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Saúde masculina : representação e experiência de homens trabalhadores com o corpo, saúde e doença

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MARCO ANTONIO ALVES SEPARAVICH

Saúde Masculina:

representação e experiência de homens trabalhadores com o

corpo, saúde e doença

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iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

MARCO ANTONIO ALVES SEPARAVICH

SAÚDE MASCULINA:

REPRESENTAÇÃO E EXPERIÊNCIA DE HOMENS

TRABALHADORES COM O CORPO, SAÚDE E DOENÇA

Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva, área de concentração Ciências Sociais em Saúde

Orientadora: Profa. Dra. ANA MARIA CANESQUI

Este exemplar corresponde à versão final da Tese defendida pelo aluno Marco Antonio Alves Separavich, e orientado pela Profa. Dra. Ana Maria Canesqui. __________________________________________

Assinatura do Orientador

Campinas, 2014.

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Ciências Médicas

Maristella Soares dos Santos - CRB 8/8402

Separavich, Marco Antonio Alves,

Se61s SepSaúde masculina : representação e experiência de homens trabalhadores com o corpo, saúde e doença / Marco Antonio Alves Separavich. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

SepOrientador: Ana Maria Canesqui.

SepTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas.

Sep1. Ciências sociais. 2. Saúde do homem. 3. Corpo humano. 4. Gênero e saúde. 5. Políticas públicas de saúde. I. Canesqui, Ana Maria,1944-. II.

Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Ciências Médicas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Men's health : representation and experience of male workers about the body, health and illness

Palavras-chave em inglês: Social Sciences and Health Men's health

Human body Gender and health Public health policy

Área de concentração: Ciências Sociais em Saúde Titulação: Doutor em Saúde Coletiva

Banca examinadora:

Ana Maria Canesqui [Orientador] Everardo Duarte Nunes

Juan Carlos Aneiros Fernandez Márcia Thereza Couto Falcão Reni Aparecida Barsaglini Data de defesa: 14-08-2014

Programa de Pós-Graduação: Saúde Coletiva

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DEDICATÓRIA

À memória dos meus pais, Antonio e Maria: seus exemplos de seriedade e dignidade são o norte do meu caminhar, e

aos meus filhos, Maria Luiza e Rafael Cristiano, por manterem o meu olhar amorosamente voltado ao futuro.

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Agradecimentos

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A Deus, presença constante em minha vida, como amigo mais íntimo e mais verdadeiro, sabiamente invocado por Santo Agostinho: “fazei que Vos conheça, ó Conhecedor de mim mesmo”.

À Profa. Dra. Ana Maria Canesqui por incentivar e acreditar na execução deste projeto, mesmo nos momentos mais difíceis. A realização deste trabalho é tributária da sua orientação constante, generosa, sábia e paciente. Minha gratidão e admiração de sempre.

Ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, estendendo-se à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, referência nacional de excelência no ensino e pesquisa em Saúde, pela possibilidade de contar sempre com os recursos materiais e humanos para a minha formação acadêmica.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo apoio financeiro concedido.

À Aloide Ladeia Guimarães, coordenadora do Centro de Educação dos trabalhadores da Saúde de Campinas – CETS -, por auxiliar prestimosamente a obtenção da autorização junto a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, para a realização desta pesquisa.

À Cristina Separavich e Ana Maria Separavich, queridas irmãs que me incentivaram desde o início deste trabalho.

À Olívia Separavich Pregnolatto, sobrinha amada, pelo carinho, amor, atenção e incentivo dedicados a um tio momentaneamente ensandecido pelos encargos acadêmicos.

Especialmente, aos homens entrevistados que permitiram que eu adentrasse episodicamente em suas vidas, compartilhando suas experiências de aflição e dor vividas com o adoecimento, mas prestando também seus testemunhos de força e superação desses problemas.

Aos profissionais de saúde do Centro de Saúde em que se realizou esta investigação, pelo acolhimento e pelo auxílio em momentos cruciais da pesquisa.

Aos amigos e colegas do Grupo Cultura, Saúde e Doença, do Departamento de Saúde Coletiva, FCM/UNICAMP: Elizabeth Aparecida Trevisan, Nair Lumi Yoshino, Thailly Farias, Marcelo Mendes, Carolina Toneloto e Andréia Aparecida Ferreira Lopes pelas discussões e sugestões quando este trabalho ainda era projeto de pesquisa. Em especial, à amiga Maria Conceição Tobias Mendes, pela força e auxílio na realização desta investigação.

Ao Prof. Dr. Everardo Duarte Nunes pela valiosa contribuição por ocasião da qualificação desta tese, bem como ao Prof. Dr. Juan Carlos Aneiros Fernandez pelas críticas e reflexões sugeridas.

À Profa. Dra. Márcia Couto e Profa. Dra. Reni Barsaglini pelo acolhimento favorável à análise deste trabalho como participantes da banca de defesa.

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“Valverde sofria de asma. Bastava o tempo esfriar um pouquinho; a umidade era um veneno para ele. E, então passava mal, tudo quanto era brônquio chiava e o acometia o pavor da asfixia iminente. Sendo tímido, talvez a timidez decorresse de sua condição melancólica de asmático. Mirrado, com peito de criança, uns bracinhos finos e longos de Olivia Palito – o pobre-diabo não tinha a base física da coragem”.

“Uma senhora honesta”, p. 113. A vida como ela é ... o homem fiel e outros contos. Nelson Rodrigues.

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________________________________________________Resumo

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Este estudo analisou as experiências e representações de homens trabalhadores com o corpo, saúde, doença e cuidado, e os problemas principais de saúde por eles percebidos, quais sejam, a hipertensão arterial e as lombalgias crônicas. Analisou-se como explicam as suas causas; a forma como enfrentam e buscam a resolução ou mitigação desses problemas de saúde, as terapêuticas utilizadas, a interferência que elas acarretam em suas rotinas de vida e identidades. A revisão da literatura da Saúde Coletiva sobre a saúde do homem e masculinidades mostrou que as demandas masculinas na busca por tratamentos nos serviços públicos de saúde e a percepção de que são portadores de necessidades específicas de saúde são minoritárias. Constatou-se também que as abordagens socioantropológicas de como convivem e lidam com as enfermidades que os acometem também são raras. Justifica-se, portanto, o interesse e as razões que motivaram este trabalho. As demandas minoritárias masculinas aos serviços de saúde, concebidas a partir da masculinidade tradicional, e os dados epidemiológicos das altas taxas de morbimortalidade masculina, embasaram a formulação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), cujos objetivos buscam promover a melhora da saúde da população masculina na faixa etária dos 20 aos 59, facilitando o seu acesso aos serviços de atendimento integral à saúde na atenção primária. Campinas abriga projeto piloto de tal política. Analisou-se a implementação da PNAISH num dos centros de saúde da cidade elegido como piloto, cujos serviços estruturam-se na Estratégia Saúde da Família. Entrevistou-se 9 profissionais que nele atuam, especificamente na saúde do adulto, considerando o conhecimento que têm de tal política, as atividades que realizam para o seu atendimento, e os obstáculos observados que dificultam a sua implementação. Para o estudo da experiência da enfermidade com a hipertensão e dores lombares crônicas, entrevistou-se 15 homens, com média etária 56 anos, residentes no bairro da unidade de saúde em questão e que utilizaram em algum momento o serviço público de saúde. As entrevistas foram transcritas, lidas exaustivamente para identificar os temas recorrentes. Na análise, os temas classificados foram distribuídos em categorias gerais: corpo masculino, cuidados, problemas de saúde, e interpretados à luz das leituras socioantropológicas realizadas, articulando a experiência e as representações da enfermidade, através dos relatos interpretados pelo pesquisador. Concluiu-se que as experiências da enfermidade são peculiares e biográficas, entretanto, trazem referências sociais e culturais mais amplas, as representações, devendo ser ambas consideradas, para não oculta-las, nem as pessoas que as vivem e os modos de interpretá-las e significá-las. O estudo da experiência da enfermidade pode contribuir para a reflexão sobre a inserção e visibilidade masculinas nos serviços públicos de saúde, ampliando o olhar dos agentes implementadores da política de saúde do homem sobre suas ações. Palavras-Chave: Ciências Sociais em Saúde; Saúde do Homem, Corpo humano; Gênero e Saúde, Políticas Públicas de Saúde.

