• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA"

Copied!
136
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA

SÁVIA MAIA COSTA CARDOSO

PATRIMONIALIZAÇÃO DA AYAHUASCA NO BRASIL: MÚLTIPLOS ASPECTOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

(2)

SÁVIA MAIA COSTA CARDOSO

PATRIMONIALIZAÇÃO DA AYAHUASCA NO BRASIL: MÚLTIPLOS ASPECTOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Sociologia.

Orientador: Prof. Dr. João Tadeu de Andrade.

FORTALEZA – CEARÁ

(3)
(4)

SÁVIA MAIA COSTA CARDOSO

PATRIMONIALIZAÇÃO DA AYAHUASCA NO BRASIL: MÚLTIPLOS ASPECTOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Sociologia.

(5)

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. João Tadeu de Andrade pela sua amizade, dedicação e parceria de sempre.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que me possibilitou através da bolsa de estudos suporte para a realização desta pesquisa. A todas as instituições ayahuasqueiras que tive oportunidade de conhecer: Santo Daime, Barquinha, Caminho do Coração e ao Xamanismo onde tive lições e aprendizados valiosos para a minha vida.

Aos professores do Mestrado em Sociologia que contribuíram para a minha formação acadêmica.

(6)

RESUMO

Esta dissertação visa investigar e analisar quais são os fundamentos que legitimam o processo aberto junto ao IPHAN, solicitado por três principais religiões ayahuasqueiras tradicionais, solicitando a patrimonialização da Ayahuasca como bem cultural imaterial brasileiro. Além disso, este estudo pretende interpretar os discursos dos órgãos oficiais envolvidos no processo, bem como de representantes de comunidades ayahuasqueiras, a partir de entidades localizadas na região metropolitana de Fortaleza. Esse trabalho visa antecipar-se à discussão desse tema complexo e delicado, sobretudo por discutir a situação em que uma substância psicoativa pode legitimar-se enquanto patrimônio cultural e quais os possíveis impactos para a sociedade brasileira, em meio aos intensos debates sobre o uso de substâncias psicoativas na atualidade.

(7)

ABSTRACT

This dissertation aims at investigating and analyzing the foundations that legitimize the open process with the IPHAN, requested by three main traditional Ayahuasca religions, requesting the patrimonialization of Ayahuasca as a Brazilian intangible cultural good. In addition, this study intends to interpret the speeches of the official organs involved in the process, as well as representatives of Ayahuasca communities, from entities located in the metropolitan region of Fortaleza. This work aims to anticipate the discussion of this complex and delicate topic, especially for discussing the situation in which a psychoactive substance can legitimize itself as a cultural patrimony and what the possible impacts for the Brazilian society, amid the intense debates about the use of Psychoactive substances today.

(8)

LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Figura 2 - Figura 3 - Figura 4 - Figura 5 - Figura 6 – Figura 7 - Figura 8 - Figura 9 - Figura 10 - Figura 11 - Figura 12 - Chá Ayahuasca... Moléculas beta-carbolínicas presentes no cipó Jagube... Folha Banisteropis caapi... Cipó Jagube... Cipó e folha em camadas alternadas prontos para serem fervido... Folha Psycotria Viridis... Molécula N, N – Dimetiltriptamina (DMT)... Mestre Irineu, fundador do Santo Daime... Padrinho Sebastião, fundador do CEFLURIS... Daniel Pereira de Matos, fundador da Barquinha... Mestre Gabriel, fundador da UDV... Sri Prem Baba, fundador do Caminho do Coração...

(9)
(10)

ANEXO B - QUADRO CRONOLÓGICO DOS PRINCIPAIS

(11)

1 INTRODUÇÃO

Em 2006, o Conselho Nacional de Política6+s sobre Drogas (CONAD) aprovou o parecer sobre a regulamentação do uso do chá Ayahuasca em rituais religiosos no Brasil. Foi instaurado então, pelo CONAD, um Grupo Multidisciplinar de Trabalho sobre a Ayahuasca (GMT) com profissionais de diversas áreas (farmacologia, bioquímica, psicologia, antropologia) que realizaram pesquisas sobre esta bebida, tendo como resultado a resolução de nº5 para levantamento e acompanhamento do uso religioso da Ayahuasca e de pesquisas sobre sua aplicação terapêutica. No documento do GMT são instituídos parâmetros deontológicos1 da Ayahuasca, regulamentando o seu uso em contexto religioso.

A Ayahuasca é um chá psicoativo, resultado da união do cipó Banisteriopsis caapi, conhecido como Mariri ou Jagube, com as folhas do arbusto Psychotria viridis, conhecido por Chacrona ou Rainha. O chá é identificado por diversos termos: Daime, Hoasca, Caapi, Yagé, Rei Inca, Vegetal, mas o nome que representa a bebida juridicamente é Ayahuasca. Esta palavra é de origem quéchua e umas das possíveis traduções é ―Cipó das almas‖. O chá possui a substância N,N-dimetiltriptamina (DMT) como princípio ativo que, quimicamente, é responsável pelas experiências de expansão de consciência com diversos efeitos físicos.

Em maio de 2008, na Prefeitura de Rio Branco, Acre foi iniciado a abertura do processo de reconhecimento do uso da Ayahuasca em rituais religiosos como Patrimônio Imaterial da Cultura Brasileira. Essa solicitação foi feita pelos representantes dos três troncos fundadores2 das comunidades Ayahuasqueiras, tradicionais e contemporâneas. Essa solicitação foi feita ao então Ministro da Cultura do Governo Lula, Gilberto Gil, para a instauração do processo junto ao órgão federal

1

O objetivo do GMT da Ayahuasca é a instauração de parâmetros normativos para a utilização da bebida de acordo com os princípios da Ética normativa, baseado na filosofia moral contemporânea. 2

(12)

responsável para esse tipo de atuação, o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN).

O Patrimônio Cultural Imaterial, segundo o IPHAN (2007), é formado por um conjunto de saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo. É tudo aquilo que é considerado valioso por um grupo social e que remete à afirmação de sua identidade cultural, ou seja, suas referências e valores culturais. Existem os bens culturais materiais, isto é, tangíveis, que são as paisagens naturais, objetos, edifícios, entre outros e os bens culturais de natureza imaterial que estão relacionados às crenças, práticas e habilidades inseridos no modus vivendi das pessoas. O patrimônio cultural de uma sociedade é fruto de políticas públicas norteadas pelo Estado por meio de leis, instituições públicas responsáveis, com a participação dos representantes que solicitam o pedido de patrimonialização juntamente com a sociedade civil. Os valores e significados atribuídos a determinado bem cultural devem ser pensados em coletividade.

Com o objetivo de criar instrumentos adequados ao reconhecimento e à preservação de bens culturais imateriais, que são de natureza processual e dinâmica, tais como as ―formas de expressão‖, e ―os modos de criar, fazer, viver‖, citados no Art. 216 da Constituição Federal de 1988, o IPHAN coordenou os estudos que resultaram na edição do Decreto 3.551, de 04 de agosto de 2000, que institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial. Nesse mesmo ano, o IPHAN também consolidou o Inventário Nacional de Referências Culturais. (IPHAN, 2007, p.17).

(13)

diferentes esferas de atuação, decidirá se a proposta é consistente e se deve ser feito o registro.

O bem cultural imaterial, já devidamente registrado será inscrito em um dos Livros de Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que, atualmente está divido em quatro categorias: Livro de Registros de Saberes – para a inscrição de conhecimentos e modos de fazer das comunidades; Livro de Registros de Celebrações – para rituais e festas, da religiosidade e de outras práticas da vida social; Livros de Registro das Formas de Expressão – para manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas, lúdicas; Livro de Registro dos Lugares – espaços como mercados, feiras, praças e santuários, onde se reproduzem práticas culturais (IPHAN, 2007).

Porém, o pedido do IPHAN para a realização do INRC da Ayahuasca não conta apenas com o levantamento sobre as religiões ayahuasqueiras que solicitaram o pedido, mas também é necessário levantar levantar informações sobre a cosmologia dos povos indígenas que fazem uso do mesmo chá e das comunidades urbanas mais recentes, categorizadas como neo-ayahuasqueiras. Isto nos sugere que a realização do INRC da Ayahuasca é um empreendimento amplo acerca dos rituais em que se faz o uso do chá. Essa amplitude ocorre devido à diversidade cultural em torno da bebida levantando questões do que se pretende inventariar afinal (SANTOS, 2010).

