

prescritiva, uma racionalidade técnico-instrumental.

(7)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

AGUIAR, Moisés.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAT e a t r o e s p o n t â n e o e p s i c o d r a m a . São Paulo: Ágora, 1998.

CAPRA, Fritjof. A t e i a d a v i d a . São Paulo: Cultrix,

1996.

FOUCAULT, M i c h e l . M i c r o f í s i c a d o p o d e r . l 3 a . ed.,

Rio de Janeiro: edições Graal, 1998.

__ o O poder e a norma. Em P s i c a n á l i s e , p o d e r e

d e s e j o . Editor Chaim Samuel Katz, Rio de Janei-ro, coleção IBRAPSI, 1975.

Mantoan, Maria Teresa Eglér.Ser o u e s t a r , e i s a q u e s

-t ã o : e x p l i c a n d o o d é f i c i t i n t e l e c t u a l . Rio de J anei-ro: WVA, 1997.

__ oPor uma escola para todos. texto no prelo, 1999.

Moreno, Jacob Levi. P s i c o t e r a p i a d e G r u p o e

P s i c o d r a m a . (2a. ed. revisada) Editorial Psy, Cam-pinas, 1993.

Wichens, David. A t e o r i a d e p i a g e t : m o d e l o d e s i s t e

-m a a b e r t o d e e n s i n o . Tradução de Orly Zucatto Mantovani de Assis e Carmem Scriptori de Souza.

(xerox).

JIHGFEDCBA

E D U C A Ç Ã O E M D E B A T E · F O R T A L E Z A · A N O 2 1 • V 1 • N Q 3 9 • p. 63-69 • 2 0 0 0 • 69

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