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________________________________________________Abstract

xv

This study examined the experiences and representations of male workers about the body, health, illness and care, and major health problems perceived by them, namely, hypertension and chronic back pain. Analyzed as explain its causes; how face and seek the resolution or mitigation of these health problems, therapeutic use, they entail interference in their daily lives and identities. The literature of Public Health on the men’s health and masculinities showed that male demands in the search for treatments in public health services and the perception that they are carriers of specific health needs are minority. The study founded that the sociological and anthropological approaches to how they live and deal with the illness that affect them are also rare. It is justifiable, therefore, the interest and the reasons that motivated this work. The male minority demands on health services, designed from traditional masculinity prevailing social and epidemiological data of high rates of male mortality, provide the basis for formulating of Brazilian Comprehensive Healthcare Policy for Men, whose objectives seek to promote improving the health of the male population aged 20 to 59, facilitating their access to comprehensive health care in primary care services. Campinas (Brazil) is a home pilot projects this policy. We analyzed the process of implementation of this policy in a health center city chosen as a pilot, how are structured your services in the Family Health Strategy. We interviewed nine professionals working in it, specifically in adult health, considering their knowledge this policy, care activities they perform to meet the objectives this policy, and perceived obstacles that hinder their implementation. We interviewed 15 men, some of them suffer from back pain and hypertension, mean age 56 years, residents in the health district researched, they have used or use the public health services. We transcribed the interviews, and after carefully read the transcriptions, selected the recurring themes. We analyze the themes, dividing them into general categories, such as male body, care, health problems, interpreting them in the light of the sociological and anthropological readings, combining the experience and representations of illness through narratives interpreted by researcher. This study concluded that the illness experiences are always quirky and biographical, however, bring with broader social and cultural references. We cannot obscure the illness experience and your representations, we should consider both, not covering up people that way, their sufferings and how they live and interpret it. This can extend the debate about inclusion and male visibility in public health services, expanding the eye of policy makers on their political actions directed to men’s health.

Key words: Social Sciences and Health; Men´s Health; Human body; Gender and Health; Public Health Policy

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Sumário

xvii Pág. RESUMO __________________________________________________________________xiii ABSTRACT _________________________________________________________________xv INTRODUÇÃO _______________________________________________________________1 1- Objetivos ___________________________________________________6 CAPÍTULO I – Revisão da Literatura sobre Saúde do Homem e masculinidades

e Referencial Teórico-Metodológico adotado __________________________9 1- Revisão da literatura sobre Saúde do Homem______________________9

1.1. Masculinidades _________________________________________10 1.2. As sexualidades masculinas _______________________________14 2- Referencial teórico-medotológico adotado nesta investigação ________17 2.1. Estudos de casos ________________________________________22 2.2. Análise da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde

do Homem e do caso piloto ___________________________________24 2.3. Caracterização dos sujeitos investigado e do local da pesquisa_____26 2.4. Análise das entrevistas____________________________________29 CAPÍTULO II – A Implementação da Política de Atenção Integral à Saúde do Homem

em um projeto piloto em Campinas _________________________________31 1- A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem e

a saúde masculina___________________________________________32 2- Conhecimento dos profissionais de saúde entrevistados sobre a

Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem ___________36 3- As atividades realizadas para o atendimento da saúde do homem ______41 4- Recursos materiais e humanos e os obstáculos para a implementação

da PNAISH do projeto piloto __________________________________48 CAPÍTULO III – Representações do corpo, saúde e envelhecimento _____________________55

1- Um corpo saudável: com saúde “você tem tudo!"____________________57 2- “Saindo de circulação”: a doença _______________________________63 3- Corpo, envelhecimento e cuidados de saúde ______________________68

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Sumário

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CAPÍTULO IV – Saúde do homem, gênero e sexualidade __________________________77 1- Sexualidade e gênero _____________________________________78 2- Homens, cuidados de saúde e sexualidade _____________________81 3- Sexualidade masculina: envelhecimento e a experiência

da enfermidade __________________________________________86

CAPÍTULO V – “Pressão alta” e “problemas de coluna”: a descoberta das enfermidades, suas causas, itinerários terapêuticos e tratamentos ___________________91 1- A descoberta da enfermidade e suas causas_____________________92 2- Itinerários terapêuticos _____________________________________100 3- Tratamentos _____________________________________________105 4- Convivendo com a “pressão alta” ou com a dor lombar___________111

CAPÌTULO VI – Representações e experiências com a enfermidade:

dois estudos de casos ________________________________________117 1 - Jair: “Com a fé na alma e no coração”________________________117

1.1. Explicações das causas da enfermidade ___________________120 1.2. A orientação religiosa e suas interferências sobre os

tratamentos__________________________________________123 2 - Alexandre: “O vai-e-vem” da dor lombar _____________________129 2.1. A relação de Alexandre com os tratamentos _______________132 2.2. Convivendo com a dor ________________________________134 3 - Aproximações e distanciamentos entre as experiências de ser

cardíaco e hipertenso e de ser sofredor de lombalgia crônica ______135

CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________________139 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________________147 ANEXOS _______________________________________________________________159

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Introdução

Desde meados do século passado, cientistas sociais, presentes no campo de investigação e estudo da Saúde Pública, sobretudo na América do Norte, apontaram para a necessidade de se observar como os conceitos de saúde, doença e cuidados em saúde são definidos pelos vários grupos sociais, e informam suas ações na busca pelo atendimento das necessidades de saúde. Já no início dos anos 1950, o sociólogo estadunidense Earl Lomon Koos alertava para a existência de padrões e comportamentos de saúde distintos e sobrepostos entre os grupos comunitários por ele estudados e os estabelecidos pelos cuidados em saúde institucionalizados. Tratava-se, portanto, de considerar e entender os comportamentos, atitudes e crenças na saúde e doença da população para além dos seus aspectos estritamente biológicos.

Em seu trabalho pioneiro publicado em 1954, The Health of Regionville, Koos1 mostrou que os aspectos culturais, tais como hábitos de saúde, ideais, atividades e padrões de comportamento perpassam as relações dos sujeitos com a medicina, na realidade, segundo ele, esta só logra êxito na intervenção da saúde da população na medida em que consegue estabelecer uma interlocução com os padrões culturais populares. Estes são avaliativos, valorando e hierarquizando, tanto os serviços, quanto suas próprias necessidades.