A proposta apresentada pelos técnicos do IPHAN dividiu o projeto em três campos de pesquisa: campo dos originários, campo tradicional ou tradicionalista e campo eclético ou neo-ayahuasqueiro. Nesse vasto leque em que a Ayahuasca está presente, surgem as delimitações e dificuldades para a execução do INRC. É necessária uma grande equipe de pesquisadores e de financiamento, além da execução desse amplo projeto. No INRC, são feitas pesquisas etnográficas, produção em audiovisual, registros fotográficos, pesquisas bibliográficas e documentais (IPHAN, 2007).

(14)

bem imaterial pode significar cristalizá-lo, como se houvesse apenas uma prática religiosa legítima a ser reconhecida. No caso da Ayahuasca, as práticas religiosas e terapêuticas são dinâmicas, sincréticas e às vezes contraditórias (LABATE, 2011).

Um grande passo para as entidades ayahuasqueiras, sem dúvida, foi a regulamentação do uso do chá em contexto religioso feita pelo CONAD em 2006 (GMT – Ayahuasca), retirando as substâncias presentes na composição do chá da lista de drogas ilícitas. Então, pela primeira vez as comunidades ayahuasqueiras que sempre sofreram com o preconceito e perseguição pelos que não toleravam suas práticas rituais, puderam legitimar-se enquanto manifestação religiosa brasileira a ser protegida de acordo com o art. 2º, da Lei Federal 11.343/06 (2006) e do art.215, §1º, da Constituição Federal. Já o pedido de patrimonialização é um passo maior que exige estudos e planejamento e que leva em consideração todas as nuances que envolvem esse tema tão complexo e delicado.

Os estudos em torno da Ayahuasca demonstram os impactos estruturantes na vida daqueles que a utilizam em contexto religioso (MACRAE, 1992). Esse paradoxo nos mostra que a demonização das substâncias psicoativas constitui uma visão estreita que necessita ser revisada, instituindo novos parâmetros reflexivos, norteados por pesquisas farmacológicas, jurídicas e socioculturais (MACRAE, 1992).

Além disso, o uso da Ayahuasca envolve complexas redes sociais onde diversos grupos possuem relacionamentos diferentes com esta substância enteógena3. Além da variedade sociocultural presente nessas comunidades, desde os índios que bebem o chá em rituais no interior da floresta amazônica, até jovens de classe média em contexto urbano, a relação com a Ayahuasca é variável em cada grupo, que a trata e percebe diferentemente de acordo com sua doutrina ou visão de mundo.

Tratar, contudo, da patrimonialização do uso da Ayahuasca em contexto religioso é algo que nos remete a questões de natureza múltipla. A Ayahuasca é um agente não humano associado a diferentes contextos culturais. Este líquido, de acordo com a cultura na qual esteja inserido, ganha símbolos e significados

(15)

diferentes, que norteiam a visão de mundo e a identidade cultural de seus usuários. Cada contexto cria sua “Ayahuasca” (SANTOS, 2010). Os componentes da bebida são de origem natural e se fundem através da manipulação humana dando origem à bebida. Os elementos naturais ao sofrerem interferência humana se mesclam dando origem a um terceiro ―produto‖ que agora é natural e cultural ao mesmo tempo, porém passível de mudança de acordo com a cosmologia na qual está incluído. Em matéria de cultura podemos dizer que nada é simples, tudo tem sua complexidade (BATISTA, 2010).

O pedido de patrimonialização da Ayahuasca reforça, sem dúvida, a necessidade das comunidades ayahuasqueiras afirmarem suas identidades culturais, para garantir os direitos religiosos e, por fim, a preservação do conhecimento e da tradição que envolve a Ayahuasca em contexto religioso. O pedido de patrimonialização da Ayahuasca em contexto religioso é, a nível simbólico, a legitimação da religiosidade ayahuasqueira como um saber tradicional inerente à cultura brasileira que agora busca ser visto e reconhecido para ser consolidado como bem cultural imaterial brasileiro.

Constitui-se manifestação cultural indissociável da identidade das populações tradicionais da Amazônia e de parte da população urbana do País, cabend ao Estado não só garantir o pleno exercício desse direito à manifestação cultural, mas também protegê-la por quaisquer meios de acautelamento e prevenção, nos termos do art. 2o, ―caput‖, Lei 11.343/06 e art. 215, caput e § 1º c/c art. 216, caput e §§ 1º e 4º da Constituição Federal. (CONAD, 2006, p.12-13).

(16)

se depara com uma situação relativamente nova, e que levanta mais dúvidas sobre o que pode ser considerado patrimônio, cultura e bem imaterial?

As discussões sobre a identidade nacional e as referências culturais que formam o imaginário de nação nos fazem refletir sobre as relações de poder que existem e as disputas que ocorrem no campo de patrimônio, para que determinadas manifestações culturais ou religiosas sejam legitimadas.

(...) entendendo por tal relações de forças entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de força social – ou de capital – de modo a que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder, entre as quais possuem uma dimensão capital as que têm por finalidade a definição da forma legitimada de poder. (BOURDIEU, 2011, p. 28-29).

A política pública de Patrimônio cultural é moldada por relações de forças que atuam através da dimensão simbólica do capital. Patrimônio seja material ou imaterial é um território marcado por disputas sociais, econômicas, políticas e culturais. Está em constante construção e reforma. O pedido de patrimonialização da Ayahuasca é algo novo que não se enquadra em nenhuma categoria do IPHAN, até agora, e que trás discussões sobre a maleabilidade e construção dessa política.

Em 2008 o governo do Peru declarou como patrimônio cultural da nação os conhecimentos tradicionais e o uso da Ayahuasca por comunidades indígenas na floresta amazônica peruana. Esse processo, além da visibilidade internacional que trouxe ao uso religioso do chá Ayahuasca, influenciou aqui no Brasil as religiões tradicionais ayahuasqueiras de modo que as mesmas, solicitaram no mesmo ano, o pedido de patrimonialização do chá em contexto religioso. De acordo com o Instituto Nacional de Cultura do Peru, o ritual da Ayahuasca está se estabelecendo como centro da medicina tradicional, reconhecendo como um dos pilares da identidade dos povos amazônicos.

De acordo com a ―Declaración Patrimonio Cultural de la nación a los conocimientos y usos tradicionales del Ayahuasca practicados por comunidades nativas amazónicas se resolve declarar patrimonio cultural de

la nación a los conocimientos y usos

(17)

amazónicas, como garantía de continuidad cultural‖ (INSTITUTO NACIONAL DE CULTURA, PERU, 2008).

Para NAKAZAWA (2015) é necessário proteger a prática [uso ritual da Ayahuasca] para evitar o uso indevido e distorções, como o comércio irresponsável, o consumo lúdico, o manejo por pessoas não habilitadas, o charlatanismo, a exploração dos recursos naturais e o possível esgotamento e a apropriação do conhecimento sagrado dos povos originários. A autora ressalta que:

Algunos curanderos se dan cuenta pronto de que pueden sacar beneficio económico, sexual o de poder, y comercializan plantas sagradas y rituales a un público ávido de ―comprar‖ salud, conocimiento y una espiritualidad alejada de sus propias raíces culturales. Surgen en el ámbito urbano y para atender la demanda de clientes foráneos, neo chamanes - ayahuasqueros, auto referidos como ―convidadores‖ pues no conocen ni ejercen el rol de curandero, pero que aprendieron externamente a realizar el ritual y lo aplican, sin estar preparados para afrontar una eventual complicación. En algunas comunidades, con intención de fomentar el desarrollo local impulsando el turismo algunas autoridades organizan festividades o tours con tomas de ayahuasca. En este contexto se presentan inevitablemente, para esos ingenuos extranjeros, casos de abuso, de explotación, de descompensación física o mental y hasta de decesos, algunos de ellos muy mediatizados y reportados de manera escandalosa por la prensa sensacionalista. (NAKAZAWA, 2015, p.4).