Em sua análise perspicaz, Koos antecipou temas de investigação das ciências sociais e saúde, assinalando que cada comunidade está marcada por diferenciações de classe, raça, etnia que esculpem necessidades específicas de saúde; e que além da subjetividade que compõe, em certa medida, o entendimento do significado saúde-doença, existem valores e concepções sociais que se impõem aos grupos humanos. Em seu estudo, ao estratificar os segmentos sociais de uma comunidade rural e os sentidos diversos atribuídos por eles aos serviços e significados de se estar saudável ou doente e às consequentes necessidades de saúde, indicou a variabilidade dos comportamentos de saúde e da percepção do próprio corpo; temas estes posteriormente analisados e conceituados por Boltanski2 como os usos sociais do corpo.

Nos anos 1960 e 1970, ainda no mundo anglo saxão, as investigações sobre os comportamentos na saúde e doenças foram substituídas pela análise da experiência da

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enfermidade, buscando superar a tendência à redução de várias daquelas interpretações ao modelo funcionalista parsoniano, presente nas categorizações da doença e do papel do doente3.

Autores como Glaser e Strauss usando a teoria fundamentada nos dados (grounded theory), ao lado de Goffman, entre outros, utilizando-se, sobretudo, de referenciais teóricos ancorados no interacionismo simbólico e na fenomenologia, analisaram a enfermidade a partir da perspectiva dos sofredores. Enfatizaram as formas como grupos populacionais conviviam com seus problemas de saúde e doença nas interações e situações sociais; o caráter singular dos tipos de adoecimento, sendo alguns estigmatizados socialmente, isto é, levando ao descrédito social o seu portador; o modo como se serviam dos serviços de saúde institucionalizados e os recursos mobilizados nas relações sociais próximas, entre outros temas4.

A experiência da enfermidade estabeleceu-se, assim, nas Ciências Sociais relacionadas ao campo da medicina, no contexto anglo-saxão, como instrumento para a análise dos enfrentamentos dos adoecidos face às enfermidades, não descurando dos aspectos biológicos, mas fazendo destes mais uma das dimensões presentes no processo saúde-doença. Muito embora em sua origem o conceito não se restringisse às enfermidades crônicas, foi neste campo que experimentou os resultados mais frutíferos.

Como ressalta Canesqui5, as enfermidades crônicas são concebidas pelo saber biomédico como de difícil cura, como a hipertensão, diabetes, câncer, entre outras, implicando longo convívio dos sofredores com as manifestações de sintomas e sinais corporais, que se acumulam com o avanço da idade.

É possível acessar a experiência da enfermidade por meio das narrativas dos adoecidos. Elas promovem o encontro das subjetividades inscritas nos relatos dos sofredores com o contexto social mais amplo, onde repousam, também, as representações sociais6. Outras vias permitem este acesso, como por exemplo, os estudos de casos, usados

por Barsaglini7 em sua análise sobre as representações sociais e experiência com o diabetes,

valendo-se da abordagem construtivista integradora, visando articular experiência e representações sociais.

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Já assinalara Laplantine8 que, as representações sociais conjugam “a experiência individual e [os] modelos sociais num modo de apreensão particular do real”, em que se apresentam crenças, valores, conhecimentos que informam e dão sentido à ação.

Desta forma, as narrativas, os relatos explicitam o modo como o sofredor lida ou lidou com seus problemas de saúde, atualizando sua ação na história, sempre limitada a determinada localização e configuração social e moral6, e informadas por representações sociais.

As narrativas devem ser circunscritas no tempo e no espaço, conter em si o movimento inteligível da ação e do relato, ou seja, ter começo, meio e fim9, proporcionando

o entendimento da ação e do momento vividos pelo sofredor, além de ser observada a interpretação do pesquisador.

A análise da experiência das enfermidades crônicas, por se estenderem no tempo, obriga o pesquisador a atentar para o contexto mais amplo da vida dos adoecidos, de que forma o adoecimento interfere em suas identidades, nos estilos de vida, nas relações interpessoais, nos tratamentos, ressaltando-se, também, que não há um padrão único de se viver e enfrentar essas doenças5,10. Elas também não se restringem à dimensão subjetiva dos

sujeitos, pois incluem o mundo da cultura, significados e interpretações variáveis que fazem parte do repertório cultural de um determinado grupo humano, numa determinada época, de conhecimentos que não são individuais e estanques, podendo ser alterados no curso da enfermidade11.

No caso brasileiro, segundo dados da PNAD 200812, três em cada dez cidadãos são

portadores de doenças crônicas, registrando um aumento crescente a partir dos 40 anos, respectivamente 40%. Se, por um lado, as doenças crônicas se generalizam no tempo e no espaço, abarcando a população como um todo, por outro, os fatores de risco para elas (tabagismo, alcoolismo, falta de atividade física, obesidade, consumo alimentar inadequado) e a incidência se concentram, sobretudo, na população masculina13,14,15.

Observa-se que homens morrem mais cedo do que mulheres, em todos os segmentos etários, e por todos os tipos de causas14. Conforme dados do IBGE12, a esperança de vida dos homens, ao nascer, é de 70 anos, e das mulheres, 77, aproximadamente.

Observa-se também que, entre as desigualdades de gênero – este entendido aqui sucintamente como “as características impostas aos homens e mulheres no processo de

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socialização para diferenciar ‘alguém do sexo masculino do sexo feminino"13 - que compõem o perfil epidemiológico da população, fatores outros tangenciam diretamente as questões de saúde, tais como violência, comportamentos de risco para a transmissão das doenças sexuais e AIDS, alcoolismo e a participação no planejamento reprodutivo, integram os determinantes sociais da saúde. Estes são revelados pelos altos índices de mortalidade masculina por causas violentas, e pelo descuido das práticas preventivas da saúde sexual e desengajamento dos homens no processo reprodutivo14,16, sendo necessário, portanto, ações e programas direcionados especificamente aos homens enquanto sujeitos do gênero.

Neste sentido, em agosto de 2009 foi lançada oficialmente a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH)17, tendo por objetivo específico organizar,

implantar, qualificar e humanizar, em todo território brasileiro, a atenção integral a saúde do homem, dentro dos princípios que regem o SUS (Sistema Único de Saúde), reconhecendo os determinantes sociais da vulnerabilidade dos homens às doenças, destacando que a não adesão masculina aos serviços de saúde revela estereótipos de gênero baseados em características culturais que normatizam certo tipo de masculinidade, tida por hegemônica, obedecendo a uma ordem simbólica na qual a doença expressa a fragilidade do corpo e, por extensão, do seu portador.

Na presente investigação, em um dos seus tópicos, analisa-se a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Como ressalta Viana18, examinar uma dada política

pública é, em verdade, observar os atores que participam de todas as fases do seu “ciclo de vida”, atentando para as agências, não somente dos atores estatais e institucionais, mas da inter-relação destes com todos aqueles implicados no processo decisório e nas ações e práticas sociais pertinentes aos diversos momentos do “fazer político”.

No caso das políticas de saúde, deve ser levado em conta o modelo político, que, além de contextualizar o ambiente econômico e social, a sua lógica cultural, explicita a emergência de conflitos existentes entre os vários atores envolvidos18. São nas relações

tecidas cotidianamente, inclusive naquelas instauradas pela burocracia, entre usuários, profissionais de saúde e gestores, no nível local, que podem ser apreendidos os (des) caminhos na implementação de novas ações políticas de saúde.