A autora também afirma que o uso ritual da Ayahuasca é o fundamento da Medicina Tradicional Amazônica e em consequência base da identidade cultural dos povos amazônicos. Em 1999 uma declaração da União Indígena de Curandeiros de Ayahuasca, na Amazônia Colombiana, já apontava que "mesmo alguns dos nossos irmãos indígenas não respeitam os valores do nosso remédio, e saem por aí enganando pessoas, vendendo símbolos das nossas cidades"(UMIYAC,1999).

(18)

promovido‖ através de charlatanismo e do uso indevido de medicinas sagradas. A Organização também exigiu a suspensão de uma patente concedida a Loren Miller. Em carta emitida pela Organização dos Taitas em 1999:

Exigimos respeito aos nossos territórios, nossa medicina indígena e curandeiros tradicionais ou a nossa Taitas. Pedimos ao mundo a reconhecer o nosso medicamento que também é uma ciência, não da mesma maneira, embora os ocidentais possam entendê-lo. Nós, o Taitas, somos curadores reais e por muitos séculos temos contribuído para a saúde das nossas aldeias. Além disso, a nossa medicina olha além do físico e busca o bem-estar da mente, do coração e do espírito. Exigimos a suspensão imediata da patente concedida a Loren Miller nos Estados Unidos. Para nós, a patente representa um abuso e uma profanação da nossa planta sagrada. Declaramos que o Yagé e outras plantas medicinais que usamos são patrimônio e propriedade coletiva dos povos indígenas. É um uso em nome da humanidade que deve ser realizado com a nossa participação e queremos quaisquer outros benefícios derivado dos nossos direitos. Nós pedimos o reconhecimento legal da nossa autonomia no cuidado com a saúde dos nossos povos de acordo com nossas tradições e valores. Temos que recuperar a posse dos nossos territórios e locais sagrados. A floresta é para nós a fonte de nossos recursos.

Em 1980, Loren Miller, um dono de um laboratório farmacêutico estadunidense, conseguiu as plantas que constituem a Ayahuasca com povos indígenas de Cofan no Equador e ao chegar aos Estados Unidos patenteou as plantas. Em 1996 a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), que representa mais de quatrocentros grupos indígenas, apresentou uma solicitação de anulação da patente das plantas sagradas. O Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos (PTO) em Washington anulou a patente alegando que a Banisteropis caapi era nativa da floresta amazônica, já era conhecida e não representava nenhuma ―descoberta‖. A patente foi reativada em 2001 e ficou em vigor até o final em 2003. Os povos indígenas, na época, continuaram protestando contra a patente. O representante do povo Ashaninka levantou essa discussão no

workshop internacional ―Cultivando a Diversidade‖ em maio de 2002 em Rio Branco,

(19)

Em 5 de setembro de 2006 o Centro de Iluminação Cristã Luz Universal do Alto Santo foi tombado por decretos do governador Jorge Viana e do prefeito Raimundo Angelim como patrimônio histórico e cultural de Rio Branco e do Acre. A solenidade foi realizada no Palácio de Rio Branco com a participação de Peregrina Gomes Serra, viúva do Mestre Irineu e dignatária do CICLU Alto Santo.

A solicitação do tombamento foi feita por Madrinha Peregrina por carta enviada ao governador do Acre e ao prefeito de Rio Branco. No documento ela destaca:

[...] Desde então, a irmandade fundada pelo Mestre Irineu Serra manteve-se no local respeitando e honrando os ensinamentos que ele nos legou. Neste local estão construções importantes para o prosseguimento desta tradição. Destaco dois conjuntos. O primeiro inclui a casa do Mestre, transformada em Memorial da comunidade, a Sede de nossos trabalhos espirituais, a casa do feitio e o poço aberto pelo próprio Mestre. Excluo desse conjunto a minha residência e de dona Maria Laurinda, próximas ao Memorial, mas destinadas ao uso particular e erguidas em tempos mais recentes. No segundo conjunto, do outro lado da estrada, estão alinhadas lado a lado: a escola municipal Irineu Serra, que é uma construção recente, mas que originou-se da Escola Cruzeiro, funda pelo Mestre no início dos anos 60, a capela com o túmulo do Mestre e de dois importantes discípulos, o Conselheiro José das Neves e o Presidente Leôncio Gomes da Silva e, finalmente, a casa de Leôncio Gomes, construída em modelo igual à casa do Mestre e que ainda guarda as características da época em que foi erguida. Todos esses bens localizam-se na Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra, criada no ano passado pela Prefeitura de Rio Branco e têm, portanto, a atenção do poder público municipal. Acredito, entretanto, que o tombamento pelo patrimônio municipal, estadual e federal, dará maior segurança de que a obra do Mestre Irineu possa estar para sempre protegida. Portanto, solicito à Prefeitura Municipal de Rio Branco, ao Governo do Estado do Acre e ao governo da República do Brasil o tombamento da área do Alto Santo como Patrimônio Histórico e Cultural de nossa Cidade, nosso Estado e nosso País. (CARTA DE PEREGRINA GOMES SERRA – PEDIDO DE TOMBAMENTO CICLU ALTO SANTO 2006).

(20)

Santo Daime e dos dirigentes de quatro centros da Doutrina do Santo Daime. A APA é uma unidade de conservação assim como os parques nacionais e reservas biológicas. Nessa área está presente a Vila Irineu Serra existente há mais de 50 anos. A imensa área original foi doada na década de trinta pelo governador e ex-senador José Giomar dos Santos ao Mestre Irineu Serra que lá fundou o Centro de Iluminação Cristã Luz Universal.

A Área de Preservação Ambiental Raimundo Irineu Serra (APARIS), com pelo menos 1,2 mil hectares, formaria a maior área verde da bacia do igarapé São Francisco, segundo Arthur Leite, secretário municipal de Meio Ambiente. O interesse dos moradores da região é proteger e garantir as manifestações culturais originais das populações tradicionais, integradas ao ecossistema nativo, notadamente o plantio e o cultivo das espécies Banisteropis Caapi (cipó jagube) e Psychotria Viridis (folha rainha), bem como proteger o uso religioso da bebida Ayahuasca.

Nenhum projeto de urbanização pode ser implantado numa APA sem prévia autorização de sua unidade administradora. As áreas de florestas existentes podem vir a ser consideradas Zonas de Conservação da Vida Silvestre, nelas não se podendo realizar desmatamentos e nenhum tipo de exploração ou atividade que implique alteração na fauna ou na flora. Essas iniciativas de preservação e tombamento reforçam a necessidade das doutrinas ayahuasqueiras utilizarem instrumentos do Estado para garantir os direitos religiosos e assegurar legitimidade e proteção.

(21)

O objetivo desse estudo é analisar as relações sociais e culturais na qual a Ayahuasca se insere no Brasil a fim de se compreender os múltiplos aspectos do processo de patrimonialização da Ayahuasca. Examinando os discursos oficiais das instituições governamentais, considerando os aspectos políticos sobre o processo.

Essa pesquisa visa contribuir para a área de políticas públicas culturais, já que o processo de patrimonialização da Ayahuasca é um caso atípico por ser um pedido complexo que envolve uma bebida psicoativa ameríndia usada em rituais religiosos e que possui como característica a necessidade de reflexão sobre os conceitos de cultura e patrimônio cultural. Além disso, o debate sobre a Ayahuasca é necessário na contemporaneidade devido à problemática em torno da política de drogas e como as substâncias psicoativas tem sido tratadas pela jurisdição brasileira atualmente.

(22)

Ao longo das minhas pesquisas, pude constatar que os debates em torno da Ayahuasca ainda são muito recentes no ambiente acadêmico, sobretudo em torno das questões da patrimonialização do seu uso. Há poucos estudos disponíveis a respeito dessa questão e do INRC da Ayahuasca. Sem dúvida é uma discussão recente, carente de estudos na área (LABATE, 2011) e essa pesquisa pretende contribuir para o entendimento dos aspectos em torno do processo da patrimonialização da Ayahuasca. A Ayahuasca tem sido procurada por pessoas com os mais variados tipos de interesse, tornando-se mais conhecida nos últimos vinte anos (LABATE, 2011). Outras substâncias psicoativas vêm sendo usadas ao longo da história da humanidade para diversos fins, desde a busca pelo prazer até ao êxtase religioso (MACRAE, 2010).

Nesta pesquisa, levanto questionamentos a respeito de como as instituições de governo podem aperfeiçoar as políticas públicas em torno das substâncias psicoativas. A política criminalista de combate às drogas têm se mostrado ineficiente, e os estudos em torno da Ayahuasca demonstram os impactos estruturantes na vida daqueles que a utilizam em contexto religioso (MACRAE, 1992). Esse paradoxo nos mostra que a demonização das substâncias psicoativas constitui uma visão estreita que necessita ser revisada, instituindo novos parâmetros reflexivos, norteados por pesquisas farmacológicas, jurídicas e socioculturais (MACRAE, 1992). Esse estudo envolve antropologia da religião, xamanismo, cultura e conceitos da sociologia, como ainda a análise das leis sobre política pública de patrimônio imaterial e Ayahuasca também.

1.1 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

(23)

Federal de Entorpecentes (CONFEN); Resolução n.26 – 31/12/2002 – Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD);

Parecer da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico – 17/08/2004 – Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD); Resolução n.05 – 04/11/2004 – Conselho Nacional de Política sobre Drogas (CONAD); Relatório Final – Grupo Multidisciplinar de Trabalho Ayahuasca – 23/11/2006 – Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD); Resolução n.01 – 25-01-2010 – Conselho Nacional de Política sobre Drogas (CONAD);

Pedido de Tombamento da Ayahuasca, 2008 por parte das doutrinas tradicionais ayahuasqueiras ao ministro da cultura Gilberto Gil em 2008; Acesso ao portal do IPHAN para a pesquisa sobre a legislação de patrimônio cultural. O Decreto n°3.551, de 4 de agosto de 2000 do IPHAN. Entrevista por correio eletrônico com Deyvesson Gusmão, Coordenador-Geral de Identificação e Registro – CGIR Do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) do IPHAN; Acesso a Carta da Madrinha Peregrina solicitando o Tombamento do CICLU de Alto Santo (Santo Daime) no site da Doutrina do Santo Daime (< http://www.santodaime.org/site-antigo/doutrina/oquee.htm>); Cartas de Alex Polari (representante do CEFLURIS) se posicionando a respeito do pedido de patrimonialização da Ayahuasca via site < http://www.bialabate.net/>.

Principais pesquisadores da Ayahuasca das áreas químicas, biológicas e médicas: Volodymyr Samoylenko, Rick Strassman, Paul Mckenna, Wiki Chubby Checkey, Luiz Aranha Correa de Lago, Robert Gable, Steffen Warren.

Pesquisa envolvendo principais autores na área de cultura, identidade, globalização e patrimônio cultural: Roque de Barros Laraia, Aline Sapiezinskas Krás Borges Canani, Silvia Helena Zanirato, Néstor Garcia Canclini, Stuart Hall, Anthony Giddens, Zygmunt Bauman, Cláude Lévi- Strauss, José Luís dos Santos, Armand Matterlart;

(24)

dos pesquisadores ayahuasqueiros, bem como livros de Edward Macrae, Guiado pela lua (sobre a doutrina do Santo Daime); Beatriz Labate, A Reinvenção do Uso da Ayahuasca nos centros urbanos (pesquisei sobre o Santo Daime, Barquinha, UDV e o Caminho do Coração); Wladimir Sena de Araújo, Navegando Sobre as Ondas do Daime (Sobre a Barquinha);

(25)

2 OBJETIVOS 2.1 GERAL

Analisar o contexto social, cultural e político no qual a Ayahuasca se insere no Brasil a fim de se compreender os múltiplos aspectos que envolvem seu processo de patrimonialização.

2.2 ESPECÍFICOS

 Investigar os aspectos biológicos, cosmológicos, sociais e legais da Ayahuasca no Brasil;

 Desenvolver uma análise da política pública de patrimônio cultural no Brasil;

(26)

3 O QUE É AYAHUASCA?

Neste capítulo destacaremos alguns aspectos necessários para a compreensão do que é Ayahuasca. Abordaremos os aspectos químicos e farmacológicos, compreendendo como essa bebida psicoativa age no organismo humano, avaliando os aspectos de saúde, os benefícios e os impactos que esta bebida causa ao corpo e mente humana. Além dos aspectos etnobotânicos das plantas presentes na fórmula Ayahuasca, iremos conhecer um pouco mais das doutrinas ayahuasqueiras tradicionais e neo-ayahuasqueira e indígena, tratando do consumo da Ayahuasca na atualidade. Por fim, faremos um esboço sobre os aspectos legais da bebida Ayahuasca, servindo de base para a nossa avaliação do processo de patrimonialização do chá e das políticas públicas de patrimônio cultural no Brasil.

3.1 ASPECTOS QUÍMICOS E FARMACOLÓGICOS DA AYAHUASCA

A bebida enteógena4 conhecida como Ayahuasca, Hoasca, Caapi, Yagé,

Daime, Vegetal entre uma variedade de nomenclaturas é de origem quéchua5,

possui um passado milenar onde sacerdotes e realezas do império Inca utilizavam a bebida em seus rituais xamânicos, estando até hoje, presente nas cosmologias de diversas tribos indígenas da floresta amazônica (Kaxinawá, Yawanawá, Jaminawá, Marubo, Katukina entre outras) e em religiões no Brasil e no mundo (Barquinha, Santo Daime, União do Vegetal, Arca da Montanha Azul, Umbandaime, Caminho do Guerreiro, Caminho do Coração entre outros). A origem da bebida é um enigma, não se sabe como ela foi criada em meio à vastidão selvagem da flora amazonense. Um verdadeiro mistério da floresta, onde alguém obteve a revelação de misturar as

4 Enteógeno: palavra grega que significa ―Deus dentro‖. Utilizo essa palavra para me referir às substâncias psicoativas que agem ampliando o estado de consciência do individuo com vínculo com o sagrado.

5

(27)

plantas primordiais da fórmula alquímica que garante a magia visionária da poção indígena Ayahuasca.

O chá latino-americano possui aspecto viscoso de coloração marrom-escuro, de cheiro forte e sabor amargo. É composto pelo cipó Banisteropis Caapi da família Malphigeáceas, conhecido como Mariri ou Jagube e a folha do arbusto Psycotria Viridis da família das Rubiáceas, conhecida como Chacrona ou Rainha. O cipó e a folha são fervidos em camadas alternadas com água até o ponto certo para o apuro do elixir. O nome que representa a bebida juridicamente é Ayahuasca que em quéchua significa ―vinho dos mortos‖ ou ―cipó das almas‖.

A bebida psicotrópica possui a substância N,N- dimetiltriptamina (DMT), como principal princípio ativo responsável pelas experiências de expansão da consciência. Os efeitos da DMT, por via oral aparecem de 30 á 45 minutos, aproximadamente, e podem durar até quatro horas. Os efeitos visionários aparecem de forma mais intensa cerca de 60 á 120 minutos após a ingestão do chá. A concentração desse alcaloide no chá ayahuasca varia de 0,1% a 0,66% de peso seco (MCKENNA et al., 1984; MCKENNA, 2004). O cipó Banisteropis caapi contém alcaloides pertencentes ao grupo das beta-carbolinas: tetrahidrohamina (THH), harmalina e harmina que são potentes inibidores temporários da isoenzima monoaminoxidase (MAO) intestinal e hepática. As concentrações de beta-carbolinas encontradas no B. caapi variam de 0,05% a 1,95% de peso seco (MCKENNA et al, 1984 e MCKENNA, 2004). Algumas beta-carbolinas, por serem inibidoras da MAO, podem causar a denominada síndrome serotoninérgica, que é uma das patologias mais graves associadas ao excesso de serotonina na fenda sináptica6 (GABLE, 2007). Porém, para obter uma dose letal de beta-carbolinas seria necessário uma concentração vinte vezes maior do que é encontrado normalmente em doses servidas em sessões de religiões tradicionais ayahuasqueiras. (MCKENNA et al, 1998).