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Neste sentido, ao se eleger neste estudo um programa piloto de saúde do homem em uma unidade local, é importante enfocar na investigação, tanto as dimensões organizacionais, gerenciais, infraestruturais, a disponibilidade de recursos (humanos, financeiros, materiais), quanto a dimensão dos comportamentos dos profissionais nele envolvidos, ou seja, o conhecimento, a concordância ou não com os propósitos locais e nacionais do programa; como o concebem e as suas opiniões e comportamentos de adesão ou resistência em relação a ele.

Dado o caráter inovador da PNAISH e a relativa ausência de estudos qualitativos sobre a experiência e representação de um grupo de homens trabalhadores urbanizados, em processo de envelhecimento, sobre corpo, saúde, doença, cuidado em torno de problemas específicos de saúde que os afligem, este trabalho se justifica na medida em que propõe contribuir, através daquele tipo de pesquisa, para maior equacionamento dos problemas de saúde masculinos e das formas como refletem, lidam e atuam em relação a eles.

Ressalta-se, por fim, que este estudo tem por objeto principal a análise das experiências e representações de homens trabalhadores com o corpo, saúde, doença e cuidado, incluindo a identificação dos problemas de saúde percebidos; as formas de representá-los, agir e gerenciá-los nos contextos de suas vidas e nas relações estabelecidas no âmbito da família e com os distintos agentes de cura (populares, religiosos e da medicina oficial); as formas de representar e de lidar com o corpo e os cuidados corporais; os tratamentos e as prescrições médicas e não médicas.

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6 1. Objetivos

Gerais

· Analisar as representações e a experiência com o corpo, saúde, doença e cuidado entre os homens adultos envelhecidos pertencentes aos segmentos da classe trabalhadora urbana, clientela de uma Unidade de Saúde da Família do município de Campinas.

· Indagar sobre as especificidades de gênero e classe nas representações e experiência com a enfermidade, com o corpo, saúde e cuidado

· Analisar a formulação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde Masculina (justificativas, propósitos, objetivos, metas, concepções da saúde masculina e seus problemas) formulada pelo Ministério da Saúde, e um momento da sua implementação em um projeto piloto local, através das intervenções dos agentes implementadores.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, parecer nº 274078/13, CAAE 12855613.4.0000.5404

Mediante a apresentação do objeto, da justificativa para a sua escolha e dos objetivos propostos, esclarece-se que o presente trabalho está estruturado em seis capítulos.

No primeiro capítulo, apresenta-se a revisão da literatura da Saúde Coletiva/ Saúde Pública sobre a saúde do homem e masculinidades, identificada em diferentes bases eletrônicas de informações, mapeando os temas recorrentes, o que permite emoldurar as questões pertinentes à saúde masculina a partir do referencial de gênero sobre saúde e masculinidades. Sequencialmente, explicitam-se os referenciais teóricos adotados e os passos metodológicos utilizados para analisar as representações e experiências do processo saúde e doença, que envolvem o corpo, os cuidados e necessidades de saúde de homens trabalhadores entrevistados para essa investigação, residentes em um bairro periférico de Campinas, e que fazem uso, em sua maioria, dos serviços públicos de saúde. Expõem-se, também, os referenciais teóricos utilizados para analisar a implementação da Política

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Nacional de Atenção Integral à Saúde do homem (PNAISH) em um projeto piloto numa unidade de saúde selecionada para este estudo, situada na cidade paulista de Campinas.

No segundo capítulo, após a contextualização e análise dos objetivos, propósitos e justificativas formulados na PNAISH para a sua implantação, analisa-se a implementação de tal política em uma unidade de saúde de Campinas, que abriga o projeto-piloto. Por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com os profissionais de saúde que compõem o grupo da Saúde do Adulto daquela unidade, buscou-se refletir sobre o conhecimento que eles têm dos objetivos e atividades realizadas, e as dificuldades que observam pertinentes à sua implementação.

No terceiro capítulo, apresentam-se as representações dos homens entrevistados selecionados nesta investigação, usuários da assistência pública à saúde, sobre o corpo, saúde, doença e o processo de envelhecimento e cuidados de saúde, marcadas pela concepção que têm da corporeidade interseccionada pela classe social a qual pertencem e as questões concernentes aos valores atribuídos a um tipo de masculinidade tida por tradicional. O desdobramento dos temas tratados neste capítulo, integram o capítulo seguinte em que se abordam assuntos pertinentes à sexualidade masculina, a partir das observações daqueles entrevistados, como as representações sobre os cuidados de saúde perpassados pelas especificidades do gênero e masculinidades, e os reflexos das enfermidades prevalentes no grupo estudado sobre a sexualidade.

No quinto e sexto capítulos, respectivamente, analisa-se a experiência com as enfermidades crônicas mais comuns relatadas por aqueles homens: como explicam a suas causas; a forma como enfrentam e buscam a resolução desses problemas de saúde ou sua suavização; as terapêuticas utilizadas, tanto as oriundas da medicina científica quanto da tradicional; a interferência que tais doenças acarretam em suas rotinas de vida e identidades. Considera-se que a experiência da enfermidade está sempre ancorada nas representações sociais, dotando de sentido a doença vivida pelos adoecidos, tanto para si quanto para aqueles que com eles convivem, como também o adoecimento é vivido singularmente a partir das especificidades que revestem às experiências biográficas.

Neste sentido, o sexto capítulo intenta explicitar o movimento convergente entre representação e experiência com a enfermidade por meio de dois estudos de casos,

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buscando traduzir, desta forma, a unicidade da experiência vivida do adoecimento pelos entrevistados; encaminhando-se, assim, às considerações finais deste trabalho.

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CAPÍTULO I

Revisão da Literatura sobre Saúde do Homem e Masculinidades e Referencial Teórico-Metodológico adotado

Neste capítulo, explicitam-se os referenciais teóricos adotados, além do percurso metodológico seguido para a análise das representações e experiências do processo saúde-enfermidade de homens trabalhadores entrevistados para essa investigação, residentes em um bairro periférico de Campinas, e que fazem uso, em sua maioria, dos serviços públicos de saúde. A metodologia adotada intenta compreender como tais homens concebem o corpo; o processo saúde-enfermidade, os cuidados de saúde por eles dispensados, que são marcados pelo gênero e se estendem à sexualidade; e as suas necessidades de saúde.

A escolha do referencial teórico permite também analisar um momento da implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem em um Centro de Saúde do município de Campinas, que integra o projeto piloto de tal política. Observa-se a visão de seus implementadores, quais sejam, os profissionais de saúde e a coordenadora da unidade de saúde pesquisada.

Apresenta-se, primeiramente, a revisão da literatura da Saúde Coletiva/Pública sobre homens e saúde, levando-se em consideração o referencial teórico de gênero sobre as masculinidades desenvolvido pelas ciências sociais e humanas.

1. Revisão da Literatura sobre Saúde do Homem

Para pesquisar os textos sobre saúde do homem e masculinidades, utilizou-se a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), cuja base de dados agrega, sobretudo, os periódicos de maior expressão científica na região, em especial, aqueles referentes à Saúde Pública. O acesso deu-se em março de 2011.

Cruzando-se os descritores saúde do homem e masculinidades, chegou-se a um total de 27 artigos veiculados em periódicos, especificamente, direcionados à Saúde Coletiva/Saúde Pública, pertencentes à coleção da biblioteca eletrônica Scielo-Brasil, também indexada pela BVS.