As folhas da espécie Psycotria viridis produzem o alcaloide indólico N,N – dimetiltriptamina (DMT), substância de estrutura molecular semelhante ao neurotransmissor serotonina. Além dessa molécula, a folha da chacrona possui

(28)

traços da substância N-metiltriptamina e metil-tetrahidroharmina, todas atuantes no Sistema Nervoso Central (SNC) (MCKENNA et al, 1998). A molécula DMT também é produzida naturalmente pelo organismo humano e já foi encontrada em mamíferos e muitas espécies de vegetais. O aminoácido L-triptofano é responsável pela fonte de produção direta de serotonina e DMT no nosso organismo (SALIM, 1987). A DMT e alguns alcaloides beta-carbolínicos são produzidos pela glândula pineal e estão presentes no sangue, urina e fluido cérebro-espinhal. Há hipóteses científicas de que as moléculas beta-carbolínicas e a DMT estejam relacionadas aos ciclos regulatórios do sono e estados de ondas mentais mais profundos do cérebro humano, podendo ser responsáveis pela formação de imagens nos sonhos (FISHBACH, 1992).

(29)

3.2 ASPECTOS DE SAÚDE DO USO DO CHÁ AYAHUASCA

A fórmula do chá fornece potentes estados visionários, capazes de alterar as funções cerebrais, atuando no complexo imaginário-mental do individuo. No entanto, considerar o chá apenas como alucinógeno traz uma compreensão limitada do assunto. O termo alucinógeno foi durante muito tempo usado para demonizar os efeitos das substâncias enteógenas, associando-as à loucura:

Alucinar significa errar, enganar-se, privar da razão, do entendimento, desvairar, aloucar. Tal palavra não permite comentar com imparcialidade os beatíficos e transcendentes estados de comunhão com as divindades que, segundo a crença de muitos povos, determinados indivíduos podem alcançar mediante a ingestão de certos psicoativos. (MACRAE, 1992, p.13)

Ao abordar os efeitos das substâncias psicoativas, sobretudo da Ayahuasca, é necessário levarmos em conta, além dos efeitos químicos a relação entre o usuário e o meio social ao qual ele está inserido. A experiência que o individuo terá com determinada substância psicoativa dependerá do seu nível de estruturação social e familiar, o contexto da experiência e a vulnerabilidade física e emocional, ou seja:

O set, estado psicológico do individuo no momento do uso da substância, incluindo-se ai a estrutura de sua personalidade e expectativas a respeito dos efeitos da substancia. O setting, meio físico, social e cultural onde ocorre o uso da substancia. (MACRAE, 1992, p.17)

(30)

Além dos efeitos visuais que a bebida proporciona, o chá possui atuação no sistema nervoso límbico do SNC, o principal centro cerebral de nossas emoções, possuindo entre outras funções, ação terapêutica e antidepressiva (CALLAWAY, et al, 1999). Estudos recentes realizados pela USP apontam para um possível tratamento contra o mal de Parkinson pelo uso do chá Ayahuasca. Antioxidantes inibidores da MAO, presentes na bebida, podem atuar fornecendo proteção contra a neurodegeneração, tendo importante papel no tratamento da doença (SCHWARZ et al., 2003; SAMOYLENKO et al., 2010). Há um crescente interesse na aplicação médica do chá Ayahuasca, devido as suas propriedades antioxidantes, antimutagênicas e antigenotóxicas (MOURA et al, 2007).

Os efeitos psíquicos mais comuns, associados ao efeito da bebida são alteração na percepção da passagem do tempo, alterações visuais, luzes cintilantes, visões com seres divinos e míticos, demônios e anjos, sinestesia, insights, visões sobre situações passadas, expressões emocionais variadas, entre outros (CHECKLEY et al., 1980). Os principais efeitos físicos relacionados ao uso do chá podem ser sumarizados em náuseas, vômitos, diarreia, leve aumento da pressão arterial, midríase (dilatação da pupila), incoordenação motora, sudorese e tremores (MCKENNA et al., 1998; CALLAWAY et al.,1999). Evidências farmacológicas sugerem que o ato de vomitar e a diarreia intensa ocorrem como resultado da inibição da MAO-A pelos alcaloides beta-carbolinas. Entretanto, a tolerância física aos indesejáveis efeitos pode ser desenvolvida com o uso regular do chá. (CALLAWAY, 2005). Os alcaloides do chá ainda possuem ação profilática, combatendo infecções gastrointestinais causadas por parasitários helmínticos, protozoários causadores da malária, leishmaniose, doença de Chagas, toxoplasmose e tripanossomíases (CALLAWAY, 2005).

(31)

organismo humano (SALIM, 1987). Entretanto, as predisposições genéticas à psicose ou doenças mentais que podem estar em estágio inicial ainda sem apresentar sintomas prévios podem vir à tona, desencadeando surtos psicóticos para quem fizer uso desse chá (LIPINSK, et al., 1974). Por tal fator, não é recomendado a ingestão da bebida para aqueles que fazem uso de ansiolíticos e antidepressivos, necessitando de acompanhamento e recomendação médica, bem como a suspensão da medicação para fazer uso da Ayahuasca.

Embora sejam necessárias altas doses do chá para se criar um ambiente de risco para quem consome a bebida, autores como Checkey (1980) e Gable (2006) defendem que o aumento na dose poderia levar, em muitos casos, a efeitos colaterais diversos como graves arritmias cardíacas levando cardiopatas ao risco de enfarto. O acompanhamento médico, bem como a anamnese são indispensáveis para determinar se a pessoa está apta para o consumo da bebida.

Segundo Mckenna (1984) e Warren (2010), os alcaloides harmina e harmalina presentes no cipó Jagube em doses elevadas apresentam grande risco de intoxicação, porém em baixas doses, são excelentes tranquilizantes, sedativos e antioxidantes. Para Callaway (2005) há estudos que sugerem a não dependência física nem psicológica da bebida Ayahuasca. O autor também sugere que as beta-carbolinas presentes numa dose comum do chá nas cerimônias religiosas estariam muito abaixo do limiar de uma dose com efeitos psicotrópicos e tóxicos.

(32)

transportadores 5-HT, que são receptores para o neurotransmissor serotonina, são significativamente elevados no usuário do chá. Existe especulação no meio científico que a infusão poderia reverter déficits de serotonina e assim controlar doenças neurológicas, promovendo mudanças positivas no comportamento (MCKENNA, 2004).

À medida que os estudos científicos em torno do chá Ayahuasca avançam é perceptível observar no campo da medicina as suas diversas atuações benéficas para o organismo humano. O campo da ciência moderna tem revelado que os benefícios desse chá vão para além do campo da espiritualidade, tornando-o um agente com potencial de tratamento de doenças físicas, mentais e emocionais. Agora no próximo item iremos investigar os aspectos etnobotânicos do chá Ayahuasca.

3.3 ASPECTOS ETNOBOTÂNICOS DO CHÁ AYAHUASCA

Desde civilizações muito antigas relata-se o uso de plantas psicoativas em rituais com o objetivo de promover contato com o mundo espiritual para orientação e cura de enfermidades. As plantas também são usadas pelos seres humanos para técnicas de êxtase há pelo menos 50 mil anos (LABATE, 2003). Com a conquista da América, vários costumes indígenas associados ao uso de plantas de forma ritualística foram demonizados, sofrendo forte perseguição da Igreja Católica, com tentativa de extermínio dessas práticas e costumes (CARNEIRO, 2002).

(33)

Figura 1 - Chá Ayahuasca

Fonte: Google Imagens, 2016

(34)

Figura 2 - Moléculas beta-carbolínicas presentes no cipó Jagube

Fonte: Google Imagens, 2016

Figura 3 - Folha Banisteropis caapi

(35)

Figura 4 - Cipó Jagube

Fonte: Google Imagens, 2016

Figura 5 - Cipó e folha em camadas alternadas prontos para serem fervido

(36)

A folha do arbusto da família Rubiaceae Psycotria Viridis, componente do chá conhecida como Rainha, Chacrona e Kawá, possui ocorrência em toda a floresta amazônica (Brasil, Peru, Equador, Colômbia e Bolívia). No Brasil, a família Rubiaceae possui 130 gêneros e 1500 espécies distribuídas por todo o bioma do país, sendo que o gênero Psycotria é comumente encontrado em florestas úmidas (SOUZA & LORENZI, 2005).

Figura 6 - Folha Psycotria Viridis

Fonte: Google Imagens, 2016

(37)

(1994) a Ayahuasca, assim como DMT em ingestão intravenosa, causam o aumento de alguns hormônios como corticotropina, prolactina, cortisol e hormônio do crescimento, sendo que os níveis normais desses hormônios voltam ao normal cerca de 6 horas após a ingestão do chá, portanto o uso do chá não acarretaria em riscos de toxicidade para o organismo humano.