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O recorte temporal intentou cobrir o período de 2005 a março de 2011, visto que em estudo anterior Gomes e Nascimento19 mapearam e analisaram a produção científica nacional de Saúde Pública sobre saúde do homem e masculinidades no período de 1998 a 2004, nos seguintes temas: sexualidade masculina, masculinidade e reprodução, e masculinidade e poder.

Ao rever na literatura o tema Saúde do Homem destacam-se preocupações com as discussões com a masculinidade, gênero, sexualidades masculinas e sua associação com a saúde, ao lado das questões associadas ao acesso e relações dos homens com os serviços de saúde, modelando suas necessidades. Vejamos estes assuntos.

1.1. Masculinidades

O tema masculinidades já se faz presente há, pelo menos, duas décadas nas discussões das Ciências Sociais e Humanas. Assim, percebem-se variações do conceito durante esse período, merecendo ser exploradas para que o mesmo possa ser refinado e melhor entendido.

A referência a Connell tem sido obrigatória, quando se adentra o tema, pois suas incursões teóricas na análise das masculinidades foram pioneiras. Em linhas gerais, define a masculinidade como sendo, ao mesmo tempo, a posição nas relações de gênero, as práticas pelas quais os homens e as mulheres se comprometem com essa posição, e os efeitos dessas práticas na experiência corporal, na personalidade e na cultura20.

O conceito de masculinidade hegemônica lhe é atribuído, pois partindo da concepção gramsciana de hegemonia, aponta algumas características que a definem: a) baseia-se na configuração relacional das práticas de gênero que são aceitas socialmente, estabelecendo e assegurando as posições polarizadas de dominantes e dominados, reveladas exemplarmente pela subordinação entre os sexos; b) não se refere a indivíduos poderosos, mas a um tipo de masculinidade tida por exemplar; c) possui aspecto ideológico, no sentido marxista do termo, pois naturaliza as diferenças entre os sexos, encobrindo assim a construção sociocultural das hierarquias de gênero; d) expressa uma posição sempre em disputa, não sendo um modelo fixo21.

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Tendo uma perspectiva socialista, Connell postula que a dominação masculina responde a uma construção histórica e cultural das masculinidades que deve, por seu turno, ser transformada. Para tanto, é relevante contextualizá-la e contestá-la nos vários espaços sociais e simbólicos em que se apresente, tanto na produção e reprodução sociais, como na esfera do consumo, nas instituições, nos lugares de lutas sociais, laborais e militares22.

Partindo de uma visão construcionista e histórica das masculinidades, tal como Connell, mas afinando-se à perspectiva dos homens pró-feministas, Kimmel23 sublinha a importância de se levar em conta espaço e tempo histórico ao se estudar as masculinidades, pois estes têm significados distintos de uma sociedade para outra, além de se diferenciarem numa mesma sociedade em um tempo diverso.

Para ele, as identidades de gênero que a masculinidade hegemônica informa se constituem no antagonismo entre masculino e feminino, nas tensões entre pares de conceitos opostos que delimitam as fronteiras entre os gêneros. No caso dos homens, na negação de quaisquer características femininas que lhes possam ser atribuídas. Para ser verdadeiramente um homem há que ser agressivo, competente, forte, racional, ter uma sexualidade sem limites, em oposição à ternura, fragilidade, afetividade, à sexualidade contida das mulheres, revelando, assim, o caráter homofóbico de sua constituição genérica.

Por não serem fixas, as masculinidades exigem dos homens reiteração contínua perante seus pares, devendo ser legitimadas pelos mesmos. Tais sentidos culturais revestem a masculinidade hegemônica de um caráter nocivo não só para as mulheres, quando a agressividade transborda como violência intergenérica, mas para os próprios homens, quando tais paradigmas lhes desautorizam a expressão de sentimentos como amor, ternura, dor, fidelidade etc.23

Welzer-Lang24 enfatiza que neste modelo homofóbico da masculinidade, a

superioridade masculina sobre as mulheres é essencializada na cultura, resultando na esfera pública como norma política androheterocentrada, delineando o “homem normal”, o “homem de verdade”, candidato a ser um “grande homem”. Neste processo, como nem todos os homens detêm igual fatia de poder, os “pequenos homens” subordinados aos “mais poderosos” silenciam o duplo padrão assimétrico

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das relações inter e intragenéricas, num pacto tácito e estratégico que eclipsa as posições subalternas da hierarquia masculina dominante.

É oportuno lembrar Almeida25, que destaca o caráter tipológico da masculinidade hegemônica, nos moldes do tipo ideal weberiano, ou seja, é um modelo cultural ideal, uma caricatura, que informa práticas e exerce efeitos de controle de poder não somente entre homens e mulheres, mas entre os próprios homens. É infactível, daí seu caráter exemplar. Instituída a partir da dicotomia masculino/feminino, acaba por revelar tanto o discurso das assimetrias entre os gêneros como as disparidades internas que constituem o próprio masculino, como por exemplo, heterossexual/homossexual, e hierarquias que vão do “mais” ao “menos”' masculino, qualificadas como variantes subordinadas do modelo hegemônico.

A despeito de certo consenso que parece haver do caráter histórico e cultural da categoria gênero26, quando se fala em masculinidades e feminilidades esse acordo parece não ser tão evidente.

Neste sentido, Faur27 dentre as várias linhas teóricas que trabalham o conceito

de masculinidades, cita a perspectiva espiritualista ou mito-poética, da qual, na América do Sul, Kreimer28 é um dos seus representantes.

A partir de uma leitura neo-junguiana da experiência vivida por alguns homens, expostas em reuniões masculinas regulares, tal autor advoga a necessidade de mudanças nos arquétipos da masculinidade. A ideia é que o movimento feminista expôs as feridas emocionais e físicas de uma masculinidade patriarcal, da qual os homens são tão vítimas quanto às mulheres. As relações de dominação dos homens sobre as mulheres tendem a se reproduzir por meio de uma matriz inconsciente que estabelece as características do que é ser masculino, desta forma os homens veem como natural a necessidade de ser provedores, agressivos, competitivos etc.

Em linhas gerais, tal perspectiva essencializa as masculinidades e feminilidades, repousando as diferenças em um psiquismo irredutível e de difícil acesso. A cultura é reificada no inconsciente masculino e os conteúdos sociais de

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poder que revestem as relações de gênero, de dominação e subordinação reduzidos aos aspectos cognitivos ou a uma suposta natureza psíquica masculina indevassável.

Reportando-se a revisão da literatura da Saúde Coletiva sobre homens e saúde a partir do referencial teórico das masculinidades, verifica-se que o acesso, ou melhor, a dificuldade do acesso dos homens aos serviços de saúde é tema relevante29,30,31,32,33,34,35,36, se revestindo, justamente, de um dos objetivos principais

da PNAISH.

No estudo de Scraiber e colaboradores29 destaca-se que a Atenção Primária a

Saúde (APS) - porta de entrada principal aos serviços de saúde - é marcadamente dirigida aos problemas de saúde das mulheres, pois prevenção e cuidado em saúde são socialmente caracterizados como tarefas essencialmente femininas. Essa mesma lógica estrutura os serviços, ações e interlocuções entre profissionais de saúde e usuários, reproduzindo relações tradicionais de gênero.

Tais relações, como observado por Figueiredo37, Gomes e colaboradores34 e por Nascimento e Gomes33, repousam em representações sociais que veem os homens como portadores de menos necessidades em saúde do que as mulheres, expressas exemplarmente na figura do chefe de família provedor, dedicado ao trabalho e que raramente adoece, o que pode os levar a negligenciar sua saúde.

Desta forma, reiteram-se características de uma masculinidade tradicional, baseada na ideia de uma natureza que provê força física inabalável aos homens, predispondo-os naturalmente ao trabalho, de uma forma geral, e a certas atividades laborativas, em particular as que demandam maior esforço físico38.

Como apontado por alguns autores34, quando chamados a explicitar os motivos

que afastam os homens dos serviços de saúde, além do cuidado ser representado como prática social feminina por excelência, vários homens destacaram como motivos principais, entre outros, a dificuldade de se ausentar do trabalho nos horários, comumente, agendados para consulta e a falta de unidades específicas voltadas ao atendimento dos problemas da saúde masculina.

Buscando compreender o que chama de “invisibilidade” dos homens no cotidiano da APS, partindo da perspectiva de gênero, Couto e colaboradores30 discutem os mecanismos do trabalho em saúde que promovem as desigualdades do

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acesso. Aqui é importante ressaltar que, muito embora se percebam mudanças nas comunicações dirigidas à população pelo Ministério da Saúde, que incluem referências de gênero, geração e raça/etnia nos materiais disponibilizados, estas ainda não são percebidas no trabalho diário das equipes de saúde. Assim, a presença majoritária nos serviços das APS é de mulheres, crianças, população historicamente atendida pelos programas de saúde materno-infantil, e de idosos.

Nota-se, ainda, a “generificação” dos espaços de atendimento, facilitando a desigualdade do acesso e contribuindo para a “invisibilidade” das necessidades e demandas masculinas de saúde, não esquecendo, contudo, que estas passam pelo crivo dos próprios homens, expostos aos estereótipos sociais de gênero, a um tipo de masculinidade que os representa como menos propensos aos problemas de saúde, contribuindo, assim, para a caracterização dos serviços das APS como espaços feminilizados30.

Como sugerido nos trabalhos de Paschoalick e colaboradores35 e Pinheiro e

Couto32, para se modificar o cenário atual devem ser enfocadas estratégias pontuais

de políticas de saúde e de ação dos profissionais da saúde, visando ampliar a atenção integral à saúde masculina, com as presença e participação efetivas dos homens nos serviços, o que significa rever maneiras e posturas de atenção e atendimento que ainda se baseiam numa masculinidade estereotipada. A ideia de se despertar nos homens a consciência de que portam necessidades específicas de saúde caminha pari passu à estruturação de serviços que atendam suas demandas e à superação de estereótipos de gênero pelos vários segmentos sociais.

1.2. As sexualidades masculinas

O tema sexualidade masculina aparece de forma significativa na produção da Saúde Coletiva sobre gênero, saúde do homem e masculinidades39.

Dentre os vários períodos da vida sexual masculina, a iniciação sexual pode ser descrita como um momento de aprendizagem corporal e social40, na qual o homem se relaciona consigo mesmo, com seu corpo, mas também com corpos outros de outros que o rodeia, referindo-se, em particular, às mulheres.

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Trata-se de momento simbólico, em que valores sociais atribuídos à masculinidade são reiterados ou transgredidos por meio da experiência vivida. Como enfatizam Leal e Knauth40, a iniciação sexual masculina é um evento marcado por construções sociais da sexualidade, seguindo-se daí que: 1º) o que é considerado como sexual varia de uma cultura para outra, pois diferentes são os valores atribuídos ao encontro entre os sexos pelas sociedades; 2º) os comportamentos sexuais são padronizados pelas sociedades e culturas humanas, embora sua aquisição se dê individualmente, num processo contínuo de aculturação que se estende por toda a vida dos sujeitos; 3º) a adaptação dos indivíduos aos comportamentos sexuais esculpidos pelas sociedades e culturas não se dá de forma linear e irreversível no tempo, pois há espaços para a criatividade humana.

Por ser um período em que hábitos de saúde ligados ao exercício da sexualidade são adquiridos e/ou transformados, alguns estudos têm-se centrado na fase da iniciação sexual masculina, objetivando questionar e apontar práticas educativas capazes de promover a ampliação da consciência dos homens jovens sobre sua saúde.

Neste sentido, a investigação de Rebello e Gomes41 com jovens universitários

do Rio de Janeiro, apurou que a iniciação sexual, conforme narrada pelos sujeitos pesquisados, ancora-se num modelo sociocultural estabelecido de ser homem, obedecendo à norma de conduta heterossexual, e tendo na penetração a principal prática atribuída ao ato sexual masculino.

A iniciação sexual se configura, assim, como momento em que o jovem é pressionado socialmente por seus pares a provar que é realmente “homem”, ocorrendo cada vez mais cedo, o que os leva a descuidos na realização do sexo seguro, com agravos à saúde decorrentes das doenças sexualmente transmissíveis (DST) e AIDS. No entanto, como observam os autores, outros significados foram atribuídos por vários sujeitos ao início da experiência sexual, tais como o marco de uma etapa da vida, o despertar do desejo pelo sexo oposto, enfim, sentidos que relativizam os valores atribuídos a uma masculinidade hegemônica e que expressam a sensibilidade masculina. Medos, anseios e inseguranças compõem este período da vida dos jovens, e devem ser ouvidos para que possa ser promovida efetivamente a educação em saúde deste grupo geracional.

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Na mesma direção seguem as observações fornecidas pelo estudo de Nascimento e Gomes42, com jovens adolescentes cariocas, de classe popular, em que se encontrou que há uma mistura de valores ligados à permissão e à interdição dos assuntos relacionados à sexualidade, em geral, e à iniciação sexual, em específico. Os jovens veem a masturbação como espaço privilegiado da iniciação sexual masculina, e esta como algo complicado, prazeroso, afetuoso e momento comum de aprendizagem. Os autores concluem que novas formas de acolhimento e de escuta precisam ser desenvolvidas nos serviços de saúde para atender as demandas sexuais destes jovens, visto que comumente não expressam publicamente suas apreensões em relação ao sexo, permanecendo tais assuntos restritos a foros privados.

Quando se atenda para a sexualidade nos grupos de idade adulta, os estudos são escassos. Conceitos como disfunção erétil, andropausa, mais recentemente denominada distúrbio androgênico do envelhecimento masculino (DAEM), reposição hormonal masculina frequentam cada vez mais a mídia e os espaços da agenda pública e política da saúde masculina.

Há que se ressaltar que, como faz Aquino43, tais discussões envolvem múltiplos

interesses, se destacando os da indústria farmacêutica que, no limite, investe na produção de novas drogas baseando-se em predições de mercados futuros e na criação de produtos lucrativos.

O fenômeno Viagra surgido no final dos anos 1990 é reconhecidamente o início de um processo de medicalização da sexualidade masculina na meia-idade44,43 que se

amplia e se acelera no espaço e no tempo.

Simbolicamente, a ereção aparece como signo de uma masculinidade desejável, de uma sexualidade masculina estereotipada, que se quer ostensiva, sendo rechaçada qualquer “falha”, porque esta significa o fracasso pessoal e social.