Figura 7 - Molécula N, N – Dimetiltriptamina (DMT)

Fonte: Google Imagens, 2016

(38)

regulamentadas pelo Conselho Nacional de Drogas (CONAD) são a Psycotria Viridis e a Banisteropis caapi.

3.4 ASPECTOS COSMOLÓGICOS DA BEBIDA AYAHUASCA

As culturas ameríndias já conhecem e fazer uso do chá Ayahuasca há milênios. As tradicionais religiões ayahuasqueiras originárias do Acre são o resultado da miscigenação entre as culturas indígenas da floresta amazônica e as religiões católica, espírita e umbandista. Cerca de 70 tribos indígenas que já foram catalogadas fazem uso do chá Ayahuasca na floresta amazônica (LABATE, 2006). Falarei sobre a cosmologia da tribo Kaxinawá que apresenta um mito originário com a bebida para exemplificar a infinidade de cosmologias das diversas tribos que fazem uso da bebida sagrada. Devido à imensa quantidade e complexidade de representações e cosmologias em torno da Ayahuasca tratarei apenas da tribo Kaxinawá embora haja uma infinita rede de significados, mitos e analogias diferentes em cada tribo indígena que compõe um universo peculiar, uma cosmogonia própria em sua visão de mundo.

Os Kaxinawá e a Lenda da Jibóia Branca do nixi pae (Ayahuasca)

Também conhecidos como caxinauás, são uma etnia sul-americana, que habitam as fronteiras do Peru, aos pés dos Andes até a fronteira do Brasil, no estado do Acre na região do Alto Juruá e Purus. É a mais numerosa população indígena do Acre com cerca de 7.535 indivíduos (Censo 2010). O mito fundador dos Kaxinawá explica a origem do cipó Jagube usado no preparo da bebida Ayahuasca.

De acordo com Leopardo Sales Yawa Bane Huni Kuin, índio da tribo Kaxinawá, em sua apresentação na mesa redonda ―Os usos da ayahuasca: aspectos religiosos, antropológicos e científicos, no Evento Sexto Movimento pela Vida, em Palmas, 2005, ele descrevera o mito de sua aldeia Kaxinawá:

(39)

grande. (Explico: a jibóia morava nesse lago e se transformava em mulher, ia para a terra e depois voltava para o lago). E a partir desse encontro, nesse momento, o guerreiro se apaixonou. Pediu ela em casamento e ela aceitou. O guerreiro e a Jibóia tiveram uma vida muito boa, conhecimento e aprendizado no mundo espiritual da Jibóia Branca. Nesse lago grande, na comunidade da Jibóia Branca, viviam muitos encantados. Todos eles conheciam o segredo da planta do poder que é a ayahuasca, o cipó. O cipó para nós é nixi pae; a folha se chama kawa. O guerreiro aprendeu com a Jibóia Branca todos os ensinamentos do canto, do mantra – nós chamamos ―miração da Jibóia Encantada‖ –; aprendeu como se preparar para chamar os encantados, todas as criações de Deus, que nós chamamos Kushipa. São uns cantos na nossa língua, a nossa língua se chama Ratxa Kuin. Cantamos o Huni Meka, que é o nosso canto, nosso mantra, da Jibóia. Nosso pajé, nosso professor, nosso mestre, e o nosso Kushipa, que é o nosso Deus, nos ensinou. Foi assim que o povo Huni Kuin recebeu estes conhecimentos.

(40)

todas quebradas. O guerreiro pediu para os parentes dele levarem a Jibóia também. Aí os discípulos do guerreiro levaram ele para a comunidade, e enterraram ele e a Jibóia um do lado do outro, como o guerreiro pediu. Não enterraram tudo junto porque ele explicou que ele ia se transformar em cipó – ia nascer um cipó da sepultura aonde ele foi sepultado – e a Jibóia ia se transformar em folha, kawa, a Rainha da Floresta.

Esperados três meses nasceram o cipó e a folha do jeito que ele falou. O guerreiro também tinha falado que era para eles tirarem o cipó com muito respeito. Antes de tirar o cipó e folha, pedir licença à natureza, pedir licença ao cipó e à folha. O guerreiro também ensinou mais uma coisa sagrada, os ensinamentos do mantra através da miração, o canto que foi dado. Aí como era encantado, o cipó cresceu rapidinho, deu dessa grossura [mostra com as mãos]. A comunidade mais antiga, dos índios mais velhos, foram lá, pediram licença, fizeram uma oração, fizeram uma cerimônia em volta desse cipó e da folha, tiraram e fizeram o cozimento do jeito que o guerreiro falou, na panela de barro, colocaram folha, cipó e água. O fogo tinha que ser feito com uma árvore especial que tem na floresta, que é yapa karu, a madeira que a gente queima para fazer o preparamento do cipó.Toda a comunidade foi convidada para participar dessa cerimônia de ayahuasca. A partir desse momento, tomaram o cipó, e começaram a ter mirações na primeira dose, na segunda dose, na terceira dose… e começaram a receber todos os mantras que o guerreiro tinha falado. Através dessa miração eles conseguiram captar todos os cantos Huni Meká, os mantras do cipó, e todas as sabedorias da natureza, a ciência, o mistério, os conhecimentos da guardiã da Jibóia, receberam essa missão. (LABATE, 2006)

Para as doutrinas ayahuasqueiras o chá é um ser divino que se encantou na forma de bebida e ao ser ingerido poderia dar muito ensinamentos, para quem tiver o merecimento, através da miração. É um professor que, para quem seguir seus ensinos, encontrará seu próprio mestre interior. O ―ser divino da floresta‖ presente no chá teria o poder de promover uma ―limpeza‖ no corpo, mente e espírito de forma gradual, purificando a alma, trazendo a tona emoções mal resolvidas e doenças para serem expurgadas (LABATE, 2002).

(41)

encontrado na folha Chacrona. A união dos dois princípios traz equilíbrio e harmonia, dando suporte ao progresso espiritual pela nova consciência adquirida através do contato que a bebida proporciona ao próprio self do individuo (LABATE, 2002).

O fenômeno do ciclo da borracha proporcionou intensa migração de nordestinos à região Norte do país, que sonhavam com uma vida melhor através da extração do látex, chamado na época de ―o ouro branco da floresta amazônica‖. O contato entre nordestinos, negros e os índios e caboclos amazonenses permitiu que um forte sincretismo religioso florescesse na floresta amazônica. O sincretismo entre o cristianismo popular, o folclore caboclo amazonense, as religiões de matriz africana e as práticas xamânicas surgiram, repaginando o cristianismo popular trazendo elementos xamânicos e esotéricos, produzindo as chamadas doutrinas tradicionais ayahuasqueiras conhecidas como Barquinha, Santo Daime e União do Vegetal. Agora vamos conhecer um pouco mais sobre as três doutrinas tradicionais ayahuasqueiras e suas visões cosmogônicas.

A Doutrina do Santo Daime

O Santo Daime é uma doutrina religiosa originária do seio da floresta amazônica, fundada por Raimundo Irineu Serra. Ao sair de sua terra natal, Maranhão, em 1912 para se tornar seringueiro na região do Acre, ele entra em contato com povos indígenas nas fronteiras da selva amazônica entre Brasil e Peru, recebendo sua iniciação sacramental com a bebida Ayahuasca. A partir desse momento, Irineu passa a ser instruído por seres espirituais que aparecem em suas mirações que lhe pedem para fazer uma criteriosa dieta à base de macaxeira insossa durante oito dias, mantendo-se isolado na floresta. No último dia de sua austeridade ele tem uma visão mariana, de um ser superior que se apresenta como Clara que lhe entrega a missão espiritual de fundar a doutrina do Santo Daime. Esta mítica personagem, Mestre Irineu a chama de ―Deusa Universal‖ ou a Rainha da Floresta, intitulada também por Nossa Senhora da Conceição.

(42)

região pelas histórias de cura e de graças alcançadas por aqueles que se aproximavam dele e da misteriosa bebida, Mestre Irineu ganha de um político local um lote de terra em um bairro rural no Rio Branco, dando início aos trabalhos públicos em 26 de maio de 1930. É aberto oficialmente o Centro de Iluminação Cristã Luz Universal (CICLU) de Alto Santo.