O padrão corporal valorizado na sociedade, qual seja, do indivíduo jovem, forte, musculoso, sempre pronto e disponível sexualmente, um verdadeiro “super homem”, aparece como o ideal de corpo a ser perseguido socialmente. Paradoxalmente, vê-se aumentar o número de jovens que utilizam drogas vasoativas orais (cialis, Viagra, levitra) para obter um desempenho sexual extra-humano, e

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esteroide anabólico para adquirir um corpo que se faz cada vez mais inatingível, colocando em risco suas vidas e saúde.

Trata-se de um padrão corporal que opera de forma violenta45, esculpido pela moral contemporânea da “boa forma”, exigindo do indivíduo, independentemente da idade, o controle da aparência física ao mesmo tempo em que o incita a maximização de experiências hedonistas.

Demarcando estilos de masculinidades que fogem ao padrão tradicional, o estudo de Sutter e Bucher-Maluschke46, localizou pais cuidadores no sul do Brasil, na faixa etária de 21 a 34, de classe social mediana, casados, com filhos de dezoito meses a oito anos. Com base em suas análises, as autoras concluíram que estes pais vivem a experiência da paternidade com especial intensidade emotiva, demonstrando disposição contrária ao estereótipo masculino que pressupõe o autocontrole das emoções e a negação do cuidado. Estudos como este permitem apontar construções sociais de masculinidades distintas à hegemônica, demarcando sua constituição intrapessoal (subjetivações da auto identidade) e interpessoal (representações sociais das masculinidades).

Na revisão da literatura ora desenvolvida, foram raros, quando não inexistentes, os estudos sobre a experiência e representações dos homens sobre saúde e doença, cuidados e necessidades de saúde do ponto de vista socioantropológico, embora o assunto sexualidade tenha ganho certo interesse.

2. Referencial teórico-metodológico adotado nesta investigação

O referencial teórico-metodológico adotado neste estudo vale-se da abordagem socioantropológica para analisar, primeiramente, a experiência da enfermidade com o deslindamento das conexões existentes entre as sensações corporais, numa dimensão subjetiva, e as representações, isto é, o repertório dos significados socioculturais disponíveis ao sofredor, capazes de atribuir sentido ao seu sofrimento, numa dimensão objetiva47.

Por representação, observa-se a conceituação de Laplantine8, já referida

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valores, crenças e conhecimentos difundidos socialmente, que informam e justificam a ação, tanto dos indivíduos quanto da coletividade.

A análise das representações e experiência com a enfermidade, corpo e cuidado pressupõe a interação e reciprocidade entre os dois conceitos, à medida que a experiência como narrativa é interpretada, sendo reveladas as ações e representações simultaneamente. Neste caso, para articular ambos os conceitos foram selecionadas e analisadas, também, narrativas específicas de homens. Entretanto, destaca-se que tanto as representações do corpo, saúde e doença quanto às narrativas são também partilhadas pelo grupo, sendo necessário, ainda, delinear o que há de comum nas experiências relatadas nas representações, à medida que elas não são apenas singulares, mas coletivas.

Faz-se necessário esclarecer, ainda, que a noção de experiência utilizada neste estudo se traduz sempre como experiência com a enfermidade, isto é, é entendida, tanto como uma abordagem teórica quanto um conceito, utilizados para analisar o processo de adoecimento, a convivência com a enfermidade e os reflexos desta na vida dos adoecidos. Por um lado, trata-se de um recorte temporal preciso na vida daquele que sofre, não sendo, por conseguinte, expressão definitiva da experiência da sua vida, nem tampouco abrangentemente da própria enfermidade, uma vez que esta se altera no tempo e espaço, mediante o seu curso, à variação das condições de saúde e vida aos quais os homens entrevistados estavam sujeitos. Por outro lado, a experiência é sempre informada, apresentada como narrativas, relatos que estão sujeitos às interpretações, mediadas pela interação social e pelos ditames da consciência e memória de quem os informam.

Os estudos sobre a experiência da enfermidade originaram-se nos países anglo-saxões nos anos 1950, tendo como pesquisadores os cientistas sociais ingleses e norte-americanos e por objeto principal de investigação a vivência das pessoas no processo de adoecimento5.

Inicialmente, tais estudos centraram-se nos processos subjetivos, no significado cultural atribuído às doenças, no estigma que envolve os portadores de determinadas enfermidades e condições de saúde, e nas formas utilizadas pelos adoecidos para enfrentar e minimizar seus sofrimentos. Outros temas foram incorporados ao longo

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do tempo, ampliando o olhar investigativo sobre a experiência da enfermidade, como a interação dos adoecidos entre si, o impacto refletido nos familiares no decurso do adoecimento e as intersecções estabelecidas entre este e as clivagens sociais de classe, gênero, etnia, dentre outras. Os estudos baseavam-se, sobretudo, na investigação das doenças crônicas, condizentes com um quadro epidemiológico vigente nos países desenvolvidos em que a prevalência dessas enfermidades suplantava as agudas48.

Dentre as várias inclinações teóricas que impulsionaram a análise da experiência da enfermidade, destacam-se o interacionismo simbólico e a fenomenologia. Ao enfocar as experiências de pessoas com sinais corporais e enfermidades visíveis, asiladas ou não, Goffman49 destacou a deficiência física como categoria construída nos encontros face a face, seu caráter estigmatizante não emanando da falta de habilidade dos seus portadores, mas do descrédito a eles conferido nas interações sociais tecidas cotidianamente.

Da mesma forma, os estudos realizados por Becker sobre os desviantes sociais mostraram que o desvio é produzido pela sociedade e por suas instituições especializadas. Os padrões e normas instituídos, socialmente, regulam os comportamentos, portanto, o desvio não é em si inerente ao desviado, mas atribuído, daí a rotulação e estigmatização daquele que foge à regra contribuir frequentemente para o seu confinamento em hospícios, prisões, hospitais etc.50

Os estudos desses interacionistas simbólicos, dentre outros, colaboraram para o entendimento da enfermidade como fato construído socialmente, e não apenas realidade biológica, além de retratarem o estigma e o desvio a partir do olhar dos próprios sofredores.

As análises da fenomenologia, em sua vertente sociológica, especificamente baseadas em Schutz, também contribuíram para alicerçar a visão da enfermidade como constructo social, considerando as experiências dos adoecidos, indissociáveis do processo analítico do adoecimento.

Privilegiando o ponto de vista do ator social, Schutz51 postula que as pessoas agem sempre em situação, isto é, ocupam uma determinada posição na sociedade –

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política, ética, econômica, religiosa etc. – que, juntamente às suas experiências biográficas, contribuem para localiza-las perante a realidade vivida.

Os conceitos de situação e experiência biográfica deste autor são, particularmente, relevantes para a análise da experiência da enfermidade, pois possibilitam, respectivamente, compreendê-la simultaneamente ancorada na estrutura social, conferindo-lhe orientação geral, e nas experiências individuais, enriquecendo-a com enriquecendo-as cenriquecendo-arenriquecendo-acterísticenriquecendo-as peculienriquecendo-ares vividenriquecendo-as pelo sofredor. Neste sentido, o conceito schutziano de estoque de conhecimento reveste-se de grande importância, porque é por meio dos conhecimentos apreendidos com as experiências vividas em seu cotidiano que as pessoas reinterpretam o mundo e orientam suas ações, entendendo-se sempre a intersubjetividade como mediadora desse processo51.

.A análise fenomenológica da experiência da enfermidade direciona o olhar do pesquisador para o sofrimento vivido pelos adoecidos no cotidiano da vida, a forma como dão sentido às enfermidades no curso do adoecimento, como lidam com as restrições físicas e sociais, e como evitam a deterioração de suas identidades diante delas10.

A despeito de essas bases teóricas estruturantes da investigação sobre a experiência da enfermidade, Pierret3 revisando a literatura anglo-saxônica sobre o tema destaca o descuramento da análise macrossocial presente em vários estudos, sendo valorizada a esfera subjetiva na vivência dos adoecimentos crônicos consoante à ideologia individualista que marca, indelevelmente, aquelas sociedades.

Na América Latina, devido às profundas desigualdades sociais observadas, as investigações sobre a enfermidade, segundo a experiência dos adoecidos, levaram em conta a estrutura social. Na maioria das vezes, essas pesquisas dirigiram-se às condições laborais e suas consequências à saúde do trabalhador. No entanto, grande parte dos estudos realizados nos anos 1960/70, cujos referenciais teóricos se aproximavam de uma visão economicista do marxismo, excluiu a ordem simbólica dessas experiências, pois enfocava dados políticos, econômicos ou epidemiológicos,

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por conseguinte, apresentou-se “uma racionalidade operária unilateralmente economicista e desprendida dos outros aspectos da vida cotidiana”50.

Em sua revisão sobre os estudos da experiência da enfermidade no Brasil, Canesqui5 localiza o aumento do interesse neste tipo de abordagem na década de 1990, refletindo a tendência internacional de se buscar metodologias qualitativas para a análise do processo saúde-enfermidade entre os adoecidos crônicos, que, no caso brasileiro, serviu-se dos referenciais teóricos da fenomenologia e hermenêutica47.

Tal como Alves52, entendemos o conceito de experiência como instrumento de

orientação para problematizar e compreender como as pessoas “vivem seu mundo”. Assim, busca-se refletir como homens, trabalhadores residentes em um bairro periférico de Campinas experimentam e dão sentido ao seu processo de adoecimento. Entrevistou-se quinze homens (Anexos – Quadro I), trabalhadores da classe popular, a maioria usuária regular dos serviços públicos de assistência à saúde. Observaram-se os seguintes critérios para selecioná-los:

a) Ser do sexo masculino e estar na faixa etária de 50 a 65 anos;

b) Utilizar o Sistema de Saúde público, ainda que, momentaneamente, para a resolução de problemas de saúde;

c) Residir no bairro em que se desenvolveu a pesquisa.

Os entrevistados foram indicados pelos profissionais de saúde da unidade elegida. O primeiro contato entre pesquisador e entrevistado deu-se por meio de telefonema, em que se esclareceram os objetivos da investigação, bem como se estabeleceu a concordância para a efetivação da entrevista. Sempre que possível, procurou-se marcar mais de uma entrevista, a fim de manter maior contato com o universo dos entrevistados. No entanto, quando não foi possível, realizou-se uma única entrevista. Nesses casos, invariavelmente, foi alegado pelo entrevistado impedimento associado ao seu trabalho.

As entrevistas se deram na residência dos entrevistados, sendo prestadas informações sobre os seus direitos e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

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Organizou-se as perguntas dirigidas aos entrevistados por meio de roteiro semi-estruturado, buscando mapear e analisar os temas pertinentes, estruturando-os em três eixos:

1º) Representações sobre o corpo, saúde, doença, envelhecimento e cuidados à saúde: questionou-se os entrevistados sobre os seus conceitos de saúde, doença e o processo de envelhecimento. Procurou-se atentar como dão sentido à corporeidade e atribuem especificidades de gênero a ela e aos cuidados e necessidades de saúde;

2º) Experiência da enfermidade: indagou-se aos entrevistados sobre os problemas de saúde que mais os afligem, a forma como explicam as causas de suas enfermidades, os cuidados de saúde a ela direcionados, o modo como a doença interfere em suas rotinas de vida, os usos de terapêuticas médicas e tradicionais na resolução ou mitigação de suas enfermidades;

3º) Usos dos serviços públicos de saúde: intentou-se colher a avaliação dos entrevistados sobre a assistência pública à saúde por eles utilizada, tanto em relação ao atendimento dos seus problemas específicos de saúde, quanto à estrutura geral de tais serviços na atenção à saúde da população.

Para explicitar a imbricação entre experiência e representação da enfermidade recorreu-se, tanto à análise dos conteúdos dos relatos, abordados em capítulos específicos para o conjunto dos entrevistados, quanto ao estudo de caso.

2.1. Estudos de Casos

Na concepção de Stake53, educador estadunidense afinado à abordagem do

construcionismo social, o caso é sempre uma unidade recortada, um sistema delimitado cujas partes se integram, assim, no estudo de caso deve se delimitar ao máximo o que se propõe ser estudado, sem, no entanto, ser desprezado o contexto maior em que ele se insere: histórico, psicológico, social, econômico, cultural etc. O estudo deve se basear em um número restrito de questões.

Becker54 esclarece que esse tipo de pesquisa é originário dos estudos médicos e psicológicos, que adaptados às Ciências Sociais tornaram-se uma das principais modalidades de análise social. Lembra ainda que, para os cientistas sociais interessam, sobretudo, as organizações ou comunidades, mas que estudos de casos

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individuais, mesmo que raros hoje em dia, foram muito utilizados outrora por esses pesquisadores.

Para Stake53, os casos individuais podem ser comparados entre si, tratando-se, assim, de estudo de caso coletivo, em que importa enfatizar tanto o que é comum quanto aquilo que é peculiar a cada caso. Interessa ao estudioso do caso tornar o mais claro possível a sua compreensão, não sendo aconselhável a generalização dos seus resultados.

Os casos elegidos neste estudo foram selecionados a partir do universo dos quinze entrevistados que compõem esta investigação. Seus relatos foram colhidos por meio de entrevista semiestruturada, o que confere ao pesquisador o controle e a sugestão dos temas abordados, no entanto, garantiu-se liberdade aos informantes de esgotarem o assunto toda vez que este se mostrou pertinente aos temas propostos.

Observou-se como critério para a seleção dos casos a sua singularidade: no primeiro, ressalta-se uma visão de mundo marcadamente religiosa, no último, prevalece a secularização das representações da experiência vivida. Os protagonistas dos casos convivem, respectivamente, com as enfermidades prevalentes nas condições de saúde informadas pelo grupo de entrevistados: a hipertensão arterial e a dor lombar crônica.

Nesta investigação, a ancoragem teórica utilizada analisa gênero como categoria relacional, isto é, diz respeito às relações sociopolíticas construídas entre homens e mulheres, mas também dos homens entre si e das mulheres e seus pares genéricos, o que significa dizer que gênero perpassa todas as relações sociais, sendo a primeira forma de dar sentido tanto a tais relações como as de poder e de dominação55.

No que tange às relações entre gênero e saúde masculina, tal categorização confere maior plasticidade e espaço às formas de masculinidades e suas imbricações com o corpo, saúde, doença e cuidado, iluminando, também, a análise das concepções de masculinidades contidas na formulação da PNAISH.

Observa-se que gênero sofre inflexão das diferenças de classe social, mantendo especificidades no segmento de classe de pertencimento dos homens entrevistados,

Referências

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