Figura 8 - Mestre Irineu, fundador do Santo Daime

Fonte: Google Imagens, 2016

(43)

A comunidade Alto Santo abrigava cerca de quarenta famílias que viviam em sistema de mutirão, vivendo do que plantavam, sendo autossustentáveis. Mestre Irineu recebia a todos e prestava assistência a quem estivesse doente, necessitado de conselhos ou de amparo espiritual. Mestre Irineu faleceu em 1971, deixando como legado a comunidade Alto Santo e a Doutrina do Santo Daime, além de dezenas de hinos canalizados por ele como forma de transmissão de mensagens espirituais que atuavam concomitante a força da bebida Ayahuasca nos trabalhos da doutrina do Santo Daime.

Após a morte do fundador do Santo Daime, a doutrina se divide em duas vertentes denominadas ―Alto Santo‖. Um é comandado até hoje pela viúva do Mestre Irineu, Senhora Peregrina Gomes Serra, que possui uma única igreja no Acre e não admite a expansão da Doutrina pelo mundo. O outro grupo ficou sob o comando de Francisco Fernandez Filho, que foi sucedido alguns anos depois por Luiz Mendes, atualmente possuindo algumas filiais na região Norte do país (LABATE, 2002).

(44)

Figura 9 - Padrinho Sebastião, fundador do CEFLURIS

Fonte: Google Imagens, 2016

A partir da década de 80, Padrinho Sebastião organiza o CEFLURIS em forma de comunidade, resolvendo se mudar em 1983 para o seringal do Rio do Ouro no Amazonas, à beira do Igarapé do Mapiá também no Amazonas, localizado na Floresta Nacional do Purus. Conhecida como Céu do Mapiá, sede da Doutrina, possui como atual dirigente Padrinho Alfredo Gregório de Melo, filho de Padrinho Sebastião e seu sucessor, desde o falecimento do pai em 1990 (LABATE, 2004; GOULART, 2004).

(45)

Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento7, do cristianismo popular com a sagrada família (Jesus, Maria José), os santos católicos, além das figuras míticas da cultura afrobrasileira e cabocla amazonense, bem como seres da natureza como o Sol, a Lua, as estrelas.

A Doutrina do Santo Daime possui duas fardas (a branca que se veste em festejos e trabalhos de hinário com mais de cem hinos e a farda azul usada nos demais trabalhos de concentração e cura), seus participantes preservam a ordem e a disciplina nos rituais (LABATE, 2004). Atualmente a Doutrina do Santo Daime está espalhada pelo Brasil e pelo mundo tendo filiais não só em várias capitais e demais cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Alto Paraíso, etc e em outros países como Itália, Espanha, Alemanha, França, Inglaterra, República Tcheca, Holanda, Suécia, Dinamarca, Irlanda, Portugal, Suíça, País de Gales, Bélgica, Estados Unidos, Japão, Chile, Argentina, Uruguai e Bolívia.

A Barquinha

Esta doutrina ayahuasqueira foi fundada por Daniel Pereira de Matos, maranhense, que em 1940 migrou para a cidade de Rio Branco no Acre a serviço da Marinha como 2° sargento. Ao pedir baixa do exército, vai trabalhar como barbeiro, levando uma vida boêmia no bairro do Papôco. Daniel cantava músicas sobre paixões e a mulher amada, deleitando-se em noites festeiras.

7

(46)

Figura 10 - Daniel Pereira de Matos, fundador da Barquinha

Fonte: Google Imagens, 2016

Em 1928 casa-se com Maria do Nascimento Viegas e com ela tem quatro filhos. Em 1936 já não suportando o alcoolismo e a vida boêmia de Daniel, sua mulher parte com os filhos para o Maranhão.

(47)

Outra vez doente, foi chamado por Irineu para um novo tratamento no Alto Santo. Depois de tratado e iniciado nos trabalhos do Mestre, Daniel passou a seguir a Doutrina fundada pelo amigo. Lá ajudou a musicar os primeiros hinos. Após acompanhar o amigo que havia lhe socorrido anteriormente ajudando-o a repor sua estabilidade física e espiritual. (SENA ARAUJO,p.35 1999)

Em um dado momento, Daniel resolve beber o daime sozinho e tem uma visão onde dois anjos desciam do céu, com um livro azul contendo a missão espiritual, na qual ele deveria fundar uma doutrina cristã com base na caridade. Esta revelação já havia sido feita anteriormente quando, embriagado, adormecera as margens de um igarapé onde teve um sonho com os anjos e o livro azul. Daniel resolve seguir seu destino para fundar uma linha de trabalho própria. Com o apoio do Mestre Irineu que lhe dera bastante Daime para iniciar seus próprios trabalhos, segue para a zona rural do Rio Branco, dando início aos trabalhos da Barquinha (ARAÚJO NETO apud SENA ARAÚJO, 1995).

No seringal de Santa Cecília, no bairro de Vila Ivonete, Daniel instala-se numa casinha de madeira, coberta por palha, iniciando os seus trabalhos de atendimento que ele designou como ―Obras de Caridade‖. Seu trabalho durou doze anos, falecendo em 1958. Atualmente existem filiais da Barquinha no Acre, no estado do Rio de Janeiro, Brasília e uma filial em Fortaleza (CE). Esta é a vertente considerada mais eclética, dos três grupos, por ter maior influência da umbanda, da cultura nordestina e amazônica. Nos rituais há incorporação de seres espirituais do astral, da terra e do mar, cantando-se salmos e pontos, rezando orações cristãs. A Barquinha é a missão deixada por Daniel Pereira de Matos e seus adeptos são considerados ―marinheiros do mar sagrado‖ (SENA ARAÚJO, 1999; LABATE, 2004).

A União do Vegetal (UDV)

(48)

―soldados da borracha‖ e deu opção aos jovens nordestinos de irem para a Amazônia, trabalhar nos seringais amazonenses. Em 1944, sem ter oportunidade de despedir-se, José Gabriel escreve uma carta para sua família e embarca em um navio para Belém (PA), com destino a Porto Velho, então Capital do Território Federal do Guaporé, hoje Estado de Rondônia.

Em 1959 teve seu primeiro contato com a Ayahuasca através de alguns de seus amigos seringueiros aonde ela bebe pela primeira a bebida das mãos de Chico Lourenço. Em 1961, Mestre Gabriel cria o Centro Espírita Beneficiente União do Vegetal, falecendo em 1971A instituição conta hoje, com cerca de 200 unidades, em todos os estados do Brasil, Peru, em alguns países da Europa, América do Norte e Oceania. A sede da UDV localiza-se em Brasília (LABATE, 2004; GOULART, 2004).

Figura 11 - Mestre Gabriel, fundador da UDV

(49)

A UDV nasce nos seringais da Amazônia, na fronteira entre Brasil e Bolívia, segundo a doutrina Mestre Gabriel reconheceu sua missão desde a primeira vez em que bebeu o chá. Ainda em 1959 ele passa a distribuir Ayahuasca batizando-a de Vegetal. Em 64, ele viaja com a família para Porto Velho para consolidar as atividades da sociedade criada. Posteriormente foi feito um registro no Jornal Alto Madeira da Associação Beneficiente União do Vegetal, intitulando um artigo ―Convicções do Mestre‖, uma defesa pública dos principios da UDV, Atualmente a UDV conta com filiais em todas as capitais brasileiras, além de possuir um departamento médico-científico (DEMEC) que realiza pesquisas sobre a bebida em parceria com instituições brasileiras e do exterior (LABATE, 2004; GOULART, 2004).

A partir da década de 1980, a União do Vegetal vem buscando o diálogo com autoridades, de forma a normatizar o uso do chá Ayahuasca pelos seus associados no contexto religioso. Através de pesquisas médico-científicas, realizadas por universidades do Brasil e do exterior e o estudo de uma comissão multidisciplinar de trabalho do Governo Federal (GT da Ayahuasca de 2010)

resultaram na Resolução do CONAD, que assegurou o uso do chá pelas religiões

ayahuasqueiras, estabelecendo as normas para sua utilização.

Nos rituais cantam-se as ―Chamadas‖, cânticos deixados por Mestre Gabriel, para chamar as forças da natureza. O conhecimento é passado oralmente e a palavra tem um significado especial para o grupo (LABATE, 2004). Durante os efeitos do chá, chamado pelos discipulos da UDV de ―borracheira‖, é feito o e estudo dos ensinamentos espirituais e da doutrina de Mestre Gabriel.

(50)

conjunto doutrinário da UDV é formado por ensinos, chamadas (cânticos), histórias e explicações, ligadas a Jesus e a outros reconhecidos pelo Mestre Gabriel como destacamentos de Deus, que vieram ao mundo em cumprimento de missão, como por exemplo os personagens bíblicos Adão, Jó, Noé, Santa Ana, João Batista, Cosme e Damião. Também menciona as entidades Iansã e Janaína, entre outras. Durante as sessões da UDV, a partir das perguntas dos discípulos, os mestres trazem os ensinos, as palavras e os exemplos de Jesus na forma simples como foram explicados por Mestre Gabriel. São dadas orientações que conduzem o associado ao aprimoramento das suas virtudes morais e intelectuais. (UDV, 2017)

A UDV em sua doutrina incentiva a busca da evolução espiritual através de sua doutrina de orientação e aconselhamento para a prática do bem ,aprimorando os principios éticos e morais usando a sagrada bebida como veículo para os ensinamentos doutrinários. Os caianinhos como são chamados os discípulos do Mestre Gabriel compreendem que o caminho da doutrina é o da retidão e boa conduta. Era comum ao mestre usar situações do cotidiano, sobretudo da irmandade para trazer ensinos. Muitos dos ensinamentos estimula os preceitos de união e fraternidade e valorização da família valorizando a presença dos adolescentes no sentido de contribuir na formação de valores e do carater dos jovens.

As doutrinas neo-ayahuasqueiras

(51)

O Caminho do Coração

Janderson Fernandes de Oliveira, atualmente conhecido como Sri Prem Baba, nasceu no bairro da Aclimação em São Paulo, no ano de 1965. Formou-se em psicologia e teatro, fez cursos sobre Yoga, terapias holísticas, frequentando várias religiões como budismo, umbanda, espiritismo, candomblé além de escolas esotéricas como a Gnose e a Rosa Cruz.

Figura 12 - Sri Prem Baba, fundador do Caminho do Coração

Fonte: Google Imagens, 2016

(52)

Maharaji o inicia na sabedoria védica através da transmissão espiritual de Guru para discípulo, chamado pelos iogues de parampara. Segundo Janderson, em 2002, durante um festival hindu chamado Mahashivaratri ele entra em estado de samadhi, alcançando a Iluminação. A partir desse momento, Prem Baba começa a desenvolver a centelha do Caminho do Coração que possui como influências principais a Doutrina do Santo Daime, a psicologia (o método de autoconhecimento chamado Pathwork) e a cultura védica. No Caminho do Coração, segundo seus princípios, o caminho para a Iluminação pode ser trilhado através do Daime associado ao método de autoconhecimento desenvolvido por Prem Baba (CARDOSO, 2015).

A cosmologia do Caminho do Coração está presente nos hinários canalizados por Prem Baba e que são tocados nos rituais do Núcleo São José. Onde estão presentes seres da Umbanda como Oxum, Exú, Oxalá, seres da falange oriental como Ganesha e Shiva, além de referências a doutrina do Santo Daime como Mestre Irineu, Rainha da Floresta, Beija-Flor (considerado potência de cura no Santo Daime) e ao catolicismo com a presença de São Miguel e referências à Virgem Mãe e à sagrada família. O Caminho do Coração compreende a Escola da Floresta como a união da umbanda, do folclore caboclo amazonense e do Santo Daime e a Escola do Oriente como a união dos conhecimentos orientais tais como a cultura védica e o budismo. Essas escolas possuem conhecimento milenar, e mesmo que sejam distantes em tempo e espaço, mas possuem ensinamentos que se complementam e que são usados como um guia na busca do autoconhecimento e autorrealização.

(53)

Segundo Labate (2004), Janderson construiu a cosmologia do Caminho do Coração nos moldes New Age, que não é uma religião, mas um tipo de religiosidade difusa, um movimento que faz parte de uma rede urbana entre centros holísticos. Prem Baba, atualmente expandiu seu movimento criando Awaken Love (Despertar do Amor) em que incentiva a prática do silêncio e de valores humanos para a criação de uma nova realidade social (CARDOSO, 2015).

A diversificação do uso da Ayahuasca na atualidade

Neo-ayahuasqueiros formam assim uma interseção entre as redes que compõem o universo da Nova Era e as suas matrizes, de um lado, e as religiões ayahuasqueiras ―tradicionais‖, de outro. Tal posição gera uma configuração sui generis, rica em simbolismos e práticas (LABATE, 2004, p.88).

Beatriz Labate (2004) também compreende que essas redes extrapolam a realidade local e fala em uma rede ayahuasqueira global, que é uma característica da sociedade moderna, onde há uma desterritorialização da cultura. Ao passo que o consumo da Ayahuasca, no contexto urbano, contemporâneo e neo-ayahuasqueiro apresenta, no geral, uma tendência imediatista e de consumo da natureza, redefinindo concepções contemporâneas de religiosidade.

A doutrina, a fé, o sentido de religião é que estabelece limites e regras, dá noção de certo e errado e confere sentido. A ruptura dessas regras e a criação de novos formatos ritualísticos podem ser feitas. Têm sido feitas, mas dentro da lógica interna que mantém o encanto, o mistério, a fé, para não destruir justamente aquele elemento imaterial que transforma, agrega valor simbólico e significado onde muito veem apenas mistura química (FACUNDES, 2011, p. 262).

Nesse sentido Labate (2004) aponta para uma diversificação do uso do chá Ayahuasca no contexto urbano na atualidade. Através de pesquisas juntos a determinados grupos que fazem uso do chá na atualidade, ela cita como exemplos dessa reinvenção da Ayahuasca, grupos que fazem uso do chá em jam sessions8 (no caso o grupo Céu dos Alpes) e em oficinas de teatro (grupo Porta do Sol em São

8

(54)

Paulo). Além de grupos terapêuticos que tratam moradores de rua e dependentes químicos (Associação Beneficiente Luz de Salomão [ABLUSA]).

A diversificação representa uma reinvenção continua nas formas de utilização do chá. Porém essa diversificação na experiência com a Ayahuasca, pode acarretar na desagregação do chá de um contexto simbólico-ritualístico. Há aqueles que buscam de forma imediatista a experiência, através da extração química dos alcaloides da bebida (DMT, harmina e harmalina) produzindo um psicoativo idêntico a ayahuasca quimicamente.

Mas será só um psicoativo, incapaz de gerar uma doutrina, um corpo de ensinamentos e princípios sólidos, que proporcionem uma visão de mundo consistente e capaz de agregar, de integrar e estimular o homem a viver com seus semelhantes de modo melhor (FACUNDES, 2011, p. 262).

Referências

Documentos relacionados

Na entrevista a seguir, Capovilla revisita a própria trajetória intelectual, debate a sua passagem pelo Centro Popular de Cultura de São Paulo e as críticas que escreveu para

Por lo tanto, la superación de la laguna normativa existente en relación a los migrantes climático consiste en una exigencia para complementación del sistema internacional

da equipe gestora com os PDT e os professores dos cursos técnicos. Planejamento da área Linguagens e Códigos. Planejamento da área Ciências Humanas. Planejamento da área

Vale ressaltar que, para direcionar os trabalhos da Coordenação Estadual do Projeto, é imprescindível que a mesma elabore seu Planejamento Estratégico, pois para Mintzberg (2006,

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, de 2007, e a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, instituída em 2009 foram a base

As análises do Projeto de Redesenho Curricular (PRC) das três escolas pesquisadas tiveram como suporte teórico os estudos de Mainardes (2006). Foi possível perceber

tipografia generativa na Universidade Federal do Ceará (UFC), concomitante a isso foi feito um levantamento de dados com alunos de design da universidade para compreender

Pretendo, a partir de agora, me focar detalhadamente nas Investigações Filosóficas e realizar uma leitura pormenorizada das §§65-88, com o fim de apresentar e